domingo, 30 de setembro de 2018

Canções nacionalistas da Córsega (1)


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Pesquisando música folclórica da Córsega, vasta ilha do Mediterrâneo pertencente à França, acabei na verdade encontrando muitas canções de grupos tradicionais que reivindicam politicamente a independência local. O que me atraiu neles foi a sonoridade dos arranjos, a poesia das letras e o caráter de novidade na cena brasileira, sobretudo entre os jovens. Muitos sabem que boa parte dos corsos deseja se tornar um país livre, mas poucos no Brasil e outros países de fala portuguesa tiveram algum contato com a cultura e com seu lindo idioma.

Entre os conjuntos que gravam canções muito bonitas, com pedidos de autonomia ou independência local, está o L’Arcusgi (se lê “larcúji”), nome que significa “Os Arcabuzeiros”, ou “Os Atiradores”, em alusão à arma de fogo primitiva usada pelas tropas de Pasquale Paoli, reputado o Pai da Pátria corsa. Acredito que todas as músicas, gravadas em álbuns de diferentes épocas, foram compostas pelo próprio grupo, que só canta na língua corsa, da mesma ramificação do italiano entre as línguas românicas, mas muito semelhante também aos dialetos do sul da Itália. Antes de traduzi-las, me informei um pouco sobre a pronúncia e o funcionamento do idioma corso, de forma que não desse “tiros no escuro”, mas também me apoiei nos conhecimentos de italiano e até de napolitano que eu já tinha.

O grupo L’Arcusgi foi fundado em 1984 na região corsa de Bastia e define-se como “político-cultural”, solidarizando-se também com outras minorias nacionais separatistas, como se nota nas canções gravadas em basco. Ativo ainda hoje, conta com cinco músicos e nove cantores, número que variou pelo tempo, e sua principal missão declarada é defender a língua e a cultura corsas, pouco favorecidas pelo governo de Paris. Seu primeiro álbum, Resistanza, saiu em 1988, e o último, 30 anni: cantu, passione, spartera, em 2014. Eu mesmo traduzi direto do corso e legendei, tendo usado, além de traduções em francês, um dicionário bidirecional corso-francês e um conjugador de verbos.

A relação da população nativa dessa ilha de 8 722 km² com a França sempre foi tensa. Em 2013, o ministro do Interior Manuel Valls rejeitou qualquer tentativa de elevar o status da língua corsa e imputou aos ilhéus uma “cultura da violência”. O grupo terrorista local FNLC (Frente Nacional de Libertação Corsa) ameaçou então retomar as atividades armadas, mas desde 2014 não há emprego sistemático da violência. A Córsega chegou a declarar em 1735 sua independência da República de Gênova, inclusive adotando, em 1755, talvez a primeira constituição democrática da história moderna, até mesmo com o sufrágio feminino. Mas em 1768, Gênova entregou a Córsega à França, que a submeteu militarmente em 1769, derrubando a república fundada pelo general Pasquale Paoli. Este, horrorizado pelo Terror de Robespierre, chegou a estruturar um reino corso tutelado pelos ingleses em 1794-96, mas terminou seus dias exilado em Londres.

A Córsega possui um status especial dentro da República Francesa, que desde 2018 a faz ser chamada “Coletividade da Córsega”. Muito menos do que por pressão violenta, a língua corsa sempre esteve em risco pela onipresença do francês, considerado como instrumento de integração social e cultural, de forma que o corso nunca foi aceito por Paris nem mesmo como língua cooficial, tendo o francês a condição oficial isolada. Ainda hoje se tenta conservar o corso contra a extinção, mas em geral são iniciativas isoladas, justamente como a do L’Arcusgi.

A primeira canção é Lotteremu, canteremu (Lutaremos, cantaremos), que foi gravada no álbum Testimone à l’eternu, lançado em 1997, o quarto da carreira do grupo L’Arcusgi (tradução francesa). O nome da segunda canção é Un populu ùn è vintu (Um povo não é vencido), que foi gravada no álbum L’Arcusgi di Pasquale, lançado em 2005, o sexto da carreira (tradução francesa). O nome da terceira canção é Lotta ghjuventù (Lute, juventude), que foi gravada no álbum Sò elli, lançado em 1993, o segundo da carreira (tradução francesa). Mas acredito que esta gravação seja de 2002, álbum In vivu à fianc’à voi, e eu cortei uma fala inicial em francês, comentando a discriminação à língua corsa. E o nome da quarta canção é Omu cantà (O homem a cantar), que foi gravada no álbum de estreia Resistanza, lançado em 1988.

Seguem abaixo as legendagem bilíngues que eu mesmo montei, as letras originais no idioma corso, retiradas de várias fontes e nas quais fiz certas mudanças quando necessário, e as traduções em português. Nem sempre traduzi as canções literalmente, porque era impossível nos limites da expressão idiomática e poética corsa, mas acredito que consegui passar o sentido essencial:



1. Per l’omu di ’ssa terra
Chì a cunnisciutu a guerra
Aprim’u nostru core,
Spartim’u so dulore.
Per populu nigatu
Chi s’hè rivultatu
Intracciend’a so storia
Senza perde mimoria.

Ripigliu:
Lotteremu, canteremu
Cun voce è core ribelli,
Lotteremu, canteremu
Per noi è per elli,
Lotteremu, canteremu
Contr’à la sottumissione,
Lotteremu, canteremu
Sperenze è Nazione.

2. Per ’sse mamme ferite,
Nott’è ghjorn’arritte
Fighjulend’u tavulinu
Duv’ell’un posa più nimu.
A tè chì per Nazione
Dormi ind’è priggione
Aspettendu si sà
Ragiu di verità.

(Ripigliu)

3. A st’omi di valore
Difendend’u s’onore,
Di Paoli figlioli
Contr’affann’e taglioli.
Contr’à l’ingannatore
Chì sparghje u so furore
Piseremu la testa
E parendu a timpesta.

(Ripigliu)

4. Vince per ùn more
Hè scrittu in li core.
Purghjimuci la manu
E femu fronte sanu.
A lu statu francese,
Simbulu d’offese,
Li ci vole per sentenza
Un soffiu di putenza.

(Ripigliu)

Lotteremu, canteremu
Cun voce è core ribelli,
Lotteremu, canteremu
Per noi è per elli,
Lotteremu, canteremu
Contr’à la sottumissione,
Lotteremu, canteremu
Terra Corsa Nazione!

____________________


1. Para o homem dessa terra
Que conheceu a guerra
Abrimos nosso coração
E partilhamos sua dor.
Para o povo negado
Que se revoltou
Procurando sua história
Sem perder a memória.

Refrão:
Lutaremos, cantaremos
Com voz e coração rebeldes,
Lutaremos, cantaremos
Por nós e por eles,
Lutaremos, cantaremos
Contra a submissão,
Lutaremos, cantaremos
As esperanças e a Nação.

2. Por essas mães feridas
De pé por noites e dias
Com olhos fixos na mesa
Onde ninguém mais se senta.
A você, que pela Nação
Dorme numa prisão,
Desejando conhecer
Um raio da verdade.

(Refrão)

3. A estes homens valorosos
Que defendem sua honra,
Filhos de Pasquale Paoli
Contra opressão e gangues.
Contra o corruptor
Que espalha sua fúria,
Vamos erguer a cabeça
E parar a tempestade.

(Refrão)

4. Vencer para não morrer
Está escrito nos corações.
Estendemo-nos as mãos
E fazemos toda uma frente.
Ao Estado francês,
Símbolo de ofensas,
Devemos sentenciar-lhe
Um sopro de força bruta.

(Refrão)

Lutaremos, cantaremos
Com voz e coração rebeldes,
Lutaremos, cantaremos
Por nós e por eles,
Lutaremos, cantaremos
Contra a submissão,
Lutaremos, cantaremos
A Nação da Terra Corsa!



Ripigliu:
Un populu ùn hè vintu
Tantu chì lotterà.
Un populu ùn hè vintu
Tantu chì lotterà.

1. A forza di dice
È a forza di fà
Tuttu per cunvince
Di a nostra indignità,
A forza di dice
Ch’ùn c’hè più nunda à fà,
Ch’à populu vintu
Nimu ùn lu pò salvà.

A forza di lampacci
Un’à unu in priggiò,
Cun li sò basterdacci,
Muti eranu i sgiò,
U populu intimuritu
Ùn vulia parlà,
Ascultava u banditu
Chì ci vole ingannà.

(Ripigliu)

2. Mà a voce di a notte
Ripiglia à tunà,
Saetta da li monti
Sempre pronte à pichjà
Quandu l’inghjustizia
Ci vole castigà,
U populu, u fratellu,
A santa libertà.

Mà a voce di l’alba
Ci dice di sperà.
Rinasce a fratellenza
Fiatu di dignità
Di donn’è omi arritti
Per a verità.
L’idea indipendenza
Mai ùn cascherà.

(Ripigliu)

3. Mà u sognu ùn hè mortu:
A fiaccula libertà
In core d’ogni corsu
A strada si ferà.
S’adduniscenu l’omi
È cresce a vulintà
Di fà l’unione corsa
Per inseme lottà.

Mà u sognu ùn hè mortu:
U sole luce digià
È u populu unitu
Ripiglia à marchjà.
In pettu à lu francese,
Sta sola verità:
Un populu ùn hè vintu
Tantu chì lotterà.
Un populu ùn hè vintu
Tantu chì lotterà.

(Ripigliu)

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Refrão:
Um povo não é vencido
Enquanto puder lutar.
Um povo não é vencido
Enquanto puder lutar.

1. De tanto dizerem
E de tanto fazerem
Tudo para convencer
Que éramos indignos,
De tanto dizerem
Que nada mais adiantava,
Que a um povo vencido
Ninguém pode salvar.

De tanto nos lançarem
Um a um na prisão,
Aliarem-se a criminosos
E calarem nossos chefes,
O povo amedrontado
Não queria falar nada,
Só escutava o bandido
Que deseja nos enganar.

(Refrão)

2. Mas a voz da noite
Voltou a ressoar como
Raio vindo dos montes
Sempre pronto a bater
Quando a injustiça
Quiser castigar a nós,
Ao povo, ao irmão
E à santa liberdade.

Mas a voz do alvorecer
Nos chama à esperança.
Renasce a fraternidade,
Um sopro de dignidade,
Entre mulheres e homens
De pé buscando liberdade.
O ideal independentista
Nunca vai se extinguir.

(Refrão)

3. Mas o sonho não morreu:
A chama da liberdade
No coração de cada corso
Vai trilhar seu caminho.
As pessoas se reúnem
E aumenta a vontade
De unir toda a Córsega
Para lutarmos juntos.

Mas o sonho não morreu:
O Sol já está raiando
E o povo unificado
Recomeça sua marcha.
Faz frente aos franceses
Esta única verdade:
Um povo não é vencido
Enquanto puder lutar.

(Refrão)



Intorna una bandera
Un pugnucciu s’hè pisatu
Mughjend’à la terr’entera:
“Babbu ghjè incarceratu,
Ma sò d’un populu fieru
E per ellu lotteraghju!”

Francia è to sole sumente
Sò schiavitur’è affani
Annacquate di surgente
Sanguinose tutti ’anni
Ch’imbruttanu l’innucente
E prutège l’assassini.

Intorna una bandera
Mille pugni sò pisati
Strident’a la terr’entera:
“Libertà per l’inghjuliati!
Corsica Nazione era,
Ùn ci simu sminticati!”

Francia tutt’è to milizie
Un ghjorn’anu d’à cascà,
E tutte lè to inghjustizie
Approntati a pagà!
Aspettendu ssè nutizie,
Sempre fronte si ferà.

Lotta ghjuventù,
L’avvene si tù!
Lotta ghjuventù,
L’avvene si tù!

Intorna quessa bandera
Populu si piserà,
Cantend’à la terr’entera,
L’alba di a so Libertà
Fendu risplend’a lumera
Infine di l’unità.

Francia tandu morerà,
In l’umanu a cuscenza
Una scelta si ferà:
Ùn abbia tantu speranza
Chì corsu ùn si scurderà
Di tant’anni di suffrenza!

Lotta ghjuventù,
L’avvene si tù!
Lotta ghjuventù,
L’avvene si tù!

____________________


Em torno de uma bandeira,
Um pequeno punho erguido
Grita para a Terra inteira:
“Meu papai está preso,
Mas meu povo é orgulhoso
E vou combater por ele!”

Você, França, traz sementes
Só de escravidão e opressão
Regadas todos os anos
Por fontes sanguinolentas
Que atormentam inocentes
E encobrem assassinos.

Em torno de uma bandeira,
Mil punhos levantados
Clamam para a Terra inteira:
“Liberdade aos humilhados!
Havia uma Nação Corsa,
Disso não nos esquecemos!”

França, todo seu exército
Um dia haverá de tombar,
E todas as suas injustiças
Prepare-se para ressarcir!
Esperando isso acontecer,
Sempre vamos enfrentá-la.

Lute, juventude,
Você é o futuro!
Lute, juventude,
Você é o futuro!

Em torno dessa bandeira,
O povo vai se levantar
Cantando à Terra inteira.
A aurora de sua Liberdade
Fará resplanceder a luz
Da tão esperada unidade.

A França então vai morrer
E a consciência humana
Vai se fazer uma escolha:
Não tenha tanta esperança
De que o corso vá esquecer
Tantos anos de sofrimento!

Lute, juventude,
Você é o futuro!
Lute, juventude,
Você é o futuro!



Quand’u ferru si face pisante,
Chì l’oppressione mena,
Quandu curaggiu vole fughje
L’incarceratu canta
È u so cant’hè di sole.

Per un grombulu di ghjustizia,
Per un palmu di libertà,
Per un soffiu di dignità
Ascolta st’omu cantà,
Chì lu so cant’hè di sole.

Duve l’omu si stà mutu,
Duve lu temp’hè fughjitu,
Duve a luce hà paura,
L’incarceratu canta
È u so cant’hè di ventu.

Per un grombulu di ghjustizia,
Per un palmu di libertà,
Per un soffiu di dignità
Ascolta st’omu cantà,
Chì lu so cant’hè di ventu.

Per un populu inghjuliatu,
Per a Patria nigata,
Per l’avvene chì si face
L’incarceratu canta
È u so cant’hè di lotta.

Per un grombulu di ghjustizia
Per un palmu di libertà
Per un soffiu di dignità
Ascolta st’omu cantà
Chì lu so cant’hè di lotta.

Ascolt’ ascolta, zitellu,
U ventu di a rivolta,
U cantu di a cuncolta
Sbucciat’in la stagione
Di a Corsica Nazione.

2x:
Per un grombulu di ghjustizia,
Per un palmu di libertà,
Per un soffiu di dignità
Ascolta st’omu canta.

È stu cantu fallu toiu.

____________________


Quando a espada fica pesada,
Quando a opressão agride,
Quando a coragem quer fugir,
O encarcerado canta
Uma canção feita de Sol.

Por um grão de justiça,
Por um palmo de liberdade,
Por um sopro de dignidade
Escute este homem cantar,
Pois é um canto feito de Sol.

Onde o homem emudeceu,
Onde o tempo se evadiu,
Onde a luz sente medo,
O encarcerado canta
Uma canção feita de vento.

Por um grão de justiça,
Por um palmo de liberdade,
Por um sopro de dignidade
Escute este homem cantar,
Pois é um canto feito de vento.

Por um povo humilhado,
Pela Pátria negada,
Pelo futuro que se produz
O encarcerado canta
Uma canção feita de luta.

Por um grão de justiça,
Por um palmo de liberdade,
Por um sopro de dignidade
Escute este homem cantar,
Pois é um canto feito de luta.

Escute, escute, menino,
O vento da revolta,
O canto da congregação
Que florescem na estação
Da Nação Corsa.

2x:
Por um grão de justiça,
Por um palmo de liberdade,
Por um sopro de dignidade
Escute este homem cantar.

E este canto é culpa tua [da França].




sexta-feira, 28 de setembro de 2018

As melhores canções de Vice Vukov (3)


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O grande cantor croata Vinko Vukov, mais conhecido como Vice Vukov, considerado o Rei da Música nacional, completou 10 anos de seu falecimento no dia 24 de setembro. Por isso, além das canções que legendei nos últimos meses, adicionei outras na semana passada, em homenagem à sua vida e obra, e já tinha legendado um pequeno trecho. É uma pena que os brasileiros não o conheçam, e que nossa música tenha se deixado influenciar tão pouco pela croata. Vukov (1936-2008) alcançou fama instantânea em 1959 e durante os anos 60 se tornou um dos mais célebres cantores da Iugoslávia. Participou do concurso Eurovision em 1963 e 1965, mas em 1972 teve sua carreira nacional interrompida por ter sido ligado ao movimento nacionalista croata de protesto. Apenas em 1989 circulou um novo álbum seu sem assinatura, e com o fim do comunismo Vukov pôde retornar aos palcos triunfalmente. Foi eleito deputado federal em 2003, mas sofreu em 2005 uma queda que lhe feriu a cabeça e o deixou em longa agonia.

O primeiro vídeo é o curto trecho de um show dado em Perth, cidade da Austrália, em dezembro de 1968 e transmitido pelo famoso canal local GTV-9. Vice Vukov canta a primeira parte de Ribar plete mrižu svoju (O pescador tece sua rede), música popular da Croácia com arranjos feitos pelo músico e compositor Ljubo Stipišić (1938-2011). Eu tirei alguns trechos do vídeo sem legendas e recortei o quadro, que era mais quadrado. A segunda filmagem é a canção Kad raziđe se dim (Quando a fumaça sumir), e foi composta em 1991 por Krsto Juras (letra) e Arsen Dedić (melodia). Vukov a gravou em 1992, tendo sido nesse mesmo ano transmitido pela Televisão Croata. Esta música, considerada uma das mais belas da Croácia, foi criada no clima da queda de Vukovar, durante a guerra de independência, sob o domínio das tropas sérvias e iugoslavas. O vídeo sem legendas está num canal com muito bom material de Vukov, no qual há outra versão com imagem boa, mas áudio pior. E a terceira é I tako teče vreme (E assim flui o tempo), composta em 1967 por Dušan Vidak (melodia) e Olivera Živković, com arranjos de Pero Gotovac. Vukov a gravou no mesmo ano, tendo ganhado com ela um conhecido festival de música em Belgrado. Deste vídeo eu baixei o áudio, cujo chiado reduzi um pouco.

Ribar plete mrižu svoju é uma canção típica da região da Dalmácia, e como se nota, canta sua tradição litorânea no mar Adriático, próximo à Itália, ao falar de um pescador. Vice Vukov, em geral, cantava muitas músicas de teor romântico, no sentido de bucólico, paisagístico e nacionalista, e são características, sobretudo, das primeiras décadas de sua carreira, além de seu retorno nos anos 90. Outro traço regional é a substituição do “je” ou “ije” de certas palavras (na variante literária do croata) por “i”: mrižu, triba, zapivaj, pismu, que se escrevem com “e” no sérvio literário. Também há a preferência, no áudio, em fazer o vocativo de ribar (ó, pescador) como ribare, e não ribaru, e tko no lugar de ko (quem) é outro traço croata. Neste livro de canções tradicionais, que pode ser baixado rapidamente, está a letra original, e há várias partituras em outro livro em PDF, inclusive de Ribar plete mrižu svoju.

Kad raziđe se dim lembra uma insurreição dos sérvios em territórios dentro da Croácia em 1990, que teve reforço das tropas da Iugoslávia (que então reunia os hoje territórios da Sérvia, Montenegro e Kosovo) até começar em 1991 uma guerra aberta contra a Guarda Nacional croata e voluntários civis. Este lado era bem menor e menos armado, mas defendeu com bravura a cidade de Vukovar, encravada bem na fronteira com a Sérvia, como um dos episódios da guerra ocorrido de agosto a novembro de 1991. Os paramilitares sérvios e o exército iugoslavo ao final tomariam Vukovar, mas a Iugoslávia saiu bastante exaurida da batalha, que terminou sendo decisiva no futuro da guerra. Com a retomada, forças sérvias mataram centenas de soldados e civis croatas, e deportaram mais de 31 mil pessoas da cidade e arredores.

Foi o primeiro caso, após a 2.ª Guerra Mundial, em que uma cidade europeia foi totalmente destruída em combate. Considera-se que a Croácia efetivou sua independência em 8 de outubro de 1991, mas Vukovar ficou sob controle iugoslavo até 1998, ao ser devolvida aos croatas. Até 1995, a Croácia manteve-se em guerra com a Iugoslávia, defendendo a independência da Bósnia e Herzegóvina e protegendo as minorias croatas que aí viviam. Cidade antes próspera, Vukovar foi reerguida, mas ainda tem muitos prédios em ruínas e perdeu grande parte de sua população original. Como em outros sites a ortografia da letra da canção não era boa, consegui copiar uma amostra fiel nesta edição de uma revista croata. Pra exibir e trabalhar com ela, apenas mudei a quebra de linhas, e há outra diferença: um dos versos está escrito na revista U zemlji nemirnoj (Na terra turbulenta), mas Vukov canta de fato U zemlji raninoj (Na terra machucada).

Quanto a I tako teče vreme, eu praticamente não “traduzi” a letra, mas decifrei: a redação poética é muito complexa, com inúmeras inversões e metáforas, e a mensagem passada é bastante sutil, falando do breve relacionamento entre um homem maduro e uma jovem inexperiente. No final, ele lamenta que não pudesse mais desfrutar da juventude dela, embora tivesse gostado muito do romance. Há muitas páginas com a letra transcrita, mas sem maiúsculas ou letras acentuadas, de forma que eu as adicionei conforme consulta a dicionários e escuta. Também fiz algumas mudanças textuais pra corresponder ao que Vice Vukov realmente canta.

Eu mesmo traduzi e legendei as três músicas a partir do croata (no caso da primeira, é apenas a parte inicial), tendo usado o dicionário da Porto Editora, o Google Tradutor e o Wiktionary em várias línguas. Seguem os três vídeos legendados, que carreguei no canal Eslavo (YouTube), as letras originais e as traduções em português:



Ribar plete mrižu svoju,
Koja njemu triba,
A tko će je sutra plesti,
Baš ga nije briga.

2x:
Zapivaj pismu, ribaru stari,
Jer to je pisma o moru.
Zapivaj pismu, ribaru stari,
Jer to je pisma o moru.

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O pescador tece sua rede
Que lhe é necessária,
E quem vai tecê-la amanhã
Nem sequer o preocupa.

2x:
Entoe uma canção, velho pescador,
Pois é uma canção a respeito do mar.
Entoe uma canção, velho pescador,
Pois é uma canção a respeito do mar.



Kad raziđe se dim,
Kad prođe prva bol
U našoj staroj kući
Sjest ćemo za stol.
Kad raziđe se dim
I stigne prvi brod
Uz kap misnoga vina
Naći će se rod.

Kad raziđe se dim,
Kad ode u Nebesa
Sagradit ćemo Grad
Sa tisuću adresa.
Kad raziđe se dim,
Kad nestane k’o pjena
Sagradit ćemo Grad,
Grad za sva vremena!

(Ponoviti sve)

Kad osvane taj dan
U zemlji nemirnoj
Biser sja na dlanu –
Grad i moj i tvoj!

____________________


Quando a fumaça sumir,
Quando passar a dor inicial,
Vamos nos sentar à mesa
Em nossa velha casa.
Quando a fumaça sumir
E chegar o primeiro navio,
Os parentes vão se rever
Tragando um vinho local.

Quando a fumaça sumir,
Quando sair para os Céus,
Ergueremos uma Cidade
Com milhares de moradas.
Quando a fumaça sumir,
Dissolver-se como espuma,
Ergueremos uma Cidade,
Cidade para a eternidade!

(Repetir tudo)

Quando esse dia raiar
Na terra turbulenta
A pérola brilhará na mão:
Uma cidade minha e sua!



I tako teče, teče vreme,
A ja te hrabro, mirno gledam,
Jer znam da više nema mene
Ni iskre neke nade da ti dam.

Te puste godine su same
Bez mene našle tvoju mladost,
A neka sećanja iz tame
Ruše svaki, svaki most.

Ja nikad, nikad, nikad, nikad
Od tebe nisam krio strah
Od jedne iznenadne želje,
Da živim taj predah.

A ti si jednom, samo jednom
U kakvom to trenutku svom
Tog novembarskog jutra
Za mene bila sutra
Kroz jedan jedini dah.

Oprosti kad zaboli jače
Sa vetrom neka rana stara.
To s moga lica kiša briše
Na oknu neke davne suze kap.

Obećaj, novembar kad plače
Dve iste nam poruči čaše
Za mir i nemir duge naše
Kao nekad, nekad vre.

Sad zbogom, zbogom, zbogom, zbogom,
Jer više ništa nemam ja,
Ni nade, smisla, čak ni prava,
Da budem sa tobom.

Sa tvojom mladošću je sunce,
A ja se bližim ušću svom.
Ja, suza svoga smeha,
Ja, kazna svoga greha,
Al’ suncu zahvalan tvom.
Al’ suncu zahvalan tvom!

____________________


E assim flui, flui o tempo,
Te olho corajoso e calmo,
Pois sei que não estou mais
Nem darei uma só esperança.

Os anos ocos, sós, sem mim
Encontraram você jovem,
E as lembranças das trevas
Derrubam cada, cada ponte.

Eu nunca, nunca, nunca
Te escondi que tinha medo
De desejar subitamente
Viver esse intervalo.

E você somente uma vez
Em algum momento seu
Dessa manhã de novembro
Foi para mim um amanhã
Por meio de suspiro único.

Perdoe se o vento der dor
Maior, como ferida antiga.
A chuva me tira gota do rosto
Como pranto velho na janela.

Se novembro chorar, jure
Que dois copos iguais vão
Nos lembrar da nossa longa
Paz e briga, como outrora.

Agora adeus, adeus, adeus,
Pois não tenho mais nada,
Esperança, sentido, nem até
O direito de estar com você.

Sua juventude tem Sol,
E eu já estou desaguando.
Sou pranto do meu sorriso,
Sou castigo do meu pecado,
Mas te agradeço pelo Sol.
Mas te agradeço pelo Sol!




quarta-feira, 26 de setembro de 2018

Discurso do Marechal Tito: Zagreb 1977


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Pela primeira vez fiz o que sempre foi meu sonho: traduzir um discurso do iugoslavo Josip Broz, que passou à história como o Marechal Tito, líder da Resistência antinazista e antifascista na 2.ª Guerra Mundial e comandante ditatorial da Iugoslávia socialista de 1945 a 1980, quando morreu. Neste caso, só consegui obter um trecho em servo-croata, transcrito com muito boa vontade por Mario Bezbradica, um colega do YouTube. É um pequeno trecho, mas com a transcrição pude traduzir ao português e legendar esta raridade.

Trata-se de um vídeo feito em Zagreb, capital da Croácia (na época, uma república federal iugoslava), em 27 de setembro de 1977. Eram celebrados os 40 anos de fundação do Partido Comunista da Croácia (sigla KPH ao fundo), que era conhecido como União dos Comunistas da Croácia, tal como a União dos Comunistas da Iugoslávia nacional. Na URSS cada república soviética também tinha seu próprio partido, embora fossem correias de transmissão do PC central. O pai de Tito era croata, e como se pode notar, o líder fala no dialeto ijekavica (base do croata literário moderno), ou seja, algumas palavras com “je” ou “ije” no lugar do “e” sérvio: posjetili, ovdje, još uvijek.

É notável como Tito, já com voz reduzida pela idade, fala “embaraços entre repúblicas”, e ironicamente a Iugoslávia se dissolveu a partir de 1991, em grande parte, por meio da guerra civil com feição racista. De fato, era a personalidade do marechal como chefe da Resistência que dava coesão ao país, e seu falecimento em 1980 começou a ameaçar o todo. Tanto que, ao contrário de vários outros países comunistas, boa parte da população ainda é saudosa do “socialismo”, e mesmo no YouTube, onde todos tiram a máscara, há poucos discursos furiosos contra. Mesmo assim, esse “comunismo nacional” não deixou de ser autoritário, perseguindo opositores e criando um culto em torno da imagem de Tito: vejam como no fim do vídeo canta-se o famoso refrão Druže Tito, mi ti se kunemo (Camarada Tito, somos fiéis a você), ao estilo de um hino religioso.

Eu baixei o vídeo deste ótimo canal, que foi criado há pouco tempo e tem muito material sobre a antiga Iugoslávia, embora trazido de modo muito laudatório e pouco crítico. Como eu disse, o Mario transcreveu pra mim, e eu mesmo traduzi ao português com a ajuda do dicionário da Porto Editora, do Google Tradutor e do Wiktionary. Seguem abaixo a legendagem no meu canal Eslavo (YouTube), a tradução (um pouco encurtada nas legendas) e a transcrição servo-croata nos alfabetos latino e cirílico:


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Estivemos agora numa viagem longuíssima, cerca de 30 mil quilômetros. Visitamos três países: União Soviética, Coreia e China. Fomos recebidos tal como vocês nos recebem aqui. Igualzinho. As pessoas nos conhecem. Somos uma terra multinacional. O inimigo continua agindo de fora, e em proveito próprio, contra nós, contra nossa unidade. Não vamos permitir que os vários fugitivos vendidos, fascistas, como ustašes, chetniks etc., destruam nossas ordenações internas. Se tivermos certos embaraços, digamos, entre repúblicas, vai ser assim. Mas agora temos um novo sistema. Liquidamos essas coisas conversando, e até agora isso tem se mostrado de enorme importância.

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Mi smo sada bili na jednom najvećem putu, oko 30 hiljada kilometara. Posjetili smo tri države. I Sovjetski Savez, Koreju i Kinu. Isto su nas primali kao i ovdje što nas primate. Isto tako. Ljudi znadu o nama. Mi smo mnogonacionalna zemlja. Neprijatelj iz vana još uvijek radi, i to dobro radi za sebe, protiv nas, protiv našega jedinstva. Ne dozvolimo raznim prodanim izbjeglicama, fašistima, ala ustaše i četnici, i tako dalje, da nam razbijaju naše unutrašnje redove. Mi ako imamo izvjesne teškoće, recimo, među republikama, i tako dođe. Ali imamo sad novi sistem. Mi dogovaranjem likvidiramo takve stvari, a do sada se to pokazalo od ogromne važnosti.

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Ми смо сада били на једном највећем путу, око 30 хиљада километара. Посјетили смо три државе. И Совјетски Савез, Кореју и Кину. Исто су нас примали као и овдје што нас примате. Исто тако. Људи знаду о нама. Ми смо многонационална земља. Непријатељ из вана још увијек ради, и то добро ради за себе, против нас, против нашега јединства. Не дозволимо разним проданим избјеглицама, фашистима, ала усташе и четници, и тако даље, да нам разбијају наше унутрашње редове. Ми ако имамо извјесне тешкоће, рецимо, међу републикама, и тако дође. Али имамо сад нови систем. Ми договарањем ликвидирамо такве ствари, а до сада се то показало од огромне важности.




segunda-feira, 24 de setembro de 2018

Amor, Komsomol, Primavera: URSS ’78


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Outro pedido recente de um visitante do meu canal Eslavo (YouTube), eis mais um exemplo de canção patriótica composta pelo nosso já conhecido casal Nikolai Dobronravov (letra) e Aleksandra Pakhmutova (ritmo). Chama-se “Любовь, Комсомол и Весна” (Liubov, Komsomol i Vesna), Amor, Komsomol e Primavera, e foi lançada em 1978 como homenagem aos jovens soviéticos, sobretudos os filiados na União da Juventude Comunista (Komsomol) do partido único. Este áudio foi gravado pelo Grande Coral Infantil da URSS, sob a regência de Viktor Popov, e tem solo de Igor Manashirov, cantor conhecido na Rússia.

Já que a música não tem uma história especial nem específica, vou falar um pouco mais dos envolvidos. Como sabemos, esta é mais uma das obras que o casal fazia em massa, sobretudo na Era Brezhnev, visando instilar um fervor nacionalista em jovens cada vez mais alheios à ideologia comunista e à história do bolchevismo. Por isso mesmo, as letras eram bastante simplórias e o ritmo, bem agitado, flertando com estilos da música ocidental. Acho que após Vasili Lebedev-Kumach, que escreveu a letra da maioria das canções patrióticas sob Stalin, Dobronravov e Pakhmutova seriam os mais dignos de ser estudados como agentes da propaganda musical soviética. Mesmo havendo, de fato, muitos outros poetas e compositores valorosos e de renome.

O Grande Coral Infantil foi fundado em 1970, no seio do Comitê Estatal Russo de Rádio e Televisão, sendo diretor artístico e principal regente Viktor Sergeievich Popov, professor, pedagogo e condecorado Artista Popular da URSS em 1989. O coral fazia sucesso na antiga URSS e sobrevive até hoje, sob nova direção, inclusive com site próprio onde se acham fotos, vídeos, áudios e outras informações. Popov (1934-2008) começou a estudar canto coral aos 10 anos e depois continuou sua formação musical em conservatórios. Especializado em atividades com crianças, fundou o Grande Coral Infantil que atualmente leva seu nome, escreveu muitos manuais e livros didáticos e dirigiu outros coros infantis. A Academia de Coral Artístico, que ele fundou em 1991, leva hoje seu nome também.

Nikolai Nikolaievich Dobronravov (n. 1928) é um poeta, ator, professor e compositor nascido em Leningrado (hoje São Petersburgo). Estudou teatro e pedagogia nos anos 40 e 50, e suas letras se tornaram muito famosas na antiga URSS e no exterior comunista, sobretudo aquelas compostas junto com a esposa, Aleksandra Nikolaievna Pakhmutova. Mas ele também compôs com outras parcerias, e suas canções foram gravadas pelos maiores cantores e grupos soviéticos. Dobronravov, que hoje vive em Moscou, tem a obra marcada pelo clima tenso da “guerra fria” e pelas maiores conquistas esportivas e tecnológicas da URSS, e desde os anos 90 tem se deixado influenciar pela religião. Pakhmutova (n. 1929), com quem é casado desde 1956, nasceu em Stalingrado (hoje Volgogrado), fez mais de 400 melodias e também é ativista social. Musicista precoce, fez as primeira melodias aos 3 anos e a primeira peça de piano aos 5, mas só começou estudos formais aos 7. Após formação superior em conservatórios, passou por vários gêneros musicais, mas se especializou nas canções populares que lhe renderam a celebridade. Muito premiado, o casal não tem filhos.

Eu mesmo traduzi e legendei a canção, tendo copiado a letra do ótimo site de material soviético SovMusic.ru e baixado o vídeo sem legendas antes de cortar o quadro de parte dele. Minha tradução não está toda literal, mas ela conserva o sentido básico que se pretendeu passar. Seguem abaixo minha legendagem, o texto russo original e a tradução:


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Звени, отваги колокол!
В дороге все, кто молоды.
Нам карта побед вручена.

2x:
Отчизне в дар останутся
Рабочей славы станции.
Запомните их имена:
Любовь, Комсомол и Весна.

Дорога, вдаль идущая, –
Наш первый шаг в грядущее.
И звёзд, и земли целина...

2x:
Мечты края безбрежные,
Твоя улыбка нежная...
В душе, что отвагой полна, –
Любовь, Комсомол и Весна.

Мы сами – ритмы Времени.
И нам с тобой доверены
И песни, и ночи без сна...

2x:
И снова вьюги кружатся,
И песня учит мужеству,
И с нами на все времена –
Любовь, Комсомол и Весна.

И с нами на все времена –
Любовь, Комсомол и Весна,
Любовь, Комсомол и Весна,
Любовь, Комсомол и Весна!

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Ressoe, sino da bravura!
Todo jovem está a caminho.
Já temos o mapa das vitórias.

2x:
Os pontos da glória operária
Vão ser ofertados à Pátria.
Decorem os nomes deles:
Amor, Komsomol, Primavera.

O caminho indo ao longe
É nossa estreia no futuro,
Estrelas e terras intocadas...

2x:
Limites infindos do sonho,
Você sorrindo ternamente...
Na alma toda valente estão
Amor, Komsomol, Primavera.

Ritmamos o Tempo mesmo.
A mim e você foram confiadas
As canções, as noites insones...

2x:
E de novo ondulam nevascas,
As canções ensinam coragem
E sempre vão estar conosco
Amor, Komsomol, Primavera.

E sempre vão estar conosco
Amor, Komsomol, Primavera,
Amor, Komsomol, Primavera,
Amor, Komsomol, Primavera!




sábado, 22 de setembro de 2018

Mina – Tintarella di luna (Banho de Lua)


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É evidente que traduções sempre enriquecem uma cultura, e no caso do Brasil, a versão de músicas italianas dos anos 50 a 70 fez nossa história, sobretudo pelo estilo da “jovem guarda”. Eu queria saber se vocês reconhecem esta canção, que talvez muitos nem saibam que foi traduzida do italiano, mas que a maioria dos jovens hoje nem deva conhecer. Portanto, mostre o vídeo pro seu avô ou sua avó, e espere a resposta. Eles se lembraram da canção Banho de lua, que estourou na voz de Celly Campello? Pois acertaram!

Esta linda moça, que parece estar recebendo um caboclo e parece um clone da atriz e youtuber Kéfera Buchmann, se chama Mina Anna Maria Mazzini, mais conhecida pelo nome artístico Mina. Ela gravou Tintarella di luna (literalmente, Bronzeado de Lua ou Bronzeada pela Lua) num compacto de 1959, junto com a faixa Mai (Nunca). A letra é de Franco Migliacci e a melodia é de Bruno De Filippi, com arranjos de Tony De Vita. Mina, que também tem nacionalidade suíça desde 1989 e se especializou em pop e na chamada “música leve”, começou sua carreira em 1958, aos 18 anos. Tornada com os anos a mais exitosa cantora italiana, adotou vários ritmos, gravou mais de 1500 músicas, vendeu mais de 150 milhões de discos entre álbuns e compactos e também atuou no rádio, no cinema e em programas de TV. Atuou com artistas consagrados do mundo inteiro, teve uma agitada vida privada (embora sempre se esforçasse por guardar discrição) e foi pioneira nos costumes: além dessa roupa e cabelo que seriam modernos ainda hoje, Mina foi a primeira na Itália a usar minissaia na mídia.

Meio ao estilo de um “hino dos supremacistas brancos” ou no mínimo um “consolo às meninas branquelas”, numa cultura que valoriza as peles bronzeadas sexy (tanto lá como aqui), Mina faz também um trocadilho com os dois sentidos de cândida, que são “branca”, “alva”, e “pura”, “imaculada”. Outras bandas já a executavam em seus shows, mas ao ouvir a primeira vez, Mina se apaixonou pela canção e pediu permissão pra gravar, já parecendo que tinha sido feita especialmente pra ela. A faixa termina sendo sua marca registrada, lança a garota nacionalmente e a distingue entre tantas artistas parecidas, na véspera do boom econômico dos anos 60. A melodia foi composta primeiro, e então deixada à genialidade de Franco Migliacci, já consagrado com Domenico Modugno como coautor da celebérrima Nel blu dipinto di blu. Além da própria trama incomum, criou o “tin tin tin” que deveriam ser os “raios de Lua” batendo no corpo da moça.

A canção também foi traduzida em francês como Un petit clair de lune, e em português como Banho de Lua (versão de Fred Jorge), gravada em 1969 pelo grupo tropicalista brasileiro Os Mutantes, mas celebrada já em 1960 quando nascia a “jovem guarda”, na voz de Celly Campello (nome artístico, 1942-2003), eternizada como “Namoradinha do Brasil”. Cantando e atuando no rádio e TV desde criança, Celly estourou no país com Estúpido Cupido em 1959 e se tornou a precursora do rock nacional. Coisas do destino: encerrou a carreira no auge, aos 20 anos, pra se casar e ir morar em Campinas, perdendo, por isso, a chance de apresentar o mítico programa Jovem Guarda de Roberto e Erasmo Carlos. Todas as vezes em que tentou relançar-se, inclusive em 1976, na época da novela Estúpido Cupido, quando voltou aos holofotes, não obteve sucesso, e terminou falecendo de câncer de mama.

Eu mesmo traduzi e legendei, tendo copiado o texto italiano do ótimo site musical Rockol.it e baixado este vídeo sem legendas. Seguem abaixo a legendagem no meu canal Eslavo (YouTube), o original em italiano e a tradução em português:


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Abbronzate, tutte chiazze,
Pelli rosse un po’ paonazze
Son le ragazze che prendono il sol,
Ma ce n’è una
Che prende la luna.

Tintarella di luna,
Tintarella color latte
Tutta notte sopra il tetto,
Sopra al tetto come i gatti.
E se c’è la luna piena,
Tu diventi candida.

Tintarella di luna,
Tintarella color latte
Che fa bianca la tua pelle,
Ti fa bella tra le belle.
E se c’è la luna piena,
Tu diventi candida.

Tin tin tin,
Raggi di luna,
Tin tin tin,
Baciano te.
Al mondo nessuna è candida come te.

____________________


Bronzeadas, bem manchadas,
Peles vermelhas, meio roxas
São as meninas que tomam Sol,
Mas uma delas
Toma banho de Lua.

Bronzeada pela Lua,
Bronzeada cor-de-leite
Toda noite no telhado,
No telhado como os gatos.
E se a Lua está cheia,
Você se torna cândida.

Bronzeada pela Lua,
Bronzeada cor-de-leite
Que deixa sua pele branca
E te faz a mais bela mulher.
E se a Lua está cheia,
Você se torna cândida.

Tim, tim, tim,
Raios de Lua,
Tim, tim, tim,
Beijam você.
Ninguém no mundo é cândida como você.




quinta-feira, 20 de setembro de 2018

Воевать мы мастера: música da URSS


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Há uns dias estavam reclamando que meu canal Eslavo (YouTube) “não estava eslavo”, por causa das legendagens em outras línguas. Então, “arrebentei a boca do balão” e mandei algo ao mesmo tempo em russo, comunista e da 2.ª Guerra Mundial. Mais um fã do canal também me pediu esta por meio do título em inglês, e descobri que se tratava de “Воевать мы мастера” (Voievat my masterá), que pode ser traduzido como Somos mestres em guerrear. É mais uma canção de propaganda nacional com letra de Vasili Lebedev-Kumach, o “trovador de Stalin”, desta vez com melodia de Tikhon Khrennikov, ao que tudo indica, datada de 1941.

No canal do vídeo sem legendas há muito mais material documental da época, e trata-se de um cinejornal musicado, e não de um longa-metragem, ilustrando o esforço antinazista. É interessante que, pra mobilizar a população, Stalin só podia usar o nacionalismo patriótico e a mitologia dos heróis militares russos, extensamente repetidos ao longo da canção. Como ele ia mover as massas, já combalidas com fome, violência, produção acelerada e outras guerras, recorrendo à retórica ultrapassada de “defender a revolução mundial” e “ajudar o proletariado de outros países”?

Aparentemente, mesmo entre os russos, essa canção não era popular, nem conhecida fora do material onde ela foi gravada: o chamado “Боевой киносборник № 6” (Coleção de Cinema de Guerra, episódio 6), um dos rolos de uma série de filmes feita pras forças armadas da URSS, certamente depois de junho de 1941, quando os alemães se lançaram à invasão ao país. Em outros uploads feitos na Rússia, há o mesmo trecho cantado, bem como a crônica inteira e a informação de que, sobre a voz do ator à frente, canta o artista Vladimir Zakharov. Choca a linguagem ofensiva com que são chamados os “cachorros” (псы) alemães, remetendo a outras guerras que os dois povos já tinham travado no passado. Destaque pra trechos do filme Aleksandr Nevski (também escrito “Alexander Nevsky”), um dos mais famosos do cinema histórico soviético.

Há um artigo muito interessante em russo, escrito por Ie. V. Baraban, chamado “A Mãe-Pátria no cinema soviético, 1941-1945”, do qual eu copiei a fala inicial dos atores, ausente da música. A apresentadora começa assim: “За наших матерей и сестёр, за наших отцов и братьев, за смерть, принесённую тобой в нашу страну, Красная Армия отплатит сторицей” (Por nossas mães e irmãs, por nossos pais e irmãos, pela morte que você trouxe ao nosso país, o Exército Vermelho responderá cem vezes pior). O ator continua: “Отплатим, товарищи. Русский народ никогда не оставался в долгу врага” (Responderemos, camaradas. O povo russo nunca ficou em dívida com o inimigo).

P.S. Reparem no soldado mais à esquerda dando um leve escorregão na escada aos 4 min 52 seg: foi uma pena que deixei essa escapar, na hora de montar a legendagem. Eu mesmo traduzi direto do russo e legendei, tendo copiado o texto desta página. Seguem abaixo minha legendagem, o original russo e a tradução em português:



1. Эй, герои! Разве не с кого
Брать нам в доблести пример?
Вспомним ратный подвиг Невского,
Боевой его манер.
Брал отвагой молодецкою
Он на озере Чудском,
И остались псы немецкие
Под холодным русским льдом!

Припев:
Воевать мы мастера,
И сегодня, как вчера,
По-геройски бьются русские бойцы.
И сегодня, как вчера,
Под могучее «ура»
Сыновья идут на битву, как отцы!
И сегодня, как вчера,
Под могучее «ура»
Сыновья идут на битву, как отцы!

2. Не задаром распеваются
Нами песни про Петра,
В каждом сердце отзывается
Та великая пора.
Все пути, что были пройдены,
Помнит храбрый наш народ.
Боевая слава Родины
Нас на подвиги зовёт.

(Припев)

3. Люди мы такого норова,
Что дерёмся до конца.
Мы – наследники Суворова,
Полководца и бойца.
Славы русской не забыли мы
И суворовских побед,
В сердце свято сохранили мы
Боевой его завет.

(Припев)

4. Честь, и храбрость, и достоинство
Русских воинов-отцов
Носит в сердце наше воинство
Краснозвёздных храбрецов.
И звезда красноармейская
Прежней славою горит.
Разгромим орду злодейскую,
Враг, как прежде, будет бит!

(Припев)

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1. Ei, herói! Por acaso não temos
Ninguém para imitar em bravura?
Lembremos a façanha bélica de Nevski,
Suas maneiras lutadoras.
Ele atacou no lago Chud
Com intrépida valentia,
E os alemães cachorros ficaram
Sob o resfriante gelo russo!

Refrão:
Somos mestres em guerrear,
Tanto hoje quanto ontem,
Combatentes russos são heroicos.
Tanto hoje quanto ontem,
Sob um poderoso “hurra”
Os filhos vão lutar, como os pais!
Tanto hoje quanto ontem,
Sob um poderoso “hurra”
Os filhos vão lutar, como os pais!

2. Não é em vão que entoamos
Canções sobre Pedro, o Grande,
Em cada coração repercutem
Aqueles tempos grandiosos.
Nosso povo corajoso rememora
Todos os caminhos percorridos.
A glória lutadora da Pátria
Nos chama a realizar façanhas.

(Refrão)

3. Somos pessoas tão obstinadas
Que pelejamos até o final.
Somos herdeiros de Suvorov,
O comandante e soldado.
Não esquecemos a glória russa
Nem as vitórias de Suvorov,
Mantemos no peito com devoção
Seus preceitos para a guerra.

(Refrão)

4. A honra, a coragem e o valor
Dos pais russos que combateram
Está no peito de nosso corajoso
Exército com Estrela Vermelha.
E a estrela do Exército Vermelho
Brilha com as glórias passadas.
Destruamos a horda abominável,
Como antes, o inimigo perecerá!

(Refrão)




terça-feira, 18 de setembro de 2018

Andrés do Barro: Corpiño xeitoso, 1970


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Outra canção que traduzi e legendei a partir da língua galega, a mais próxima do português, desta vez cantada pelo já falecido artista galego Andrés do Barro. Ela se chama Corpiño xeitoso, que podemos traduzir, obviamente, como Corpinho jeitoso, mas também Corpinho elegante, e foi composta pelo próprio Andrés. No ocaso da ditadura de Francisco Franco, que perseguiu as minorias linguísticas, o sucesso de Andrés do Barro foi algo excepcional, tanto com este clipe, gravado em 1970, quanto com outra música sua, O tren (O tren que me leva pola beira do Miño/Me leva, me leva polo meu camiño...), que estourou na Espanha.

Idiomas quase iguais são interessantes, e podemos entender o galego escrito, mas seria difícil traduzir literalmente as palavras ao português e ter algo que soasse palatável. Segundo as teorias modernas, uma tradução não deve ser apenas “compreensível” na língua-alvo, mas também parecer que foi escrita na língua-alvo. Isso porque um idioma não consiste só de palavras-tijolos unidas numa estrutura-gramática, mas compõe-se, sobretudo, de “modos de dizer”, que fazem com que certas combinações, embora logicamente corretas, soem estranhas devido à falta de uso. Essa é a perspectiva da linguística histórica, que há alguns anos emprego neste site e no meu canal Eslavo (YouTube).

Por isso, mais do que decalcar elementos do galego que tenham um cognato em português (o qual, porém, pode ser arcaizante ou pouco usado, sobretudo no Brasil), busquei outras formas de dizer a mesma coisa, mais comuns no português brasileiro. Até porque Andrés do Barro foi um poeta capcioso nesta canção, por criar combinações que obedecessem à métrica e à rima, e utilizar interessantes metáforas. Inclusive, às vezes também gosto de provocar vocês e, bem brasileiro, traduzi balance, que poderia ser “balanço”, como “gingado”, muito comum em nossa cultura popular pra mesma situação. Lembremos que em Garota de Ipanema, Vinícius de Moraes também usa “O seu balançado é mais que um poema”.

A música Corpiño xeitoso saiu como faixa 2 do álbum de estreia Me llamo Andrés Lapique do Barro (1970), lançado com o selo da RCA. Ator, cantor e compositor, Andrés do Barro (1947-1989) foi o cantor pioneiro em alçar sucessos em galego ao topo das paradas, apesar das dificuldades culturais dessa língua. Além de vários compactos, gravou outros dois LPs em 1971 e 1974, e no começo dessa década, ápice de seu êxito, chegou a dar shows na Argentina, Brasil e México, bem como em alguns países da Europa. Aos poucos, seus discos iam tendo menos sucesso, chegou a viver no México de 1976 a 1980 e enfim retornou a La Coruña. Atuou algum tempo no rádio, mas morreu jovem (câncer no fígado), já sofrendo de problemas financeiros. Com a esposa Paula López, a qual deixou alguns anos antes de morrer, teve três filhos e duas filhas.

Andrés do Barro cantava em galego, espanhol e italiano, mas ganhou fama por levar a cultura da Galiza pra além de suas fronteiras. Nos anos 2000, um movimento conhecido como “dobarrismo” começou a resgatar sua memória e relançar vários de seus sucessos, tornando a canção galega ouvida em outros países, sobretudo com o advento da internet. Escutando músicas de Andrés, podemos perceber alguns traços de espanhol, que era sua língua materna, como a pronúncia do LL como “i” (idêntica à pronúncia “caipira” do LH no Brasil) ou “dj”. A transcrição da letra de Corpiño xeitoso varia muito entre sites, quase sempre havendo a grafia primaveira pra primavera, errada até em galego. Outra peculiaridade é a fusão do infinitivo verbal ver com o artigo a, resultando em vela (erronemanete grafado ve-la), que muitos interpretam como “vê-la”. Mas na verdade, é fenômeno igual ao que acontece, por exemplo, com todos + os = tódolos.

Eu mesmo traduzi direto do galego e legendei, recortando o quadro, o vídeo desta página. Agora conheça este clone do ator Rafael Vitti na legendagem que segue abaixo, junto com a letra original e a tradução:



Que muller máis xeitosa que eu encontrei,
Doces foron as verbas que eu lle escoitei.
Ela ficaba na praia deitada na area,
Cos meus ollos abertos eu ollei pra ela.
Eu lle dixen “¡Ven!”
E me dixo “¿Que?”.

Déixame verche o corpo dourado
Polo sol primeiro do mes de abril.
Ergue as túas mans ata que cheguen ó ceo,
Colle as estrelas, foron feitas pra ti.

Teu corpo xeitoso indo sobre a area,
O teu movemento é coma as ondas do mar,
Teu doce balance coma o vento che leva,
Teu corpo xeitoso quer botarse a voar.

Que feitura levaba no seu camiñar,
Confundín o seu paso co meu palpitar.
Cando ela chamoume fun á súa beira,
Abondaba o seu corpo pra vela primavera.
Eu lle dixen “¡Ven!”
E me dixo “¿Que?”.

Déixame verche o corpo dourado
Polo sol primeiro do mes de abril.
Ergue as túas mans ata que cheguen ó ceo,
Colle as estrelas, foron feitas pra ti.

Teu corpo xeitoso indo sobre a area,
O teu movemento é coma as ondas do mar,
Teu doce balance coma o vento che leva,
Teu corpo xeitoso quer botarse a voar.

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Que mulher mais elegante que eu encontrei,
Foram doces as palavras que escutei dela.
Ela ficava na praia deitada na areia,
Com vista arregalada eu olhei pra ela.
Eu lhe disse: “Vem!”
Ela respondeu: “Quê?”.

Deixe-me ver seu corpo bronzeado
Pelo primeiro Sol que saiu em abril.
Levante as mãos até chegarem ao céu,
Pegue as estrelas, foram feitas pra você.

Seu corpo elegante anda sobre a areia,
Você se movimenta como as ondas do mar,
Como o vento, seu lento gingado te leva,
Seu corpo elegante quer levantar voo.

Ela caminhava de maneira bonita,
Meu coração batia seguindo seus passos.
Quando ela me chamou, fui a seu lado,
Seu corpo bastava pra enxergar a primavera.
Eu lhe disse: “Vem!”
Ela respondeu: “Quê?”.

Deixe-me ver seu corpo bronzeado
Pelo primeiro Sol que saiu em abril.
Levante as mãos até chegarem ao céu,
Pegue as estrelas, foram feitas pra você.

Seu corpo elegante anda sobre a areia,
Você se movimenta como as ondas do mar,
Como o vento, seu lento gingado te leva,
Seu corpo elegante quer levantar voo.




domingo, 16 de setembro de 2018

Julio Iglesias: Un canto a Galicia (1972)


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Um dos meus cantores preferidos, Julio Iglesias gravou em 1972 Un canto a Galicia (Um canto/Uma canção à Galiza), na língua galega e de sua própria autoria, como seu primeiro sucesso internacional. Julio José Iglesias de la Cueva honrou suas origens cantando no idioma nativo da região mais pobre da Espanha, muito próximo do português. As duas línguas mesmas fazem parte de uma mesma sub-ramificação dos idiomas ibero-românicos, que é a galego-portuguesa. Isto era um único idioma até o meio da Idade Média, e então se dividiu em dois, sobretudo com a precoce formação do Estado português (1140).

O cantor nasceu em Madrid, em 1942, e seu pai, Julio Iglesias Puga (“Iglesias” é o sobrenome paterno de ambos), que viveu entre 1915 e 2005, nasceu na cidade galega de Ourense, capital da província de mesmo nome (a Galiza, como um todo, é considerada “comunidade autônoma”). A mãe do cantor era filha de um jornalista andaluz e de uma porto-riquenha, quando a ilha ainda pertencia à Espanha. Quando jovem, jogou pelo Real Madrid e estudou Direito, mas teve a carreira e a faculdade interrompidas por um grave acidente de carro em 1962. Durante o tratamento, aprendeu a tocar violão, e sabemos no que isso foi dar (curiosamente, retomou estudos de Direito nos anos 90). Tinha começado a carreira em 1968 e já alcançado a fama em 1970-71.

Un canto a Galicia ocupou o primeiro lugar nas paradas da Espanha, vários países da América Latina e na Holanda, França e Bélgica, além da posição 12 na Alemanha Ocidental (onde ganhou a versão Wenn Ein Schiff Vorüberfährt) e espaço de destaque na África do Norte e Oriente Médio. Gravado inicialmente em compacto, entrou também no disco Suspiros de España, de Manolo Escobar, em dueto com Iglesias. O astro também a incluiu em outras coletâneas e cantou também em italiano e português (Um canto a minha terra). Não sendo a língua materna do Julio, o texto foge um pouco do padrão culto, a começar pela peculiar pronúncia de pai e nai como pae e nae. Além disso, a forma normal de de esos (desses) é deses, bem como soidade é mais empregado que saudade. Uma grande polêmica rodeia leixos (longe): variante regional, nenhum dicionário oficial a registra, e ela quase não aparece nos corpora da língua. Uma espécie de cognata evolutiva do espanhol lejos, é por isso reputada “castelhanismo” e substituída por lonxe, em raros registros aparecendo a forma híbrida lexos.

Pelo que parece, Julio Iglesias “corrigiu” esses pontos em gravações posteriores. Esta matéria em espanhol do jornal La Voz de Galicia tem um relato interessante do dia em que ele estreou a música em público. Na internet, só aparecem as letras “corrigidas”, mas consegui achar o texto mais fiel ao aúdio no livro Writing Galicia into the World: New Cartographies, New Poetics, de Kirsty Hooper (Liverpool, Liverpool University Press, 2011), p. 54, disponível no Google Livros. A autora destaca o vínculo da canção com o sentimento de nostalgia da vasta imigração galega pelo mundo, mas outros analistas contrastam essa melancolia com a vivacidade do ritmo, ao menos nesta gravação. Pra piorar, há uma polêmica sobre se o galego é ou não idioma separado do português, tanto que há falantes que usam uma versão muito mais próxima deste, apenas com algumas alterações morfológicas. É meio o caso do polonês e do cachubo, este tido como dialeto do primeiro. Mas a variante mais comum tem fonética semelhante à espanhola e usa a ortografia do espanhol, que é o caso de Un canto a Galicia.

Julio Iglesias sempre destacou que a Galiza lhe é muito querida, e não raro lhe dedica esta música quando se apresenta. Eu mesmo traduzi e legendei, fazendo uma legenda bilíngue galego (em cima) e português (embaixo). Nesta página pode ser lida a letra alterada, gravada anos depois, mas seguem abaixo a legendagem carregada no meu canal Eslavo (YouTube), o texto do áudio e a tradução em português:



Eu quéroche tanto,
E aínda non o sabes...
Eu quéroche tanto,
Terra do meu pai.

Quero as túas ribeiras
Que me fan lembrare
Os teus ollos tristes
Que fan me chorare.

Un canto a Galicia, hey,
Terra do meu pai.
Un canto a Galicia, hey,
Miña terra nai.

Teño morriña, hey,
Teño saudade,
Porque estou leixos
De esos teus lares.

Teño morriña, teño saudade,
Porque estou leixos de esos teus lares
De esos teus lares, de esos teus lares,
¡Teño morriña! ¡Teño saudade!

____________________

Eu amo tanto você,
E você ainda não sabe...
Eu amo tanto você,
Terra do meu pai.

Amo os seus riozinhos
Que me fazem recordar
Os seus olhos tristes
Que me fazem chorar.

Uma canção à Galiza, ei,
Terra do meu pai.
Uma canção à Galiza, ei,
Minha terra-mãe.

Eu sinto falta, ei,
Tenho saudade,
Porque estou longe
Dessas suas casas.

Eu sinto falta, tenho saudade,
Porque estou longe dessas suas casas.
Dessas suas casas, dessas suas casas,
Eu sinto falta! Tenho saudade!




sexta-feira, 14 de setembro de 2018

“Гандзя” (Handzia), canção ucraniana


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/handzia


Esta tinha sido a primeira contribuição de Tiago Rocha Gonçalves pro meu canal Eslavo (YouTube), bem como a primeira tradução de um “visitante” que aí carreguei. Ele traduziu diretamente do ucraniano a canção popular “Гандзя” (Handzia), personagem feminina jovem que habita o folclore, tal como a “Marússia” da cultura russo-ucraniana. O autor foi Denys Bonkovsky, e no áudio está sendo cantada pelo Coral Aleksandrov do Exército Russo, o famoso Coral do Exército Vermelho.

Dionisi Fedorovych Bonkovsky, mais célebre como Denys Bonkovsky (1816-1881), foi um poeta, compositor e tradutor ucraniano. De origem polonesa, deixou uma vasta obra cultural, inclusive muitas traduções ucranianas a partir da língua polaca. Em 1869, fez o famoso artigo “Sobre a musicalidade das canções populares” (Про музику народних пісень), em que ele enumerou as particularidades do folclore musical ucraniano. Por muitos anos trabalhou no serviço público do tsarismo russo, mas na Ucrânia ainda é estimado por seus versos e melodias.

“Handzia” é uma forma afetiva do prenome feminino Hanna (às vezes “Ganna” em russo), que vem do alemão e equivale a Anna. Há outras canções tendo Handzia como personagem principal já conhecidas no século 18. Essa onipresença se nota até junto ao escritor ucraniano Ivan Frankó, um dos mais celebrados do país, como no conto “Mavka” (nome de moça mitológica). No meio culto russo, como na ocidental São Petersburgo, Handzia (ou Gandzia) era conhecida como peça de piano baseada no folclore da “Pequena Rússia” (Malo-Rossia).

Como eu disse, o próprio Tiago traduziu diretamente do ucraniano e pôs legendas nesta montagem. Ele também copiou a letra original de um comentário feito na própria página, e eu apenas cortei o quadro pra deixar com o tamanho da tela moderna. Pessoalmente não me agrada a montagem usando o brasão da URSS, que é extremamente ofensivo à maioria dos ucranianos. Mas se considerarmos que os eslavos orientais têm uma longa história juntos, e que não apenas o Coral do Exército Vermelho, mas também outras instituições soviéticas atuaram pra preservar a cultura da Ucrânia (ainda que sob o rígido controle da Rússia), não precisamos criar caso.

Além da própria Wikipédia em ucraniano, tirei informações sobre o autor e a canção deste blog dedicado à cultura ucraniana e deste site repleto de letras e explicações de canções populares da Ucrânia. Também não fiz nenhuma correção na tradução, mas quem quiser dar uma sugestão ou opinião, pode escrever direto pro tradutor. Seguem abaixo a legendagem do Tiago no meu canal, os trechos da letra em ucraniano que são cantados no áudio e a tradução em português:



1. Чи є в світі молодиця,
Як та Гандзя білолиця?
Ох, скажіте, добрі люди,
Що зі мною тепер буде?
Ох, скажіте, добрі люди,
Що зі мною тепер буде?

Приспів:
Гандзя душка, Гандзя любка,
Гандзя мила, як голубка.
Гандзя рибка, Гандзя птичка,
Гандзя цяця-молодичка.

2. Як на мене щиро гляне –
Серце моє, як цвіт в’яне,
А як стане щебетати –
Сам не знаю, що діяти...
А як стане щебетати –
Сам не знаю, що діяти...

(Приспів)

3. Гандзю моя, Гандзю мила,
Чим ти мене напоїла?
Чи любистком, чи чарами,
Чи солодкими словами?
Чи любистком, чи чарами,
Чи солодкими словами?

(Приспів)

4. Чи є в світі молодиця,
Як та Гандзя білолиця?
Ох, скажіте, добрі люди,
Що зі мною тепер буде?
Ох, скажіте,
Що зі мною тепер буде?

(Приспів)

Гандзя рибка, Гандзя птичка,
Гандзя молодичка!

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1. Há alguma outra no mundo
Tão bonita como a Handzia?
Pois me falem, meu bom povo,
O que será de mim agora?
Pois me falem, meu bom povo,
O que será de mim agora?

Refrão:
Handzia, meu doce, meu amor,
Handzia querida como um pássaro.
Meu peixinho, meu passarinho,
Handzia, minha jovenzinha.

2. Como no meu sincero olhar
E como o canto dos pássaros,
Meu coração como flor despedaça
E não sei o que fazer.
Meu coração como flor despedaça
E não sei o que fazer.

(Refrão)

3. Handzia minha, Handzia querida,
O que me dará para beber?
Algo com amor, algo mágico,
Algo com palavras doces?
Algo com amor, algo mágico,
Algo com palavras doces?

(Refrão)

4. Há alguma outra no mundo
Tão bonita como a Handzia?
Pois me falem, meu bom povo,
O que será de mim agora?
Me falem,
O que será de mim agora?

(Refrão)

Meu peixinho, meu passarinho,
Handzia jovenzinha!




quarta-feira, 12 de setembro de 2018

Steg Partije (Bandeira do Partido), 1948


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/steg


Como um admirador das minhas traduções me pedia há tempos esta canção, dediquei-a a ele. Composta em servo-croata, chama-se Steg Partije (A Bandeira do Partido), em alfabeto cirílico “Стег Партије”, também chamada Stijeg Partije (Стијег Партије) no dialeto ijekavica. A letra é de Čedomir Minderović, a melodia é de Oskar Danon e foi feita em 1948 como réplica à briga da recém-fundada Iugoslávia comunista contra a União Soviética. Segundo a Wikipédia sérvia, o Cominform, birô que reunia os principais partidos comunistas e meio que sucedeu à Comintern após a Guerra Mundial, emitiu resolução subestimando a luta de libertação nacional antifascista dos partisans iugoslavos.

Era quando o marechal Josip Broz Tito, por causa de discordâncias geopolíticas e ideológicas, estava rompendo com Iosif Stalin e saindo gradualmente da zona de influência soviética. Também edificando sua própria ditadura, Tito incentivou a composição de músicas em louvor à Resistência, aos partisans e a ele mesmo. Só esta canção recebeu oito melodias, até ser enfim escolhida uma e gravada pela primeira vez com arranjos do conjunto Dubrovački Poklisari (não sei se é eles que estão no áudio). Na versão dos vídeos, a quarta estrofe não é cantada, o que nos possibilita trocar “Tito” por “Lula” e começar uma bagunça.

Eu mesmo traduzi direto do servo-croata e legendei duas montagens: a primeira, feita por um canal muito bom com muito material sobre a antiga Iugoslávia, e a segunda, por outro canal menos conhecido, que acrescentou também a letra em alfabeto latino. No caso da primeira montagem, eu também cortei o enquadramento: trata-se do filme A batalha de Sutjeska, ou apenas Sutjeska, gravado pelos iugoslavos em 1973 e narrando essa batalha ocorrida em 1943, a maior travada pelos partisans, contra exércitos alemães, italianos, búlgaros e da Croácia fascista. Eu só legendei uma segunda versão porque pensei também em quem não curte diversões “cruentas”, violência ou filmes de guerra.

Quando se fala “Plano” no texto, indica o plano de desenvolvimento econômico lançado pelo Estado, do tipo dos quinquenais na URSS. Por isso, vocês podem ver a tradução “explicativa” que dei à quarta estrofe, que não aparece nos vídeos. Seguem as duas legendagens, que carreguei no meu canal Eslavo (YouTube), a letra em servo-croata com as diferenças da variante ijekavica indicadas entre parênteses (o áudio é cantado em ekavica, e após cada estrofe em cirílico, coloquei em alfabeto latino itálico) e a tradução em português. Nas legendas, o texto está um pouco abreviado, sem mudança no sentido:




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1. С Титом, за тобом, кроз јурише пламне
Пошли смо у одлучни бој!
Партијо наша – из пустоши тамне,
– Ст(иј)ег нас је водио Твој!
Партијо наша – из пустоши тамне,
– Ст(иј)ег нас је водио Твој!
S Titom, za tobom, kroz juriše plamne
Pošli smo u odlučni boj!
Partijo naša – iz pustoši tamne,
– St(ij)eg nas je vodio Tvoj!
Partijo naša – iz pustoši tamne,
– St(ij)eg nas je vodio Tvoj!

2. Дух храбро палих, у теби, у нама,
Жив је и никад не мре!
Партијо наша – Твој см(ј)ели дух слама
Препреке поб(ј)едно све!
Партијо наша – Твој см(ј)ели дух слама
Препреке поб(ј)едно све!
Duh hrabro palih, u tebi, u nama,
Živ je i nikad ne mre!
Partijo naša – Tvoj sm(j)eli duh slama
Prepreke pob(j)edno sve!
Partijo naša – Tvoj sm(j)eli duh slama
Prepreke pob(j)edno sve!

3. Слободан радник – и града и села –
Живот сад стварају нов!
Партијо наша – за велика д(ј)ела
Снажи нас моћни Твој зов!
Партијо наша – за велика д(ј)ела
Снажи нас моћни Твој зов!
Slobodan radnik – i grada i sela –
Život sad stvaraju nov!
Partijo naša – za velika d(j)ela
Snaži nas moćni Tvoj zov!
Partijo naša – za velika d(j)ela
Snaži nas moćni Tvoj zov!

4. Сад борац гради – и д(ј)ела јунака,
Слободно зари сад дан!
Партијо наша – к’о гранит си јака,
– Другови! Напр(иј)ед за План.
Партијо наша – к’о гранит си јака,
– Другови! Напр(иј)ед за План.
Sad borac gradi – i d(j)ela junaka,
Slobodno zari sad dan!
Partijo naša – k’o granit si jaka,
– Drugovi! Napr(ij)ed za Plan.
Partijo naša – k’o granit si jaka,
– Drugovi! Napr(ij)ed za Plan.

5. Народи братски, будућност нас зове
С Титом – за План – сад у бој!
Партијо наша – у поб(ј)еде нове,
Дижемо славни ст(иј)ег Твој!
Партијо наша – у поб(ј)еде нове,
Дижемо славни ст(иј)ег Твој!
Narodi bratski, budućnost nas zove
S Titom – za Plan – sad u boj!
Partijo naša – u pob(j)ede nove,
Dižemo slavni st(ij)eg Tvoj!
Partijo naša – u pob(j)ede nove,
Dižemo slavni st(ij)eg Tvoj!

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1. Com Tito, seguindo você, por entre disparos,
Marchamos à luta decidida!
Ó, partido nosso, sua bandeira
Nos tirou do deserto obscuro!
Ó, partido nosso, sua bandeira
Nos tirou do deserto obscuro!

2. A alma dos caídos vive corajosa
Em mim e você, nunca morrerá!
Ó, partido nosso, sua alma valente
Rompe vitoriosa todos os obstáculos!
Ó, partido nosso, sua alma valente
Rompe vitoriosa todos os obstáculos!

3. Os operários e os camponeses livres
Edificam agora uma vida nova!
Ó, partido nosso, para grandes obras
Seu chamado potente nos reforça!
Ó, partido nosso, para grandes obras
Seu chamado potente nos reforça!

4. Agora o soldado constrói, o herói produz,
Agora o dia brilha livremente!
Ó, partido nosso, você é duro como granito,
Camaradas! Avante planejar a economia.
Ó, partido nosso, você é duro como granito,
Camaradas! Avante planejar a economia.

5. Povos fraternos, o futuro nos chama
Com Tito, pelo Plano, à luta agora!
Ó, partido nosso, a novas vitórias
Elevamos sua bandeira gloriosa!
Ó, partido nosso, a novas vitórias
Elevamos sua bandeira gloriosa!




segunda-feira, 10 de setembro de 2018

Io le toccai (canto sem vergonha, Itália)


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/toccai


Canção de autor anônimo, tradicional da região italiana de Marche (às vezes dita “Marcas” em português), se chama Io le toccai (Peguei nela, ou “toquei”), também denominada Su e giù (Em cima e embaixo). A gravação é do grupo típico La Martinicchia, que o incluiu no álbum A paccà e se especializou no dialeto “marchigiano”, cujos traços ocorrem nesta música. O vídeo com áudio está no canal do grupo, que tem muita coisa legal, mas a primeira vez que escutei foi nesta página, incluindo a letra, com bem mais visitas e cujo áudio, porém, é pior.

Engraçado como muitas vezes, entre culturas, a tradução não se dá entre palavras, mas temas ou enredos. Descobri uma canção do Trio Parada Dura, de música sertaneja brasileira, chamada Eu tô parpano (“Estou apalpando”, em dialeto caipira), que constrói quase a mesma história. Só que minha sacada foi um dia em que passei pela sala, enquanto minha avó assistia à novela das 6 da TV Globo, Orgulho e paixão. Por acaso vi uma cena da festa depois do casamento de Ema e Ernesto, um dos pares românticos da trama, em que o italiano, ao ouvir o conjunto clássico, pediu que tocassem uma tarantella, pra aí começar a dança vista no vídeo.

Pensei primeiro em fazer pro áudio uma montagem no Windows Movie Maker, com legendas em italiano e português. Mas achei esta cena tão legal que captei a tela no site GShow e pus o trecho de som audível tirado de uma matéria do programa Video Show. Ainda preciso arrumar meu notebook pra que ele capte a tela com som e imagem melhores... Mesmo assim, a música e a cena (da qual removi alguns pedaços) casaram certinho, até com passagens que se adéquam à letra! Eu mesmo traduzi do italiano, a partir do texto do site LyricsTranslate.com (que mudei um pouco), montei o vídeo e legendei.

Eu tinha carregado minha montagem em vídeo na versão reserva da TV Eslavo no Vimeo, hoje extinta, porque foi bloqueada no YouTube, mas no Vimeo também tiraram, por causa dos direitos autorais. Assim, acabei fazendo outra montagem só com áudio e imagens mesmo, e ela pode ser vista abaixo. Depois é que me dei conta de que podia incorporar as cenas da novela diretamente do Google Drive.

A tradução reflete o sentido do original, mas não está totalmente literal. Inclusive, pras legendas serem lidas mais rápidas, encurtei um pouco o texto. De qualquer modo, não dá pra ser todo literal, porque ia perder a graça. Por exemplo, traduzi toccai (toquei) por “pegar”, que soa mais natural nesse contexto, pelo menos pros brasileiros. Grotta também significa “caverna”, e não exatamente “gruta”, como parece, só que onde está crepaccio, que é uma fenda entre blocos de gelo ou em montes nevados, deveria ser “crevasse”. Mas poucos fora da Europa conhecem a palavra, então pus “gruta” (embora não seja isso), pra aproximar o sentido. Stanza, entre várias noções, pode nomear um “quarto”, um “cômodo”, indicando uma hospedagem, mas não ia ter conotação lasciva. Então pus “cama”, que dá a ideia de repouso e prazer, e em geral fica num quarto. E capita vem de capire, que pode significar “entender” ou “capturar”, então usei “captar”, que dá mais ou menos esse duplo sentido. Note-se ainda que panza (pança, barriga) é variante regional de pancia.

Agora que vocês já conhecem esta música de duplo sentido, seguem abaixo a legendagem com montagem que está na minha TV Eslavo (YouTube), a montagem no Google Drive, a longa letra em italiano, com muito pouca marca dialetal “marchigiana”, e a tradução em português:




____________________


Io le toccai i capelli,
Lei mi disse: “Non son quelli,
Vai più giù che son più belli!”
Oh oh oh.

Amor, se mi vuoi bene,
Più giù tu devi andar.
Allora più giù, più giù, più giù,
Allora più giù, più giù, più giù,
Allora più giù, più giù, più giù,
Più giù...

Io le toccai il nasino,
Lei mi disse: “Sei un cretino,
Vai più giù che c’è un giardino!”
Oh oh oh.

Amor, se mi vuoi bene,
Più giù tu devi andar...

Io le toccai la bocca,
Lei mi disse: “Non se tocca!
Vai più giù che c’è una grotta!”
Oh oh oh.

Amor, se mi vuoi bene,
Più giù tu devi andar...

Io le toccai le spalle,
Lei mi disse: “Ma che palle!
Vai più giù c’è una valle!”
Oh oh oh.

Amor, se mi vuoi bene,
Più giù tu devi andar...

Io le toccai il petto,
Lei mi disse con rispetto:
“Vai più giù che c’è un boschetto!”
Oh oh oh.

Amor, se mi vuoi bene,
Più giù tu devi andar...

Io le toccai la panza,
Lei mi disse con creanza:
“Vai più giù che c’è una stanza!”
Oh oh oh.

Amor, se mi vuoi bene,
Più giù tu devi andar...

Io le toccai il tallone,
Lei mi disse: “Sei un coglione!
Non conosci la posizione!”
Oh oh oh.

Amor, se mi vuoi bene,
Più su tu devi andar.
Allora più su, più su, più su,
Allora più su, più su, più su,
Allora più su, più su, più su,
Più su...

Io le toccai il polpaccio,
Lei mi disse: “Sei un pagliaccio,
Vai più su che c’è un crepaccio!”
Oh oh oh.

Amor, se mi vuoi bene,
Più su tu devi andar...

Io le toccai il ginocchio,
Lei mi disse: “Sei un finocchio,
Vai più su sennò te crocchio!”
Oh oh oh.

Amor, se mi vuoi bene,
Più su tu devi andar...

Io le toccai la coscia,
Lei mi disse con angoscia:
“Vai più su che te se ’mmoscia!”
Oh oh oh.

Amor, se mi vuoi bene,
Più su tu devi andar...

Io le toccai il sedere,
Lei mi disse con dovere:
“Vai più là, me fai piacere!”
Oh oh oh.

Amor, se mi vuoi bene,
Più là tu devi andar.
Allora più là, più là, più là,
Allora più là, più là, più là,
Allora più là, più là, più là,
Più là...

Io le toccai la fica,
Lei mi disse con fatica:
“Finalmente l’hai capita!”
Oh oh oh.

Amor, se mi vuoi bene,
Su e giù tu devi andar.
Allora su e giù, su e giù, su e giù,
Allora su e giù, su e giù, su e giù,
Allora su e giù, su e giù, su e giù,
Su e giù!!

____________________


Peguei nos cabelos dela
E ela disse: “Não são esses,
Vai embaixo, são mais bonitos!”
Oh, oh, oh.

Amor, se você me ama,
Tem que ir mais pra baixo.
Então embaixo, embaixo, embaixo,
Então embaixo, embaixo, embaixo,
Então embaixo, embaixo, embaixo,
Mais pra baixo...

Peguei no nariz dela
E ela disse: “Seu cretino,
Vai embaixo, tem um jardim!”
Oh, oh, oh.

Amor, se você me ama,
Tem que ir mais pra baixo...

Peguei na boca dela
E ela disse: “Não toca aí!
Vai embaixo, tem uma caverna!”
Oh, oh, oh.

Amor, se você me ama,
Tem que ir mais pra baixo...

Peguei nos ombros dela
E ela disse: “Mas que saco!
Vai embaixo, tem um vale!”
Oh, oh, oh.

Amor, se você me ama,
Tem que ir mais pra baixo...

Peguei no peito dela
E ela disse com respeito:
“Vai embaixo, tem um bosque!”
Oh, oh, oh.

Amor, se você me ama,
Tem que ir mais pra baixo...

Peguei na barriga dela
E ela disse com educação:
“Vai embaixo, tem uma cama!”
Oh, oh, oh.

Amor, se você me ama,
Tem que ir mais pra baixo...

Peguei no calcanhar dela
E ela disse: “Seu babaca!
Você não sabe a posição!”
Oh, oh, oh.

Amor, se você me ama,
Tem que ir mais pra cima.
Então em cima, em cima, em cima,
Então em cima, em cima, em cima,
Então em cima, em cima, em cima,
Mais pra cima...

Peguei na panturrilha dela
E ela disse: “Seu palhaço,
Vai em cima, tem uma gruta!”
Oh, oh, oh.

Amor, se você me ama,
Tem que ir mais pra cima...

Peguei no joelho dela
E ela disse: “Seu maricas,
Vai em cima, senão te quebro!”
Oh, oh, oh.

Amor, se você me ama,
Tem que ir mais pra cima...

Peguei na coxa dela
E ela disse angustiada:
“Vai em cima, você tá broxando!”
Oh, oh, oh.

Amor, se você me ama,
Tem que ir mais pra cima...

Peguei no bumbum dela
E ela disse com firmeza:
“Vai ali e me dá prazer!”
Oh, oh, oh.

Amor, se você me ama,
Tem que ir mais ali.
Então ali, ali, ali,
Então ali, ali, ali,
Então ali, ali, ali,
Mais ali...

Peguei na pepeca dela
E ela disse bem cansada:
“Finalmente captou ela!”
Oh, oh, oh.

Amor, se você me ama,
Vai pra cima e pra baixo.
Então pra cima e pra baixo,
Então pra cima e pra baixo,
Então pra cima e pra baixo,
Pra cima e pra baixo!!




sábado, 8 de setembro de 2018

Falando algo sobre o sentido de “Rus”


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/rus-urss




Aproveitei a postagem deste vídeo no meu canal Eslavo (YouTube) pra discutir um conceito histórico que ainda gera muita confusão entre os brasileiros. A União Soviética era no todo um país multinacional e internacionalista. Mas a Rússia (ou RSFS da Rússia), enquanto existiu dentro dessa federação, manteve diversos símbolos nacionalistas do tempo do tsarismo, embora repaginados sob a estética comunista. Seu nome inteiro era República Socialista Federativa Soviética da Rússia, e também era “federativa”, e não somente “RSS”, como as demais, porque ela mesma comportava diversas subunidades nacionais numa enrolada teia administrativa. Essa complexidade permanece, tornando a divisão da Federação Russa uma das mais difíceis de compreender.

A célebre canção patriótica “Славься” (Slavsia), Glória ou Glorie-se, por muitos considerada uma espécie de hino nacional informal da Rússia, é parte da ópera Ivan Susanin, composta pelo célebre músico Mikhail Glinka, e tem várias versões da letra. Em postagem anterior do meu site, vocês podem conhecer melhor a história e a letra desta música e ler as três primeiras estrofes, que são as cantadas no vídeo abaixo. O engraçado é que um dos meus maiores dilemas, inclusive na tradução do hino da URSS, era como traduzir o termo “Русь” (Rus), que originou o adjetivo russki (russo), bem como o nome Rossia (Rússia). Eu traduzia como “Mãe-Rússia”, com tintura nacionalista, até estudar a história real da federação da Rus, que uniu principados de forma frouxa entre os séculos 9 e 13. Estes, de fato, constituíram os ancestrais dos eslavos orientais (russos, ucranianos, belarussos e rutenos), inclusive na língua, que era única.

Por isso, às vezes seria melhor traduzir Rus como “eslavos orientais”, como no início do hino da URSS: “A grande Mãe-Rússia coligou para sempre a união indestrutível das repúblicas livres”, ou antes: “Os (grandes) eslavos orientais coligaram...” (já que Rússia, Ucrânia e Bielo-Rússia, hoje Belarus, eram a maior parte do território e da população). Ou talvez o certo seria nem traduzir Rus, por se tratar de uma entidade política especial. Porém, “Mãe-Rússia” passa o sentido nacionalista de que a Rússia seria a herdeira da Rus, portanto que ucranianos e belarussos seriam “derivações” da Rússia. Tanto que o nome “Ucrânia” tem relação com a palavra russa okraina (ou seja, a “periferia” do Império Russo), e que o nome antigo e histórico dos ucranianos era “pequenos russos”, e o nome dos belarussos, “russos brancos”. Dessa forma, ainda em livros ocidentais do século 20, a Ucrânia e Belarus ainda aparecem com as denominações tsaristas de “Pequena Rússia” e “Rússia Branca”...

Contudo, ucranianos e belarussos também se consideram “herdeiros” da antiga Rus e se arrogam o direito de chamar o velho eslavo oriental comum de “ucraniano antigo” ou “belarusso antigo”, como os russos o chamam de “russo antigo”. Agravando o caso, o centro político maior da federação da Rus era Kyiv (o que a faz ser chamada também “Rus kievana/kievita”), num período em que Moscou não passava de uma aldeia crescida. Isso faz da memória medieval um embate não apenas entre russos, mas também deles com os países vizinhos. O canal com este vídeo sem legendas tem muito mais material raro (não traduzido) sobre a URSS que pretendo legendar. Eu usei a mesma tradução que já tinha publicado, mas encurtei ainda mais pra pôr nestas legendas:



quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Proezas e realizações dos belarussos


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/bielo-russo




Há uns meses, postei no meu canal Eslavo (YouTube) dois vídeos que achei ao acaso, feitos em Belarus (antiga Bielorrússia): o primeiro, um material documental, que podia ser de utilidade pública, e o segundo, um filme caseiro que tentei transformar num meme, mas que hoje vejo um pouco como de mau gosto (porque não sei se o rapaz em questão era meio “deficiente”). Mesmo assim, decidi manter lá e repostar aqui.

Primeiro, baixei um programa que dá material pra muitas legendagens no meu YouTube. Trata-se da transmissão de Ano Novo 2017-18 (uma espécie de “show da virada”) do canal estatal Belarus 1, o principal do país, contendo vinhetas de Natal, atuações cômicas, participação de cantores, propaganda estatal, o discurso de Réveillon do Presidente da República, a contagem regressiva e o hino nacional. Por enquanto, legendei só aquele discurso e a propaganda do governo, que aparece logo antes. O vídeo integral em russo tem quase 43 minutos.

A República de Belarus, antiga República Socialista Soviética da Bielorrússia, é um país encravado entre a Ucrânia, a Lituânia e a Polônia na Europa Oriental, e desde 1994 é governada pelo autoritário Aleksandr Grigorievich Lukashenko. Ele foi o único deputado da pátria a votar contra a independência em face da URSS e manteve uma política econômica contrária às “terapias de choque” vividas pelos vizinhos, mantendo boa parte da produção, por exemplo, nas mãos do Estado. Belarus tem ultimamente sofrido problemas econômicos e sanções do Ocidente, vendo seu IDH até mesmo cair em 2017 (dados de 2015). Mesmo assim, nesta propaganda, cantam-se loas às ditas conquistas do país, que seria um mar de tranquilidade e independência ante um mundo turbulento (como a Ucrânia em guerra civil e a França, Reino Unido e Espanha então às voltas com o terrorismo).

As duas línguas oficiais de Belarus são o belarusso e o russo, sendo o primeiro muito aparentado ao segundo e ao ucraniano. Mas em casa, a maioria das pessoas usa o russo, idioma que é também o das relações econômicas e políticas em geral. Contudo, quem conhece o belarusso padrão (na realidade, existe muita mistura linguística pelo território) pode notar em Lukashenko um característico sotaque local, não idêntico ao russo de Moscou. Não vou aqui explicar isso, mas um dia acho a ocasião certa. No vídeo são inseridas várias passagens de discursos, encontros e eventos, parecendo uma propaganda do PSDB sobre as “conquistas” de São Paulo. Belarus parece uma “Slovetzia” (ver o filme Um conto quase de fadas) perdida e incógnita no meio da Europa, um pedacinho intacto da antiga URSS, e as matérias de onde eu tirei as transcrições das falas provam isso.

Cortei o vídeo apenas no pedaço em que aparece essa propaganda, saindo ao final a chamada pro discurso de Lukashenko. Eu mesmo traduzi e legendei os trechos falados pelo presidente, e abaixo eles podem ser lidos em russo, com os links noticiando os contextos:

Мои земляки – это вся моя Беларусь. (Festival de Ofícios Populares “Aleksandria reúne os amigos”: leia aqui)

Двигайтесь вперёд. Предлагайте! Вы всегда будете услышаны. (2.º Congresso dos Cientistas de Belarus: leia aqui)

Беларусь сегодня есть и будет всегда донором нашей региональной, а возможно, и мировой безопасности. (26.ª Sessão Anual da Assembleia Parlamentar da OSCE: leia aqui)

Беларусь сегодня – мир и спокойствие. Нужно детей научить ценить это. (sessão plenária do Conselho de Pedagogia da República: leia aqui)

Моя мечта сделать свой легковой автомобиль осуществилась. (inauguração da franquia sino-belarussa BelGee, abrindo a primeira montadora de Belarus: leia aqui)

Вы – наш завтрашний день! (não localizei a ocasião)

Вера людей в то, что мы работаем ради них – это главный результат наших усилий. (participação na celebração em memória do acidente em Chornobyl na Ucrânia: leia aqui)

Discurso de Ano Novo do Presidente da República de Belarus A. G. Lukashenko ao povo belarusso



Esta é outra pérola que achei por acaso na Runet, ou seja, na internet de língua russa. Pelo que consta, esse moço é chamado Saniók, mais uma das centenas de apelidos pro prenome Aleksandr, ou seja, o mais comum da língua russa. Esse é o idioma do vídeo, mas ele se passa em Belarus, embora eu não saiba em que cidade. Parece que é uma turma de jovens baderneiros comuns, do tipo que enche muito o saco na adolescência do Brasil, e estão aprontando perto de alguma casa meio abandonada. Quem comenta o vídeo xinga pra caramba, dizendo ter vergonha de ser belarusso como esses “babacas”. Mas é uma postagem antiga, de dezembro de 2011, talvez gravada pouco antes.

Também se faz uma pergunta básica: será que ele entorna de uma vez toda uma garrafa de vodca mesmo, ou se trata de água comum (vodka é um diminutivo de voda = água) trolando os internautas?... Não se sabe ao certo, mas se notam bem a voz e a cara acabadas do Saniok, além das palavras e gestos estranhos, indicando que ele já estaria habituado (“curtido”) a esse consumo excessivo. Além disso, como teria coragem de fumar ainda um cigarro e pra quê precisaria se encher de suco (glicose) se fosse só água? Embora seja uma situação esdrúxula, postei com adaptações (corte no quadro) e o acréscimo de um refrão da minha adolescência: Dim terim bebim, da dupla Ney & Nando (nos cantos), com participação de Lelles & Leonardo, duas duplas que não emplacaram no cenário nacional, mas que eu escutava direto na Rádio Laser FM de Campinas.