sábado, 29 de abril de 2023

Contra Ucrânia, Putin ataca revolução


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/putin1917

Este artigo do jornalista ucraniano Andrii Movchan, que assina “Andreu Movtxan” na tradução em inglês, foi publicado em 21 de fevereiro de 2023 no portal de esquerda September, que procura congregar numa tribuna comum militantes do Antigo Espaço Soviético contra o atual estado de coisas na região, sobretudo o domínio da política e ideologia de Vladimir Putin. Traduzido pro inglês por Rachael Horwitz e, acredito, do inglês pro português pela gentil contribuição de Tiago Rocha Gonçalves, ativista pró-Ucrânia, lemos em “A liquidação do legado da Revolução como ideologia da invasão russa” (Liquidating the Legacy of Revolution: Ideology of the Russian Invasion) como a conquista de um Estado próprio pelos ucranianos, longe de ser uma ideia “fascista” ou “nazista”, está intimamente ligada às consequências da ruína da monarquia absolutista, esta sim o passado mítico que o atual inquilino do Kremlin cultiva. Quem vê no expansionismo e no militarismo eurasianistas uma busca pela “ressurreição da URSS”, precisa entender que o Poder Soviético, na cabeça dessa extrema-direita, na verdade foi apenas uma forma de conservar o velho império, e que sua restauração é uma obsessão de Putin já acalentada há muitos anos.

Agradeço meu amigo Tiago, que já contribuiu com a tradução das canções ucranianas Brilhe, luazinha, Handzia e A miséria me obrigou. Sem comparar com os originais, apenas alinhei o texto a meu estilo e minha transliteração do cirílico, e sem mais delongas, vamos a ele!



1991, Leningrado. O escritório do vice-prefeito da cidade. Um repórter entrevista um jovem funcionário da equipe de Anatoli Sobchak para o canal de TV local. Na tela, um homem ainda com cara de criança, vestindo uma camisa branca. Atrás dele se vê uma janela com persianas, uma televisão, uma lâmpada de mesa, um telefone fixo, pastas abertas com papéis. Um típico ambiente de escritório soviético. Mas algo parece estar fora do lugar. Atrás das câmeras, a voz do jornalista diz que, ontem, ele podia ainda ver um busto de Lenin no escritório, mas que hoje, ele tinha desaparecido. O que teria acontecido?

“É difícil pra mim responder o que aconteceu. Porque isso, provavelmente, foi feito por um de meus assistentes”, responde o funcionário. “Se você quiser saber o que eu acho dessa pessoa (Lenin), da doutrina que ele supostamente representava, então eu diria [...] que tudo isso é nada mais do que um lindo e nocivo conto de fadas. Nocivo porque a implementação, ou tentativa de implementação dela, na vida de nosso país causou um enorme dano. E a respeito disso, eu gostaria de falar sobre a tragédia pela qual estamos passando hoje. Nomeadamente, a tragédia do colapso de nosso Estado. Não se pode chamar de nada além de tragédia. Eu acho que foram os líderes do Dezessete de Outubro que colocaram uma bomba-relógio debaixo da fundação do Estado unitário chamado Rússia. O que eles fizeram? Eles partiram a nossa pátria em principados separados, que não apareciam anteriormente no mapa, de forma alguma, e dotaram esses principados com governos próprios e parlamentos, e agora, nós temos o que temos [...] [e] é em grande medida culpa dessa gente, quer eles queiram ou não.”

O funcionário da prefeitura de São Petersburgo que, com críticas tão devastadoras, tinha atacado o legado da Revolução e Lenin pessoalmente, era Vladimir Putin, na época com 39 anos. Mais tarde, já ocupando o posto de presidente da Federação Russa, ele repetiria várias vezes, em suas entrevistas e discursos, a ideia de que o colapso da União Soviética instaura “a maior catástrofe geopolítica do século 20” e que os perpetradores dessa catástrofe eram revolucionários aventureiros que sonhavam com a realização de seus projetos utópicos a qualquer custo, e em particular, o custo do desmembramento da soberania russa.

Putin reproduziu o mesmo conceito em seu discurso-chave de 21 de fevereiro de 2022, no qual proclamou as fundações ideológicas da invasão à Ucrânia, que começaria três dias depois.

“Então vou começar pelo fato de que a Ucrânia moderna foi inteira e completamente criada pela Rússia, mais precisamente pela Rússia comunista bolchevique. Esse processo começou praticamente logo depois da revolução em 1917, e Lenin e seus colegas fizeram isso de uma forma muito crassa para a própria Rússia – às custas de sua separação e exclusão de seus territórios históricos.”



“Bolcheviques sacrificam a Rússia para a Internacional” – Caricatura da Guarda Branca, 1918-19. Escrito em destaque: “Sacrifício pela Internacional”.


Por que exatamente 1917 foi escolhido como o ponto de partida pra essa excursão histórica? Por que não a longínqua antiguidade ou, por outro lado, algum evento mais próximo da modernidade? A Revolução se tornou um momento decisivo que predestinou, de acordo com Putin, os desafios que a Rússia está enfrentando agora. Os quais, como que por obra do destino, ele ficou responsável por resolver.

O que a Revolução fez? Putin se aprofunda em detalhes nesse tópico. A Revolução lesou uma certa ordem milenar e inabalável das coisas – o Império Russo “unido e indivisível”. Aboliu centenas de anos em conquistas territoriais do Império da noite pro dia, dando aos povos oprimidos o direito à autodeterminação. Este é seu principal “pecado”.

“[...] As ideias de Lenin, de fato, de uma estrutura de Estado confederada, e o lema do direito à autodeterminação levado até a cisão, estabeleceram as bases do Estado soviético”, diz Vladimir Putin. “Aqui, aparecem imediatamente muitas questões. A primeira delas é de fato a principal: por que, por meio de uma ostentação cerimoniosa, tiveram de satisfazer cada um dos incessantes anseios nacionalistas das periferias do antigo Império [...] dando o direito a essas repúblicas de se separar do Estado unitário sem quaisquer condições?”

Parece que Putin não entende, ou finge não entender, que o exasperado problema das “periferias nacionais” oprimidas do Império Russo foi um dos principais fatores de todas as três revoluções do começo do século 20. A ordem da Rússia tsarista tinha se tornado obsoleta, e mudanças há muito necessárias não podiam contornar a questão nacional, que também precisava ser resolvida. As contradições que se acumularam até 1917 de maneira nenhuma colocavam a questão de como e por que preservar o “único e indivisível”, mas sim de quebrar ou não o Império em vários Estados-nações ou achar condições bem mais iguais e fundamentalmente novas de coexistência.



“Fora, águia!” – Quadro de Ivan Vladimirov, 1917.


Os revolucionários daqueles tempos acreditavam sinceramente na possibilidade de um mundo novo sem opressão, inclusive opressão imperialista de um povo sobre outro – e com sua luta, tentavam aproximar a chegada desse mundo. Pra Putin, o reconhecimento da autodeterminação dos povos do antigo Império Russo é jogar fora os territórios conquistados em centenas de anos de guerras de agressão. Contudo, pros próprios revolucionários, era o completo oposto; era a resolução das contradições urgentes surgidas exatamente por causa dessas conquistas. A libertação dos povos da opressão do Império era, pros revolucionários, a manifestação de suas ideias e crenças sobre uma sociedade nova, livre dos resquícios do passado.

“Os princípios de Lenin de construção estatal não foram apenas um erro, mas, como dizem, muito pior do que um erro. Depois da queda da URSS em 1991, ficou absolutamente óbvio, – fala Putin, – ... como consequência da política bolchevique, surgiu a Ucrânia soviética, que, em nossos dias pode-se chamar em total medida de ‘Ucrânia de Vladimir Ilich Lenin’. Ele é seu autor e arquiteto”.

Certamente, Lenin não criou Ucrânia alguma. Seus movimentos políticos e massas populares naquele tempo se tornaram um fator real não só da política russa, mas também internacional. Reconhecendo sua subjetividade e seu direito à autodeterminação, Lenin apenas admitiu o real estado de coisas, o qual já era impossível ignorar. E Putin não vai perdoar o líder bolchevique por isso.

Sem o reconhecimento da subjetividade ucraniana e do direito à autodeterminação, dificilmente seria possível reagrupar os territórios do antigo Império numa única união estatal. Lenin entendia isso muito bem. Vale lembrar que em seu projeto do novo Estado (Constituição), não havia a palavra “Rússia” – ao invés disso, era chamada de União das Repúblicas, onde a república russa tinha o mesmo status de qualquer outro membro.



A Rússia tsarista é uma prisão de nações. A ambição anexacionista do imperialismo tsarista. Mapa baseado em material do Instituto Isostat: “Um álbum de diagramas, mapas e cartogramas para a doutrina de Lenin sobre o imperialismo.” Izogiz, 1936.


É interessante que em seu discurso de 21 de fevereiro, Putin ataca com maior agressividade precisamente os anos iniciais do Poder Soviético, quando as ideias revolucionárias ainda eram novas, as pessoas, cheias de entusiasmo, e na política, como nunca antes ou depois, eram guiadas por ideias e princípios, não por um cinismo calculista. Ao mesmo tempo, Putin acolhe, de todas as maneiras possíveis, o distanciamento, no tempo stalinista, dos princípios proclamados pela Revolução, como um retorno à uma “ordem natural das coisas”:

“[...] a vida mostrou imediatamente que não seria possível nem preservar um território tão vasto e complexo, nem administrá-lo conforme os princípios confederativos propostos, de fato amorfos. [...] [Eventos posteriores transformaram] os princípios declarados, mas não operantes, da estrutura estatal em uma mera declaração, uma formalidade. Na realidade, as Repúblicas da União não possuíam direitos soberanos, elas simplesmente não existiam. E na prática, foi criado um Estado totalmente unitário e fortemente centralizado.”

Num afastamento da ideia revolucionária de igualdade entre as nações, a atenção de Putin se volta novamente pra boa e velha “Rússia única e indivisível”, claramente sendo de seu gosto. Mas um retorno total já era impossível. O “lixo revolucionário” já tinha sido posto por Lenin nas fundações desse novo Estado.

“Ainda assim, é uma pena, realmente uma pena, que das fundações básicas e formalmente legais nas quais nossa soberania foi construída, as odiosas e utópicas fantasias inspiradas pela Revolução, mas absolutamente destrutivas para qualquer país normal, não foram imediatamente erradicadas.”



Coleção de artigos de Vladimir Lenin sobre a Questão Nacional, Moscou, Politizdat, 1969.


É difícil entender o que Putin chamaria de “país normal”. Se esses são impérios colonialistas, fundados em conquistas cruentas e na submissão de outros povos, então é improvável que tais Estados possam ser chamados de normais, ou mesmo viáveis, nas condições históricas correntes.

A 1.ª Guerra Mundial colocou um fim em quatro grandes impérios – o otomano, o austro-húngaro, o alemão e o russo. Depois da Segunda Guerra, os restantes desapareceram no esquecimento – o britânico, o francês, o português, o holandês, o italiano e o japonês. Não, o imperialismo no entendimento leninista não foi a lugar algum; formas mais sofisticadas e extraterritoriais de influência e controle chegaram pra substituir sua forma imperial-colonial.

O único superestado que herdou quase todos os territórios conquistados do outrora Império foi a União Soviética, com o famoso quarto da massa territorial do planeta Terra. Mas conseguiu reintegrar e preservar a unidade do Estado por mais 70 anos, nada graças à concepção imperialista, porém, ao contrário, pela sua rejeição.

A ideia da União das Repúblicas Socialistas era precisamente que trabalhadores de diferentes nações se unissem voluntariamente pra, em conjunto, atingirem metas em comum – a construção de uma nova sociedade sem exploração e opressão. Ademais, o modelo inventado por Lenin pressupunha a possibilidade dessa união aumentar. Em sua concepção, cada vez mais repúblicas deveriam se juntar à união, de tal forma que a revolução venceria; no entanto, a Rússia histórica não necessariamente continuaria sendo o ponto focal dessa união. Seu centro poderia muito bem ser a Alemanha, se a revolução do proletariado tivesse vencido lá. Assim, Lenin via a União das Repúblicas numa escala mundial.



Rússia – URSS – URSS mundial: coleção / Autores: Red Banner e trabalhadores estrangeiros. Profizdat, 1932.


Além disso, inicialmente, a criação da URSS no formato de 1922 não estava incluída nos planos dos bolcheviques. Sua aparência foi o resultado da falha de suas expectativas iniciais: a revolução mundial. O fato de a revolução proletária ter falhado na Europa e se trancado bem no território do antigo Império Russo foi a principal tragédia do projeto socialista do século 20. Isso porque, junto com seu território, a URSS herdou as muitas contradições e vícios difíceis de resolver, inerentes ao projeto que existia anteriormente nessas terras.

O fechamento do projeto socialista às fronteiras do Império naturalmente, porém não inevitavelmente, fez com que, tanto dentro quanto fora da URSS, ela começasse a ser percebida como sucessora e herdeira do Estado russo. A consequência disso foi a recaída nas contradições nacionais; foi quando o Estado começou a perceber no fortalecimento das culturas nacionais e na independência das repúblicas uma ameaça à unidade desenhada, e na cultura russa, uma continuidade estatal, uma espécie de fundação agregadora.

Seria possível reviver essas tendências se as fronteiras do Estado socialista fossem formadas em configurações distintas, e não se parecessem com a Rússia imperial? Teria sido uma história completamente diferente. Mas acabou que, no caso da URSS, várias gerações de pessoas, dentro e fora dela, cresceram com a convicção de que as palavras “União de Repúblicas Socialistas Soviéticas” e “Rússia” eram sinônimos, ou, ao menos, quase. Putin é uma dessas pessoas.

“Afinal, o que é o colapso da União Soviética? É o colapso da Rússia histórica, sob o nome de União Soviética”, declarou Vladimir Putin no filme-documentário “Rússia. História recente”, em dezembro de 2021.

Talvez o único ponto positivo que Putin vê no projeto soviético seja que ele se limitou ao território do Império Russo e que ao longo do tempo, distanciando-se dos princípios utópicos originais, retomou algumas das características dele, tornando-se seu herdeiro. Em outras palavras, ele exalta precisamente os atributos mais reacionários da URSS, adquiridos durante as condições extremas de sua formação. E critica os ideais nos quais a União foi fundada: igualdade e fraternidade entre os povos, internacionalismo genuíno, ódio à autocracia e ao grande poder, ódio à predação e às guerras de conquista, um verdadeiro espírito democrático, trazendo as massas à política, na ordem dos milhões.

Peculiarmente, a vitória da União Soviética sobre a Alemanha nazista, nas interpretações em que se baseia o atual mito nacional russo, pra Putin, não é uma vitória do humanismo e da igualdade sobre os ideais do anti-igualitarismo e anti-humanismo radicais, não uma vitória da vítima sobre o agressor. Na atual mitologia estatal, é a vitória da “Rússia histórica” sobre a Alemanha, sobre a Europa, sobre o Ocidente. O triunfo do Estado russo e a expansão de suas fronteiras. Assim como a revolução e a saída da 1.ª Guerra Mundial não foram a recusa de participar de um massacre imperialista, mas sim uma derrota vergonhosa da “Rússia histórica”; uma facada nas costas do Estado pelas fantasias utópicas. Um atentado ao Estado russo que quase se desintegrava.

“Os bolcheviques queriam derrotar sua pátria durante a Primeira Guerra Mundial, e quando os heroicos soldados e oficiais russos derramavam o sangue nas linhas de frente, alguém tentou balançar a Rússia por dentro, ao ponto de a Rússia como Estado entrar em colapso e se declarar perdedora – ao país que perdeu a guerra [Alemanha]. Delírio, loucura, mas aconteceu. A completa traição aos interesses nacionais! Tais pessoas ainda hoje estão entre nós [...]”, disse Putin, em agosto de 2016, no acampamento Seliger de jovens.



“A Pátria está em perigo. O sangue que derramamos exige que ganhemos a guerra. Camaradas soldados, para as trincheiras imediatamente. Devolvam Lenin a Guilherme” – lema da manifestação antibolchevique em Petrogrado, abril de 1917.


Pelas citações acima, não é difícil adivinhar o quão sinceramente Putin atribui os problemas da Rússia à “maldição da revolução”. Se na Ucrânia moderna acusa-se o projeto soviético de ser “russo demais”, então é exatamente isso (se não exclusivamente) o que Putin aprecia no projeto. Se na Ucrânia, dizem que Lenin não deu aos ucranianos genuína autodeterminação, Putin o culpa pelo oposto – que ele lhes deu liberdade demais.

Voltemos à questão proposta no começo. Por que o discurso-chave do presidente russo antes da invasão se tornou um verdadeiro libelo contrário à Revolução? Porque é na Revolução que ele vê a real raiz dos problemas russos. Mas ele não está simplesmente acusando Lenin de traição e crimes contra a integridade territorial russa. Putin decide que é chegada a hora de corrigir os “piores que erros” de Lenin, e retroceder no direito dos ucranianos à autodeterminação, o legado da revolução “três vezes amaldiçoado”.

“Vocês querem a descomunização? Pois isso nos serve muito bem. Mas não há necessidade de, como dizem, parar no meio do caminho. Estamos prontos para mostrar o que realmente significa a descomunização para a Ucrânia”.

No dia 24 de fevereiro de 2022, tanques russos invadiriam a Ucrânia pra tirar de seu povo o direito ao Estado – que foi uma das maiores conquistas da Revolução no começo do século passado.


quinta-feira, 27 de abril de 2023

Hino da República Popular de Tuva

A canção Tooruktuğ dolgay tañdım (A floresta cheia de pinhões) serviu de hino nacional da República Popular de Tuva (Tıva Arat Respublik), um pequeno país socialista que chegou a existir de 1921 a 1944 após a Revolução de Outubro. Hoje quase ninguém sabe de sua existência, porque de fato apenas a própria URSS e a República Popular da Mongólia o reconheciam e mantinham relações diplomáticas com ele, sendo no final das contas, assim como a própria Mongólia, basicamente um satélite soviético. Esse “hino”, baseado numa melodia popular tuvana, foi adotado em 1944 e tem letra da maestrina e diretora artística Ayana Samiyaevna Monguş (em cirílico, “Аяна Самияевна Монгуш”), que é ou foi diretora da Orquestra Nacional de Tuva e cuja biografia praticamente inexiste na internet. Quando o país foi anexado pela URSS durante a 2.ª Guerra Mundial, o hino continuou usado pelo agora Oblast Autônomo de Tuva (cujas fronteiras não correspondiam exatamente às da antiga nação), dentro da RSFS da Rússia, e depois, quando foi promovida a República Socialista Soviética Autônoma de Tuva, em 1961, e finalmente quando foi formada a República de Tuva dentro da Rússia capitalista em 1991. Somente em 2011 a entidade recebeu um novo hino, Men – Tyva Men (Eu sou tuvano).

Conhecida como “Tannu Tuva” ou “Tannu-Tuva” até 1926, era etnicamente povoada por tuvanos, mongóis e russos. Até 1911, fez parte da Mongólia, esta por sua vez incorporada à China imperial, e naquele ano, com a proclamação da República chinesa, Mongólia e Tuva também se declararam repúblicas independentes. Em 1914, Tuva passou a ser um protetorado do Império Russo, e durante a guerra civil entre monarquistas e bolcheviques, estes terminaram ocupando a região, onde em 14 de agosto de 1921 foi declarada a independência da “República Popular de Tannu Tuva”, sob os auspícios da Rússia. Com a adoção da constituição de 1924, confirmou-se a formação de um governo de partido único nos moldes soviéticos, e em 1926 adotaram-se os primeiros brasão e bandeira, e a capital foi renomeada Kyzyl (“vermelho” em tuvano). O akşa (“akchá”) foi a moeda usada de 1934 a 1944.

De 1925 a 1929, o primeiro-ministro Donduk Kuular, ex-lama do budismo tibetano, tentou implementar políticas mais nacionalistas, buscou obrigar todas as crianças tuvanas a chuparem sua língua fazer do budismo tibetano a religião de Estado e procurou estreitar laços com a Mongólia, coisas que iam na contramão da evolução da URSS sob Stalin. Assim, com apoio soviético, cinco burocratas que tinham estudado em Moscou derrubaram Kuular e formaram uma espécie de junta até 1932, quando um deles, Salchak Toka, chegou à liderança do partido único e Kuular foi fuzilado. Iniciou-se uma política de perseguição à religião e de busca por coletivizar os camponeses nômades, e abandonou-se o mongol como língua culta escrita, adotando-se pra isso o alfabeto latino pra escrever o tuvano. Em 1943, um dos passos rumo à incorporação à URSS foi a adoção do alfabeto cirílico, usado até hoje em Tuva.

Salchak Toka, como líder do partido único da República Popular de Tuva desde 1932, passou a comandar o país na prática, apesar da existência de outras instituições. Solidário ao esforço de guerra soviético desde 1941 e promotor da absorção de seu país pela URSS, continuou liderando o Partido Comunista nos períodos do oblast autônomo e da república autônoma até morrer, em 1973. O mando de Toka se estendeu a essas sub-regiões também, e desde a stalinização de Tuva, deu-se também a russificação de sua cultura, política e instituições. Antes da adoção de A floresta cheia de pinhões, a Tuva comunista usou a canção Tıva İnternatsional (A Internacional Tuvana), que não é uma tradução nativa da famosa Internacional, mas um poema próprio executado numa melodia folclórica.

Provavelmente bastante antiga, a língua tuvana, porém, só foi mencionada pela primeira vez em fontes do início do século 19, e sua primeira forma escrita surgiu no início do século 20, com uma adaptação do alfabeto mongol, escrito verticalmente, pelo acadêmico Nikolaus Poppe. Tradicionalmente mais próximos dos mongóis, os tuvanos, que passaram por vários jugos imperiais, usavam o mongol (ele mesmo escrito hoje no alfabeto cirílico) como língua escrita, até a adoção do latino em 1930, no qual muito pouca coisa foi impressa. Pra piorar, o tuvano faz parte da grande família túrquica, mas do grupo siberiano, o mais oriental de todos e cujos membros só muito recentemente têm recebido mais atenção acadêmica. São línguas com apenas umas centenas de falantes, muito idosos, e o próprio tuvano, dependendo da fonte, teria entre 240 mil e 283 mil falantes por volta de 2010-12. Isso o coloca no primeiro grau de vulnerabilidade ao desaparecimento. Sergei Shoigu, atual ministro da defesa de Putin, nasceu em Tuva e tem pai tuvano e mãe russa nascida na Ucrânia, mas pelo que consta, ele não fala tuvano, e nesta matéria de 2012 informa-se que além do russo, ele dominaria inglês, japonês e turco.

Curiosamente, a República Popular de (Tannu) Tuva foi um dos três primeiros países socialistas do mundo, junto com a URSS e a Mongólia, mas assim como esta, ela afinal tinha sua existência dependente dos soviéticos. Essa fragilidade se reflete nas muitas mudanças de bandeira e brasão, de forma que tive de escolher arbitrariamente como ilustraria esta publicação e o vídeo (ver abaixo). Tanto que hoje, a República de Tuva (ou Tyva em russo e tuvano) é uma das regiões mais pobres da Rússia e tem o menor IDH da federação. Apesar dos obstáculos de Moscou, os tuvanos têm no geral uma tendência à independência, como se verificou em 1990 durante violências contra a população russa local. Este vídeo de um canal de geografia traz uma breve história ilustrada de Tannu Tuva, embora a dicção do narrador seja sofrível. Meu interesse no extinto país surgiu justamente quando visitava a página da Wikipédia sobre as repúblicas soviéticas, na qual descobri, além da SSR Carelo-Finlandesa, outras unidades que existiram brevemente após a revolução ou tentaram ser independentes em 1990 e não chegaram a ter hino.

Nesta página, usei as últimas versões do brasão e da bandeira antes da anexação à URSS, tanto que estão até com o alfabeto cirílico. No vídeo, usei a primeira bandeira com o primeiro brasão, que traz inscrições no alfabeto latino, e a penúltima bandeira, igual à última, apenas com a sigla “TAR” no alfabeto latino, e não cirílico. Tentei também usar nestas um filtro “grunge” que achei com o Google, pra ficarem mais ou menos parecidas com as dos outros hinos. As execuções atuais no estilo glotalizado local são de difícil apreciação ao ocidental (pelo menos pra mim), e esta versão, que foi executada, se os créditos estiverem certos, pela artista tuvana Sainkho Namchylak (n. 1957), hoje radicada na Áustria, me pareceu mais palatável. Pra traduzir, só mesmo com as versões em inglês e russo da Wikipédia, já que é impossível utilizar indiretamente qualquer língua aparentada no Google Tradutor, mesmo o turco, pois as túrquicas siberianas inexistem aí. Nesta página mesma, com as letras e as traduções russas do hino antigo e do atual, o texto é igual ao da Wikipédia, e alguns fóruns explicam que a discrepância de tamanho se deve ao caráter sintético da língua tuvana.

Por isso mesmo, dependente dessas duas traduções, obtive duas letras com significado igual, mas tamanho bem diferente: a versão em inglês está bem resumida, com versos do tamanho dos originais (não é poética), e a versão russa, que acredito ser mais fiel, parece bem mais explicativa e precisa. Não pude verificar essas “fidelidades” de forma alguma, dado o isolamento genético do tuvano, então me arrisquei a publicar aqui as duas traduções, chamando-as de “resumida” (que usei no vídeo) e “detalhada”. Além disso, nenhuma língua usa hoje o alfabeto latino criado pra várias línguas túrquicas na década de 1920 (nem o próprio tuvano), o que pode tornar a leitura difícil pra quem tem alguma base das túrquicas. Assim, baseado no turco e no cazaque, fiz outra transliteração pro vídeo e que também segue abaixo, com a ortografia de 1930, a versão em cirílico e as duas traduções:


Pro meu ouvido, a cantora não usa Dorukturza no quarto verso, e sim Azıraza, como no oitavo. Então, o vídeo contém dois Azıraza, mas as duas formas se mantém abaixo. E por fim, se você se perguntar “Onde foram parar os pinhões?”, que de fato existem em Tuva, sinceramente não sei, e não foi explicado em nenhum site!


Ortografia modernizada:

Tooruktuğ dolgay tañdım
Dolganzımza todar-la men
Tos-la çüzün malımaynı
Dorukturza bayıır-la men

Eziriktiğ eer-le tañdım
Ergilzimze todar-la men
Ereen-şokar malımaynı
Azıraza bayıır-la men


Alfabeto latino de 1930:

Tooruktuƣ tolgaj taꞑdьm
Tolganzьmza todar-la men
Tos-la cyzyn malьmajnь
Torukturza pajььr-la men

Eziriktiƣ eer-le taꞑdьm
Ergilzimze todar-la men
Ereen-şokar malьmajnь
Azьraza pajььr-la men.


Alfabeto cirílico de 1943:

Тооруктуг долгай таңдым
Долганзымза тодар-ла мен
Тос-ла чүзүн малымайны
Доруктурза байыыр-ла мен.

Эзириктиг ээр-ле таңдым
Эргилзимзе тодар-ла мен
Эрээн-шокар малымайны
Азыраза байыыр-ла мен.


Tradução resumida:

Quando caminho em minhas florestas
Sempre estou satisfeito
Pois minhas florestas são ricas
De animais e de tudo de que preciso

Nasci lá entre os montes, rochedos e a taiga
Eu sou forte por causa disso
Vou criar nove animais diferentes e ficar rico
Se eu cuidar deles, vou ficar rico


Tradução detalhada:

Quando caminho em minhas florestas
Sempre estou satisfeito
Pois minhas florestas são ricas
      [de animais e de tudo de que preciso
Nasci lá entre os montes, rochedos e a taiga

Eu sou forte por causa disso
Vou criar meu gado doméstico e vou ficar rico
Nove animais diferentes,
      [se eu os pastorear e alimentar
E cuidar deles como de meus parentes, vou ficar rico



terça-feira, 25 de abril de 2023

Hino Nacional, RSS Carelo-Finlandesa

Este é o Hino Nacional da República Socialista Soviética Carelo-Finlandesa (Karjalais-suomalaisen sosialistisen neuvostotasavallan hymni), também conhecido por seu primeiro verso, Oma Karjalais-suomalaiskansamme maa (Nossa terra dos povos carelo-finlandeses). Essa desconhecida RSS, também chamada apenas de “Carélia” ou “Carélia Soviética”, resultou da fusão de territórios da Carélia histórica que já pertenciam à RSFS da Rússia com o resto da Carélia e outros territórios que até 1940 pertenciam à Finlândia, um país independente do antigo Império Russo desde 1917. Após a chamada “guerra de inverno” entre o país e a URSS (1939-1940), a paz foi assinada, em contrapartida da concessão daqueles territórios aos soviéticos, que chegaram a ser retomados com a ajuda da Alemanha nazista em 1940-44, mas caíram de novo com o selamento definitivo do Armistício de Moscou. Nos dois períodos, boa parte da população careliana e finlandesa foi evacuada pra Finlândia.

Além de perder vários territórios, Helsinki também teve de tomar medidas políticas internas favoráveis à URSS (legalização do Partido Comunista, prisão de fascistas e julgamento de políticos ligados aos planos bélicos) e manter a neutralidade na “guerra fria”, este último fator cessando no último abril de 2023, com a adesão do país à OTAN. A intenção de Stalin era anexar toda a Finlândia, de forma que estabeleceu na cidade de Terijoki, antes que tomasse a capital, um governo-fantoche liderado por Otto Wille Kuusinen (1881-1964), mas com a derrota, o governo ficou limitado à que se tornaria a RSS Carelo-Finlandesa (ou RSS da Carélia) em 1940. Kuusinen foi o líder supremo dessa república durante toda a existência dela, tendo outros membros de governo a seu lado. Por razões ainda hoje especuladas, a RSS Carelo-Finandesa foi “rebaixada” à República Socialista Soviética Autônoma da Carélia em 1956, dentro da RSFS da Rússia, e parte de seu território foi incorporada aos oblasts (províncias) de Leningrado e de Murmansk, ambos também russos. Atualmente, a antiga RSSA constitui a República da Carélia, dentro da Federação Russa.

Exceto em 1941-44, a capital da RSS Carelo-Finlandesa foi Petrozavodsk, chamada “Petroskoi” em finlandês e ainda hoje capital da citada república. Como se podem ver no vídeo e na publicação, a bandeira foi usada de 1953 a 1956, e o brasão de 1941 a 1956. O caso dessa RSS foi inédito durante a história soviética, em que foi a única a ter sido rebaixada a RSSA e a única RSS em que sua etnia nominal não era nem numerosa nem, em sua terra, majoritária, e nem tinha sido uma nação independente separada no passado. E justamente, como boa parte da população tinha sido evacuada pra Finlândia, e como a Carélia começou a ser povoada por outros povos da URSS, a existência da RSS perdia a razão de ser, além de ser muito dispendiosa.

Quanto a sua criação, importa reter um aspecto: mesmo não conseguindo anexar a Finlândia de imediato, Stalin ainda pensava em fazê-lo no longo prazo, e a RSS Carelo-Finlandesa seria um “trampolim” pra seus planos, o ponto de partida pra uma futura anexação. Por isso mesmo, quando essa pretensão perdeu o sentido, e quando Khruschov visava distender suas relações com Helsinki, o “rebaixamento” da RSS acenava na direção da renúncia ao expansionismo. Importa determo-nos também um pouco mais na figura de Otto Kussinen: nascido na Finlândia tsarista, fugiu pra Rússia soviética em 1918, após liderar um fracassado intento de transformar o novo país numa república socialista (tipo a Hungria de Béla Kun em 1919), levando a uma guerra civil no começo do ano. Na URSS, tornou-se uma figura de destaque na liderança da Internacional Comunista, escapou aos expurgos de 1936-38 e sempre foi fiel a Stalin, jamais sendo depois perseguido por Khruschov por isso. Kuusinen foi “plantado” como líder do governo moscovita na Finlândia, e com o fracasso da invasão, terminou com a chefia da RSS Carelo-Finlandesa mesmo. Após 1956, continuou no “topo do topo” da cúpula do PC soviético, editou obras sobre o marxismo-leninismo e entrou pra Academia de Ciências.

Voltando ao hino nacional: assim como os hinos das RSS da Geórgia e da Estônia, era dos poucos que não mencionava o povo russo. Pelo contrário, há muitas referências à mitologia nórdica que preciso explicar. A segunda estrofe cita Kaleva (ou Kalevi, Kalev), um antigo governante mítico finlandês, e os poemas rúnicos, uma espécie de versificação nórdica e anglo-saxã, mais raramente finlandesa, ligada à ordem alfabética da escrita rúnica, embora em finlandês runo signifique “poema” em geral. A terceira estrofe cita o sampo (Sammon com dois “m” é uma declinação especial), uma espécie de misterioso objeto mágico que traria sorte e riqueza a seu detentor. Kaleva e o sampo aparecem na Kalevala, a epopeia nacional finlandesa e careliana, publicada no século 19 por meio de pesquisa sobre o folclore dos dois povos. Na classificação mais aceita, finlandês e careliano são línguas-irmãs da família urálica, grupo balto-fínico, ramo fínico setentrional (o estoniano é do ramo fínico meridional), ambas escritas no alfabeto latino, e mais raramente no cirílico. Enquanto a maioria dos finalndeses é luterana ou irreligiosa, os carelianos são mais ortodoxos orientais, mas ao longo dos séculos 20 e 21 os carelianos têm se assimilado aos russos ou aos finlandeses.

O Hino Nacional da RSS Carelo-Finlandesa tem melodia de Karl (Kalle) Rautio (1889-1963), músico e maestro de etnia careliana, e letra do poeta, escritor, jornalista e ativista finlandês Armas Äikiä (1904-1965). A competição pra adoção de um hino foi lançada em 1945, quando esta canção foi adotada, mas ela logo seria abandonada em 1956. Havia também a letra em careliano e uma tradução poética em russo, mas a finlandesa era a oficial, e notavelmente não tem uma versão sem a menção a Stalin, por razões óbvias. Isso segundo a Wikipédia, pois em extensa pesquisa feita pelo youtuber DeroVolk e publicada em seu blog, ele conclui que não há evidências de qualquer adoção oficial do hino pelas autoridades da Carélia Soviética. Primeiro, porque não há nenhuma legislação dispondo sobre sua adoção e popularização, como era então comum. Segundo, porque após a letra de Äikiä ter sido encomendada, quem teria ganhado o concurso pra adaptar uma melodia não teria sido Rautio (que teria ficado em segundo lugar), e sim o compositor de origem judaica Ruvim Pergament (1906-1965). Um dos motivos registrados pra rejeição teria sido a complexidade de execução e aprendizado da melodia, mas pairam suspeitas sobre rixas entre músicos locais e uma campanha antissemita velada.

E terceiro motivo, e mais evidente, não foi deixada nenhuma gravação de época do hino carelo-finlandês, nem instrumental, nem vocal, de forma que, como também DeroVolk publica em outro artigo, houve tentativas pós-soviéticas de reconstituir a canção por meios digitais. De fato, existe um arquivo instrumental gerado com sintetizador pelo canal GETchan ainda em 2016, e por cima dele o administrador do canal Der Klaviermusiker carregou em 2021 legendas com sua voz cantando. Pra fazer meu vídeo, apenas a título ilustrativo, achei esta versão a mais palatável, apesar dele não ser um falante nativo e falar meio “abatatado”. Quanto à tradução, fiz a partir do russo e comparei com a inglesa e a alemã (que dizem ter sido feita direto do finlandês), tudo na Wikipédia, não vendo diferença nas outras línguas. Também joguei o texto direto no Google Tradutor, o que só me iluminou em alguns pontos, e aproveitei meu conhecimento mínimo da língua em pesquisas pontuais.

Como sempre, seguem o vídeo, a letra em finlandês e a tradução:


1. Oma Karjalais-suomalaiskansamme maa,
Vapaa Pohjolan Neuvostojen tasavalta.
Kotimetsäimme kauneus öin kajastaa
Revontultemme taivaalta leimuavalta.

Kertosäe:
Neuvostoliitto on voittamaton,
Se kansamme suur-isänmaa ijät on.
Sen Tienä on Kansojen Kunniantie,
Se Karjalan Kansankin voittoihin vie.

2. Isänmaa Kalevan, kotimaa runojen,
Jota Leninin Stalinin lippu johtaa.
Yli kansamme uutteran onnellisen
Valo kansojen veljeystähdestä hohtaa.

(Kertosäe)

3. Kotimaamme loi uudeksi kansamme työ,
Tätä maata me puollamme kuin isät ammoin.
Sotasuksemme suihkavat kalpamme lyö.
Asemahdilla suojaamme Neuvosto-Sammon.

(Kertosäe)

____________________


1. Nossa terra dos povos carelo-finlandeses,
Livre república nórdica dos Sovietes!
À noite a beleza de nossas florestas se reflete
Em nosso céu que brilha com a aurora boreal.

Refrão:
A União Soviética é invencível,
É pra sempre a grande Pátria de nosso povo.
Seu caminho é o caminho glorioso do Povo
Que leva também o povo da Carélia às vitórias.

2. Pátria de Kaleva, nação dos poemas rúnicos,
Está agora sob a bandeira de Lenin e Stalin.
A luz da estrela da fraternidade das pessoas
Clareia nossa gente trabalhadora e alegre.

(Refrão)
O esforço de nosso povo reavivou nossa Pátria,
Defendemos esta terra como o fizeram nossos pais.
Nossos céus sussurram, nossas espadas golpeiam.
Com forças guerreiras defendemos o sampo soviético.

(Refrão)



segunda-feira, 24 de abril de 2023

A proposta de criação de grupo de países amigos da Paz


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/lula-ucrania2


O Brasil voltou à cena internacional, diz o atual Presidente Luís Inácio Lula da Silva. Na verdade, não saiu, estava ali como peso morto e omisso em questões vitais para a humanidade. A volta de uma presença mais ativa na cena internacional teve um primeiro round muito positivo com a assunção dos compromissos mundiais com a agenda ambiental e cresceu com a ação pronta e imediata no socorro aos índios ianomâmis e aos vitimados pelas enchentes em São Sebastião e outras localidades. E veio, em seguida, a abordagem da questão da paz, da guerra na Ucrânia que geraram expectativas positivas. Porém, as declarações quando da visita à China e na recepção ao Chanceler Sergei Lavrov da Rússia em Brasília levaram o Brasil, objetivamente, a favorecer o agressor russo Vladimir Putin. E o Presidente Luís Inacio Lula da Silva começou a cair no crédito internacional. Já a comunidade ucraniana brasileira ficou indignada, tanto a parte que votou contra ele como a parte da comunidade que votou nele.

Na visita de Sergei Lavrov, o Brasil somente fez uma declaração pedindo o cessar-fogo, como continuidade da responsabilização por igual na continuidade da guerra para a Rússia e Ucrânia e responsabilidade da continuidade da guerra aos Estados Unidos e Europa por fornecer armas para a Ucrânia. As críticas se fizeram sentir por todos os lados, e na recepção ao Presidente da Romênia, o Presidente foi obrigado a ler texto onde afirmava o reconhecimento da integridade territorial da Ucrânia e Celso Amorim sair em campo para explicar o inexplicável. Antes, enviou o Celso Amorim a Moscou, sem visitar Kyiv ao mesmo tempo, repetindo o que fez Bolsonaro. Enfim, o Brasil ainda não firmou uma posição que o coloque no campo da democracia mundial e possa de fato favorecer o caminho da paz e da justiça.

Há um desconhecimento da história da Ucrânia e da Rússia e uma grande intoxicação, não sanada, pelas concepções stalinistas e da atual propaganda do FSB (ex-KGB) sobre a expansão da OTAN, os Estados Unidos terceirizando a guerra contra a Rússia e outras. A responsabilidade pela expansão da OTAN é da própria Rússia. Basta ver as duas últimas adesões, Suécia em curso e Finlândia já efetivada. Elas se deram não por vontade dos membros da OTAN, mas por decisão dos povos desses dois países para terem segurança frente à ameaça que representa a vizinha Rússia. E assim foi com os países bálticos, a Polônia e era a vontade da Ucrânia. Ninguém buscou a OTAN para agredir a Rússia, mas para se proteger dela. O problema para a Rússia é a própria elite russa e seu projeto.

A agressão da Rússia à Ucrânia vem desde a independência em 1991, não começou em 24 de fevereiro de 2022 nem em 2014, mas antes, está fundada em um projeto desenvolvido no âmbito do governo russo após a dissolução da União Soviética. Não se pode também esquecer o passado imperial tsarista, a crítica dos revolucionários de 1917 à elite russa por sua concepção de superioridade racial, o Holodomor e o totalitarismo stalinista. Atualmente, verificando-se o círculo no entorno de Vladimir Putin encontramos os conservadores chauvinistas russos Vladimir Iakunin, o Padre Tikhon Shevkunov e Vladislav Surkov, defensor convicto da narrativa “não há Ucrânia”, que levou Putin a escrever um texto de 20 páginas afirmando que a Ucrânia é uma invenção de Lenin. A citação mais frequente nos discursos de Putin é a de Ivan Ilin (1883-1954). Ilin foi expulso da Rússia soviética em 1922. No exílio, em Berlim e depois na Suíça, conectou-se aos emigrados russos contrarrevolucionários e abraçou o pensamento fascista. Em 1950, escreveu um ensaio que viria a ser repetidamente citado por Putin. Outros citados são Nikolai Danilevski, que pregou o messianismo da cultura eslava, Lev Gumiliov, expoente do eurasianismo, ou Konstantin Leontiev, filósofo russo monarquista conservador que defendia uma união monárquica conservadora entre a Rússia e o Oriente contra o que ele acreditava serem as catastróficas influências igualitárias, utilitárias e revolucionárias do Ocidente. Analisando-se atentamente os discursos dos últimos 20 anos de Putin, constata-se um pensamento formado em um coquetel de superioridade étnica russa, conservadorismo e expansionismo. Daí por que a ocupação da Ucrânia é uma peça no projeto eurasiático com centro em Moscou por parte de Vladimir Putin. Aleksandr Dugin disse isso com todas as tintas: “a guerra à Ucrânia como uma pré-condição para o renascimento do Império Russo.”

Sobre o dever de oferecer armas à Ucrânia. Uma situação é o fornecimento de armas para um país que agride outro, e outra situação é o fornecimento de armas para a defesa de um país agredido. No caso, os Estados Unidos, a Inglaterra, a França, a China e a Irlanda do Norte têm obrigação de fornecer armas para a Ucrânia se defender. A razão está que a Ucrânia aparece no cenário internacional em 1991 como a terceira potência nuclear do planeta, pelo número de ogivas nucleares existentes em seu território. Em 5 de dezembro de 1994, com a adesão da Ucrânia ao tratado de não proliferação de armas atômicas, a Rússia reconheceu as fronteiras da Ucrânia, incluindo a Crimeia. Em 5 de dezembro de 1994 é assinado o Memorando de Budapeste: “1. A Federação Russa, o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte e os Estados Unidos da América reafirmam seu compromisso com a Ucrânia, de acordo com os princípios da Ata Final da Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa, em respeitar a independência e soberania e as fronteiras existentes da Ucrânia [...]”. Depois aderem ao memorando a França e a China.

A Rússia não cumpre leis e tratados internacionais. Desde 1991 nenhuma das guerras da Rússia terminou em paz negociada estável. A Rússia tende a congelar conflitos, mantê-los como desestabilizadores enquanto chantageia o mundo. Foi assim com a Moldova em 1992, conflito congelado até hoje; a Chechênia, onde a Rússia forçou a aceitar a ocupação depois de vários anos; a Geórgia em 2008, mais de 20% do território da Geórgia permanece ocupado; a Rússia ocupou a Crimeia em 2014 e se infiltrou no leste, em Donetsk e Luhansk, e depois de manter a guerra semicongelada por 8 anos, invadiu a Ucrânia em 2022 tentando derrubar o governo e ocupar o país. Portanto, se a Ucrânia parar de resistir, só serve à tática e estratégia russa de manter conflitos para mais adiante avançar mais. Cessar fogo, com soldados russos em terras ucranianas, sem exigência de desocupação total do território ucraniano pelas forças armadas russas, é favorecer a estratégia russa.

Para a constituição e sucesso de um grupo de países amigos da Paz, há que se redefinir rumos, enviar Celso Amorim de imediato a Kyiv, o Presidente deve aceitar o convite e ir à Ucrânia. E o Brasil precisa estudar mais a história da Ucrânia e considerar o que significam o governo russo para a democracia e o desenvolvimento social e cultural da humanidade e a sua política imperial belicosa. A Ucrânia precisa de amigos da paz, e não de amigos da tática e estratégia russa. Os 10 pontos da fórmula da Paz proposta pelo Presidente Zelensky conduzem à paz, e a fórmula de congelamento do conflito faz perdurarem a instabilidade e a durabilidade da guerra de agressão.


VITORIO SOROTIUK / Curitiba, 21 de abril de 2023
Presidente da Representação
Central Ucraniano-Brasileira



domingo, 23 de abril de 2023

Hino Nacional da RSS do Usbequistão

Este é o Hino Nacional da República Socialista Soviética do Usbequistão (Ўзбекистон Совет Социалистик Республикасининг давлат мадҳияси, Oʻzbekiston Sovet Sotsialistik Respublikasining davlat madhiyasi), uma das componentes da URSS formada logo no início da união e com cultura e língua túrquicas. Em 1940, foi imposto o alfabeto cirílico por Stalin, mas desde 1992, após a independência do país, o cirílico conviveu com versões do alfabeto latino sucessivamente reformadas, prevendo-se o abandono completo do cirílico em 2023. O hino usbeque soviético foi composto e adotado em 1947, com letra de Temur Fattoh e Turob To‘la (Turab Tula) e melodia de Mutal Burhonov. A partir de 1956, o hino passou a ser executado sem letra, e um novo texto sem menções a Stalin, que é o apresentado aqui, foi adotado em 1978.

Em 1992, como hino do Usbequistão independente, decidiu-se manter a melodia, mas substituir a letra por outra escrita por Abdulla Oripov. O Usbequistão foi um dos poucos países que, após a dissolução da URSS, continuou usando a melodia do hino soviético regional no hino da nação independente, junto com Tajiquistão e Belarus. A Rússia, que nunca teve um hino regional quando era a “RSFSR”, só readotaria a melodia do Hino da URSS em 2000.

Antes de traduzir pro português, comparei entre si as traduções em inglês, espanhol, ucraniano e belarusso que encontrei na Wikipédia (a versão russa era “poética”, não literal, portanto evitei). Como pareciam não dizer coisa com coisa, descartei logo de cara os textos em inglês e espanhol, e me baseei nos textos ucraniano e belarusso, que, porém, não batiam entre si. Acabei traduzindo a partir desses dois, comparei de novo com o inglês e joguei o original usbeque no Google Tradutor pra ver o que dava. O jeito que eles se expressam é que parecia diferente, então só adequei o conteúdo semântico à sintaxe “ocidental”. Eu mesmo também legendei e montei o vídeo, que segue abaixo junto com o original em cirílico e a tradução em português:


1. Ассалом, Рус халқи, буюк оғамиз,
Барҳаёт доҳиймиз Ленин, жонажон, жонажон!
Озодлик йўлини Сиз кўрсатдингиз,
Советлар юртида Ўзбек топди шон!

Refrão:
Партия раҳнамо, жон Ўзбекистон,
Серқуёш ўлкасан, обод, баркамол!
Тупроғинг хазина, бахтинг бир жаҳон,
Советлар юртида сенга ёр иқбол!

2. Серқуёш ўлкада кўрмасдик зиё,
Дарёлар бўйда эдик сувга зор, сувга зор.
Тонг отди, Инқилоб, Ленин раҳнамо,
Раҳнамо Лениндан халқлар миннатдор!

(Refrão)

3. Коммунизм гулбоғи мангу навбаҳор,
Тоабад қардошлик – дўстлик барҳаёт, барҳаёт!
Советлар байроғи ғолиб, барқарор,
Бу байроқ нуридан порлар коинот!

(Refrão)

____________________


1. Paz a você, povo russo, nosso grande irmão!
Viva nosso genial e queridíssimo Lenin!
Você nos mostrou o caminho da liberdade,
O usbeque é celebrado pelo País dos Sovietes.

Refrão:
Ó, Partido, você conduz nosso Usbequistão,
Ele floresce, dotado de um destino feliz.
É um lugar de tesouros terrestres banhado de Sol,
Tenha sempre sucesso no País dos Sovietes!

2. Em dias claros, a luz do Sol era escondida de nós,
Passávamos sede junto a rios caudalosos.
Lenin nos abriu a aurora de Outubro,
Nosso povo é grato ao grande Lenin.

(Refrão)

3. O comunismo é a primavera eterna na Terra,
Com fraternidade eterna e amizade vivíssima.
A bandeira soviética é vitoriosa e resistente,
O Universo resplandece a luz dessa bandeira!

(Refrão)



sábado, 22 de abril de 2023

Lula e seus passeios com ditadores


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/sakineh

Nesta página esquecida no site do Senado, consegui recuperar uma matéria do Correio Braziliense publicada em 1.º de agosto de 2010, na página 21 da seção Mundo, escrita por Isabel Fleck e intitulada “Lula recua e oferece abrigo a iraniana”. Trata-se do famoso caso da iraniana Sakineh Ashtiani, nascida em 1967 e condenada à morte por apedrejamento pela justiça do então governo autoritário e reacionário do presidente Mahmud Ahmadinejad, cuja reeleição em 2009 já tinha sido acusada de fraude por amplas manifestações que terminaram em repressão. Ashtiani foi acusada ainda em 2005 de ter ajudado a matar seu marido junto com o primo dele, com o qual ela estaria tendo um caso extraconjugal. Pra piorar, ela é da minoria azerbaijana que vive no Irã, o que a deixou mais vulnerável à perseguição, como vimos no caso da curda Mahsa Amini em 2022. O caso foi se arrastando até que em 2007 ela recebeu a condenação capital final, e em 2010 foi lançada uma campanha internacional pra sua libertação. Após o envolvimento de vários políticos ocidentais, a pena de Ashtiani foi enfim comutada pra dez anos de prisão, dos quais ela cumpriu nove até 2014, sendo liberada por “bom comportamento”.

Naquele período, o presidente Lula estava construindo boas relações diplomáticas com ditadores como Bashar al-Assad, Muammar Gaddafi e Ahmadinejad, tomando a correta opção de não entrar em conflito aberto com nenhum país do mundo, mas errando em posar com esses assassinos em fotos amistosas, sorridentes e descontraídas, inclusive com cúmulos de abraços. Como é o caso atual com a Rússia, e como ele não é esquizofrênico nem sádico como seu antecessor, Lula provavelmente não ignora os vários crimes que essa escória comete e se condói sinceramente com as vítimas, mas tenho duas hipóteses: ou ele lê pouco sobre esses assuntos, dado seu desconhecimento de idiomas e a falta de qualidade do material disponível em português; ou, o que acho mais provável, ele não pode desagradar a suas bases partidárias, não limitadas ao PT e que ainda rezam segundo a cartilha da “guerra fria”, pela qual tudo o que faz mal aos EUA faz bem ao mundo: o inimgo de meu amigo é meu amigo... Pra ter uma noção de como agem, vejam a paranoia de Gleisi Hoffmann, que já está metralhando até o Haddad, considerado “liberal demais” no partido!

Pra entrarmos logo no tema, essa falta de tato pra lidar com questões internacionais, que Lula não parece ter resolvido depois de sair da cadeia “mais à esquerda do que quando entrei”, sempre o levou a gafes feias ao comentar abusos de direitos humanos em outras partes do mundo, que são relativamente diferentes dos que se passam no Brasil, já que em tese não vivemos numa ditadura aberta desde 1985. Se era de países que nos interessavam economicamente, como o Irã, a Rússia, a China e a Síria, ou ideologicamente próximos, como a Venezuela, a Nicarágua e Cuba, então, nem se fala! Comentando a atitude de Lula pra com Ashtiani, lembro na época que a Veja meteu o pau por ele a ter tratado de “essa mulher” e sugerido que estaria causando “incômodo” no Irã, quando na verdade era a ditadura teocrática que estaria sendo o incômodo à mulher. Conforme informou também a Folha de S. Paulo na época, o presidente também causou indignação ao comentar cantarolando: “Fico imaginando se um dia tivesse um país do mundo que se o homem trair fosse apedrejado. Eu queria saber quem é que ia gritar: atire a primeira pedra, iá iá, aquele que não traiu.”

Acontece, Molusco, que o assassino do marido de Ashtiani foi liberado da pena de morte após pagar um dinheirão pro filho dela, e mesmo condenado a dez anos de prisão, afirma-se que ele sequer ficou muito tempo na cadeia! E como os registros online do passado sempre são comprometedores, segue o artigo de Fleck, embora meus comentários já tenham ficado maiores do que o próprio... Só ressalto que não quero igualá-lo à quase ditadura por que passamos em 2019-22, mas que, como um chefe democrático, Lula tem todo o dever de ser criticado franca e abertamente. P.S. 1: Ela recebeu as 99 chibatadas, e na frente do filho! P.S. 2: Muito nostálgico o atual esgotão muskiano da internet ainda ser chamado então de “rede de microblogs”, rs.



Em discurso em Curitiba, presidente diz ter pedido a Mahmud Ahmadinejad pela vida de Sakineh Ashtiani, condenada por adultério

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi o primeiro a ceder. Dois dias depois de sugerir que não aproveitaria o canal aberto que tem com o colega iraniano, Mahmud Ahmadinejad, para pedir pela vida de Sakineh Mohammadi Ashtiani condenada à morte por apedrejamento, sob a acusação de adultério, Lula afirmou que conversou com o amigo e ofereceu, inclusive, abrigo à iraniana no Brasil. O presidente disse ainda que, se for eleita, a candidata do Partido dos Trabalhadores (PT), Dilma Rousseff, telefonará para Ahmadinejad em seu nome, para também interceder por Ashtiani. Resta saber se o governo de Teerã vai considerar mais um apelo do colega brasileiro que se junta aos de dezenas de organizações de direitos humanos, celebridades e outros governos, como o do Reino Unido e dos Estados Unidos.

Em um discurso ao lado de Dilma em Curitiba, Lula voltou a dizer que é preciso respeitar as leis e a soberania do Irã, mas destacou que nada justifica um Estado tirar a vida de alguém. “Se vale a minha amizade e o carinho que tenho pelo povo iraniano, e se essa mulher está causando incômodo [no Irã], nós a receberíamos no Brasil”, sugeriu. O Palácio do Planalto não confirmou se o pedido a Ahmadinejad pela vida de Ashtiani teria sido feito em um telefonema recente, mas, há duas semanas, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, entrou em contato com o chanceler iraniano, Manouchehr Mottaki, para pedir o cancelamento da pena da mulher de 43 anos.

Na última quarta-feira, Lula afirmou em Brasília que não cederia aos apelos para falar com Ahmadinejad, expressos na rede de microblogs Twitter, por meio da campanha #LigaLula. Na ocasião, ele disse que, se todo mundo pedir para um país mudar suas leis, “vira uma avacalhação”. Ashtiani está presa desde maio de 2006, acusada de ter traído o marido com o homem que depois o matou. Na época, foi condenada a 99 chibatadas, e, depois, após confessar o crime de adultério, à morte por apedrejamento.

Uma campanha movida por um dos dois filhos de Sakineh, Mohammadi Ashtiani, conseguiu suspender a execução da mãe, prevista para julho, mas não derrubou sua sentença de morte. Ontem, a rede americana CNN divulgou trechos de uma carta que teria sido escrita por Ashtiani, da prisão de Tabriz (oeste do país). No texto, enviado à advogada Mina Ahadi, a mulher agradece todo o apoio da comunidade internacional, e diz que tem medo de morrer. “Senhora Ahadi, diga a todos que tenho medo de morrer. Me ajude a continuar viva para abraçar os meus filhos”, diz Ashtiani. “Muitas noites, antes de dormir, eu penso em como alguém pode estar preparado para jogar pedras em mim, mirando a minha face e mãos?”, diz, na carta.

Um abaixo-assinado virtual pela libertação da iraniana tem quase 142 mil assinaturas, entre elas a do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, segundo o site freesakineh.org [URL atualmente inativa].



sexta-feira, 21 de abril de 2023

Hino Nacional da RSS da Ucrânia

Este é o Hino Nacional da República Socialista Soviética da Ucrânia (Державний гімн Української Радянської Соціалістичної Республіки, Derzhavny himn Ukrainskoi Radianskoi Sotsialistychnoi Respubliky), adotado em 1949 com letra do poeta Pavló Hryhorovych Tychyna e melodia feita por um coletivo de compositores dirigido por Anton Dmytrovych Lebedynets. A primeira versão continha menções ao então governante Stalin, e assim como ocorreu com os outros hinos de RSS, inclusive o da própria URSS, a letra foi reelaborada em 1978 por Mykola Platonovych Bazhan, pra excluir essa e outras menções agora incômodas. O hino vigorou até 1992, ano em que a Ucrânia se tornou um país independente e adotou uma lei deliberando sobre o novo hino. Desde 2015, por força das leis de “descomunização”, a execução pública do antigo hino foi proibida, assim como a ostentação de outros símbolos soviéticos.

O hino da RSS da Ucrânia jamais se tornou amplamente estimado, e conviva lado a lado com muitas outras canções que davam uma identidade nacional-popular. Nos tempos soviéticos, a maioria das manifestações culturais puramente ucranianas era considerada expressão de “nacionalismo burguês”, mas a postura de Moscou pra com elas oscilou muito ao longo das décadas. O teatro, a música e a literatura, por exemplo, floresceram, mas sob os olhares atentos e o controle dos bolcheviques, de forma que a predominância política, científica e diplomática da língua russa se mantinha imune. Eu traduzi direto do ucraniano, que é muito próximo do russo, e legendei o vídeo em português e, pra seu conforto, numa transliteração ucraniana que eu mesmo criei. Seguem o vídeo, a letra em cirílico e a tradução:


1. Живи, Україно, прекрасна і сильна,
В Радянськім Союзі ти щастя знайшла.
Між рівними рівна, між вільними вільна,
Під сонцем свободи, як цвіт розцвіла.

Refrão:
Слава Союзу Радянському, слава!
Слава Вітчизні на віки-віків!
Живи, Україно, радянська державо,
В єдиній родині народів-братів!

2. Нам завжди у битвах за долю народу
Був другом і братом російський народ,
Нас Ленін повів переможним походом
Під прапором Жовтня до світлих висот.

(Refrão)

3. Ми славим трудом Батьківщину могутню,
Утверджуєм правду безсмертних ідей.
У світ комунізму – величне майбутнє –
Нас ленінська партія мудро веде.

(Refrão)

____________________


1. Viva, Ucrânia, belíssima e forte,
Que encontrou a felicidade na União Soviética.
Igual entre iguais, livre entre livres,
Sob o sol da liberdade abriu-se em flor.

Refrão:
Glória à União Soviética, glória!
Glória à Pátria pra todo o sempre!
Viva, Ucrânia, Estado soviético,
Numa família unida de povos irmãos!

2. Nas lutas pelo destino de nosso povo
O povo russo sempre foi amigo e irmão,
Lenin nos conduziu numa marcha vitoriosa
Sob a bandeira de Outubro a luminosas alturas.

(Refrão)

3. Honramos a poderosa Pátria com o esforço,
Afirmamos a verdade de ideias imortais.
Ao mundo comunista, um imponente futuro,
O partido leninista nos conduz sabiamente.

(Refrão)



quinta-feira, 20 de abril de 2023

PETÍSTISCHE SCHADENFREUDE


Professor: Erick, dê a definição da palavra da língua alemã Schadenfreude.

Erick:



quarta-feira, 19 de abril de 2023

Hino Nacional, RSS do Turcomenistão

Este é o Hino Nacional da República Socialista Soviética do Turcomenistão (Түркменистан Совет Социалистик Республикасы Дөвлет Гимни, Türkmenistan Sowet Sotsialistik Respublikasy Döwlet Gimni), formada como uma república autônoma em 1924 a partir da junção de outras entidades menores, incluindo parte da famosa RSS Autônoma do Turquestão. Na era comunista, a região também era conhecida pelo nome russificado “Turcomênia” ou “Turkmenia”. Como a maioria das repúblicas vizinhas, hoje países independentes, com nomes terminados em “-istão”, é de maioria cultural túrquica, sendo a língua turcomena pertencente ao ramo oghuz das línguas túrquicas, ou seja, é mais próxima do turco, do azerbaijano e do gagaúzo do que das outras línguas túrquicas dos países vizinhos, quase todas pertencentes aos ramos kipchak ou karluk. O turcomeno recebeu uma primeira versão do alfabeto latino em 1928, mas passou ao cirílico em 1940, até readotar o latino em 1993, que sofreu algumas modificações em 1999.

O Hino Nacional da RSS do Turcomenistão foi composto e adotado em 1946, com letra escrita por vários autores, dos quais o principal foi Aman Kekilow, e melodia de Welimuhammet Muhadow (também conhecido como Veli Mukhatov). Como ocorreu com todos os outros hinos das antigas RSS, foi adotada uma nova letra em 1978 sem menções a Stalin, que vigorou até a independência do Turcomenistão, em 1991. A melodia sem letra continuou sendo usada como hino da república independente até 1996, quando foi adotado um novo, com melodia do mesmo Muhadow e letra de Saparmyrat Nyýazow (Saparmurat Niyazov), ditador praticamente desde 1985 até sua morte, em 2006. Ironicamente, o hino era em geral chamado por seu primeiro verso, A grande criação do “Türkmenbaşy”, sendo Türkmenbaşy (Líder dos Turcomenos) o título honorífico atribuído a Nyýazow. Seu sucessor, Gurbanguly Berdimuhamedow, que governou igualmente como um ditador e pôs seu filho na sucessão praticamente sem concorrência em 2022, ordenou em 2008 a alteração na letra de forma que fosse revomida do refrão a referência a Nyýazow e suprimida a última estrofe.

Como não sei turcomeno nem qualquer um dos idiomas túrquicos a fundo, traduzi a partir da versão em russo na Wikipédia, que acredito ser mais confiável devido ao antigo passado soviético, e porque é a que textualmente faz mais sentido, porque olhando as outras versões que consultei (francês, espanhol e italiano), não diziam coisa com coisa. A versão em inglês, que tinha alguma coerência, não era igual à russa, mas pelo menos me serviu de amparo, embora o russo tivesse dado a palavra final. Concluído o trabalho, joguei o próprio texto turcomeno completo no Google Tradutor, e ele não fez sentido em nenhuma língua pra qual traduzi... Seguem abaixo o vídeo, a letra em cirílico turcomeno e a tradução em português:


1. Дең хукуклы халклармызың достлугы
Совет илин бир машгала өвүрди!
Бу достлугың аркадагы Рус халкы
Эгсилмез доганлык көмегин берди.

Refrão:
Яша сен, кувватлан, эй азат Ватан!
Баряң Коммунизмиң еңшине бакан.
Ленин партиясындан гүйч алян, өсйән,
Совет Ватанымыз, җан Түркменистан!

2. Бейик Ленин ачды азатлык ёлун,
Бизе бакы ягты дурмуш гетирди.
Галкындырып әхли халкы хак ише,
Еңише, зәхмете, багта етирди.

(Refrão)

3. Коммунизме баглап арзув–эркимиз,
Айдың гелҗегмизи дөредйәс, гуряс.
Гызыл байдагы биз берк тутуп голда,
Биз бейик максада ынамлы баряс.

(Refrão)

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1. O esteio da amizade dos povos é indestrutível,
Toda a União Soviética se tornou uma só família!
E o povo russo se tornou o bastião da amizade,
Somos abençoados e felizes em nossa Pátria.

Refrão:
Cantem à Pátria ensolarada e livre!
O partido de Lenin é um sábio timoneiro.
Vocês vão vitoriosamente rumo ao comunismo,
Floresça, terra soviética, nosso Turcomenistão!

2. Lenin nos indicou o claro caminho da liberdade
E nos trouxe a uma eterna vida feliz.
Ele educou os povos pra lutarem pela justiça,
Inspirando-os a atitudes e ao triunfo do trabalho!

(Refrão)

3. Servimos abnegadamente à causa do Comunismo,
Ligamos nosso destino ao dia de sua realização.
E com a bandeira vermelha, a bandeira da Pátria,
Seguimos bravamente rumo ao Grande Objetivo!

(Refrão)



terça-feira, 18 de abril de 2023

Lavrov não deveria estar no Brasil


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/lavrov-br

Resolvi republicar este artigo de opinião que saiu na Folha de S. Paulo de ontem, dia 17, e que meu amigo Cláudio, defensor dos ucranianos, me recomendou pelo WhatsApp. Seu título é “Chanceler russo não deveria ser recebido pelo Brasil” e foi escrito pela socióloga Svetlana Ruseishvili, que tem origens russas, ucranianas e georgianas, é professora de pós-graduação na UFSCar e com quem já mantive contato em redes socias. Ele resume exemplarmente minha própria visão sobre a guerra em curso e sobre as falas inconsequentes de Lula (embora eu prefira suas besteiras às crises diplomáticas que Bolsonaro causava...), e por isso também estou enriquecendo com outros vídeos que o Cláudio mandou depois. A caricatura abaixo é igualmente parte de uma das imagens que ele postou em seu story no aplicativo! Apenas retoquei as transliterações e parte da redação, mas não mexi no estilo.



Sergei Lavrov é o porta-voz da política externa russa desde 2004 e, assim como o presidente russo, Vladimir Putin, está sob sanções individuais por parte de União Europeia, Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e outros países. Lavrov é um dos ministros mais duradouros e importantes no governo Putin: comandava a pasta quando a Rússia anexou a Crimeia em 2014; quando bombardeou a população civil com as armas proibidas na Síria, em 2015; quando iniciou a guerra criminosa contra a Ucrânia, em 2022.

A sua visita ao Brasil é desnecessária e será taticamente usada pelo regime de Putin para fortalecer o seu argumento antiocidental, que tem se tornado uma armadilha ideológica para os países do “Sul Global”.

No dia 13 de abril, a Folha publicou uma carta de Lavrov (“Cooperação da Rússia com América Latina baseia-se em abordagem desideologizada e não ameaça ninguém”) endereçada aos latino-americanos às vésperas de sua visita à região. Além de mentiras costumeiras, o texto retoma o raciocínio adotado no discurso de Putin em 30 de setembro de 2022, quando o presidente russo lançou mão da retórica anticolonial para culpar o Ocidente de ter explorado, escravizado e expropriado povos não ocidentais.

Ele também usou os princípios do relativismo cultural para defender os “valores tradicionais” russos (fundamentalismo religioso, família heteronormativa, autoritarismo político) contra a “degradação moral” do Ocidente representada pelos direitos humanos, feminismo, movimento LGBTQIA+, liberdade de expressão e outros direitos sociais. Tudo aquilo para, enfim, legitimar o seu direito soberano de invadir, interferir e restringir os direitos da população nos países que se encontram em sua “zona de influência”. Putin nunca quis combater o imperialismo, mas sim ter direito de exercer o seu próprio imperialismo de forma legitimada pela “nova” ordem internacional.

Assim mesmo, lemos na carta de Lavrov que “hoje, a questão em jogo é o caráter da ordem mundial: seria ela justa, democrática e policêntrica de verdade, como exige a Carta da ONU, que consagra a igualdade soberana de todos os Estados?”. Pois bem, que “igualdade soberana de todos os Estados” tem em mente Lavrov quando ele se refere à Carta da ONU? Não é a Rússia que interfere desde 2014 na política interna de um país soberano vizinho até iniciar a invasão em larga escala? O que exatamente significa a ordem “democrática” para o chanceler de um país, que encarcera a oposição, estigmatiza os ativistas de movimentos sociais como “agentes estrangeiros”, censura a imprensa livre, descriminaliza a violência doméstica, persegue as minorias religiosas, étnicas e sexuais?

Perguntem para os ativistas tártaros da Crimeia, o povo muçulmano originário da península, o que de fato significa a ordem “democrática” para o Kremlin. Eles têm sistematicamente denunciado as perseguições, acusações de terrorismo, deslocamentos forçados de suas casas e suas aldeias e encarceramento em massa de ativistas perpetrados pelo regime russo após a ocupação da península.

Quanto à ordem “policêntrica” de verdade, à qual se refere Lavrov, está claro que ela diz respeito não à ordem sem imperialismos, mas sim a uma divisão do mundo interimperialista na qual a Rússia possa reinar em sua área de controle de forma ilimitada. Quando Lavrov pergunta se “seria permitido que EUA e a coligação por eles liderada prossigam sua agenda em detrimento de outros, drenando recursos alheios a seu favor?”, ele só esquece de complementar: “sem que a mesma conduta seja permitida também para outros países?”. Que a sociedade democrática brasileira não se engane, pois essa é a verdadeira reivindicação de Putin!

Assim, a abertura que o governo Lula dá ao Kremlin deveria preocupar os movimentos sociais e a parcela da população para qual a democracia representa mais que mera representatividade eleitoral. Não é por coincidência que Lavrov irá visitar na mesma viagem, além da Cuba, parceira histórica da Rússia, a Venezuela de Maduro que tem gerado a crise migratória sem precedentes no continente, com mais de 5 milhões de deslocados no mundo; e a Nicarágua, onde o regime de Daniel Ortega tem perseguido e assassinado ativistas dos movimentos sociais e da oposição.

Os malabarismos retóricos usados pelo Kremlin para disfarçar suas atitudes autoritárias e agressivas não deveriam enganar a sociedade brasileira que preza pela democracia. Assim como a extrema-direita mundial instrumentalizou o discurso feminista para legitimar as políticas anti-imigratórias e islamofóbicas na Europa, o putinismo se vale da retórica e dos sentimentos antiestadunidenses na América Latina para legitimar a expansão territorial de seu regime conservador e autoritário.

Ávido por retomar o seu papel reconciliador na arena internacional, o Brasil deveria primeiramente condenar qualquer pretensão imperialista e defender a segurança e o direito das nações pequenas à autodeterminação, em vez de apertar a mão ensanguentada do representante de um país agressor neoimperialista criticado pela comunidade internacional pelos crimes de guerra.




Também ontem, Vitorio Sorotiuk, presidente da Representação Central Ucraniano-Brasileira e de quem eu já publiquei alguns textos aqui, fez um tour de mídias pra explicar ao máximo possível de pessoas sua visão sobre o assunto, a mesma de Ruseishvili, e denunciar o supremacismo de Putin. O primeiro vídeo, de mais de 15 minutos, foi gravado na Band News, que eu acho que faz o melhor jornalismo do Brasil (mil vezes melhor que o Grupo Globo!), e o segundo, de apenas pouco mais de 5 minutos, na Jovem Pan, cuja triste fama nem preciso apresentar...


Esta foto também está dando muito o que falar. O mesmo Sorotiuk escreveu o seguinte nas mídias sociais:

“Um chanceler de um país que vem em visita oficial a outro país e desce do avião, em recepção oficial, vestido como quem vai ao boteco, não respeita o anfitrião. Como já afirmei, a visita mais parece uma ida à Penitenciária de Brasília, visitar o seu xará Sergei Cherkasov – espião russo, preso por infiltração no Tribunal Penal Internacional por falsificação de documentos brasileiros, com os quais se passava por Viktor Müller Ferreira –, do que visita respeitosa a outro país.”

A revista Crusoé, por meio da página O Antagonista, também comentou:

“A vestimenta casual não pode ser encarada como algo corriqueiro. Se turistas têm todo o direito de usar roupas mais à vontade em voos longos, o ministro de Relações Exteriores de um país é o representante de um Estado e deve se comportar como tal. Na diplomacia, afinal, gestos, roupas e frases são de extrema importância, porque carregam mensagens poderosas. Sendo assim, a imagem de Lavrov descendo do avião como se estivesse em um shopping center já está sendo vista como sinal do desprestígio da diplomacia petista.”


E pra encerrar, este vídeo mandado pelo amigo Raphael, do Rio de Janeiro, que infelizmente não tem fontes nem créditos pela produção. Ele mostra como alguns russos comuns regaem espontaneamente contra a afirmação do Kremlin de que a Ucrânia está “cheia de nazistas” e como não acreditam nas propagandas do próprio governo, mas também são críticos quanto à do Ocidente. Como também disse o Cláudio, essa pode não ser uma amostra representativa dos russos, mas a meu ver, tirando os que realmente são racistas ou se deixam enganar por Putin, a maioria que não concorda simplesmente se aprisiona no silêncio, e também a Rússia como federação é muito mais diversa, com dezenas de outros povos além dos russos propriamente étnicos.


segunda-feira, 17 de abril de 2023

Hino Nacional da RSS do Tajiquistão

Este é o Hino Nacional da República Socialista Soviética do Tajiquistão (Суруди миллии Ҷумҳурии Шӯравии Сотсиалистии Тоҷикистон, Surudi millii Jumhurii Shūravii Sotsialistii Tojikiston), a mais pobre da antiga URSS, encravada no meio da Ásia Central e de cultura essencialmente persa (ou seja, muçulmana e com uma variante da língua ainda falada no Irã). Essa república foi desdobrada em 1929 da antiga RSS do Uzbequistão, de cultura túrquica, dentro da qual tinha sido antes uma RSS autônoma desde 1924. A capital, hoje chamada Dushanbe (“segunda-feira”), se chamou Stalinabad até 1961, e em fevereiro de 1990 ocorreram aí tumultos que levaram a 26 mortes. Em 24 de agosto de 1990 o Tajiquistão declarou soberania sobre seu próprio território, em 31 de agosto de 1991 adotou o nome de “República do Tajiquistão” e em 9 de setembro declarou sua independência da URSS. Eu prefiro escrever “Tajiquistão”, sem “d”, e não “Tadjiquistão”, que não soa natural em nossa língua.

O Hino Nacional da RSS do Tajiquistão foi composto e adotado em 1946, com letra do poeta e ativista Abulqosim Lohutī (1887-1957), nascido no Irã, e melodia do compositor Suleyman Yudakov (1916-1990), que era da etnia judia de Bukhara. Em 1977 a letra foi levemente modificada no final da segunda estrofe pra tirar as referências a Stalin, algo que ocorreu nos hinos de todas as outras repúblicas soviéticas. A versão deste vídeo é exatamente a modificada. O Tajiquistão é um dos poucos países que manteve a mesma melodia do hino soviético, apenas adotando em 1994 uma nova letra, chamada simplesmente de Hino Nacional (Surudi Millī) e composta pelo poeta Gulnazar Keldī (1945-2020), que morreu de covid. Assim como nas outras repúblicas centro-asiáticas, a execução e exibição públicas de antigos símbolos soviéticos não é criminalizada, e o próprio ditador nepotista atual, Emomali Rahmon, tinha sido um burocrata comunista.

O hino da RSS tajique é um dos poucos que destoa da estrutura poética dos outros hinos, consistindo de três estrofes com seis versos cada, sem um refrão. Mas a temática, como vemos, não muda. O tajique é apenas uma variante do persa, língua nacional do Irã, portanto guarda também um distante parentesco com o português. A diferença é que se escreve em alfabeto cirílico, e não numa modificação do árabe, mas como só tenho um conhecimento primário de ambos, traduzi a partir das versões em russo (literal, não poética) e inglês da Wikipédia, apenas jogando depois o original no Google Tradutor pra ver o resultado. A transliteração que usei é a mais comum, incluindo o uso de “ī” e “ū” pras vogais nativas “ӣ” e “ӯ”. Seguem abaixo o vídeo, a letra em cirílico tajique e a tradução:


1. Чу дасти рус мадад намуд,
Бародарии халқи совет устувор шуд,
Ситораи ҳаёти мо шарорабор шуд.
Гузаштаҳои пурифти хори мо
Ба ҷилва омаданду дар диёри мо, диёри мо
Мустақил давлати тоҷикон барқарор шуд.

2. Ба ҳоли таб даруни шаб
Садои раъди давъати Ленин ба мо расид,
Зи барқи байрақаш сиёҳии ситам парид.
Саодати ҷовидон дар ин замин
Зи партия ба мо расид, ба партия сад офарин
Марду озода моро чунин ӯ бипарварид.

3. Шиори мо диҳад садо:
Баробарӣ, бародарӣ миёни халқи мо.
Зи хонадони мо касе намешавад ҷудо,
Ягонагиро ба худ сипар кунем.
Ба сӯи фатҳи коммунизм сафар кунем, сафар кунем.
Зинда бод мулки мо, халқи мо, Иттиҳоди мо.

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Quando a mão da Rússia nos ajudou,
Formou-se a irmandade do povo soviético,
Iluminou-se a estrela de nossa vida.
Nosso passado glorioso veio à tona
E em nossa terra, em nossa terra
Criou-se o Estado independente dos tajiques.

Fervendo em plena noite
Ressoou com força o chamado de Lenin,
A luz de sua bandeira deu fim às trevas da opressão.
A eterna prosperidade nesta terra
Foi obtida do Partido pra nós, parabéns ao Partido,
É a pessoa generosa que nos educou como novos.

Nosso lema vai se erguer:
Igualdade, fraternidade entre nosso povo.
Ninguém de nossa família vai ficar de lado,
Vamos fazer um escudo de unidade.
Seguimos à vitória sob o comunismo, sempre adiante.
Vivam nossa família, nosso povo, nossa URSS.



sábado, 15 de abril de 2023

Hino Nacional da RSS do Quirguistão

Este é o Hino Nacional da República Socialista Soviética do Quirguistão (Кыргыз Советтик Социалисттик Республикасынын Мамлекеттик Гимни, Qyrğyz Sovettik Sosialisttik Respublikasynyn Mamlekettik Gimni), uma das mais esquecidas encravada no meio da Ásia Central. Seu desdobramento da antiga RSFS da Rússia se deu em 1924, mas ainda como província autônoma, até que se tornou uma república autônoma em 1926 e uma RSS de pleno direito em 1936, estatuto que manteve até a dissolução da URSS.

Como a maioria das repúblicas vizinhas, hoje países independentes, com nomes terminados em “-istão”, é de maioria cultural túrquica, sendo a língua quirguiz pertencente ao ramo kipchak das línguas túrquicas. Irmã do tártaro, do cazaque, do tártaro da Crimeia e outras línguas menores, guarda um grau razoável de inteligibilidade mútua com todas essas. A única língua soviética vizinha um pouco mais distante é o usbeque, do ramo túrquico karluk e mais próxima do uigur, e o tajique, como sabemos, não é túrquico, é indo-europeu (persa). O quirguiz continua sendo escrito numa adaptação do alfabeto cirílico, mas há também uma versão da escrita árabe, usada em países vizinhos, e uma transliteração latina.

O Hino Nacional da RSS do Quirguistão foi composto e adotado em 1946, com o incrível número de 4 autores da letra (Qubanyçbek Malikov, Tügölbaj Sydyqbekov, Muqambet Toqtobaev e Aaly Toqombaev) e 3 compositores da melodia (Vladimir Vlasov, Abdylas Maldybaev e Vladimir Fere). Foi usado até 1992, quando foi composto um novo hino especialmente pra República do Quirguistão independente, que declarou sua soberania em 1990 e sua independência em 1991. Assim como nas outras repúblicas centro-asiáticas, a execução e a exibição públicas de antigos símbolos soviéticos não são criminalizadas no país. O topônimo corrente atual é “Quirguistão” (país dos quirguizes) ou “República Quirguiz”, e embora haja a variante “Quirguízia”, esta é mais pertinente à língua russa.

Como não sei quirguiz (e nem avancei no estudo de seu irmão tártaro), traduzi a partir da versão em inglês na Wikipédia, que depois descobri, porém, que era a tradução literal da versão poética em russo. Mas comparando com o que o Google Tradutor me dava ao jogar aí o texto quirguiz, não ficou muito distinto, e decidi manter, dado o interesse mais histórico do que linguístico de minha iniciativa. Quando montei o vídeo, usei uma transliteração no alfabeto latino que acredito não ser hoje a mais usada (não sei se há uma oficial), e este site oferece tabelas e conversores pros três alfabetos, e a partir dele fiz a nova romanização dos nomes dos autores. Seguem abaixo o vídeo, o original em cirílico e a tradução em português. Caso lhe desperte a curiosidade, basta jogar o texto quirguiz no site a que me referi:


1. Азаттыкты Кыргыз эңсеп турганда,
Ала-Тоого Октябрдын таңы аткан.
Улуу орус достук менен кол берип,
Ленин бизге бак-таалайга жол ачкан.

Refrão:
Жаша, Кыргызстаным,
Ленин туусу колуңда.
Алгалай бер, гүлдөй бер,
Коммунизм жолунда!

2. Эмгек, эрдик, күрөштөрдө такшалтып,
Таалай берген улуу Совет калкына.
Жеңиштерден жеңиштерге алпарат,
Элдин күчү - Лениндик партия.

(Refrão)

3. Эл достугун болоттон бек ширетип,
Көп улуттан Союз курдук урагыс.
Жандай сүйүп даңктуу Ата Мекенди,
Түбөлүкке Коммунизм курабыз.

(Refrão)

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1. Ansiando por liberdade, o quirguiz se levantou,
Brilharam as luzes de Outubro feitas nos montes Alatau.
O grande povo russo nos aqueceu com a amizade,
Lenin abriu o caminho da felicidade pra todos nós.

Refrão:
Glória a você, nosso Quirguistão,
Levante a bandeira de Lenin.
Marche adiante e prospere,
Trilhe o caminho do comunismo!

2. Crescido nas façanhas de coragem e trabalho,
Dando felicidade ao povo soviético,
Levando nosso país a novas vitórias
Está o partido de Lenin, o poder do povo.

(Refrão)

3. A amizade de nossos povos é forte como o aço,
A união nas nações livres é indestrutível.
Amamos abnegadamente nossa Pátria-Mãe,
Vamos construir o comunismo pra todo o sempre.

(Refrão)



sexta-feira, 14 de abril de 2023

Jararaca brasiliensis


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/pensamentos6


Notícias da Luísa Mell! O ditador “sínico” do Império do Meio (entenderam o sentido de “DCM” agora? Rs), Winnie the Pooh, acabou de receber seu mais novo animalzinho de estimação, a Jararaca brasiliensis, a qual, segundo o próprio pet, “quanto mais você pisa no rabo, aí é que ela se enfurece mesmo!” A comparação inspirou até uma linda capa, porém medonha e assustadora, do panfleto do PSDB da revista Veja, a qual atualmente parece que quase ninguém “vê” mais. Citação literal da semana em que a Banânia conheceu o instituto da “condução coercitiva”, pouco antes do golpe orquestrado por uma corja de cleptocratas e que depôs, sem nenhuma acusação provada, a primeira presidente eleita do país: “Se quiseram matar a jararaca, não fizeram direito, pois não bateram na cabeça, bateram no rabo, porque a jararaca tá viva, como sempre esteve!

Em 2021, já #LulaLivre, até os advogados o aconselharam a não usar mais a “jararaca” em sua pré-campanha à presidência. Mas o resultado da presepada reaça foi tiro e queda: passamos pelos piores anos das últimas décadas sob um desgoverno abertamente fascista, ninguém mais no mundo levou a Banânia a sério (nem o populista que hoje manda na Turquia!), o Marreco foi eleito senador, mas se tornou totalmente desacreditado nos meios jurídicos, e quem é que voltou pro Planalto? A jararaca!!!






Aqui temos uma pequena amostra do legado deixado pelo militar fracassado, em comentários ao vídeo pelo qual a CNN Brasil tentou relançar o Grande Debate. Que de debate nunca teve nada, desde o começo, porque coloca no mesmo nível gente com experiência e palpiteiros; democratas e fascistas (“liberdade de expressão” à la Monark...). Alguns dias atrás, o tuíte final foi dirigido originalmente a um deputado federal goiano mineiro conhecido, não sei por quê, como Chupetinha, e ao resto da escória que galgou com ele. Mas se aplica bem a nosso amigo muar do YouTube!




E aqui, até uma justificativa pras críticas que a jararaca sempre fez a grupos como Globo e Abril: nos últimos dias, parece que a redação do G1 foi subitamente tomada por olavistas, já que estão aparecendo mais do que de costume, junto com o noticiário principal, matérias sobre sexo e cocô (qual o vínculo entre ambas as coisas, não sei...). Ou, na pior das hipóteses, a equipe do portal de notícias menos ruim da Banânia foi atacada por um surto psiquiátrico de coprofilia.

Quem sabe até os estagiários zoomers estejam aproveitando os 15 minutos de fama pra lançar uma nova arte de ler a sorte, a copromancia: você olha de manhã pra privada e já descobre que seu futuro será uma m..., rs.


Mudando de assunto: uma das provas de que a “inteligência artificial” não nasce tão inteligente e precisa ser instruída são as legendas bizarras que às vezes ainda aparecem na leitura automática das vozes em vídeos do YouTube. Anteontem, a Tevê do Bispo Record News noticiou mais uma das peidorradas bélicas e geopolíticas que Kim Jong-un costuma soltar em foguetes ou pela boca mesmo, e a “inteligência” leu a pronúncia brasileira do nome como Aqui em João Um, rs.

É só uma passagem engraçada, mas achei uma coisa interessante: por mais críticas que possamos fazer ao Grupo Record, pelo menos eles chamaram as coisas pelo seu verdadeiro nome: a dinastia Kim é uma sucessão de ditadores, e não meros “líderes” ou “chefes” que a mídia sabão de coco costuma nomear!


E assim como no Pequenas Empresas, Grandes Negócios, encerro a publicação de hoje com um pensamento do filósofo mexicano Don Ramón: “As pessoas boas devem amar seus inimigos”, rs.