quinta-feira, 22 de maio de 2025

A URSS pode não ter sido extinta?


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Em meio à embriaguez causada pela agressão e pilhagem à Ucrânia e pela total inutilidade de seus cargos, os políticos próximos ao ditador Putin estão se entregando a surtos que causariam somente riso se não se baseassem numa vontade bem real de tiranizar e saquear cada vez mais pessoas, em qualquer lugar do mundo. Um tal Anton Kobiakov, assessor presidencial, delirou após um fórum jurídico internacional, dizendo que não havia bases legais sustentando a dissolução da URSS e que, portanto, os acordos de Belavezha eram inválidos. Assinados em Belarus pelos presidentes desse país (Stanislau Shushkevich), da Rússia (Boris Ieltsin) e da Ucrânia (Leonid Kravchuk), representaram a verdadeira sentença de morte da “união indestrutível de povos irmãos”, e não o discurso de renúncia de Mikahil Gorbachov. Apunhalado pelas costas pelo ex-aliado pinguço, o odiado político já tinha se tornado líder de um país inexistente...

O comunista (o que mais podia ser?) Vladislav Iegorov, deputado da Duma Estatal, reverberou a mentira e disse que o assunto deveria ser levado a sério pelos órgãos estatais. Em brilhante entrevista à exilada Novaia Gazeta Ievropa, uma das poucas fontes em russo ainda disponíveis sobre o que realmente acontece dentro do Khuilostão, a jurista Ielena Lukianova demonstrou por que isso não passa de um absurdo e como o tal assessor Kobiakov sequer entende do que está falando. Pra desmentir antes que algum maluco webcomunista ou putinminion divulgue por aqui com atraso, eu mesmo traduzi os dois artigos trazendo as visões contrastantes, tendo sido o primeiro lançado pelo serviço de imprensa da bancada do KPRF na Duma. As observações entre colchetes são minhas:



Vladislav Iegorov sobre a declaração de Kobiakov: a Rússia deve renunciar publicamente aos Acordos de Belavezha e formalizar legalmente essa decisão – A URSS continua existindo, e a operação militar especial na Ucrânia é um “processo interno”, diz o assessor de Putin.

Quando a União Soviética se dissolveu, o procedimento legal foi violado, o que significa que a URSS ainda existe, disse o assessor presidencial Anton Kobiakov numa entrevista coletiva após o Fórum Jurídico Internacional de São Petersburgo.

Kobiakov disse que a URSS foi criada por decisão do Congresso dos Deputados do Povo, portanto, deveria ter sido dissolvida por decisão do mesmo órgão. Além disso, ele disse que os Conselhos Supremos [parlamentos] das repúblicas soviéticas não tinham autoridade para ratificar os Acordos de Belavezha. Assim foi comunicado no canal do Telegram “Путин в Telegram”. Vladislav Iegorov, deputado da Duma Estatal da Federação Russa e chefe do comitê provincial de Nizhny Novgorod do Partido Comunista da Federação Russa, comentou a referida declaração do assessor presidencial:

“A declaração do assessor presidencial sobre a invalidade jurídica dos Acordos de Belavezha de 1991 sobre a dissolução da URSS pode ter consequências de longo alcance. Na década de 1990, o PC da Federação Russa apresentou um projeto de denúncia desses acordos à Duma Estatal para discussão. Embora com dificuldade, o projeto foi apoiado pela maioria dos deputados. Porém, Ieltsin apresentou uma iniciativa sobre ‘manter a estabilidade do sistema político na Rússia’, que também foi aprovada por maioria e desautorizou a decisão anterior da Duma.

“O fato de essa questão estar sendo levantada hoje na Administração Presidencial é absolutamente correto. No contexto da operação militar especial, o repúdio público ao documento assinado por Ieltsin indicaria o desejo da Rússia de recuperar a importância geopolítica que detinha durante a era soviética. Acredito que chegou a hora de adotar uma declaração correspondente no nível da Assembleia Federal.”


“Legalmente, a URSS ainda existe” – Assim pensa Anton Kobiakov, assessor de Putin. A “Novaia” conversou com a jurista Ielena Lukianova sobre a razão disso não ser verdade.

Em 21 de maio, numa entrevista coletiva após o Fórum Jurídico Internacional de São Petersburgo, o assessor presidencial russo Anton Kobiakov declarou que a URSS continua existindo e, portanto, a invasão da Ucrânia é um “processo interno”. Ele se apoiou nas opiniões de certos especialistas em direito constitucional.

A Novaia, junto com a constitucionalista Ielena Lukianova, explica por que a URSS não existe mais.

“Se a URSS não foi dissolvida” – Anton Kobiakov afirmou que a URSS, do ponto de vista jurídico, pode continuar existindo, já que sua dissolução em 1991 não obedeceu ao procedimento estabelecido.

“Se o Congresso dos Deputados do Povo, também conhecido como Congresso dos Sovietes, fundou a URSS em 1922, então ela deveria ter sido dissolvida por decisão em congresso desses mesmos deputados”, disse Kobiakov.

Segundo ele, a assinatura dos Acordos de Belavezha em 8 de dezembro de 1991 foi um “evento estranho”, e sua ratificação pelos Sovietes Supremos da RSFS da Rússia, da RSS da Ucrânia e da RSS da Bielorrússia, uma fuga do limite das competências desses órgãos.

“E se o procedimento legal foi violado, conclui-se que legalmente a URSS ainda existe. É o que dizem os especialistas em direito constitucional. [...] Mas se a URSS não foi dissolvida, então logicamente, do ponto de vista jurídico, conclui-se que a crise ucraniana é um processo interno”, disse.

Kobiakov acrescentou que a dissolução da URSS precisa passar por uma avaliação jurídica completa e enfatizou que tal discussão já começou no âmbito do fórum.

“Enquanto não acabarmos com isso nem definirmos, do ponto de vista jurídico, em que consiste a dissolução da URSS, continuaremos tendo esses problemas”, disse.

Por que a URSS não existe mais? – “Precisamos citar pelo menos seis ou sete leis. Mas o principal é que a URSS não existe, porque o tratado de formação da URSS em 1922 foi denunciado pelo Soviete Supremo da RSFS da Rússia”, explica Ielena Lukianova, doutora em Direito.

Mesmo assim, ela observa que a extensão em que a assinatura dos Acordos de Belavezha foi legítima continua sendo uma questão controversa. “Naquela época, havia na URSS não três, mas 12 repúblicas. Os países bálticos já tinham conquistado a independência. Mas pelo menos essas três repúblicas tinham o direito de dizer que não faziam mais parte da União Soviética. A formulação pode ter sido radical, mas àquela altura a Ucrânia já tinha adotado uma declaração de independência e votado num referendo. A Rússia também teve uma declaração de independência. Mas apesar dessa história controversa, o fato é que a URSS não existe.”

Lukianova também ressalta que o próprio Kobiakov não é jurista nem tem formação jurídica. O assessor de Putin é kandidat em Biologia e doutor em Economia.

“Ele não sabe nada sobre a formação da URSS, porque afirma que o tratado sobre a formação da URSS foi concluído pelo Congresso dos Deputados do Povo, também conhecido como Congresso dos Sovietes. Em primeiro lugar, há uma grande diferença entre ambos. Em segundo lugar, o acordo foi concluído não pelo Congresso dos Sovietes (29 de dezembro de 1922), mas na véspera, numa reunião de representantes de quatro repúblicas: Rússia, Bielorrússia, Ucrânia e Transcaucásia. Geórgia, Azerbaijão e Armênia tinham assinado o acordo cada uma separadamente”, enfatiza a jurista.

Na mesma declaração, Kobiakov mencionou que a URSS deveria ter sido dissolvida pelo mesmo órgão que a criou. Lukianova observa que a regra de que qualquer tratado internacional deve ser contestado da mesma maneira como foi assinado só foi introduzida em 1969, na Convenção de Viena sobre o Direito dos Acordos Internacionais. As disposições dessa convenção não se aplicam aos documentos assinados antes de sua adoção.

“Além disso, é totalmente falso que o tratado de formação da URSS seja internacional. Trata-se mais de um documento fundador”, afirma a entrevistada da Novaia.

Perseguições – A ideia de Kobiakov de que a URSS ainda existe não é nova. Ainda na década de 1990, começaram a surgir na Rússia comunidades dos chamados “cidadãos da URSS” – pessoas que acreditam que a União Soviética continua existindo e que o governo atual é ilegítimo ou controlado por forças externas. Eles estão convencidos de que a Federação Russa não é um Estado, mas uma estrutura comercial e, portanto, se recusam a pagar impostos e quitar dívidas.

Na primeira metade de 2020, o número de processos criminais contra “cidadãos da URSS” na Rússia aumentou drasticamente – mais de dez em seis meses. Na época, em Kirov, três pessoas foram acusadas de participar da organização extremista proibida “União das Forças Eslavas da Rus”, e em Samara, um processo foi aberto pela repostagem de um vídeo sobre a restauração da URSS.

Aleksandr Verkhovski, do Centro Sova, acreditava que o FSB percebia os “cidadãos da URSS” como uma ameaça potencial devido a sua atividade e opiniões de oposição.

No verão de 2022, um tribunal da província de Samara declarou o grupo de “cidadãos da URSS” de Novokuibyshevsk, conhecido como “União das Linhagens Luminosas Soviéticas” [SSSR, na sigla em russo, igual à da URSS], como uma organização extremista. Depois disso, começou uma perseguição massiva em todo o país por participação em atividades da organização extremista ou em sua criação.

Em 2024, em Ecaterimburgo, 11 membros do movimento foram condenados a penas entre dois a seis anos de prisão por participarem da organização extremista. Na República de Altai, Andrei Kartopolov [não confundir com Andrei Kartapolov deputado da Duma pelo Rússia Unida e um dos defensores mais vocais da invasão à Ucrânia] recebeu dois anos e meio de prisão por participar de reuniões e divulgar a ideologia dos “cidadãos da URSS”. Em Omsk, três ativistas receberam sentenças entre nove meses de trabalhos forçados a um ano e dois meses de prisão por participar da organização proibida.

Em 23 de abril de 2025, no Tribunal Distrital de Basmanny, policiais espancaram Aleksandr Tsopov, de 70 anos, advogado de defesa e ex-funcionário do FSB que representava Valentina Reunova, autoproclamada chefe do Presidium do Soviete Supremo da URSS. A briga começou depois que os policiais expulsaram rudemente os visitantes e Tsopov tentou proteger a filha de Reunova da retirada forçada. Durante a briga, um policial ameaçou Tsopov e agrediu-o, e outra funcionária chutou-o. Tsopov ficou ferido e foi levado ao Instituto Sklifosovski, mas depois escreveu uma declaração contra o policial por abuso de autoridade – e ele próprio ficou detido durante a noite.

Mais tarde, foi aberto contra ele um processo criminal por violência contra funcionário do governo (artigo 318 do Código Penal), e ele recebeu um compromisso por escrito de não deixar a cidade.



O porteiro do hospício faltou???

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