domingo, 30 de outubro de 2022

“A reta final?” (Daniel Aarão Reis)


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Recebi diretamente pelo WhatsApp de meu mestre, promotor e amigo Daniel Aarão Reis. Não sei qual seria o contexto da publicação, mas achei imprescindível partilhá-lo com pequenas edições, sem mudar o conteúdo. Não sei se tenho autorização, mas deixa pra lá, hehehe. Bom voto, pessoal!



Estamos na reta final, muitos argumentam, pensando no dia 30 de outubro próximo.

Trata-se, sem dúvida, de um dia decisivo, quando a sociedade brasileira será chamada a decidir se quer ou não continuar com o tempo de horrores que tem sido proporcionado ao país pelas alianças políticas e partidárias que assumiram o poder desde janeiro de 2019.

É certo que o atual presidente é um mal em si mesmo, mas ele é sobretudo a expressão brasileira de um processo social e histórico que tem âmbito mundial, suscitado por uma revolução científico-tecnológica que tem subvertido em profundidade – e numa velocidade vertiginosa – todas as dimensões da vida social, envolvendo a economia, a política, a cultura, fazendo com que “tudo que é sólido se desmanche no ar”.

Este processo tem provocado, conforme demonstrou Thomas Piketty, uma concentração demencial da riqueza, aprofundando dramaticamente as desigualdades sociais e favorecendo os grandes monopólios numa escala ainda desconhecida nos marcos da história do capitalismo. Tudo isto tem gerado nas gentes desconforto, angústia, desespero, desamparo.

As forças democráticas não têm sido capazes de oferecer soluções para estes problemas; ao contrário, uma vez no poder, conciliam com as tendências monopolistas e o crescimento das desigualdades sociais, com a limitação dos direitos sociais, culturais e ecológicos, dificultando ou impedindo a “democratização da democracia”, ou seja, sua extensão às vastas camadas populares, contribuindo, assim, mesmo que involuntariamente, para o descrédito das instituições e para a naturalização das desigualdades e da violência.

Fortalecem-se, em consequência, lideranças políticas e propostas religiosas messiânicas, autoritárias, que adquirem dimensão popular e se espalham pelo mundo. Entre outras, destacam-se o trumpismo articulado com as religiões neopentecostais nos Estados Unidos; as tendências autocráticas de V. Putin em comunhão com a Igreja Ortodoxa na Rússia; a democracia iliberal de V. Orbán, e os apelos de um cristianismo integrista na Hungria; a ditadura mal disfarçada de R. Erdoğan na Turquia, aliada a correntes fundamentalistas islâmicas; o despotismo político na China, confirmado agora pela investidura ditatorial de Xi Jinping; o racismo institucional de N. Modi na Índia apoiado no integrismo hinduísta; a ditadura teocrática no Irã, chefiada por A. Khamenei. Todas estas múltiplas formas de autoritarismo político, muito diferentes entre si, têm um ponto central em comum: consagram o desprezo pela democracia e pelos valores democráticos. Como nos anos anteriores à 2.ª Guerra Mundial, o autoritarismo já não se disfarça, afirma-se abertamente e sem complexos.

Jair Bolsonaro e suas articulações religiosas com o neopentecostalismo exprimem, no Brasil, a reemergência de propostas autoritárias com base popular. Adquiriram força social e política graças à erosão do prestígio da mal chamada “nova república”. Cavalgam na descrença dos valores democráticos. Farão tudo para impedir a posse de Lula e para infernizar o seu governo.

A campanha de Lula, ampliando alianças, consideradas indispensáveis para vencer o inimigo comum do regime democrático, pecou pela falta de propostas claras de como pretende governar. É certo que, premido pelas circunstâncias e por pressões diversas, esclareceu alguns pontos programáticos no contexto do segundo turno. Mas subsistem ainda muitas dúvidas e incertezas quanto ao rumo e ao sentido de seu governo.

Ora, uma vez eleito presidente da República, Lula terá que formular opções. Não terá pela frente uma conjuntura internacional e nacional favorável como nos seus dois primeiros mandatos.

O mundo de hoje, vinte anos depois, transformou-se num cenário marcado por uma instável multipolaridade. Na Ucrânia, desenvolve-se uma guerra de resultados ainda incertos, com promessas de radicalização. Outros conflitos anunciam-se na Ásia e no Oriente Médio. Afirma-se igualmente a possibilidade de uma nova crise econômica de âmbito mundial, com redução de crescimento e mesmo recessão em vários países.

No plano nacional, Lula será pressionado por uma extrema-direita raivosa, pela avidez tradicional do capital financeiro e pelos interesses de suas bases populares. Tentará equilibrar-se no seu estilo habitual de mestre em negociar e arbitrar conflitos, mas é duvidoso que estas habilidades serão suficientes para manter sob controle as tensões e contradições sociais emergentes.

Neste quadro é uma ilusão imaginar que estamos numa “reta final”. Parodiando W. Churchill, a provável vitória de Lula não será o começo do fim, mas apenas o fim do começo.

As ameaças da extrema-direita bolsonarista só serão superadas se a democracia for ampliada e aprofundada em nosso país. Se a renda for efetivamente distribuída. O racismo, combatido com firmeza. A tutela militar, afastada. A segurança provida, não apenas para as classes médias e as elites, mas para todo o povo. As polícias, desmilitarizadas. A devastação ambiental, erradicada. A educação e a saúde públicas, garantidas e aperfeiçoadas. A corrupção com os dinheiros públicos, controlada.

Será virtualmente impossível alcançar estes objetivos apenas através da ação do Estado e de líderes carismáticos. Será imprescindível a mobilização e a auto-organização das gentes.

Vivemos e viveremos ainda tempos sombrios. À espera, espreitam-nos grandes desafios. Decifrá-los e enfrentá-los será tarefa de uma geração.


Daniel Aarão Reis
25 de outubro 2022



sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Denegrir é mesmo um termo racista?


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Backup de umas notas nervosas que fiz nos stories do WhatsApp na manhã de 17 de outubro de 2022. Pra não estragar o papel desta página como uma espécie de portfólio meu, censurei alguns termos chulos e ocultei nomes cuja menção pudesse me comprometer:




Manchar por sua linguagem alguém em sua reputação (tradução do francês).


1. Enegrecer (pretejar?), tingir de preto. 2. Denegrir, enegrecer (obscurecer?) (tradução do francês).




quarta-feira, 26 de outubro de 2022

“Karl Marx” (Vladimir Lenin, 1914)


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Esta é a última das três brochuras escritas por Vladimir Ilich Lenin (1870-1924), revolucionário comunista russo, que traduzi pra editora Expressão Popular publicar, o que ela só fez com a segunda delas (“As três fontes e três partes componentes do marxismo”). A que lhes apresento hoje se chama “Karl Marx (Breve esboço biográfico com uma exposição do marxismo)”, (1), escrita entre julho e novembro de 1914 e publicada com cortes em 1915 no Dicionário Enciclopédico Granat, 7.ª ed., tomo 28, sob a assinatura “V. Ilin”. O prefácio foi publicado em 1918 na brochura Karl Marx (Moscou, Editora Priboi), mas com a assinatura “N. Lenin”, uma das que o russo mais usava na clandestinidade. A tradução que se segue foi feita a partir da redação soviética, que cotejou o manuscrito com o texto da brochura e adicionou as notas presentes (que estão indicadas quando forem de Lenin ou da tradução = N.T.). Sem as notas da edição soviética, o original em russo pode ser lido nesta página.



Prefácio

O artigo sobre Karl Marx publicado agora como um opúsculo à parte foi escrito por mim em 1913 (pelo que me lembro) para o dicionário Granat. No final do artigo foi incluída uma lista bibliográfica bastante detalhada sobre Marx, estrangeira em sua maior parte. Ela foi omitida na presente edição. Em seguida, a redação do dicionário, por sua vez, devido aos perigos da censura, excluiu o final do artigo sobre Marx, que era dedicado à sumarização de sua tática revolucionária. Infelizmente, estou sem a possibilidade de reproduzir aqui esse final, pois o rascunho ficou em algum lugar com meus papéis em Cracóvia ou na Suíça. Recordo apenas que nesse final do artigo eu citava, entre outras coisas, o trecho da carta de Marx a Engels de 16/04/1856, em que ele escreveu: “Toda a causa na Alemanha irá depender da possibilidade de fortalecer a revolução proletária com uma espécie de segunda edição da guerra camponesa. Então tudo correrá perfeitamente”. (2) Eis o que não entenderam em 1905 nossos mencheviques, que agora descambaram na plena traição ao socialismo, na passagem para o lado da burguesia.


N. Lenin

Moscou, 14 de maio de 1918.


Karl Marx nasceu em 5 de maio de 1818 na cidade de Trier (província do Reno, Prússia). Seu pai era um advogado judeu que em 1824 se converteu ao protestantismo. Sua família era abastada e culta, mas não revolucionária. Tendo terminado o ginásio em Trier, Marx entrou na universidade, primeiro em Bonn, depois em Berlim, e estudou ciências jurídicas, mas história e filosofia mais do que tudo. Concluiu o curso em 1841, tendo apresentado uma tese acadêmica sobre a filosofia de Epicuro. A seu próprio ver, Marx ainda era então um idealista hegeliano. Em Berlim ele se juntou ao círculo dos “hegelianos de esquerda” (Bruno Bauer e outros), que aspiravam extrair da filosofia de Hegel conclusões ateístas e revolucionárias.

Após terminar a universidade, Marx se mudou para Bonn, visando lecionar no ensino superior. Mas a política reacionária do governo, que em 1832 privou Ludwig Feuerbach de sua cátedra, em 1836 se recusou de novo a admiti-lo na universidade, e em 1841 privou o jovem professor Bruno Bauer do direito de lecionar em Bonn, forçou Marx a desistir da carreira científica. A evolução das posições da esquerda hegeliana na Alemanha estava naquele tempo avançando muito rápido. Ludwig Feuerbach, em particular desde 1836, começa a criticar a teologia e se direcionar rumo ao materialismo, que passa a predominar em todo seu pensamento em 1841 (A essência do cristianismo); em 1843 mesmo já foram publicados seus Princípios da filosofia do futuro. “Foi preciso passar pelo efeito libertador [desses livros]”, escreveu Engels posteriormente sobre essas obras de Feuerbach. “Nós” (i.e. os hegelianos de esquerda, inclusive Marx) “imediatamente nos tornamos feuerbachianos”. (3) Nessa época a burguesia radical renana, que tinha pontos em comum com a esquerda hegeliana, fundou em Colônia o jornal oposicionista Rheinische Zeitung (Gazeta Renana, que começou a circular em 1.º de janeiro de 1842). Marx e Bruno Bauer foram convidados na qualidade de colaboradores principais, e em outubro de 1842 Marx se tornou redator-chefe e se transferiu de Bonn para Colônia. A orientação democrático-revolucionária do jornal sob a redação de Marx foi se tornando cada vez mais definida, e o governo primeiramente submeteu o jornal a uma censura dupla e tripla, depois decidiu em 1.º de janeiro de 1843 fechá-lo totalmente. A essa altura Marx foi obrigado a permanecer como redator, mas em todo caso sua partida não salvou o jornal, que foi fechado em março de 1843. Dos mais vigorosos artigos de Marx na Rheinische Zeitung, Engels menciona ainda, além dos indicados acima (cf. Bibliografia (4)), um artigo sobre a situação dos camponeses viticultores no vale do Mosela. (5) O trabalho jornalístico fez Marx descobrir que não conhecia a economia política o suficiente, e ele se lançou aferradamente ao seu estudo.

Em 1843 Marx se casou em Kreuznach com a amiga de infância Jenny von Westphalen, que já tinha se tornado sua noiva quando ele ainda era universitário. Sua esposa pertencia a uma família prussiana de nobres reacionários. O irmão mais velho dela foi ministro do Interior da Prússia numa das épocas mais reacionárias (1850-1858). No outono de 1843 Marx chegou a Paris para editar no exterior, junto com Arnold Ruge (1802-1880; hegeliano de esquerda, ficou na prisão de 1825 a 1830, emigrou em 1848 e se tornou bismarckiano depois de 1866-1870), uma revista radical. Saiu apenas o primeiro volume dessa revista, os Anais Franco-Alemães, que cessaram devido à dificuldade da divulgação clandestina na Alemanha e por causa de divergências com Ruge. Em seus artigos nessa revista, Marx já atua como revolucionário, proclamando uma “crítica impiedosa de tudo o que existia”, e em particular a “crítica das armas”, (6) num apelo às massas e ao proletariado.

Em setembro de 1844 Friedrich Engels chegou a Paris para ficar alguns dias, tornando-se a partir de então um amigo íntimo de Marx. Em dupla, eles tiveram uma participação ativíssima na vida efervescente dos grupos revolucionários da Paris de então (um significado especial teve a doutrina de Proudhon, com a qual Marx acertou definitivamente as contas em Miséria da filosofia, de 1847) e elaboraram, combatendo acerbamente as diversas doutrinas do socialismo pequeno-burguês, a teoria e a tática do socialismo proletário revolucionário ou comunismo (marxismo). Ver as obras de Marx dessa época (1844-1848) no apêndice Bibliografia. Em 1845, como um revolucionário perigoso, Marx foi expulso de Paris por insistência do governo prussiano, e ele se transferiu para Bruxelas. Na primavera de 1847 Marx e Engels aderiram a uma sociedade clandestina de propaganda, a “Liga dos Comunistas”, tiveram participação destacada no 2.º congresso dessa liga (Londres, novembro de 1847) e, encarregado por ele, redigiram o famoso Manifesto do Partido Comunista, que saiu em fevereiro de 1848. Com genial clareza e acuidade, está delineada nessa obra uma nova visão de mundo, um materialismo consequente que abarca também o campo da vida social, a dialética como a doutrina mais profunda e multilateral sobre o desenvolvimento, a teoria da luta de classes e do papel revolucionário do proletariado na história mundial como o artífice da nova sociedade comunista.

Quando irrompeu a revolução de fevereiro de 1848, (7) Marx foi expulso da Bélgica. Ele chegou novamente a Paris e de lá, depois da revolução de março, (8) à Alemanha, exatamente em Colônia. Lá foi publicada, de 1.º de junho de 1848 a 19 de maio de 1849, a Nova Gazeta Renana; seu redator-chefe foi Marx. A nova teoria foi brilhantemente confirmada pelo curso dos acontecimentos revolucionários em 1848-1849, assim como a confirmariam a seguir todos os movimentos proletários e democráticos de todos os países do mundo. A contrarrevolução triunfante primeiramente enviou Marx a julgamento (no qual foi absolvido em 9 de fevereiro de 1849) e depois o expulsou da Alemanha (16 de maio de 1849). De início Marx se dirigiu a Paris, foi expulso e de lá, após a manifestação de 13 de junho de 1849, (9) partiu para Londres, onde viveu o resto de sua vida.

As condições da vida no exílio, reveladas com particular evidência pela correspondência de Marx com Engels (edição de 1913), (10) eram extremamente difíceis. A privação oprimiu diretamente Marx e sua família; se não fosse o regular e abnegado apoio financeiro de Engels, Marx não somente não poderia ter concluído O capital, mas também teria fatalmente morrido sob o jugo da miséria. Além disso, as doutrinas e correntes predominantes do socialismo pequeno-burguês, do não proletário em geral, obrigaram Marx a combater sem pausa nem piedade, por vezes em resposta aos mais violentos e selvagens ataques pessoais (Herr Vogt (11) ). Afastando-se dos círculos de emigrantes, Marx aprimorou, numa série de trabalhos históricos (cf. Bibliografia), sua teoria materialista, despendendo energia, sobretudo, no estudo da economia política. Marx revolucionou essa ciência (cf. abaixo a doutrina de Marx) em suas obras Contribuição à crítica da economia política (1859) e O capital (livro I, 1867).

O período em que se reergueram os movimentos democráticos no fim das décadas de 1850 e 1860 novamente convidou Marx à ação prática. Em 1864 (28 de setembro) foi fundada em Londres a célebre 1.ª Internacional, a “Associação Internacional dos Trabalhadores”. Marx era a alma dessa associação, tendo redigido seu primeiro “Apelo” (12) e o grosso das resoluções, declarações e manifestos. Unindo o movimento operário de diversos países, visando direcionar rumo ao caminho da ação conjunta as diferentes formas de socialismo não proletário, pré-marxista (Mazzini, Proudhon, Bakúnin, o trade-unionism liberal inglês, as oscilações dos lassallianos à direita na Alemanha etc.), e lutando contra as teorias de todas essas seitas e escolas, Marx forjou uma tática unificada de luta proletária da classe operária em diferentes países. Após a queda da Comuna de Paris (1871), que Marx avaliou de um modo tão profundo, acertado, brilhante, revolucionário e eficiente (A guerra civil na França, 1871), e após a dissolução da Internacional pelos bakuninistas, a existência dela na Europa se tornou impossível. Depois do congresso da Internacional em Haia (1872), Marx efetuou a transferência de seu Conselho Geral para Nova York. A 1.ª Internacional concluiu seu papel histórico, cedendo lugar a uma época de crescimento imensamente mais robusto do movimento operário em todos os países do mundo, a saber, uma época de seu crescimento em extensão, de fundação dos partidos operários socialistas de massas baseados nos distintos Estados nacionais.

O trabalho extenuante na Internacional e as ocupações teóricas ainda mais extenuantes arruinaram definitivamente a saúde de Marx. Ele continuou sua reelaboração da economia política e a conclusão do Capital, reunindo uma massa de materiais novos e estudando uma série de línguas (russo, por exemplo), mas a doença não lhe permitiu finalizar O capital.

Em 2 de dezembro de 1881 faleceu sua esposa. Em 14 de março de 1883 Marx silenciosamente adormeceu para sempre em sua poltrona. Ele foi enterrado junto de sua esposa no Cemitério de Highgate, em Londres. Alguns dos filhos de Marx morreram ainda crianças em Londres, quando a família estava numa grande penúria. Três filhas foram casadas com socialistas da Inglaterra e da França: Eleanor Aveling, Laura Lafargue e Jenny Longuet. O filho desta última é membro do Partido Socialista Francês.


1. A doutrina de Marx

O marxismo é o sistema de opiniões e ensinamentos de Marx. Marx foi um continuador e finalizador das três principais correntes ideológicas do século 19 que pertenciam aos três países mais avançados da humanidade: a filosofia clássica alemã, a economia política clássica inglesa e o socialismo francês em ligação com as doutrinas revolucionárias francesas em geral. A admirável coerência e inteireza de suas visões, reconhecida inclusive pelos opositores de Marx – visões que dão em conjunto o materialismo moderno e o socialismo científico moderno como teoria e programa do movimento operário de todos os países civilizados do mundo –, nos obriga a anteceder a exposição do conteúdo principal do marxismo – ou seja, a doutrina econômica de Marx – com um breve esboço de sua visão geral de mundo.


1.1. O materialismo filosófico

A partir de 1844-1845, quando se formaram as opiniões de Marx, ele foi um materialista, no essencial um partidário de L. Feuerbach, também percebendo posteriormente seus pontos fracos somente na coerência e aprofundamento insuficientes de seu materialismo. Para Marx, o significado de Feuerbach para “fazer uma época” na história mundial consistia exatamente em ter rompido definitivamente com o idealismo de Hegel e ter advogado o materialismo, que ainda “no século 18, sobretudo na França, era um combate não somente às instituições políticas existentes, incluindo a religião e a teologia, mas também [...] a toda metafísica” (no sentido de “especulação ébria” distinta da “filosofia sóbria”) (A Sagrada Família in Herança Literária). (13) “Para Hegel”, escreveu Marx, “o processo do pensamento, que ele até mesmo transforma, sob o nome de Ideia, em sujeito independente, é um demiurgo (artífice, criador) da realidade [...] Para mim, ao contrário, o ideal não é nada diferente do material, transferido para a mente humana e reorganizado nela” (O capital, livro I, prefácio à 2.ª ed. (14)). Em plena correspondência com essa filosofia materialista, também Marx a expondo, F. Engels escreveu no Anti-Dühring (cf. Bibliografia): – Tendo Marx travado contato com o manuscrito dessa obra – “[...] A unidade do mundo consiste não em sua existência, mas em sua materialidade, que é demonstrada pelo longo e difícil desenvolvimento da filosofia e das ciências naturais [...] O movimento é a forma de existência da matéria. Nunca em nenhum lugar existiu e nem pode existir matéria sem movimento, movimento sem matéria [...] Se alguém perguntar o que são o pensamento e o conhecimento, de onde eles se originam, veremos então que eles são produtos do cérebro humano e que o próprio homem é um produto da natureza, tendo evoluído num dado ambiente natural e junto com ele. Por essa razão, é evidente que os produtos do cérebro humano, também consistindo, no final das contas, em produtos da natureza, não contradizem a coerência restante da natureza, mas correspondem a ela”. “Hegel era idealista, isto é, para ele as ideias de nossa mente não eram reflexos [Abbilder, representações; por vezes Engels fala em “impressões”], mais ou menos abstratos, das coisas e processos reais, mas ao contrário, as coisas e seu desenvolvimento eram para Hegel reflexos de uma certa ideia que existiu em algum lugar até o surgimento do mundo”. (15) Em sua obra Ludwig Feuerbach, na qual Friedrich Engels expõe as visões suas e de Marx sobre a filosofia de Feuerbach e que Engels mandou para a editora, tendo relido previamente o velho manuscrito seu e de Marx de 1844-1845 a respeito de Hegel, Feuerbach e a concepção materialista da história, Engels escreve: “A grande questão fundamental de toda filosofia, e em particular da contemporânea, consiste em indagar qual é a relação do pensamento com a existência, do espírito com a natureza [...] o que antecede a quê: o espírito à natureza ou a natureza ou espírito [...] Os filósofos se dividiram em dois grandes campos, conforme a maneira como respondiam a essa questão. Os que afirmavam que o espírito existia antes da natureza e que, por conseguinte, declaravam que o mundo tinha sido criado assim ou assado, [...] compunham o campo idealista. E os que consideravam a natureza como o princípio básico aderiram às diferentes escolas do materialismo”. Qualquer outro emprego dado às noções de idealismo e materialismo (filosóficos) leva apenas à confusão. Marx repudiou decididamente não apenas o idealismo, sempre ligado de um jeito ou outro com a religião, mas também o ponto de vista de Hume e Kant, difundido sobretudo em nossos dias, o agnosticismo, o criticismo e todas as formas de positivismo, considerando semelhante filosofia uma concessão “reacionária” ao idealismo e, no melhor dos casos, “uma admissão acanhada do materialismo pela porta de trás, escondido aos olhos do público”. (16) Cf. a esse respeito, além das obras de Engels e Marx indicadas, a carta de Marx a Engels de 12 de dezembro de 1866, na qual Marx, ressaltando as intervenções do célebre naturalista T. Huxley, “mais materialistas” do que era então comum, e seu reconhecimento de que, porquanto “nós efetivamente observamos e raciocinamos, nunca podemos sair do terreno do materialismo”, ainda lhe censura sua “quedinha” pelo agnosticismo de Hume. (17) Em particular, deve-se ressaltar a visão de Marx no tocante à liberdade face à necessidade: “a necessidade é cega enquanto não se torna consciente. A liberdade é a consciência da necessidade” (Engels no Anti-Dühring) = reconhecimento da conformidade da natureza a leis objetivas e da transformação dialética da necessidade em liberdade (no mesmo nível da transformação do desconhecido, mas cognoscível, de “coisa em si” em “coisa para nós”, de “substância das coisas” em “fenômeno”). Como limitações fundamentais do “velho” materialismo, incluindo o de Feuerbach (e mais ainda o “vulgar” de Büchner-Vogt-Moleschott), Marx e Engels consideravam (1) esse materialismo ser “predominantemente mecânico”, não levando em conta os últimos progressos da química e da biologia (e em nossos dias, devíamos ainda dizer, da teoria elétrica da matéria); (2) o velho materialismo ser a-histórico, não dialético (metafísico no sentido de antidialético), não acompanhar de forma consequente e multilateral o ponto de vista do desenvolvimento; (3) seus adeptos entenderem a “essência do homem” de modo abstrato, e não como o “conjunto de todas as relações sociais” (definidas em sua concretude histórica), e por isso apenas “explicarem” o mundo quando se tratava de “transformá-lo”, ou seja, não entenderem o significado da “atuação prática revolucionária”.


1.2. A dialética

A dialética hegeliana, como a doutrina mais multilateral, rica em conteúdo e profunda sobre o desenvolvimento, era reputada por Marx e Engels como a aquisição suprema da filosofia clássica alemã. Qualquer outra formulação do princípio do desenvolvimento, da evolução, eles consideravam unilateral, pobre em conteúdo, desfigurando e mutilando o curso real do desenvolvimento (não raro com saltos, catástrofes, revoluções) na natureza e na sociedade. “Marx e eu éramos quase as únicas pessoas que se atribuíram a tarefa de salvar [após a derrota do idealismo e, inclusive, do hegelianismo] a dialética consciente e convertê-la numa concepção materialista da natureza”. “A natureza é a confirmação da dialética, e a ciência natural contemporânea mostra exatamente que essa confirmação é excepcionalmente rica” (escrito antes da descoberta do rádio, dos elétrons, da transformação dos elementos etc.!), “acumulando diariamente massas de material e demonstrando que as coisas residem na natureza, em última instância dialeticamente, e não metafisicamente”. (18)

“A grande ideia fundamental”, escreve Engels, “de que o mundo consiste não de objetos prontos, finalizados, mas representa um conjunto de processos no qual os objetos, parecendo imutáveis, assim como seus retratos e noções mentais feitos pela mente, se encontram em mudança ininterrupta, ora aparecendo, ora se desfazendo – essa grande ideia fundamental, desde os tempos de Hegel, entrou em tal medida na consciência comum que é pouco provável alguém se pôr a contestá-la em sua forma geral. Mas uma coisa é admiti-la em palavras, e outra coisa é aplicá-la em cada caso específico e em cada domínio definido da pesquisa”. “Para a filosofia dialética, não há nada estabelecido de uma vez por todas, absoluto, sagrado. Em tudo e sobre tudo ela enxerga a marca da queda inevitável, e nada pode resistir diante dela, exceto o movimento incessante de aparecimento e dissolução, da infinita ascensão do inferior rumo ao superior. Ela própria é apenas um simples reflexo desse processo no cérebro pensante”. Desta forma a dialética, segundo Marx, é “a ciência das leis gerais do movimento, tanto do mundo externo quanto do pensamento humano”. (19)

Esse lado, revolucionário, da filosofia de Hegel foi assimilado e desenvolvido por Marx. O materialismo dialético “não necessita de nenhuma filosofia apoiada sobre as demais ciências”. Da filosofia anterior permanece “a doutrina sobre o pensamento e suas leis – a lógica formal e a dialética”. (20) E a dialética, no entender de Marx e também de acordo com Hegel, abrange o que atualmente se chama teoria do conhecimento, a gnoseologia, que deve examinar seu objeto, da mesma forma, historicamente, estudando e generalizando a origem e a evolução do conhecimento, a passagem da ignorância ao conhecimento.

Atualmente a ideia de desenvolvimento, evolução, entrou quase inteiramente na consciência social, mas por outros caminhos, e não por meio da filosofia de Hegel. Contudo, a formulação dessa ideia como a deram Marx e Engels se baseando em Hegel é imensamente mais aprofundada, imensamente mais rica em conteúdo do que a ideia corrente de evolução. O desenvolvimento, como que repetindo os estágios já percorridos, mas os repetindo de outra forma, numa base mais alta (a “negação da negação”), o desenvolvimento, por assim dizer, em espiral, e não em linha reta; o desenvolvimento desigual, catastrófico, revolucionário; as “rupturas na gradualidade”; a transformação da quantidade em qualidade; os impulsos internos ao desenvolvimento, dados pela contradição e conflito entre forças e tendências diferentes que atuam num dado corpo, nos limites de um dado fenômeno ou dentro de uma determinada sociedade; a interdependência e a estreitíssima e indissolúvel ligação entre todos os aspectos de cada fenômeno (sendo que a história está sempre revelando aspectos novos), ligação que dá no processo único do movimento, governado por leis universais ‒ tais são alguns dos traços da dialética como uma doutrina mais substancial (do que as usuais) sobre o desenvolvimento. (Confr. com a carta de Marx a Engels de 8 de janeiro de 1868 caçoando das “tricotomias arbóreas” de Stein, que seria absurdo confundir com a dialética materialista. (21) )


1.3. A concepção materialista da história

A consciência da incoerência, incompletude e unilateralismo do velho materialismo levou Marx a se convencer da necessidade de “coadunar a ciência sobre a sociedade com uma fundamentação materialista e reedificá-la em conformidade com essa fundamentação”. (22) Se o materialismo em geral explica a consciência a partir da existência, e não o contrário, então na aplicação à vida social da humanidade o materialismo exigia a explicação da consciência social a partir da existência social. “A tecnologia”, diz Marx no livro I do Capital, “desvela a relação ativa do homem para com a natureza, o processo espontâneo de produção de sua vida e também, além disso, de suas condições sociais de vida e das representações espirituais que dela decorrem”. (23) Uma formulação completa das teses fundamentais do materialismo impregnado na sociedade humana e em sua história foi dada por Marx no prefácio à obra Contribuição à crítica da economia política com as seguintes palavras:

“Na produção social da própria existência, os homens entram em relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade; essas relações de produção correspondem a um grau determinado de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais.

“A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas sociais determinadas de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos homens que determina o seu ser; ao contrário, é o seu ser social que determina sua consciência. Em uma certa etapa de seu desenvolvimento, as forças produtivas materiais da sociedade entram em contradição com as relações de produção existentes, ou, o que não é mais que sua expressão jurídica, com as relações de propriedade no seio das quais elas se haviam desenvolvido até então. De formas evolutivas das forças produtivas que eram, essas relações convertem-se em entraves. Abre-se, então, uma época de revolução social. A transformação que se produziu na base econômica transforma mais ou menos lenta ou rapidamente toda a colossal superestrutura. Quando se consideram tais transformações, convém distinguir sempre a transformação material das condições econômicas de produção ‒ que podem ser verificadas fielmente com ajuda das ciências físicas e naturais ‒ e as formas jurídicas, políticas, religiosas, artísticas ou filosóficas, em resumo, as formas ideológicas sob as quais os homens adquirem consciência desse conflito e o levam até o fim.

“Do mesmo modo que não se julga o indivíduo pela ideia que de si mesmo faz, tampouco se pode julgar uma tal época de transformações pela consciência que ela tem de si mesma. É preciso, ao contrário, explicar essa consciência pelas contradições da vida material, pelo conflito que existe entre as forças produtivas sociais e as relações de produção. [...] Em grandes traços, podem ser os modos de produção asiático, antigo, feudal e burguês moderno designados como outras tantas épocas progressivas da formação da sociedade econômica.” (24) (Confr. com a breve formulação de Marx na carta a Engels de 7 de julho de 1866, “Nossa teoria sobre a determinação da organização do trabalho pelos meios de produção”. (25) )

A descoberta da concepção materialista da história ou, melhor dizendo, a continuação coerente e a difusão do materialismo no domínio dos fenômenos sociais sanou duas deficiências principais das teorias históricas anteriores. Primeiramente, no melhor dos casos elas examinavam apenas as motivações ideológicas da atividade histórica das pessoas, não pesquisando como se apresentam essas motivações, não enxergando as leis objetivas que conformam o desenvolvimento do sistema de relações sociais, não percebendo como raízes dessas relações o grau de desenvolvimento da produção material; segundamente, as teorias anteriores não abrangeram as próprias ações das massas da população, enquanto o materialismo histórico foi o primeiro a dar a possibilidade de pesquisar, com a exatidão da história natural, as condições sociais das vidas das massas e as mudanças dessas condições. A “sociologia” e historiografia pré-marxianas, no melhor dos casos, gerava uma acumulação de fatos brutos, recolhidos de forma desconexa, e uma representação separada dos aspectos do processo histórico. O marxismo apontou o caminho rumo ao estudo totalizante e multilateral do processo de surgimento, evolução e declínio das formações socioeconômicas, examinando em conjunto todas as tendências contraditórias, trazendo-as às condições precisamente definidas de vida e produção das diferentes classes da sociedade, removendo o subjetivismo e a arbitrariedade na escolha de certas ideias “dominantes” e em sua interpretação, desvelando a situação das forças materiais de produção como raízes, sem exceção, de todas as ideias e de todas as diferentes tendências. As próprias pessoas fazem sua história, mas o modo como são definidas as motivações das pessoas, mais exatamente das grandes massas, como se apresentam os conflitos entre ideias e aspirações contraditórias, qual é o conjunto de todos esses conflitos das massas de todas as sociedades humanas, quais são as condições objetivas de produção da vida material que formam a base de toda a atividade histórica das pessoas, qual é a lei do desenvolvimento dessas condições ‒ a tudo isso Marx dirigiu sua atenção e indicou o caminho rumo a um estudo científico da história como um processo único, com leis que determinam todo o seu caráter enormemente multiforme e contraditório.


1.4. A luta de classes

São de conhecimento geral os fatos de que as aspirações de alguns membros de dada sociedade são contrárias às aspirações de outros, que a vida social é repleta de contradições, que a história nos mostra uma luta entre povos e sociedades, bem como dentro deles, e também, além disso, a alternância entre períodos de revolução e reação, de paz e guerras, de estagnação e progresso ou declínio rápidos. O marxismo deu a linha condutora que permite descobrir as leis que regem esse aparente labirinto e caos, a saber: a teoria da luta de classes. Somente o estudo do conjunto das aspirações de todos os membros de uma dada sociedade ou grupo de sociedades possibilita conduzir a uma determinação científica do resultado dessas aspirações. E a fonte das aspirações contraditórias está na diversidade de situações e condições de vidas das classes em que cada sociedade está fragmentada. “A história de toda sociedade até nossos dias”, escreve Marx no Manifesto Comunista (exceto a história das comunidades primitivas, adiciona Engels posteriormente), “é a história da luta de classes. Homem livre e escravo, patrício e plebeu, senhor e servo, mestre e oficial, em suma, opressores e oprimidos sempre estiveram em constante oposição; empenhados numa luta sem trégua, ora velada, ora aberta, luta que a cada etapa conduziu a uma transformação revolucionária de toda a sociedade ou ao aniquilamento das duas classes em confronto. [...] A sociedade burguesa moderna, oriunda do esfacelamento da sociedade feudal, não suprimiu a oposição de classes. Limitou-se a substituir as antigas classes por novas classes, por novas condições de opressão, por novas formas de luta. O que distingue nossa época ‒ a época da burguesia ‒ é ter simplificado a oposição de classes. Cada vez mais, a sociedade inteira divide-se em dois grandes blocos inimigos, em duas grandes classes que se enfrentam diretamente: a burguesia e o proletariado.” (26) Desde a grande revolução francesa, a história europeia tem desvelado com particular evidência numa série de países esse substrato real dos acontecimentos, a luta de classes. E a era da restauração na França já havia apresentado uma série de historiadores (Thierry, Guizot, Mignet, Thiers) que, generalizando o que acontecia, não puderam negar que a luta de classes era a chave para entender toda a história francesa. E a era contemporânea, a era da vitória completa da burguesia, das instituições representativas, do amplo (embora não universal) direito de voto, da imprensa diária barata que chega às massas etc., a era dos poderosos e cada vez mais amplos sindicatos operários e uniões de empresários etc., mostrou com evidência ainda maior (embora às vezes de forma muito unilateral, “pacífica”, “constitucional”) que a luta de classes é o motor dos acontecimentos. A seguinte passagem do Manifesto Comunista de Marx nos mostrará quais exigências de análise objetiva da situação de cada classe na sociedade moderna, ligadas à análise das condições de desenvolvimento de cada classe, Marx colocava diante da ciência social: “De todas as classes que hoje enfrentam a burguesia, somente o proletariado é uma classe realmente revolucionária. As outras classes vão degenerando e tendem a desaparecer com o desenvolvimento da grande indústria, ao passo que o proletariado é o seu produto característico. As classes médias ‒ o pequeno industrial, o pequeno comerciante, o artesão, o camponês ‒, todos combatem a burguesia para preservar do desaparecimento sua existência como classes médias. Portanto, não são revolucionárias mas conservadoras. Mais ainda, são reacionárias, pois procuram girar a contrapelo a roda da História. Quando são revolucionárias, o são à luz da perspectiva iminente de sua passagem para o proletariado. Defendem não mais seus interesses presentes, mas seus interesses futuros; abandonam seu próprio ponto de vista para assumir o do proletariado.” (27) Numa série de obras históricas (cf. Bibliografia) Marx deu modelos brilhantes e profundos de historiografia materialista, de análise da situação de cada classe individual e por vezes de diferentes grupos ou camadas dentro de uma classe, mostrando pessoalmente por que e como “toda luta de classes é uma luta política”. (28) O trecho que citamos ilustra quão complexa é a rede de relações sociais e de estágios de transição de uma classe para outra, do passado para o futuro, que Marx analisa para dar conta de toda a resultante do desenvolvimento histórico.

A confirmação e aplicação mais profundas, multilaterais e detalhadas da teoria de Marx são sua doutrina econômica.


2. A doutrina econômica de Marx

“O objetivo final de minha obra”, diz Marx no prefácio ao Capital, “é descobrir a lei econômica do movimento da sociedade moderna”, (29) isto é, da sociedade capitalista, burguesa. A investigação de relações de produção de uma dada sociedade, historicamente definida, em seu surgimento, evolução e declínio é o conteúdo da doutrina econômica de Marx. Na sociedade capitalista predomina a produção de mercadorias, e a análise de Marx se inicia, por isso, com a análise da mercadoria.


2.1. O valor

A mercadoria é, primeiramente, uma coisa que satisfaz alguma necessidade do homem, e segundamente, uma coisa trocada por outra coisa. A utilidade da coisa a torna um valor de uso. O valor de troca (ou simplesmente valor) é antes de tudo uma relação, uma proporção durante a troca de determinado número de valores de uso de um tipo por determinado número de valores de uso de outro tipo. A experiência cotidiana nos mostra que milhões e bilhões de trocas assim igualam constantemente todo e qualquer valor de uso uns aos outros, por mais diferentes e incomparáveis que sejam entre si. O que há, então, de comum, entre essas diferentes coisas, constantemente igualadas umas às outras num determinado sistema de relações sociais? O que há de comum entre elas é que são produtos do trabalho. Trocando produtos, as pessoas igualam os mais diferentes tipos de trabalho. A produção de mercadorias é um sistema de relações sociais sob o qual os produtores individuais concebem produtos diversificados (divisão social do trabalho), e todos esses produtos se igualam uns aos outros durante a troca. Consequentemente, aquilo que há de comum em todas as mercadorias não é o trabalho concreto de um determinado ramo produtivo, não é uma espécie de trabalho, mas o trabalho humano abstrato, o trabalho humano em geral. Toda a força de trabalho de uma dada sociedade, representada pela soma dos valores de todas as mercadorias, constitui uma só força humana de trabalho: bilhões de ocorrências de troca comprovam isso. E, por conseguinte, cada mercadoria individual aparece apenas como uma determinada parcela do tempo de trabalho socialmente necessário. O tamanho do valor é definido pela quantidade de trabalho socialmente necessário ou pelo tempo de trabalho socialmente necessário para produzir uma dada mercadoria, um dado valor de uso. “Igualando seus diferentes produtos uns aos outros durante a troca, as pessoas igualam seus diferentes tipos de trabalho uns aos outros. Elas não têm consciência disso, mas estão o fazendo”. (30) Como disse um velho economista, o valor é uma relação entre dois indivíduos; ele só devia ter adicionado: uma relação encoberta por um aspecto reificado. Somente do ponto de vista de um sistema das relações sociais de produção de uma formação social historicamente determinada, relações manifestadas, ademais, num fenômeno massivo de troca, repetido bilhões de vezes, pode-se entender o que é o valor. “Como valores, as mercadorias são apenas quantidades definidas de tempo de trabalho cristalizado”. (31) Tendo analisado detalhadamente o duplo caráter do trabalho encarnado nas mercadorias, Marx passa à análise da forma-valor e da forma-dinheiro. A principal tarefa de Marx, além disso, é estudar a origem da forma monetária do valor, estudar o processo histórico de desdobramento da troca, começando pelos seus atos individuais, fortuitos (“a forma simples, individual ou fortuita do valor”: uma dada quantidade de uma mercadoria é trocada por uma dada quantidade de outra mercadoria), e chegando até a forma universal do valor, quando uma série de diferentes mercadorias é trocada por uma única mercadoria definida, e até a forma monetária do valor, quando essa mercadoria definida, o equivalente universal, é o ouro. Sendo o produto superior do desenvolvimento da troca e da produção de mercadorias, o dinheiro disfarça, encobre o caráter social dos trabalhos pessoais, a ligação social entre produtores individuais unidos pelo mercado. Marx submete a uma análise excepcionalmente detalhada as diversas funções do dinheiro, sendo que também aqui (como em geral nos primeiros capítulos do Capital) em particular é importante frisar que a forma abstrata e aparente, por vezes obviamente dedutiva, da exposição reproduz na realidade um material fatual gigantesco sobre a história do desenvolvimento da troca e da produção de mercadorias. “O dinheiro pressupõe que a troca de mercadorias tenha atingido certo nível. As formas específicas de dinheiro, mero equivalente de mercadoria ou meio circulante ou meio de pagamento, tesouro e dinheiro mundial, apontam, de acordo com a extensão diversa e a predominância relativa de uma ou de outra função, para estágios muito diferentes do processo de produção social” (O capital, livro I). (32)


2.2. A mais-valia

Num certo nível de desenvolvimento da produção de mercadorias, o dinheiro se transforma em capital. A fórmula da circulação de mercadorias era: M (mercadoria) ‒ D (dinheiro) ‒ M (mercadoria), ou seja, a venda de uma mercadoria para a compra de outra. A fórmula geral do capital, ao contrário, é D ‒ M ‒ D, ou seja, comprar para vender (com lucro). Marx chama de mais-valia esse aumento do valor inicial do dinheiro investido. O fato desse dinheiro “aumentar” na circulação capitalista é de conhecimento geral. É exatamente esse “aumento” que transforma o dinheiro em capital, como relação social de produção específica e historicamente determinada. A mais-valia não pode surgir da circulação de mercadorias, pois esta conhece apenas a troca de equivalentes; também não pode surgir do acréscimo no preço, pois as perdas e ganhos mútuos dos compradores e vendedores se contrabalançariam, e estamos falando de um fenômeno médio, social, massivo, e não individual. Para obter a mais-valia, “o possuidor de dinheiro deve encontrar no mercado uma mercadoria cujo próprio valor de uso tivesse a característica peculiar de ser fonte de valor” (33), uma mercadoria cujo processo de consumo fosse bem ao mesmo tempo o processo de criação de valor. E essa mercadoria existe: é a força humana de trabalho. Seu consumo é o trabalho e o trabalho cria valor. O possuidor de dinheiro compra a força de trabalho pelo seu valor definido, tal como o valor de qualquer outra mercadoria, pelo tempo de trabalho socialmente necessário exigido para sua produção (isto é, pelo valor do sustento do operário e sua família). Tendo comprado a força de trabalho, o possuidor do dinheiro tem o direito de consumi-la, isto é, obrigá-la a trabalhar um dia inteiro, digamos, 12 horas. Entretanto, no decorrer de 6 horas (o tempo de trabalho “necessário”), o operário fabrica o produto que cobre seu sustento, e no decorrer das 6 horas seguintes (o tempo de trabalho “adicional”) fabrica de graça para o capitalista um produto “adicional”, ou a mais-valia. Consequentemente, no capital, do ponto de vista do processo produtivo, é preciso distinguir duas partes: o capital constante, despendido nos meios de produção (máquinas, instrumentos de trabalho, matérias-primas etc.) ‒ o valor dele (de uma vez ou em partes) passa sem mudanças para o produto pronto ‒ e o capital variável, despendido na força de trabalho. O valor desse capital não permanece imutável, mas aumenta no processo de trabalho, criando mais-valia. Por isso, para expressar o grau de exploração da força de trabalho pelo capital, é preciso comparar a mais-valia não com o capital todo, mas apenas com o capital variável. A taxa de mais-valia, como Marx chama essa relação, será, por exemplo, no caso citado, 6/6, ou seja, 100%.

A premissa história do surgimento do capital, em primeiro lugar, é a acumulação de uma certa soma em dinheiro nas mãos de indivíduos privados sob um grau comparativamente alto de desenvolvimento da produdção de mercadorias em geral, e em segundo lugar, é a existência de operários, num sentido ambíguo, “livres”: livres de qualquer restrição ou limitação à venda da força de trabalho e livres da terra e dos meios de produção em geral, operários sem dono, operários “proletários”, aos quais não resta outro meio de subsistência a não ser a venda de sua força de trabalho.

O crescimento da mais-valia é possível por meio de duas técnicas básicas: o alongamento da jornada de trabalho (“mais-valia absoluta”) e a redução do dia de trabalho necessário (“mais-valia relativa”). Analisando a primeira técnica, Marx descortina um quadro grandioso da luta da classe operária pela redução da jornada de trabalho e da intervenção do poder estatal pelo alongamento da jornada de trabalho (séculos 14-17) e pela sua redução (legislação fabril do século 19). Após a publicação do Capital, a história do movimento operário de todos os países civilizados do mundo forneceu milhares e milhares de fatos novos ilustrando esse quadro.

Analisando a produção da mais-valia relativa, Marx pesquisa as três etapas históricas fundamentais para aumentar a produtividade do trabalho sob o capitalismo: 1) a cooperativa simples; 2) a divisão do trabalho e a manufatura; 3) as máquinas e a grande indústria. Fica evidente o quão profundas foram aqui as revelações de Marx sobre os traços básicos e típicos do desenvolvimento do capitalismo ao vermos, entre outras coisas, que as pesquisas sobre a indústria russa chamada de “artesanal” fornecem um material riquíssimo para ilustrar as duas primeiras das três etapas citadas. E a ação revolucionante da grande indústria mecanizada, descrita por Marx em 1867, manifestou-se durante o meio século decorrido desde então em toda uma série de “novos” países (Rússia, Japão e outros).

Prosseguindo: em Marx, o importante e novo em grau superior constitui a análise da acumulação de capital, isto é, da transformação de uma parte da mais-valia em capital, de seu emprego não em necessidades e caprichos pessoais do capitalista, mas em nova produção. Marx apontou o erro de toda a economia política clássica anterior (começando por Adam Smith), que supunha ir para o capital variável toda a mais-valia transformada em capital. Na realidade, ela se desfaz em meios de produção mais capital variável. Um enorme significado no processo de desenvolvimento do capitalismo e de sua passagem para o socialismo tem o aumento mais rápido da parcela de capital constante (na soma geral do capital) em comparação com a parcela de capital variável.

A acumulação de capital, acelerando a substituição dos operários pela máquina, criando riqueza num extremo e miséria no outro, também engendra o chamado “exército operário de reserva”, “excedente variável” de operários ou “superpopulação capitalista”, tomando formas extremamente variadas e dando ao capital a possibilidade de ampliar a produção com uma extrema rapidez. Essa possibilidade, aliada ao crédito e à acumulação de capital nos meios de produção, dá, entre outras coisas, a chave para entender as crises de superprodução que assolam periodicamente os países capitalistas, no princípio a cada 10 anos em média, depois em intervalos de tempo mais prolongados e menos definidos. Deve-se distinguir a acumulação de capital com infraestrutura capitalista da chamada acumulação primitiva: a separação forçada do trabalhador dos meios de produção, a expulsão dos camponeses de suas terras, o roubo das terras comunais, o sistema de colônias e de dívidas e taxas protecionistas públicas etc. A “acumulação primitiva” forma o proletário “livre” num extremo e o capitalista, possuidor do dinheiro, no outro.

A tendência histórica da acumulação capitalista é caracterizada por Marx com as seguintes palavras célebres: “A expropriação dos produtores diretos é realizada com o mais implacável vandalismo e sob o impulso das paixões mais sujas, mais infames e mais mesquinhamente odiosas. A propriedade privada obtida com trabalho próprio [do camponês e do artesão], baseada, por assim dizer, na fusão do trabalhador individual isolado e independente com suas condições de trabalho, é deslocada pela propriedade privada capitalista, a qual se baseia na exploração do trabalho alheio, mas formalmente livre. [...] O que está agora para ser expropriado já não é o trabalhador economicamente autônomo, mas o capitalista que explora muitos trabalhadores. Essa expropriação se faz por meio do jogo das leis imanentes da própria produção capitalista, por meio da centralização dos capitais. Cada capitalista mata muitos outros. Paralelamente a essa centralização ou à expropriação de muitos outros capitalistas por poucos desenvolve-se a forma cooperativa do processo de trabalho em escala sempre crescente, a aplicação técnica consciente da ciência, a exploração planejada da terra, a transformação dos meios de trabalho em meios de trabalho utilizáveis apenas coletivamente, a economia de todos os meios de produção mediante uso como meios de produção de um trabalho social combinado, o entrelaçamento de todos os povos na rede do mercado mundial e, com isso, o caráter internacional do regime capitalista. Com a diminuição constante do número dos magnatas do capital, os quais usurpam e monopolizam todas das vantagens desse processo de transformação, aumenta a extensão da miséria, da opressão, da servidão, da degeneração, da exploração, mas também a revolta da classe trabalhadora, sempre numerosa, educada, unida e organizada pelo próprio mecanismo do processo de produção capitalista. O monopólio do capital torna-se um entrave para o modo de produção que floresceu com ele e sob ele. A centralização dos meios de produção e a socialização do trabalho atingem um ponto em que se tornam incompatíveis com seu invólucro capitalista. Ele é arrebentado. Soa a hora final da propriedade privada capitalista. Os expropriadores são expropriados” (O capital, livro I). (34)

O que há de importante e novo em grau máximo dado por Marx no livro II do Capital, a seguir, é a análise da reprodução continuada do capital social tomado como um todo. E aqui Marx pega não um fenômeno individual, mas massivo, não uma pequena fração da economia da sociedade, mas o conjunto de toda essa economia. Corrigindo o erro dos clássicos apontado acima, Marx divide toda a produção social em dois grandes setores: 1) a produção de meios de produção e 2) a produção de objetos de uso, e examina em detalhes, nas cifras que ele toma de exemplo, a circulação do capital social como um todo, tanto durante a reprodução nas dimensões anteriores quanto durante a acumulação. No livro III do Capital, com base na lei do valor, é resolvida a questão do aparecimento de uma taxa média de lucro. Marx encarna um grande passo adiante na ciência econômica, pois sua análise parte do ponto de vista dos fenômenos econômicos de massa, de todo o conjunto da economia social, e não do ponto de vista de casos individuais ou da superfície concorrencial externa, aos quais frequentemente se limita a economia política vulgar ou a moderna “teoria da utilidade marginal”. Marx analisa inicialmente a origem da mais-valia e já passa em seguida para sua dissolução no lucro, no juro e na renda fundiária. O lucro é a razão entre a mais-valia e todo o capital investido na empresa. O capital de “alta composição orgânica” (ou seja, com predomínio do capital constante sobre o variável em dimensões acima da média do capital social) gera uma taxa de lucro abaixo da média, e o capital de “baixa composição orgânica”, acima da média. A concorrência entre capitais e a livre passagem deles de um ramo para outro trazem em ambos os casos a taxa de lucro para o nível médio. A soma dos valores de todas as mercadorias de uma dada sociedade coincide com a soma dos preços das mercadorias, mas em empresas individuais e em ramos individuais da produção, as mercadorias, sob a influência da concorrência, são vendidas não pelos seus valores, mas pelos custos de produção (ou preços de produção), que equivalem ao capital despendido mais o lucro médio.

Desta forma, o indiscutível fato de conhecimento geral de que os preços se desviam dos valores e da igualdade do lucro são totalmente explicados por Marx com base na lei do valor, pois a soma de valores de todas as maiorias coincide com a soma dos preços. Mas a redução do valor (social) aos preços (individualizados) percorre não um caminho simples, direto, mas muito complexo: é totalmente natural que numa sociedade de produtores desunidos de mercadorias, ligados apenas pelo mercado, as leis não podem se manifestar com uma regularidade média, social e massiva sob uma anulação mútua das inclinações individuais para este ou aquele lado.

O aumento da produtividade do trabalho significa um crescimento mais rápido do capital constante em relação ao variável. E visto que a mais-valia é função de apenas um capital variável, é compreensível que a taxa de lucro (a razão entre a mais-valia e todo o capital, e não apenas sua porção variável) tenha a tendência a cair. Marx analisa minuciosamente essa tendência e uma série de circunstâncias que a encobrem ou resistem a ela. Não nos detendo na transmissão das seções extremamente interessantes do livro III dedicadas aos capitais usurário, mercantil e financeiro, passaremos ao mais importante: a teoria da renda fundiária. O custo da produção de produtos agrícolas, por força da limitação da superfície da terra, que nos países capitalistas é toda ocupada por proprietários individuais, é definido pelos custos de produção não num solo médio, mas no pior, não sob condições médias, mas as piores para distribuir o produto no mercado. A diferença entre esse custo e o custo de produção nos melhores solos (ou sob as melhores condições) constitui a renda diferencial. Analisando-a detalhadamente e mostrando sua origem na diferença da fertilidade entre os lotes individuais de terra, na diferença entre os volumes de inversão de capital na terra, Marx revelou totalmente (cf. também “A teoria da mais-valia”, em que a crítica de Rodbertus é digna de atenção especial) o erro de Ricardo, que supunha provir a renda diferencial apenas da transição subsequente das terras melhores para as piores. Pelo contrário, também existem transições inversas, existe a transformação de uma determinada categoria de terras em outras (por força do progresso da tecnologia agrícola, do crescimento das cidades etc.), e a famigerada “lei da fertilidade decrescente do solo” é um erro profundo, inculpa a natureza pelas insuficiências, limitações e contradições do capitalismo. Em seguida, a igualdade do lucro em todas as esferas da indústria e da economia nacional em geral pressupõe a plena liberdade de concorrência, a liberdade de transfusão de capital de um ramo para outro. Por outro lado, a propriedade privada da terra cria um monopólio, um empecilho a essa livre transfusão. Por força desse monopólio, os produtos da agricultura, que se distingue por uma edificação mais baixa do capital e, consequentemente, por uma taxa de lucro individual mais alta, não entram num processo totalmente livre de nivelamento da taxa de lucro; o proprietário da terra, como monopolista, garante a possibilidade de manter o preço acima da média, e esse preço monopolista gera a renda absoluta. A renda diferencial não pode ser aniquilada sob a existência do capitalismo, mas a absoluta pode ‒ por exemplo, com a nacionalização da terra, com sua transformação em propriedade do Estado. Tal transição significaria uma ruptura do monopólio dos proprietários privados, significaria a efetivação mais consequente e mais plena da liberdade de concorrência na agricultura. E por isso os burgueses radicais, ressalta Marx, avançaram repetidamente na história com essa exigência burguesa progressista de nacionalizar a terra, exigência que, porém, repugna a maioria da burguesia, pois “esbarra” de muito perto em outro monopólio, especialmente importante e “sensível” atualmente: o monopólio dos meios de produção em geral. (O próprio Marx expôs de forma notavelmente popularizada, sucinta e clara sua teoria do lucro médio sobre o capital e da renda fundiária absoluta na carta a Engels de 2 de agosto de 1862. Cf. Correspondência, tomo III, pp. 77-81. Confr. também com a carta de 9 de agosto de 1862, op. cit., pp. 86-87.) (35) ‒ Para a história da renda fundiária, também é importante mencionar a análise de Marx mostrando a transformação da renda com trabalho não pago [otrabotochnaia] (quando o camponês, ao trabalhar na terra do latifundiário, cria um produto adicional) em renda com produtos ou em espécie (o camponês produz um produto adicional na sua própria terra, entregando-o ao latifundiário por força da “imposição extraeconômica”), depois em renda monetária (a mesma renda em espécie transformada em dinheiro, o obrok (36) da Rússia [Rus] antiga, por força do desenvolvimento da produção de mercadorias) e finalmente em renda capitalista, quando no lugar do camponês existe um empreendedor agrícola que conduz o cultivo com a ajuda do trabalho assalariado. Com relação a essa análise da “gênese da renda fundiária capitalista”, cumpre destacar uma série de ideias profundas (e particularmente importantes para os países atrasados como a Rússia) de Marx sobre a evolução do capitalismo na agricultura. “A transformação da renda em produtos em renda em dinheiro é, além disso, não só necessariamente acompanhada, mas até mesmo antecipada pela formação de uma classe de jornaleiros sem posses e que se alugam por dinheiro. Durante seu período de surgimento, em que essa nova classe só aparece de maneira esporádica, desenvolveu-se, por isso, necessariamente o hábito, entre os camponeses mais bem situados e obrigados à renda, de explorar por conta própria os jornaleiros rurais, exatamente como já na época feudal os servos camponeses mais bem situados mantinham, por sua vez, subalternos. Assim se desenvolve pouco a pouco entre eles a possibilidade de formarem certo patrimônio e se transformarem eles mesmos em futuros capitalistas. Entre os próprios antigos possuidores de terra, que trabalham autonomamente, surge, assim, uma sementeira de arrendatários capitalistas, cujo desenvolvimento está condicionado pelo desenvolvimento geral da produção capitalista fora do campo em si” (O capital, livro III, 2, p. 332) (37) [...] “A expropriação e a expulsão de parte do povo do campo ‘liberam’, com os trabalhadores, não apenas seus meios de subsistência e seu material de trabalho para o capital industrial, mas criam também o mercado interno” (O capital, livro I, 2, p. 778). (38) A pauperização e a ruína da população agrícola desempenha, por sua vez, um papel no intento de criar um exército operário de reserva para o capital. Em todo país capitalista, “Parte da população rural encontra-se, por isso, continuamente na iminência de transferir-se para o proletariado urbano ou manufatureiro, e à espreita de circunstâncias favoráveis a essa transferência. (Manufatureiro aqui no sentido de toda a indústria não agrícola.) Essa fonte da superprodução relativa flui, portanto, continuamente. [...] O trabalhador rural é, por isso, rebaixado para o mínimo do salário e está sempre com um pé no pântano do pauperismo” (O Capital, I, p. 668). (39) A propriedade privada do camponês sobre a terra que ele cultiva está na base da pequena produção e condiciona seu florescimento e sua aquisição da forma clássica. Mas essa pequena produção só é compatível com quadros primitivos estreitos de produção e sociedade. Sob o capitalismo, “a exploração dos camponeses só na forma se distingue da exploração do proletariado industrial. O explorador é o mesmo: o capital. Através da hipoteca e da usura os capitalistas individuais exploram os camponeses individuais; através do imposto de Estado a classe capitalista explora a classe camponesa” (As lutas de classes na França). (40) “A parcela [pequeno lote de terra] do camponês se reduz a um pretexto que permite ao capitalista extrair lucro, juros e renda do campo e deixar que o próprio agricultor se arranje como puder para obter o salário do seu próprio trabalho” (O 18 de brumário de Luís Bonaparte). (41) Frequentemente o camponês entrega à sociedade capitalista, ou seja, à classe dos capitalistas, até mesmo uma parte de seu salário, decaindo “ao nível do rendeiro [N.T. ‒ arrendatário] irlandês ‒ e tudo isto com o pretexto de ser proprietário privado” (As lutas de classes na França). (42) Em que consiste “uma das causas por que o preço dos cereais em países em que prepondera a propriedade parcelária está em nível mais baixo do que nos países com modo de produção capitalista”? (43) (O capital, III, 2, p. 340). Consiste em que o camponês entrega de graça à sociedade (isto é, à classe dos capitalistas) uma parte do produto adicional. “Esse preço mais baixo [dos cereais e outros produtos agrícolas] é, portanto, um resultado da pobreza dos produtores e, de modo nenhum, da produtividade de seu trabalho” (O capital, III, p. 340). (44) A pequena propriedade fundiária, forma normativa da pequena produção, degrada-se, aniquila-se, perece sob o capitalismo. “A propriedade parcelária exclui por sua natureza: o desenvolvimento das forças produtivas sociais do trabalho, formas sociais do trabalho, concentração social dos capitais, criação de gado em larga escala, aplicação progressiva da ciência. Usura e sistema de impostos necessariamente a levarão em toda parte à ruína. O desembolso do capital no preço da terra subtrai esse capital ao cultivo. Infinita fragmentação dos meios de produção e isolamento dos próprios produtores [as cooperativas, isto é, as associações de pequenos camponeses, desempenhando um papel extremamente progressista burguês, apenas enfraquecem essa tendência, mas não a anulam; também não se deve esquecer que essas cooperativas rendem muito aos camponeses abastados e muito pouco, quase nada, às massas pobres, e além disso as próprias associações se tornam exploradoras do trabalho assalariado]. Monstruoso desperdício de força humana. Progressiva piora das condições de produção e encarecimento dos meios de produção são uma lei necessária da propriedade parcelária.” (45) Tanto na agricultura quanto na indústria, o capitalismo transforma o processo de produção em mero preço do “martirológio dos produtores”. “A dispersão dos trabalhadores rurais em áreas cada vez maiores quebra, ao mesmo tempo, sua capacidade de resistência, enquanto a concentração aumenta a dos trabalhadores urbanos. Assim como na indústria citadina, na agricultura moderna o aumento da força produtiva e a maior mobilização do trabalho são conseguidos mediante a devastação e o empestamento da própria força de trabalho. E cada progresso da agricultura capitalista não é só um progresso na arte de saquear o trabalhador, mas ao mesmo tempo na arte de saquear o solo [...] Por isso, a produção capitalista só desenvolve a técnica e a combinação do processo de produção social ao minar simultaneamente as fontes de toda a riqueza: a terra e o trabalhador” (O capital, livro I, fim do capítulo 13). (46)


3. O socialismo

Do que foi exposto acima, vê-se que Marx deduz a inevitabilidade da transformação da sociedade capitalista em socialista inteira e exclusivamente da lei econômica do movimento da sociedade moderna. A socialização do trabalho, que está avançando cada vez mais rápido sob milhares de formas e se manifestando nesse meio-século transcorrido desde a morte de Marx, fica especialmente evidente no crescimento da grande indústria, dos cartéis, sindicatos e trustes dos capitalistas, bem como no colossal aumento da força e dimensões do capital financeiro ‒ essa é a principal base material da inevitável ascensão do socialismo. O motor intelectual e moral, o realizador físico dessa transformação é o proletariado formado pelo próprio capitalismo. Sua luta contra a burguesia, manifestada em formas diversas e de conteúdo cada vez mais rico, está inevitavelmente se tornando uma luta política orientada para a conquista do poder político pelo proletariado (a “ditadura do proletariado”). A socialização da produção deve conduzir à passagem dos meios de produção para a propriedade social, à “expropriação dos expropriadores”. O enorme incremento da produtividade do trabalho, a redução da jornada de trabalho, a substituição dos vestígios e das ruínas da pequena produção, primitiva e dispersa, pelo trabalho coletivo aperfeiçoado: eis as consequências diretas dessa passagem. O capitalismo está definitivamente rompendo os laços entre a agricultura e a indústria, mas ao mesmo tempo, com seu desenvolvimento máximo, está preparando novos elementos para esses laços, a união da indústria com a agricultura com base na aplicação consciente da ciência e da combinação de trabalho coletivo e numa nova alocação dos seres humanos (com a aniquilação tanto da negligência aldeã, do isolamento do mundo e do selvagismo quanto da aglomeração antinatural de massas gigantescas em cidades grandes). Uma nova forma de família, novas condições na posição da mulher e na educação das jovens gerações estão sendo preparadas pelas formas superiores do capitalismo moderno: o trabalho feminino e infantil e a desagregação da família patriarcal pelo capitalismo estão inevitavelmente adquirindo na sociedade moderna as mais terríveis, funestas e abomináveis formas. E todavia, “a grande indústria não deixa de criar, com o papel decisivo que confere às mulheres, pessoas jovens e crianças de ambos os sexos em processos de produção socialmente organizados para além da esfera domiciliar, o novo fundamento econômico para uma forma mais elevada de família e de relações entre ambos os sexos. É, naturalmente, tolo tomar como absoluta tanto a forma teuto-cristã de família quanto a forma romana antiga, ou a grega antiga, ou a oriental, que, aliás, constituem entre si uma progressão histórica de desenvolvimento. É igualmente óbvio que a composição do pessoal coletivo do trabalho por indivíduos de ambos os sexos e dos mais diversos grupos etários ‒ embora em sua forma capitalista espontaneamente brutal, em que o trabalhador comparece para o processo de produção e não o processo de produção para o trabalhador ‒, fonte pestilenta de degeneração e escravidão, tenha, sob circunstâncias adequadas, de converter-se inversamente em fonte de desenvolvimento humano” (47) (O capital, livro I, fim do capítulo 13). O sistema fabril nos mostra “o germe da educação do futuro, que há de conjugar, para todas as crianças acima de certa idade, trabalho produtivo com ensino e ginástica, não só como um método de elevar a produção social, mas como único método de produzir seres humanos desenvolvidos em todas as dimensões” (ibidem). (48) Nessa mesma base histórica, não no sentido de uma única explicação do passado, mas no sentido de uma previsão intrépida do futuro e de uma corajosa atuação prática voltada para sua realização, o socialismo de Marx também avança as questões da nacionalidade e do Estado. As nações são o produto inevitável e e a forma inevitável da era burguesa do desenvolvimento social. E a classe operária não podia reforçar-se, amadurecer, constituir-se sem “acomodar-se aos limites da nação”, sem ser “nacional” (“embora de forma alguma no sentido em que a burguesia entende isso”). Mas o desenvolvimento do capitalismo está cada vez mais rompendo as cercas nacionais, aniquilando o isolamento nacional, substituindo os antagonismos nacionais pelos de classe. Por isso, nos países capitalistas desenvolvidos, é uma verdade suprema que “os trabalhadores não têm pátria” e que “a união de esforços” dos operários pelos menos nos países civilizados “é uma das primeiras condições para a libertação do proletariado” (O Manifesto Comunista). (49) O Estado, essa coação organizada, surgiu fatalmente num determinado estágio de desenvolvimento da sociedade em que esta se fragmentou em classes irreconciliáveis, em que ela não pudesse existir sem um “poder” que desejasse se pôr acima da sociedade e, até um certo grau, se isolasse dela. Surgindo dentro das contradições de classe, o Estado se põe como “o Estado da classe mais poderosa, economicamente dominante, e que, por seu intermédio, se torna também a classe politicamente dominante, obtendo assim novos meios para a subjugação e exploração da classe oprimida. Assim, o Estado da Antiguidade era, antes de tudo, o Estado dos donos de escravos para a subjugação dos escravos, tal como o Estado feudal era o órgão da nobreza para a subjugação dos camponeses servos e dependentes e o moderno Estado representativo é o instrumento da exploração do trabalho assalariado pelo capital” (Engels, em A origem da família, da propriedade privada e do Estado, no qual ele expõe as visões suas e de Marx). (50) Mesmo a república democrática, forma mais livre e progressista do Estado burguês, não diminui em nada esse fato, mas somente muda seu aspecto (a ligação do governo com a bolsa, a corrupção ‒ direta e indireta ‒ da burocracia e da imprensa etc.). O socialismo, levando à extinção das classes, por isso mesmo também leva à extinção do Estado. “O primeiro ato”, escreve Engels no Anti-Dühring, “no qual o Estado realmente atua como representante de toda a sociedade – a tomada de posse dos meios de produção em nome da sociedade – é, ao mesmo tempo, seu último ato autônomo enquanto Estado. De esfera em esfera, a intervenção do poder estatal nas relações sociais vai se tornando supérflua e acaba por desativar-se. O governo sobre pessoas é substituído pela administração de coisas e pela condução de processos de produção. O Estado não é ‘abolido’, mas definha e morre.” (51) “A sociedade, que reorganizará a produção na base da associação livre e igual dos produtores, atirará toda a máquina do Estado para o sítio que então lhe pertencerá: o museu das antiguidades, ao lado da roda de fiar e do machado de bronze” (Engels, em A origem da família, da propriedade privada e do Estado). (52)

Finalmente, a respeito da atitude do socialismo de Marx para com os pequenos camponeses, os quais se deterão no momento da expropriação dos expropriadores, é necessário mencionar a declaração de Engels expressando a ideia de Marx: “Quando estivermos de posse do poder do Estado, não poderemos pensar em expropriar pela força os pequenos camponeses (tanto faz que com ou sem indenização), como seremos obrigados a fazer com os grandes possuidores fundiários. A nossa tarefa face ao pequeno camponês consiste, antes do mais, em fazer transitar a sua exploração privada e a sua posse privada para uma [exploração e posse] cooperativas, não pela força, mas através do exemplo e da oferta de ajuda social para esse objetivo. E aqui temos, sem dúvida, meios suficientes para fazer entrever ao pequeno camponês vantagens que já agora lhe terão de saltar à vista” (Engels, “Para a questão agrária no Ocidente”, editado por Alekseieva, p. 17, tradução russa com erros. Original na revista Die Neue Zeit). (53)


4. A tática da luta de classes do proletariado

Tendo elucidado ainda em 1844-1845 uma das principais deficiências do velho materialismo, que consistia em não conseguia entender as condições nem estimar o significado da atuação prática revolucionária, Marx dispensou, durante toda sua vida e paralelamente a seus trabalhos teóricos, uma atenção vigilante às questões da tática da luta de classes do proletariado. Um enorme material relativo a isso se encontra em todas as obras de Marx e, em particular, em sua correspondência com Engels publicada em quatro volumes em 1913. Esse material ainda está longe de ser coletado, unificado e completamente estudado e elaborado. Por isso devemos nos limitar aqui apenas às mais gerais e sucintas observações, sublinhando que Marx, sem esse aspecto do materialismo, com justeza o consideraria hesitante, unilateral e cadavérico. A tarefa fundamental da tátitca do proletariado foi definida por Marx em estreita correspondência com todas as premissas de sua visão de mundo dialético-materialista. Somente um balanço objetivo de todo o conjunto de todas as interrelações das classes de uma dada sociedade, sem exceção, e consequentemente também um balanço objetivo do estágio de desenvolvimento dessa sociedade e um balanço das interrelações entre ela e outras sociedades pode servir de apoio a uma tática correta da classe de vanguarda. Além disso, todas as classes e todos os países são examinados não pelo aspecto estatístico, mas dinâmico, ou seja, não em situação de imobilidade, mas de movimento (cujas leis decorrem das condições econômicas de existência de cada classe). O movimento, por sua vez, é examinado não apenas do ponto de vista do passado, mas também do ponto de vista do futuro e ademais não com a compreensão trivial dos “evolucionistas”, que só veem mudanças lentas, mas dialeticamente: “poderia considerar 20 anos como mais do que um dia para os maiores desenvolvimentos deste tipo”, escreve Marx a Engels, “embora eles possam ser sucedidos por dias nos quais 20 anos são compactados” (Correspondência, v. III, p. 127). (54) Em cada estágio de desenvolvimento, em cada momento a tática do proletariado deve considerar essa dialética objetivamente inevitável da história humana, por um lado aproveitando-se, para desenvolver a consciência, a força e a capacidade combativa da classe de vanguarda, os períodos de estagnação política ou desenvolvimento a passos de tartaruga, chamado de “pacífico”, e por outro lado conduzindo todo o trabalho desse aproveitamento na direção do “objetivo final” do movimento da respectiva classe e da formação de sua capacidade para decidir na prática as grandes tarefas nos grandes dias “nos quais 20 anos são compactados”. Dois raciocínios de Marx são especialmente importantes em dada questão, um contido em Miséria da filosofia a respeito da luta econômica e das organizações econômicas do proletariado, e outro no Manifesto Comunista a respeito de suas tarefas políticas. O primeiro estipula: “A grande indústria aglomera num só lugar uma multidão de pessoas desconhecidas umas das outras. A concorrência fraciona seus interesses. Mas a proteção do salário, esse interesse comum que elas têm contra seu patrão, reúne-as num mesmo pensamento de resistência, numa coalizão. [...] as coalizões, inicialmente isoladas, reúnem-se em grupos, e em face do capital sempre unido, a proteção da associação se torna para eles mais necessária do que a do salário. [...] Nessa luta, uma verdadeira guerra civil, reúnem-se e desenvolvem-se todos os elementos necessários a uma batalha vindoura. Uma vez chegando a esse ponto, a associação assume um caráter político.” (55) Eis diante de nós o programa e a tática da luta econômica e do movimento sindical para algumas décadas, para toda uma longa época de preparação das forças do proletariado para a “batalha vindoura”. É preciso comparar com isso as inúmeras indicações de Marx e Engels usando o movimento operário inglês para exemplificar como a “prosperidade” industrial provoca tentativas de “comprar o operariado” (v. I, p. 136, Correspondência com Engels), (56) de desviá-lo da luta, como essa propseridade “desmoraliza os operários” em geral (v. II, p. 218); como o proletariado inglês se “aburguesa” ‒ “a mais burguesa de todas as nações [a Inglaterra] quer visivelmente levar as coisas, no final das contas, a que junto com a burguesia haja uma aristocracia burguesa e um proletariado burguês” (v. II, p. 290); (57) como desaparece no proletariado a “energia revolucionária” (v. III, p. 124); como é preciso esperar um tempo mais ou menos longo pela “libertação dos operários ingleses de sua aparente perversão burguesa” (v. III, p. 127); como faz falta ao movimento operário inglês o “ímpeto dos cartistas” (1866; v. III, p. 305); (58) como os líderes operários ingleses estão se tornando uma espécie de meio-termo “entre a burguesia radical e o operariado” (sobre Holyoake, tomo IV, p. 209); como, por força do monopólio da Inglaterra e enquanto esse monopólio não estourar, “não há o que fazer com os operários britânicos” (v. IV, p. 433). (59) A tática da luta econômica, em ligação com o decurso (e as conquistas) geral do movimento operário, é examinada aqui de um ponto de vista notavelmente amplo, multilateral, dialético e genuinamente revolucionário.

Sobre a tática da luta política, o Manifesto Comunista apresentou a posição fundamental do marxismo: “os comunistas lutam em nome dos objetivos e interesses imediatos da classe operária, mas ao mesmo tempo defendem também o futuro do movimento”. Em nome disso, Marx apoiou em 1848 o partido da “revolução agrária” na Polônia, “o mesmo partido que chamou à insurreição de Cracóvia em 1846”. (60) Em 1848-1849, Marx apoiou na Alemanha a democracia revolucionária radical [krainiaia] e, em consequência, nunca retirou o que disse então sobre a tática. Ele examinou a burguesia alemã como um elemento que “logo no princípio era propensa a trair o povo [somente a união com o campesinato poderia permitir à burguesia a realização completa de suas tarefas] e a comprometer-se com os representantes coroados da velha sociedade”. Eis a análise global que Marx faz da situação de classe da burguesia alemã na época da revolução democrático-burguesa, uma análise que constitui, entre outras coisas, um modelo de materialismo que examina a sociedade em movimento e, além do mais, não apenas do movimento em seu aspecto voltado para trás: “sem fé em si mesma, sem fé no povo; rosna quando está por cima, treme quando está por baixo; [...] teme as tormentas mundiais; em nenhum lugar cria [s energiei], em todo lugar copia; [...] sem iniciativa; [...] uma velha execrável condenada a dirigir para os próprios interesses decrépitos os primeiros ímpetos de mocidade do povo jovem e saudável” (Nova Gazeta Renana, 1848, cf. Herança Literária, v. III, 212 p.). (61) Cerca de 20 anos depois, numa carta a Engels (Correspondência, v. III, p. 224), Marx explicava, pela razão do insucesso da revolução de 1848, que a burguesia preferiu a paz com escravidão a uma perspectiva mais estreita de luta pela liberdade. Quando terminou a era das revoluções de 1848-1849, Marx se rebelou contra toda revolução de brincadeira (Schapper, Willich e o combate a eles), exigindo destreza para trabalhar durante uma nova temporada que preparasse “pacificamente” novas revoluções. Podemos ver em que espírito Marx exigia a condução desse trabalho a partir da seguinte avaliação sua em 1856 da situação da Alemanha no mais áspero tempo reacionário: “Toda a causa na Alemanha vai depender da possibilidade de apoiar uma revolução proletária por meio de uma espécie de segunda edição da revolução camponesa” (Correspondência com Engels, v. II, p. 108). (62) Antes que a revolução democrática (burguesa) tivesse terminado na Alemanha, Marx concentrou toda sua atenção a respeito da tática do proletariado socialista no desenvolvimento da energia democrática do campesinato. Ele considerava Lassalle como o realizador de uma “traição objetiva do movimento operário em proveito da Prússia” (v. III, p. 210) exatamente porque, entre outras coisas, Lassalle era complacente com os latifundiários e o nacionalismo prussiano. “É uma infâmia”, escreveu Engels em 1865, trocando ideias com Marx a respeito de uma iminente participação comum deles na imprensa, “atacar num país agrícola, em nome dos operários industriais, apenas o burguês, esquecendo a patriarcal ‘exploração a pauladas’ dos operários agrícolas pela nobreza feudal” (v. III, p. 217). (63) No período de 1864 a 1870, quando estava chegando ao fim a época de conclusão da revolução democrático-burguesa na Alemanha, uma época de luta das classes exploradoras da Prússia e da Áustria para concluir essa revolução de uma forma ou de outra a partir de cima, Marx não somente condenou Lassalle, que havia começado a jogar com Bismarck, mas também corrigiu Liebknecht por ter recaído na “austrofilia” e na defesa do particularismo; (64) Marx exigia uma tática revolucionária, que igualmente combatesse sem tréguas tanto Bismarck quanto os austrófilos, uma tática que não se adaptasse ao “vencedor”, ao Junker prussiano, mas retomasse imediatamente a luta revolucionária contra ele inclusive no terreno criado pelas vitórias militares prussianas (Correspondência com Engels, v. III, pp. 134, 136, 147, 179, 204, 210, 215, 418, 437 e 440-441). (65) Num célebre apelo da Internacional de 9 de setembro de 1870, Marx advertia o proletariado francês contra uma insurreição intempestiva, (66) mas, quando ela mesmo assim teve lugar (1871), Marx saudou com entusiasmo a iniciativa revolucionária das massas, que “tomaram o céu de assalto” (carta de Marx a Kugelmann). (67) A derrota da ação revolucionária nessa situação, como em muitas outras, foi, do ponto de vista do materialismo dialético de Marx, um mal menor no decurso e conquistas gerais da luta proletária, menor do que a recusa a tomar posição, a rendição sem luta: tal rendição desmoralizaria o proletariado, lhe arrancaria a capacidade de lutar. Avaliando inteiramente o emprego dos meios legais de luta na época de marasmo político e de domínio da legalidade burguesa, em 1877-1878 Marx, após ter sido promulgada a lei de exceção contra os socialistas, (68) condenou acerbamente o “palavreado revolucionário” de Most, mas não menos acerbamente, senão mais, arremeteu contra o oportunismo que havia então se apossado por um tempo do partido social-democrata oficial, o qual não manifestou de pronto a resistência, firmeza, revolucionarismo e prontidão para passar à luta ilegal em resposta à lei de exceção (Cartas de Marx a Engels, v. IV, pp. 397, 404, 418, 422 e 424. (69) Confr. também com as cartas a Sorge).


Bibliografia

Até hoje ainda não foram publicadas as obras e cartas completas de Marx. Foi traduzida para o russo uma parte maior das obras de Marx do que para qualquer outra língua. O arrolamento dessas obras que segue abaixo está constituído em ordem cronológica. Data de 1841 a tese de Marx sobre a filosofia de Epicuro (publicada em edição póstuma, Herança Literária, mais informações abaixo). Nessa tese Marx ainda adota totalmente o ponto de vista do idealismo hegeliano. Datam de 1842 os artigos de Marx na Gazeta Renana (Colônia), em particular a crítica dos debates sobre a liberdade de imprensa na 6.ª Dieta Renana, e a seguir a respeito das leis sobre o furto de lenha, e mais adiante: a defesa de que se liberte a política da teologia, entre outras coisas (parcialmente publicadas em Herança Literária). Aqui é perceptível a transição de Marx do idealismo para o materialismo, e do democratismo revolucionário para o comunismo. Em 1844, tendo por redatores Marx e Arnold Ruge, saíram em Paris os Anais Franco-Alemães, em que a transição supracitada se completa definitivamente. São especialmente notáveis os artigos de Marx “Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel” (além de Herança Literária há uma brochura em separata) e “Sobre a questão judaica” (idem; brochura pela Editora Znanie, “Biblioteca de Bolso”, n.º 210). Em 1845 Marx e Engels publicam juntos (em Frankfurt-am-Main) a brochura A Sagrada Família: contra Bruno Bauer e consortes (além de Herança Literária há em russo duas brochuras em separata, editoras Novy Golos, São Petersburgo, 1906, e Vestnik Znania, São Petersburgo, 1907). Datam da primavera de 1845 as teses de Marx sobre Feuerbach (publicadas como apêndice à brochura Ludwig Feuerbach, de F. Engels; há tradução russa). Em 1845-1847 Marx escreveu uma série de artigos (a maior parte não reunida, não republicada e não traduzida para o russo) nos jornais Vorwärts (editado em Paris), Brüsseler Deutsche Zeitung (1847), Das Westphälische Dampfboot (Bielefeld, 1845-1848) e Der Gesellschaftsspiegel (1846, Elberfeld). Data de 1847 a principal obra de Marx contra Proudhon, publicada em Bruxelas e Paris, Miséria da filosofia: resposta à “Filosofia da miséria” do sr. Proudhon (em russo, três edições pela Novy Mir, uma por G. Lvovich, uma por Alekseieva e outra pela Prosveschenie, todas de 1905-1906). Em 1848 foi publicado em Bruxelas o Discurso sobre o livre comércio (há tradução russa) e a seguir, em Londres, em colaboração com Friedrich Engels, o célebre Manifesto do Partido Comunista, talvez traduzido para todas as línguas da Europa e para alguns outros países do mundo (em torno de 8 edições traduzidas para o russo em 1905-1906 pela Molot, pela Kolokol, por Alekseieva e outros, a maior parte delas confiscada, sob diferentes títulos: Manifesto Comunista, Sobre o comunismo, As classes sociais e o comunismo, Capitalismo e comunismo, Filosofia da história; para sua tradução completa e mais fiel, bem como de outras obras de Marx, cf. em edições estrangeiras, a maior parte do grupo “Osvobozhdenie trudá” [N.T. ‒ Libertação do Trabalho]). De 1.º de junho de 1848 a 19 de maio de 1849, apareceu em Colônia a Nova Gazeta Renana, cujo redator-chefe na prática era Marx. Os incontáveis artigos de Marx nesse jornal, que permanece até hoje o melhor e insuperado órgão do proletariado revolucionário, não estão reunidos nem reeditados em sua totalidade. Os mais importantes saíram em Herança Literária. Como brochura à parte foram inúmeras vezes publicados os artigos de Marx Trabalho assalariado e capital nesse jornal (4 edições em russo por Kozman, pela Molot, por Miagkov e por Lvovich, 1905-1906). Do mesmo jornal: “Os liberais no poder” (Editora Znanie, “Biblioteca de Bolso”, n.º 272, S. Petersburgo, 1906). Em 1849 Marx publicou em Colônia Dois processos políticos (dois discursos de defesa de Marx, quando foi absolvido pelo tribunal do júri das acusações de delito de imprensa e de incitação à oposição armada contra o governo. As 5 edições de 1905-1906 traduzidas para o russo foram lançadas por Alekseieva, pela Molot, por Miagkov, pela Znanie e pela Novy Mir). Em 1850 Marx editou em Hamburgo 6 números da revista Nova Gazeta Renana. Os artigos mais importantes aí publicados estão reproduzidos em Herança Literária. São particularmente notáveis os artigos de Marx republicados em brochura por Engels em 1895, “As lutas de classes na França de 1848 a 1850” (tradução russa editada por M. Malykh, “Biblioteca”, n.ºs 59-60; também na coletânea Seleção de trabalhos históricos, tradução de Bazarov e Stepanov, editado por Skirmunt, S. Petersburgo, 1906, bem como em Ideias e visões sobre a vida do século 20, S. Petersburgo, 1912). Em 1852 saiu em Nova York a brochura de Marx O 18 de brumário de Luís Bonaparte (tradução russa nas coletâneas recém-citadas). No mesmo ano em Londres: Revelações sobre o processo dos comunistas de Colônia (tradução russa: O processo dos comunardos em Colônia, n.º 43, “Biblioteca Científica Popular”, S. Petersburgo, 1906, 28 out.). De agosto de 1851 a 1862 (70) Marx foi colaborador fixo do jornal nova-iorquino A Tribuna (The New York Tribune), no qual muitos de seus artigos apareceram sem assinatura, como editoriais. São particularmente notáveis os artigos Revolução e contrarrevolução na Alemanha, republicados em tradução alemã após a morte de Marx e Engels (tradução russa em duas coletâneas, tradução de Bazarov e Stepanov, e depois 5 edições como brochura à parte em 1905-1906 lançadas por Alekseieva, pela Obschestvennaia Polza, pela Novy Mir, pela Vseobschaia Biblioteka e pela Molot). Alguns dos artigos de Marx na Tribuna foram publicados em Londres como brochuras à parte, p. ex. sobre Palmerston em 1856, Revelações sobre a história diplomática do século 18 (sobre a constante dependência interesseira dos ministros ingleses do partido liberal face à Rússia) e outros. Após a morte de Marx, sua filha Eleanor Aveling publicou uma série de artigos dele da Tribuna sobre a questão oriental no volume The Eastern Question, Londres, 1897. Parte deles foi traduzida para o russo: Guerra e revolução, fasc. I, Marx e Engels: “Artigos inéditos (1852, 1853 e 1854)”, Kharkov, 1919 (Biblioteca “Nosso Pensar”). A partir do fim de 1854 e no decorrer de 1855, Marx colaborou com o jornal Neue Oder-Zeitung, e em 1861-1862 com o jornal vienense Presse. Esses artigos não estão reunidos e apenas uma parte deles apareceu na Neue Zeit, assim como muitas das cartas de Marx. O mesmo ocorre com os artigos de Marx no jornal Das Volk (Londres, 1859) concernentes à história diplomática da guerra italiana de 1859. Em 1859 saiu em Berlim a obra Contribuição à crítica da economia política de Marx (tradução russa, Moscou, 1896, editado por Manuilov, e S. Petersburgo, 1907, tradução de Rumiantsev). Em 1860 saiu em Londres a brochura Herr Vogt (O senhor Vogt) de Marx.

Em 1864 saiu em Londres o “Apelo da Associação Internacional dos Trabalhadores” escrito por Marx (há uma tradução russa). Marx foi o autor de inúmeros manifestos, apelos e resoluções do Conselho Geral da Internacional. Esse material ainda está longe de ser todo explorado e até mesmo reunido. Um primeiro passo rumo a esse trabalho é o livro de G. Jaeckh, A Internacional (tradução russa, S. Petersburgo, 1906, Editora Znanie), em que estão incluídas, entre outras coisas, algumas cartas de Marx e projetos de resolução redigidos por ele. Entre os documentos da Internacional escritos por Marx inclui-se o manifesto do Conselho Geral a respeito da Comuna de Paris, lançado em 1871 em Londres como uma brochura à parte sob o título A guerra civil na França (tradução russa editada por Lenin, Editora Molot e outras). Data de 1862-1874 a correspondência de Marx com Kugelmann, membro da Internacional (duas edições em tradução russa, uma tradução de A. Goikhbarg, a outra editada por Lenin). Em 1867 veio a lume em Hamburgo o livro I de O capital: crítica da economia política, obra principal de Marx. O segundo e o terceiro livros foram editados por Engels após a morte de Marx em 1885 e 1894. Tradução russa: cinco edições do livro I (duas com tradução de Danielson, 1872 e 1898, duas com tradução de Ie. A. Gurvich e L. M. Zak, editada por Struve, 1.ª ed. 1899, 2.ª ed. 1905, uma editada por Bazarov e Stepanov). Os livros II e III saíram em tradução de Danielson (menos satisfatória) e em tradução editada por Bazarov e Stepanov (a melhor). Em 1876 Marx participou da redação do livro O Anti-Dühring de Engels (Herrn Eugen Dührings Umwälzung der Wissenschaft), após ter examinado todo o manuscrito da obra e escrito um capítulo inteiro dedicado à história da economia política.

A seguir, foram publicadas após a morte de Marx as seguintes obras suas: Crítica do programa de Gotha (S. Petersburgo, 1906, em alemão na Neue Zeit, 1890/91, n.º 18); Salário, preço e lucro (relatório lido em 26 de junho de 1865, Die Neue Zeit, XVI, 1897/98, tradução russa publicada pela Molot, 1906, e por Lvovich, 1905); Herança Literária de K. Marx, F. Engels e F. Lassalle, 3 tomos, Stuttgart, 1902 (tradução russa com edição de Akselrod et al., 2 tomos, S. Petersburgo, 1908. Tomo I ainda com edição de Ie. Gurvich, Moscou, 1907. Publicadas à parte, as cartas de Lassalle a Marx compõem a Herança Literária). Cartas de K. Marx, F. Engels e outros a Sorge (duas edições em russo, uma com edição de Akselrod e outra com tradução de Lenin e edição de Dauge); Teorias da mais-valia, 3 tomos em 4 partes, Stuttgart, 1905-1910, manuscrito do quarto livro do Capital publicado por Kautsky (tradução russa apenas do primeiro tomo em três edições: S. Petersburgo, 1906, editada por Plekhanov; Kiev, 1906, editada por Zheleznov; Kiev, 1907, editada por Tuchapski). Em 1913 saíram em Stuttgart 4 grandes tomos da Correspondência de K. Marx e F. Engels, contendo 1 386 cartas que abarcam o período de setembro de 1844 a 10 de janeiro de 1883 e dão em mais alto grau uma massa de valioso material para o estudo da biografia e das concepções de K. Marx. Em 1917 saíram 2 tomos de Marx e Engels: Artigos, 1852-1862 (em alemão). Para encerrar este arrolamento das obras de Marx, é indispensável advertir que ainda não foram incluídas aqui algumas das menores cartas individuais e artigos contidos em sua maior parte na Neue Zeit, no Vorwärts e outros periódicos social-democratas em alemão; também não há dúvidas de que também é incompleta a lista de todas as traduções de Marx para a língua russa, sobretudo das brochuras de 1905-1906.

A literatura sobre Marx e o marxismo é incomumente grande. Indicaremos apenas a mais significativa, dividindo os autores em três seções principais: os marxistas que no essencial defendem o ponto de vista de Marx; os escritores burgueses que no fundo são inimigos do marxismo; e os revisionistas que afirmam reconhecer uns ou outros fundamentos do marxismo, mas na verdade o adulteram com concepções burguesas. Deve ser examinada como uma variedade peculiarmente russa do revisionismo a leitura de Marx pelos populistas [narodniki]. Em seu “Ein Beitrag zur Bibliographie des Marxismus” (Archiv für Sozialwissenschaft und Sozialpolitik, XX, n.º 2, 1905, pp. 413-430), W. Sombart apresenta 300 títulos numa lista longe de ser completa. Complementando-a, cf. Die Neue Zeit, índices para 1883-1907 e os anos seguintes. Depois, cf. Josef Stammhammer, Bibliographie des Sozialismus und Kommunismus, vv. I-III, Jena (1893-1909). A seguir, para uma bibliografia detalhada de marxismo, pode-se citar ainda Bibliographie der Sozialwissenschaften, Berlim, ano 1, 1905 et seq. Cf. também N. A. Rubakin, Sredi knig [Entre livros] (v. II, 2.ª ed.). Apresentamos aqui apenas o que é mais significativo. Sobre a questão da biografia de Marx, devem-se citar antes de tudo os artigos: de F. Engels em Volkskalender, publicado por Bracke em Braunschweig, 1878, e no Handwörterbuch der Staatswissenschaften, v. 6, pp. 600-603; de W. Liebknecht, “Karl Marx zum Gedächtniss”, Nuremberg, 1896; de Lafargue, “K. Marx. Persönliche Erinnerungen”; de W. Liebknecht, “Karl Marks” (em russo), 2.ª ed, S. Petersburgo, 1906; de P. Lafargue, Moí vospominania o K. Markse [Minhas lembranças sobre K. Marx, em russo], Odessa, 1905 (cf. original na Neue Zeit, IX, I); Pamiati K. Marksa [Em memória de K. Marx], S. Petersburgo, 1908, 410 p., coletânea de artigos em russo de Iu. Nevzorov, N. Rozhkov, V. Bazarov, Iu. Steklov, A. Finn-Ienotaievski, P. Rumiantsev, K. Renner, H. Roland Holst, V. Ilin [N.T. – um dos pseudônimos de Lenin], R. Luxemburg, G. Zinoviev, Iu. Kamenev, P. Orlovski e M. Taganski. De Franz Mehring: Karl Marks (em russo). A ampla biografia de Marx em língua inglesa redigida pelo socialista americano Spargo (K. Marx, his life and work, Londres, 1911) é insuficiente. Para um panorama geral da atuação de Marx, cf. K. Kautsky, Die historische Leistung von К. Marx. Zum 25. Todestag des Meisters, Berlim, 1908 (tradução russa: Karl Marx e seu significado histórico, S. Petersburgo, 1908). Confr. também com a brochura de popularização por Clara Zetkin, K. M. und sein Lebenswerk (1913). Há memórias em russo sobre Marx por Annenkov em Vestnik Ievropy, 1880, n.º 4 (e Memórias, v. III, “Uma década admirável”, S. Petersburgo, 1882), por Carl Schurz em Russki Bogatstvo, 1906, n.º 12, e por M. Kovalevski em Vestnik Ievropy, 1909, VI et seq.

No tocante à filosofia do marxismo e ao materialismo histórico, a melhor exposição é a de G. V. Plekhanov, Za 20 let [Vinte anos], S. Petersburgo, 1909, 3.ª ed.; Ot oborony k napadeniu [Da defesa ao ataque], S. Petersburgo, 1910; Osnovnye voprosy marksizma [Questões fundamentais do marxismo], S. Petersburgo, 1908; Kritika nashikh kritikov [A crítica de nossos críticos], S. Petersburgo, 1906; K voprosu o razvitii monisticheskogo vzgliada na istoriu [Para a questão do desenvolvimento da visão monista da história], S. Petersburgo, 1908 e outras obras. Antonio Labriola, A questão da concepção materialista da história (em russo), S. Petersburgo, 1898. Idem, Materialismo histórico e filosofia (em russo), S. Petersburgo, 1906. F. Mehring, Sobre o materialismo histórico (em russo), S. Petersburgo, 1906 (2 edições pela Prosveschenie e pela Molot). Idem, A lenda de Lessing, S. Petersburgo, 1908 (Editora Znanie, em russo). Confr. também com Ch. Andler (não marxista), O Manifesto Comunista: história, introdução, comentário (em russo), S. Petersburgo, 1906. Cf. também Istoricheski materializm [O materialismo histórico], S. Petersburgo, 1908, coletânea de artigos de Engels, Kautsky, Lafargue e muitos outros. L. Akselrod, Filosofskie ocherki. Otvet filosofskim kritikam istoricheskogo materializma [Ensaios filosóficos. Respostas às críticas filosóficas do materialismo histórico], S. Petersburgo, 1906. Uma defesa específica dos desvios fracassados de Dietzgen com relação ao marxismo está em Е. Untermann, Die logischen Mängel des engeren Marxismus, Munique, 1910 (753 p., um trabalho vasto, mas desimportante). Hugo Riekes, “Die philosophische Wurzel des Marxismus” in Zeitschrift für die gesamte Staatswissenschaft, ano 62, 1906, n.º 3, pp. 407-432, interessante trabalho de um adversário das visões marxistas, mostrando a inteireza filosófica delas do ponto de vista do materialismo. Benno Erdmann, “Die philosophischen Voraussetzungen der materialistischen Geschichtsauffassung” in Jahrbuch für Gesetzgebung, Verwaltung und Volkswirtschaft (Schmollers Jahrbuch), 1907, n.º 3, pp. 1-56, uma formulação muito interessante de algumas das posições fundamentais do materialismo filosófico de Marx e uma reunião de objeções encarnando o ponto de vista do kantismo e do agnosticismo em geral. R. Stammler, Wirtschaft und Recht nach der materialistischen Geschichtsauffassung, 2.ª ed., Leipzig, 1906 (kantiano). Woltmann, O materialismo histórico, tradução russa, 1901 (outro kantiano). Vorländer, Kant e Marx (em russo), S. Petersburgo, 1909 (também). Confr. também com a polêmica de A. Bogdanov, V. Bazarov e outros (Ocherki po filosofii marksizma [Ensaios sobre a filosofia do marxismo], S. Petersburgo, 1908, A. Bogdanov, Padenie velikogo fetishizma [A queda de um grande fetichismo], Moscou, 1909 e outras obras) com V. Ilin (Materialismo e empiriocriticismo, Moscou, 1909, em russo). Sobre a questão do materialismo filosófico e a ética: K. Kautsky, A ética e a concepção materialista da história (em russo), S. Petersburgo, 1906 e inúmeras outras obras de Kautsky. A seguir Boudin, Das theoretische System von K. Marx, Stuttgart, 1909 (O sistema teórico de K. Marx à luz da crítica contemporânea, tradução do inglês para o russo com edição de V. Zasulich, S. Petersburgo, 1908). Hermann Gorter, Der historische Materialismus, 1909. Entre as obras de adversários do marxismo, citamos: Tugan-Baranovski, Teoreticheskie osnovy marksizma [Fundamentos teóricos do marxismo], S. Petersburgo, 1907; S. Prokopovich, K kritike Marksa [Para uma crítica de Marx], S. Petersburgo, 1901; Hammacher, Das philosophischökonomische System des Marxismus (Leipzig, 1910, 730 p. ‒ um conjunto de citações); W. Sombart, Socialismo e movimento social no século 19 (em russo), S. Petersburgo; Мах Adler (kantiano), Kausalität und Teleologie (Viena, 1909, “Marx-Studien”) e Marx als Denker.

Merecem atenção o livro do idealista hegeliano Giovanni Gentile, La filosofia di Marx, Pisa, 1899 (o autor destaca alguns aspectos importantes da dialética materialista de Marx frequentemente negligenciados pelos kantianos, positivistas e semelhantes), e o de Levy, Feuerbach (sobre um dos principais predecessores filosóficos de Marx). Um conjunto útil de citações de uma série de obras de Marx está em Chernyshev, Pamiatnaia knizhka marksista [Agenda do marxista], S. Petersburgo, Editora Delo, 1908. A respeito da doutrina econômica de Marx: K. Kautsky, A doutrina econômica de Marx (inúmeras eds. em russo); idem, A questão agrária, O programa de Erfurt e inúmeras brochuras. Confr. ainda com Bernstein, A doutrina econômica de Marx, com o livro III do Capital (tradução russa de 1905) e com Gabriel Deville, O capital (exposição do livro I do Capital, tradução russa de 1907). O representante do chamado revisionismo entre os marxistas quanto à questão agrária é E. David, O socialismo e a agricultura (tradução russa, S. Petersburgo, 1902). Cf. uma crítica do revisionismo em V. Ilin, Agrarny vopros [A questão agrária], parte I, S. Petersburgo, 1908. Cf. também V. Ilin, O desenvolvimento do capitalismo na Rússia (em russo), 2.ª ed., S. Petersburgo, 1908; idem, Ekonomicheskie etiudy i stati [Ensaios e artigos econômicos], S. Petersburgo, 1899; idem, Novye dannye o zakonakh razvitia kapitalizma v zemledelii [Novos dados sobre as leis de desenvolvimento do capitalismo na agricultura], fasc. I, 1917. A aplicação das visões de Marx, com algumas digressões, aos dados mais recentes sobre as relações agrárias na França está em Compère-Morel, La question agraire et le socialisme en France, Paris, 1912, 455 p. O desenvolvimento ulterior das visões econômicas de Marx na aplicação aos fenômenos da vida econômica está em Hilferding, O capital financeiro (em russo), S. Petersburgo, 1911 (uma retificação das imprecisões essenciais nas visões do autor sobre a teoria do valor está em Kautsky, Die Neue Zeit, “Gold, Papier und Ware” ‒ “Ouro, papel-moeda e mercadorias” ‒, 30, I, 1912, pp. 837 e 886). V. Ilin, O imperialismo, fase superior do capitalismo (em russo), 1917. Em pontos essenciais P. Maslov se desvia do marxismo em Agrarny vopros [A questão agrária] (2 v.) e Teoria razvitia narodnogo khoziaistva [Teoria do desenvolvimento da economia nacional] (S. Petersburgo, 1910). Há uma crítica a alguns desses desvios em artigo de Kautsky, “Malthusianismo e socialismo” (em alemão), Die Neue Zeit, XXIX, 1, 1911.

Uma crítica da doutrina econômica de Marx do ponto de vista da teoria da “utilidade marginal”, amplamente difundida entre catedráticos burgueses: Böhm-Bawerk, “Zum Abschluss des Marxschen Systems” in Staatswiss. Arbeiten, Ensaios dedicados a K. Knies, Berlim, 1896 (há uma tradução russa, A teoria de Marx e sua crítica, S. Petersburgo, 1897); idem, Kapital und Kapitalzins, 2.ª ed., Innsbruck, 1900-1902, 2 v. (tradução russa: Capital e lucro, S. Petersburgo, 1909). Cf. depois Riekes, Wert und Tauschwert (1899); von Bortkiewicz, Wertrechnung und Preisrechnung im Marxschen System (Archiv für Sozialwissenschaften und Sozialpolitik, 1906-1907); Leo von Buch, Über die Elemente der politischen Ökonomie, parte I (Die Intensität der Arbeit, Wert und Preis), também editado em russo. Uma análise da crítica de Böhm-Bawerk, do ponto de vista materialista: Hilferding, “Böhm-Bawerks Marx-Kritik” (Marx-Studien, v. I, Viena, 1904) e artigos menores na Neue Zeit.

A respeito das duas principais tendências de interpretação e desenvolvimento do marxismo (a “revisionista” e a radical ou “ortodoxa”), cf. Ed. Bernstein, As premissas do socialismo e as tarefas da social-democracia (original alemão: Stuttgart, 1899; traduções russas: O materialismo histórico, S. Petersburgo, 1901; Problemas sociais, Moscou, 1901); confr. também com idem, Ocherki iz istorii i teorii sotsializma [Ensaios de história e teoria do socialsmo], S. Petersburgo, 1902. Uma resposta a ele: K. Kautsky, Bernstein e o programa social-democrata (original alemão: Stuttgart, 1899; 4 edições da tradução russa, 1905-1906). Da literatura marxista francesa: Jules Guesde, Quatre ans de lutte des classes; En garde ! ; Questions d’hier et d’aujourd’hui (Paris, 1911); P. Lafargue, Le déterminisme économique de K. Marx (Paris, 1909). Anton Pannekoek, Zwei Tendenzen in der Arbeiter-Bewegung.

A respeito da teoria de Marx sobre a acumulação do capital, um novo trabalho de Rosa Luxemburg, Die Akkumulation des Kapitals (Berlim, 1913); uma análise de sua interpretação incorreta da teoria de Marx: Otto Bauer, Die Akkumulation des Kapitals (Die Neue Zeit, ano 31, 1913, I, pp. 831 e 862). Eckstein no Vorwärts, 1913, e Pannekoek no Bremer Bürger-Zeitung, 1913.

Da literatura russa antiga sobre Marx: B. Chicherin, “Nemetskie sotsialisty” [Os socialistas alemães] in Bezobrazov (ed.), Sbornik gosudarstvennykh znanii [Coletânea de noções sobre o Estado], S. Petersburgo, 1888, e em B. Chicherin, Istoria politicheskikh uchenii [História das doutrinas políticas], parte 5, Moscou, 1902, p. 156 (réplica: Ziber, “Nemetskie ekonomisty skvoz ochki g. Chicherina” [Os economistas alemães através das lentes do sr. Chicherin] in Obras, tomo II, S. Petersburgo, 1900); L. Slonimski, Ekonomicheskoie uchenie K. Marksa [A doutrina econômica de K. Marx], S. Petersburgo, 1898; N. Ziber, David Rikardo i K. Marks v ikh obschestvenno-ekonomicheskikh issledovaniakh [David Ricardo e K. Marx por suas pesquisas socioeconômicas], S. Petersburgo, 1885, e em suas Obras, 2 tomos, S. Petersburgo, 1900. Resenha em russo do Capital por I. K-n (I. Kaufman) na Vestnik Ievropy, 1872, n.º 5 (notável pelo fato de Marx, no posfácio à 2.ª edição do Capital, ter citado o raciocínio de I. K-n e o reconhecido como uma exposição correta de seu método materialista dialético).

Os populistas [narodniki] russos sobre o marxismo: N. K. Mikhailovski na Russkoie Bogatstvo, 1894, n.º 10; 1895, n.ºs 1 e 2, republicado em suas Obras ‒ a respeito das Kriticheskie zametki [Notas críticas] de P. Struve (S. Petersburgo, 1894), refutadas do ponto de vista marxista por K. Tulin (V. Ilin) em Materialy k kharakteristike nashego khoziaistvennogo razvitia [Materiais para caracterizar nosso desenvolvimento econômico] (S. Petersburgo, 1895, destruído pela censura), republicado em V. Ilin, Za 12 let [Doze anos], S. Petersburgo, 1908. A seguir, da literatura populista [narodnicheskaia]: V. V., Nashi napravlenia [Nossas tendências], S. Petersburgo, 1892; idem, Ot 70-kh godov k 900-ym [Dos anos 1870 até o século 20], S. Petersburgo, 1907; Nikolai -on, Ocherki nashego poreformennogo obschestvennogo khoziaistva [Ensaios sobre nossa economia social pós-reforma], S. Petersburgo, 1893; V. Chernov, Marksizm i agrarny vopros [O marxismo e a questão agrária], S. Petersburgo, 1906; idem, Filosofskie i sotsiologicheskie etiudy [Ensaios filosóficos e sociológicos], S. Petersburgo, 1907.

Além dos populistas, citamos ainda: N. Kareiev, Starye i novye etiudy ob istoricheskom materializme [Velhos e novos ensaios sobre o materialismo histórico], S. Petersburgo, 1896 (2.ª ed. 1913 sob o título Kritika ekonomicheskogo materializma [Crítica do materialismo econômico]). Masaryk [N.T. ‒ de fato, Tomáš Garrigue Masaryk, primeiro presidente da antiga Tchecoslováquia], Filosofskie i sotsiologicheskie osnovania marksizma [Fundamentos filosóficos e sociológicos do marxismo], Moscou, 1900. Croce, Materialismo histórico e economia marxista (em russo), S. Petersburgo, 1902.

Para uma apreciação correta das visões de Marx, certamente é indispensável conhecer as obras de Friedrich Engels, seu correligionário e colaborador mais próximo. Só é possível entender o marxismo e só é possível expô-lo integralmente se contarmos com todas as obras de Engels.

Para uma crítica de Marx do ponto de vista do anarquismo, cf. V. Cherkezov, Doktriny marksizma [Doutrinas do marxismo], S. Petersburgo, 1905, 2 partes; V. Teker, Vmesto knigi [No lugar de um livro], Moscou 1907. Do sindicalista Sorel, Ensaios sociais de economia moderna (em russo), Moscou, 1908.


Notas (clique pra voltar ao texto)

(1) O artigo “Karl Marx (Breve esboço biográfico com uma exposição do marxismo)” foi escrito por Lenin para o Dicionário Enciclopédico Granat, o mais popular da Rússia naquele tempo. No prefácio à publicação desse artigo como uma brochura à parte em 1918, Lenin indica de memória 1913 como data de redação do artigo. Na verdade, ele começou a trabalhar nesse artigo na primavera de 1914 em Poronin; porém, estando extremamente ocupado com a direção da atividade partidária e do jornal Pravda, Lenin foi obrigado a deixá-lo. Em carta de 8 (21 no Ocidente) de julho de 1914 aos editores das publicações Granat, ele escreveu: “Para meu maior lamento, uma série de circunstâncias completamente excepcionais e inesperadas [...] me forçou a interromper bem no começo o artigo sobre Marx já em redação, e eu, após uma série de tentativas fracassadas de achar um tempo para continuá-lo, tive de chegar à conclusão que não posso terminar o trabalho até o outono. Peço mil desculpas e manifesto a esperança que os editores de sua tão profícua publicação tenham tempo de encontrar outro marxista e receber dele o artigo no prazo” (Obras, 4.ª ed., t. 35, p. 114, em russo). O secretário de edição das publicações Granat respondeu a V. I. Lenin em 12 (25 no Ocidente) de julho: “Sua carta de hoje, com força quase igual à da renúncia ao artigo ‘Marx e o marxismo’, deixou-nos muito perturbados [...] Examinando não apenas os nomes russos, mas também os estrangeiros, não encontramos um autor. Pedimos-lhe muitíssimo encarecidamente que mantenha o artigo a seu encargo. Talvez a compreensão da grande importância que na atualidade poderia ter um artigo seu para a audiência democrática do Dicionário, compreensão que, provavelmente, determinou sua aceitação inicial, mesmo agora também se revelará decisiva para que mantenha sua promessa para conosco. Estamos dispostos à seguinte facilidade, com um adiamento considerável: até 15 de agosto para a entrega, se lhe for adequado o bastante, da questão do valor de troca, com o qual poderíamos postergar mais um pouco. Poderíamos também aguardar mais uma semana pela bibliografia. Gostaríamos de pedir-lhe uma vez mais com toda a convicção do mundo para que não desista do artigo, vendo nele, tal como nós vemos, uma tarefa valiosa e necessária” (Arquivo Partidário Central do Instituto de Marxismo-Leninismo do CC do PCUS).

V. I. Lenin concordou em continuar trabalhando no artigo, mas logo começaria a guerra e ele foi detido pelas autoridades austríacas. Somente em setembro, tendo se transferido para Berna, Lenin se entregou novamente ao trabalho sobre o artigo e o concluiu na primeira metade de novembro. Na carta de 4 (17 no Ocidente) de novembro aos editores das publicações Granat, ele escreveu: “Hoje lhes enviei em encomenda registrada o artigo sobre Marx e o marxismo para o dicionário. Não me cabe julgar em que grau consegui cumprir a difícil tarefa de encaixar a exposição num limite de mais ou menos 75 mil caracteres. Ressalto que era necessário comprimir forçadamente a literatura (não menos de 15 mil caracteres), e eu tive de escolher o essencial dentre as diversas tendências (e claro, com predomínio de apoiadores de Marx)” (Obras, 4.ª ed., t. 35, p. 131, em russo).

O artigo “Karl Marx”, assinado por V. Ilin, foi publicado de forma incompleta em 1915 no tomo 28 do Dicionário Enciclopédico (7.ª edição). Dadas as condições de censura, os editores do dicionário suprimiram duas seções (“O socialismo” e “A tática da luta de classes do proletariado”) e promoveram uma série de mudanças no texto do artigo. No final do artigo foi incluída, à guisa de apêndice, uma “Bibliografia do marxismo”.

Em 1918 o artigo foi publicado pela Editora Priboi como uma brochura à parte, seguindo o texto do Dicionário Enciclopédico, mas sem a “Bibliografia do marxismo”. Para essa edição, Lenin escreveu um prefácio que foi incluído no presente tomo.

O texto completo do artigo conforme o manuscrito foi publicado pela primeira vez em 1925 na coletânea V. I. Lenin. “Marx, Engels, marxismo”, publicada pelo Instituto Lenin do CC do PCUS. No presente tomo também foi incluído na seção “Materiais preparatórios” o plano do artigo “Karl Marx” (cf. pp. 358-361).

(2) K. MARX e F. ENGELS, Seleção de cartas, 1953, p. 86 (em russo).

(3) F. ENGELS, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã (cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras escolhidas em dois tomos, t. II, 1955, p. 348, em russo).

(4) Referência à bibliografia redigida por V. I. Lenin para o artigo “Karl Marx”.

(5) Trata-se do artigo “Justificação do correspondente do Mosela” de K. Marx (cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 1, pp. 187-217, em russo).

(6) K. MARX, Introdução à crítica da filosofia do direito de Hegel (cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 1, p. 422, em russo).

(7) Trata-se da revolução burguesa na França em fevereiro de 1848.

(8) Trata-se da revolução burguesa na Alemanha e na Áustria, iniciada em março de 1848.

(9) Trata-se da manifestação popular em Paris organizada pelo partido da pequena burguesia (a “Montanha”) em sinal de protesto contra a dissolução, pelo presidente e pela maioria da Assembleia Legislativa, da ordem constitucional estabelecida pela revolução de 1848. A manifestação foi dispersada pelo governo.

(10) V. I. Lenin está falando da publicação da correspondência entre K. Marx e F. Engels, vinda à lume na Alemanha em setembro de 1913 em quatro tomos, sob o título Der Briefwechsel zwischen Friedrich Engels und Karl Marx, 1844 bis 1883 (A correspondência entre Friedrich Engels e Karl Marx de 1844 a 1883), editada por A. Bebel e Ed. Bernstein, Stuttgart, 1913.

A correspondência de Karl Marx com Friedrich Engels, que conta com mais de 1500 cartas, constitui uma importantíssima parte componente de sua herança teórica. Além de valiosas informações biográficas, ela contém um material riquíssimo que reflete a atuação organizativa e teórica dos pais fundadores do comunismo científico. Lenin estudou profundamente a correspondência entre Marx e Engels. No Arquivo Central Partidário do Instituto de Marxismo-Leninismo do CC do PCUS está guardado um volumoso caderno (76 páginas) com anotações de Lenin à mão, no qual se leem um resumo daqueles quatro tomos da Correspondência, excertos das cartas entre Marx e Engels mais importantes no quesito teórico e um breve índice temático para o resumo. Também estão guardados todos os quatro tomos da Correspondência com anotações de Lenin no texto e nas margens, feitas com lápis de várias cores.

O resumo da Correspondência serviu por muitos anos como fonte literária para Lenin, que o utilizou numa série de obras como Sobre o direito das nações à autodeterminação, Karl Marx, Imperialismo, fase superior do capitalismo, O imperialismo e a derrocada do socialismo, O Estado e a revolução, A doença infantil do “esquerdismo” no comunismo e outras.

Em 1959 um manuscrito de Lenin contendo materiais da Correspondência foi publicado em russo pelo Instituto de Marxismo-Leninismo do CC do PCUS num livro individual intitulado O resumo da “Correspondência entre K. Marx e F. Engels, 1844-1883”, saindo em 1968 uma segunda edição.

(11) Lenin está falando do panfleto O senhor Vogt de K. Marx, pelo qual ele responde à brochura difamatória Meu processo contra o jornal “Allgemeine Zeitung”, do agente bonapartista K. Vogt (cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 14, pp. 395-691, em russo).

(12) Trata-se do “Manifesto de Fundação da Associação Internacional dos Trabalhadores” (cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 16, pp. 3-11, em russo).

(13) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 2, p. 139 (em russo).

(14) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 23, p. 21 (em russo).

(15) F. ENGELS, O Anti-Dühring, 1957, pp. 42, 56-57, 34 e 24 (em russo).

(16) F. ENGELS, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã (K. MARX e F. ENGELS, Obras escolhidas em dois tomos, t. II, 1955, pp. 349-350 e 352, em russo).

(17) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, t. XXIII, 1932, p. 387 (em russo).

(18) F. ENGELS, O Anti-Dühring, 1957, pp. 107, 10 e 22-23 (em russo).

(19) F. ENGELS, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã (cf. Obras escolhidas em dois tomos, t. II, 1955, pp. 368, 343-344 e 367, em russo).

(20) F. ENGELS, O Anti-Dühring, 1957, p. 25 (em russo).

(21) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, t. XXIV, 1931, p. 5 (em russo).

(22) F. ENGELS, Ludwig Feuerbach e o fim da filosofia clássica alemã (cf. Obras escolhidas em dois tomos, t. II, 1955, p. 356, em russo).

(23) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 23, p. 383 (em russo).

(24) [N.T] Karl MARX, Contribuição à crítica da economia política, trad. e introd. Florestan Fernandes, 2.ª ed., São Paulo, Expressão Popular, 2008, pp. 47-48.

(25) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Seleção de cartas, 1953, pp. 179-180 (em russo).

(26) [N.T.] Karl MARX e Friedrich ENGELS, Manifesto do partido comunista, trad. Sueli Tomazzini Barros Cassal, Porto Alegre, L&PM, 2001, pp. 23-24.

(27) [N.T.] Ibidem, pp. 41-42.

(28) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 4, pp. 424-425 e 433-434 (em russo).

(29) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 23, p. 10 (em russo).

(30) K. MARX, O capital, livro I (K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 23, p. 84, em russo).

(31) K. MARX, Contribuição à crítica da economia política (cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 13, p. 16, em russo).

(32) [N.T.] Karl MARX, O capital: crítica da economia política, v. 1, t. 1, trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, coord. e rev. Paul Singer, apres. Jacob Gorender, 2.ª ed., São Paulo, Nova Cultural, 1985, pp. 140-141. (Os economistas.)

(33) [N.T.] Ibidem, p. 139.

(34) [N.T.] Karl MARX, O capital: crítica da economia política, v. 2, t. 2, trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, 3.ª ed., São Paulo, Nova Cultural, 1988, pp. 283-284. (Os economistas.)

(35) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Seleção de cartas, 1953, pp. 126-131 e 132-133 (em russo).

(36) [N.T.] Tributo pago aos latifundiários pelos camponeses da gleba.

(37) [N.T.] Karl MARX, O capital: crítica da economia política, v. 5, t. 2, trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, 3.ª ed., São Paulo, Nova Cultural, 1988, p. 240. (Os economistas.)

(38) [N.T.] Karl MARX, O capital: crítica da economia política, v. 2, t. 2, trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, 3.ª ed., São Paulo, Nova Cultural, 1988, pp. 273. (Os economistas.) As aspas de Lenin não estão na edição brasileira.

(39) [N.T.] Ibidem, p. 199.

(40) [N.T.] Karl MARX e Friedrich ENGELS, Obras escolhidas em três tomos, t. 1, trad. Álvaro Pina e Fernando Silvestre (As lutas de classes...), Lisboa/Moscou, “Avante!”/Progresso, 1982, p. 285. Os itálicos não estão na transcrição de Lenin.

(41) [N.T.] Karl MARX, O 18 de brumário de Luís Bonaparte, trad. Nélio Schneider, São Paulo, Boitempo, 2011, p. 146.

(42) [N.T.] Karl MARX e Friedrich ENGELS, Obras escolhidas em três tomos..., op.cit., p. 284. Os itálicos não estão na transcrição de Lenin.

(43) [N.T.] Karl MARX, O capital: crítica da economia política, v. 5, t. 2, trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, 3.ª ed., São Paulo, Nova Cultural, 1988, p. 245. (Os economistas.)

(44) [N.T.] Ibidem, loc. cit.

(45) [N.T.] Ibidem, p. 246.

(46) [N.T.] Karl MARX, O capital: crítica da economia política, v. 2, t. 2, trad. Regis Barbosa e Flávio R. Kothe, 3.ª ed., São Paulo, Nova Cultural, 1988, p. 100. (Os economistas.)

(47) [N.T.] Ibidem, p. 89.

(48) [N.T.] Ibidem, p. 85.

(49) K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 4, p. 444 (em russo).

(50) [N.T.] Karl MARX e Friedrich ENGELS, Obras escolhidas em três tomos, t. 3, trad. João Pedro Gomes (A origem da família...), Lisboa/Moscou, “Avante!”/Progresso, 1985, p. 368. O itálico não está na transcrição de Lenin.

(51) [N.T.] Friedrich ENGELS, Anti-Dühring: a revolução da ciência segundo o senhor Eugen Dühring, trad. Nélio Schneider, apres. José Paulo Netto, São Paulo, Boitempo, 2015, pp. 315-316.

(52) [N.T.] Karl MARX e Friedrich ENGELS, Obras escolhidas em três tomos, t. 3, trad. João Pedro Gomes (A origem da família...), Lisboa/Moscou, “Avante!”/Progresso, 1985, p. 369.

(53) [N.T.] A Questão Camponesa em França e na Alemanha. In: Karl MARX e Friedrich ENGELS, Obras escolhidas em três tomos, t. 3, trad. José Barata-Moura (“A Questão Camponesa...”), Lisboa/Moscou, “Avante!”/Progresso, 1985, pp. 526-527. Ortografia aqui adaptada à norma brasileira.

(54) [N.T.] Carta de Karl Marx (em Londres) a Friedrich Engels (em Manchester), 9 de abril de 1863. Traduzida por Cássius M. T. M. B. de Brito a partir da versão em inglês de suas obras completas (v. 41, p. 466). Disponível nesta página. Acesso em: 22 jun. 2019.

(55) [N.T.] Karl MARX, Misère de la philosophie: réponse à la philosophie de la misère de M. Proudhon, pref. Friedrich Engels, 3.ª ed., Paris, Marcel Giard, 1922, pp. 216-217. Disponível nesta página. Acesso em: 22 jun. 2019. Trecho traduzido diretamente do original francês.

(56) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, t. XXI, 1932, p. 144 (em russo).

(57) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, t. XXII, 1931, pp. 271 e 360 (em russo).

(58) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, t. XXIII, 1932, pp. 142, 145 e 336 (em russo).

(59) K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, t. XXIV, 1931, pp. 252 e 529 (em russo).

(60) Trata-se da insurreição democrática de libertação nacional na República de Cracóvia, desde 1815 submetida ao controle conjunto de Áustria, Prússia e Rússia. No curso da insurreição, os rebeldes formaram um Governo Nacional que lançou um manifesto sobre a abolição das obrigações feudais e prometeu transferir aos camponeses a propriedade da terra sem resgate em dinheiro. Em outros apelos, o governo anunciou a criação de oficinas nacionais, o aumento dos salários nessas oficinas e o estabelecimento da igualdade civil. Porém, a insurreição logo seria esmagada.

“A revolução em Cracóvia”, disse Karl Marx, “deu um exemplo glorioso a toda a Europa ao ter identificado a causa nacional com a causa da democracia e com a libertação da classe oprimida” (K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 4, p. 490, em russo).

(61) Cf. K. MARX, A burguesia e a contrarrevolução (K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 6, pp. 116-117, em russo).

(62) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Seleção de cartas, 1953, p. 86 (em russo).

(63) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, t. XXIII, 1932, pp. 232 e 239 (em russo).

(64) [N.T.] Em política, o “particularismo” significa a busca de um povo, ocupando certo território, por manter suas características, autonomia e identidade dentro de um Estado. Característico das sociedades feudais, em que o poder se concentrava quase todo no nível local, foi combatido pelas tendências unificadoras do absolutismo do Antigo Regime, bem como da Revolução Francesa, a qual via o particularismo como uma tendência retrógrada.

(65) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, t. XXIII, 1932, pp. 152, 154-155, 166, 199, 225-226, 232, 237-238, 461, 482 e 488 (em russo).

(66) K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, 2.ª ed., t. 17, pp. 274-282 (em russo).

(67) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras escolhidas em dois tomos, t. II, 1955, pp. 443-444 (em russo).

(68) A lei de exceção https://www.journalofdemocracy.org/wp-content/uploads/2019/06/Sheri-e1562941228952.jpgcontra os socialistas foi introduzida na Alemanha em 1878 pelo governo de Bismarck visando combater o movimento operário e socialista. Essa lei proibiu todas as organizações do partido social-democrata, as organizações operárias de massa e a imprensa operária, fez confiscarem a literatura socialista e submeteu os sociais-democratas a perseguições e ao exílio. Em 1890, sob a pressão massiva e cada vez mais forte do movimento operário, a lei de exceção contra os socialistas foi revogada.

(69) Cf. K. MARX e F. ENGELS, Obras completas, t. XXIV, 1931, pp. 480-481, 488, 505-506, 513 e 515 (em russo).

(70) [Nota de Lenin] Engels, no artigo sobre Marx no Handwörterbuch der Staatswissenschaften, v. 6, p. 603 [Red. soviética ‒ Dicionário das ciências do Estado, t. 6, p. 603, em russo], e Bernstein, no artigo sobre Marx na 11.ª edição da Encyclopædia Britannica de 1911, indicam erroneamente 1853-1860. Ver a correspondência de Marx e Engels publicada em 1913.