quinta-feira, 30 de março de 2023

Hino Nacional da RSS do Azerbaijão

Este é o Hino Nacional da República Socialista Soviética do Azerbaijão (Азәрбајҹан Совет Сосиалист Республикасынын Дөвләт Һимни, Azərbaycan Sovet Sosialist Respublikasının Dövlət himni), que eu acho um dos mais bonitos e animadores. Ele foi adotado em 1944, com letra de Süleyman Rüstəm, Səməd Vurğun e Hüseyn Arif, e melodia de Üzeyir Hacıbəyov, e a primeira versão continha menções ao então governante Stalin. Assim como ocorreu com os outros hinos de RSS, inclusive o da própria URSS, a letra foi modificada em 1978 pra excluir essa e outras menções agora incômodas, e o hino vigorou até 1992, com a independência do Azerbaijão.

Por meio da Wikipédia, eu traduzi basicamente a partir da versão em russo e usei a inglesa, não muito precisa, pra efeitos de comparação. Também usei por vezes o Google Tradutor como dicionário de azerbaijano, sendo ajudado na parte gramatical por alguns conhecimentos meus de cazaque e turco. Legendei o vídeo na versão mais corrente do alfabeto latino pra língua, que foi adotado em 1992. Mas também seguem abaixo a letra no alfabeto cirílico soviético e a tradução em português:


1. Азәрбајҹан! Чичәкләнән республика, шанлы дијар!
Гадир совет елләриндә һәм азадсан, һәм бәхтијар.
Октјабрдан гүввәт алыб сән говушдун сәадәтә,
Алгыш олсун бу һүнәрә, алгыш олсун бу гүдрәтә!

Refrão։
Јолумуз Ленин јолудур, партијадыр рәһбәримиз,
Коммунизмин ҝүнәшилә нурланаҹаг сәһәримиз.
Биз ҝедирик ҝәләҹәјә галибләрин ҹәрҝәсиндә,
Јаша, јаша, Азәрбајҹан, бөјүк совет өлкәсиндә!

2. Одлар јурду, бу ағ ҝүнләр ел ҝүҹүнүн бәһрәсидир,
Гəһрәманлыг, бир дә һүнәр азад инсан һәвәсидир.
Насилләрдән-нәсилләрә јадиҝардыр дәјанәтин,
Коммунизмә биз ҝедирик, сыра мөһкәм, аддым мәтин.

(Refrão)

3. Рәшадәтли рус халгыдыр достлуг, бирлик бајрагдары,
Мүгәддәсдир, сарсылмасдыр дост елләрин бу илгары.
Гардаш халглар бирлијиндән алдыг ҝүҹү, гүдрәти биз,
Гој вар олсун бу иттифаг - шанлы Совет Вәтәнимиз!

(Refrão)

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1. Azerbaijão! Próspera república, terra gloriosa!
Livre e feliz entre os fortes povos soviéticos.
Tirando forças de Outubro, ganhou felicidade,
Glória a essa façanha, glória a essa potência!

Refrão:
Nossa trilha é a de Lenin, o Partido nos chefia,
O sol do comunismo vai iluminar nossa manhã.
Rumamos ao futuro na fileira dos vencedores,
Viva, viva, Azerbaijão, no grande país soviético!

2. Pátria dos fogos, dias de luz com esforço do povo,
O homem livre aspira ao heroísmo e à coragem.
Sua firmeza é a memória passada entre gerações,
Vamos ao comunismo em linha forte e passo firme.

(Refrão)

3. O valoroso povo russo apoia a amizade e a unidade,
A lealdade dos povos amigos é sagrada e inabalável.
Tiramos força e poder da união dos povos irmãos,
Viva essa união, nossa gloriosa Pátria Soviética!

(Refrão)



terça-feira, 28 de março de 2023

Hino Nacional da RSS da Armênia

Este é o Hino Nacional da República Socialista Soviética da Armênia (Հայկական Խորհրդային Սոցիալիստական Հանրապետության Պետական Օրհներգ, Haykakan Khorhrdayin Sotsialistakan Hanrapetutyan Petakan Orhnerg), surgida em 1936 com o desmembramento da RSFS da Transcaucásia, dentro da URSS. A língua armênia é da família indo-europeia, como o português, o inglês e o russo, mas de um grupo distante, que atualmente não tem outras línguas vivas. A sonoridade é muito parecida com a do georgiano e do checheno (não aparentados ao armênio), como se pode notar pelas vogais abertas e pelas consoantes aspiradas. O hino armênio soviético foi composto e adotado em 1944, com letra de Armenak Sarkisyan (que usava o pseudônimo Sarmen) e melodia do célebre Aram Khachaturian, baseada num dos temas épicos ouvidos no ato 3 de seu próprio balé Gayane (1942). Pelo que pude apurar na Wikipédia em armênio, mesmo sem entender a língua, houve uma versão com referência a Stalin na segunda estrofe, mas ela foi depois modificada, não sei quando. Em 1991, o hino comunista foi substituído pelo atual, Mer Hayrenik (Nossa Pátria).

O armênio é uma das línguas modernas mais antigas com registro escrito, e seu peculiar alfabeto foi criado no ano 405 pelos santos Mesrop Mashtots e Isaac (Sahak) da Armênia. Também foi um dos primeiros povos a se cristianizar, tendo-o feito como religião de Estado, ainda hoje separada tanto do catolicismo quanto da ortodoxia eslava, ainda no ano 301. Eu traduzi a partir das versões inglesa, francesa, espanhola, alemã, italiana e russa (talvez a mais fiel) da Wikipédia, jogando às vezes o original armênio no Google Tradutor pra ver o que saía.

Fiquei na dúvida sobre qual dialeto eu usaria como base pra transliteração, mas depois decidi pôr a cedida por um amigo, apenas tirando as marcas de aspiração nas consoantes pra ficar mais simples. Seguem o vídeo legendado, a letra no alfabeto armênio e a tradução em português:


1. Սովետական ազատ աշխարհ Հայաստան,
Բազում դարեր դաժան ճամփա դու անցար,
Քաջ որդիք քո մաքառեցին քեզ համար,
Որ դառնաս դու մայր հայրենիք հայության։

Refrão։
Փառք քեզ, միշտ փառք, Սովետական Հայաստան,
Աշխատասեր, ճարտարագործ-շինարար,
Ժողովրդոց սուրբ դաշինքով անսասան՝
Դու ծաղկում ես և կերտում լույս ապագադ։

2. Լենինն անմահ մեզ հուրն անշեջ պարգևեց,
Մեր դեմ շողաց երջանկաբեր այգաբաց,
Հոկտեմբերը կործանումից մեզ փրկեց
եվ տվեց մեզ նոր, պայծառ կյանք փառապանծ։

(Refrão)

3. Մեծ Ռուսիան մեզ եղբայրության ձեռք մեկնեց,
Մենք կերտեցինք ամրակուռ նոր պետություն,
Լենինյան մեր կուսակցությունն իմաստուն
Հաղթորեն մեզ դեպ կոմունիզմ է տանում։

(Refrão)

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1. Armênia, livre nação soviética,
Por séculos seu caminho foi árduo,
Seus bravos filhos lutaram por você
Pra ser hoje a Pátria-Mãe dos armênios.

Refrão:
Glória, eterna glória, Armênia Soviética,
Trabalhadora que planeja e constrói,
Numa firme aliança sagrada entre povos
Você floresce e cria seu brilhante futuro.

2. O imortal Lenin nos cedeu o fogo eterno,
Brilhou sobre nós a aurora da felicidade,
A Revolução de Outubro nos tirou da ruína
Dando uma vida nova, radiante e gloriosa.

(Refrão)

3. A Grande Rússia nos ofereceu mão fraterna,
Nós construímos um novo Estado forte,
Nosso sábio partido leninista
Triunfalmente nos conduz ao comunismo.

(Refrão)



Hinos de todas as repúblicas da URSS


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/hinos-urss



Embaixo: “A amizade dos povos”. Muy amigos...


Estou lançando aqui algo que já era esperado desde os tempos do Pan-Eslavo Brasil, meu antigo canal no YouTube: a coleção de todos os hinos nacionais das repúblicas que compunham a antiga União Soviética, chamadas RSS (repúblicas socialistas soviéticas). Excluindo a Rússia, ela própria constituindo a RSFSR (República Socialista Federativa Soviética da Rússia), elas eram em número de 14, e consistiam na organização nacional-estatal (conceito pro qual se usa em russo a palavra gosudárstvennost) de povos dentro do antigo império tsarista que, segundo a Constituição bolchevique, tinham atingido determinado grau de maturidade cultural e de consciência nacional. Em 1991, com a dissolução da URSS, todas essas repúblicas se tornariam países independentes. Quase todos os áudios vêm desta página, que tem também músicas populares soviéticas.

Em 20 de novembro de 2010, meu antigo canal foi inaugurado com a publicação de minha primeira tradução do Hino Nacional da URSS (letra de 1977), na verdade traduzido coletivamente por minha turma de russo na Unicamp alguns anos antes. O segundo e último vídeo de 2010, lançado em 20 de dezembro, foi minha primeira tradução da letra de 1944 do mesmo hino, igualmente um trabalho coletivo dos colegas de russo. Apenas no início de 2012 eu começaria a carregar minhas primeiras legendas autônomas: os hinos da Rússia moderna, os da Ucrânia e de Belarus soviéticas e, claro, das independentes. Eu não conhecia muitos recursos online pra traduzir do ucraniano e sabia pouco da gramática, então usei o famoso dicionário das irmãs paranaenses Voloschen, o que pra mim foi um pouco penoso. Não lembro quanto ao belarusso, mas devo ter cotejado as traduções russa e ucraniana da Wikipédia.

Anos depois, com mais conhecimento linguístico e material disponível, eu lançaria legendas revisadas dos hinos da Ucrânia e de Belarus soviéticas e independentes (e da Rússia moderna), mas só em 2015 eu tinha decidido começar a série completa no formato definitivo, a partir do hino da RSS do Azerbaijão. Dada minha inexperiência linguística, minha péssima conexão à internet e meu escasso tempo deixado pelo mestrado, os vídeos foram saindo a conta-gotas, e quando o Pan-Eslavo Brasil foi derrubado, em agosto de 2021, ainda faltava o hino da RSS do Turcomenistão. Durante todos esses anos, não tinha feito na página uma coleção desses hinos ao estilo dos países eslavos porque queria ter todos os vídeos legendados. A partir da reorganização pessoal em 2022, já no penúltimo ano do doutorado, com mais tempo e estrutura melhor, legendei o hino faltante e comecei a planejar esta coleção, usando as descrições dos antigos vídeos do canal.

As letras dos hinos da União Soviética são bastante simplórias e elas não mudam muito entre si, nem na estrutura e nem na temática: começam puxando o saco do país, depois puxam o saco de Lenin e dos russos e depois afirmam a fé no triunfo do comunismo. Além disso, sua existência, assim como a existência de bandeiras e brasões locais, eram meramente simbólicas, já que em eventos internacionais valiam apenas os símbolos pan-soviéticos, e que essas composições nunca tiveram aceitação popular, sobretudo entre os povos mais avessos à dominação russa.

Mesmo previsto na Constituição, o “direito à autodeterminação” era pura formalidade, pois qualquer veleidade nacionalista era reprimida como “desvio burguês”, e mesmo na década de 1980 e nos anos de 1990 e 1991, com a URSS à beira da desintegração, as manifestações nacionalistas eram reprimidas à bala, como no Cazaquistão, nos Bálticos e na Geórgia. E muitas vezes com o Mikhail Gorbachov já na liderança, curiosamente odiado pelas esquerdas e adorado pelas direitas por sua suposta “culpa” no que Vladimir Putin chamou, com exagero, de “a maior catástrofe geopolítica do século 20”. Mesmo assim, acredito que essas peças mereceriam maior divulgação entre estudiosos e interessados de hoje, tanto mais que algumas antigas repúblicas, como Belarus e Tajiquistão, ainda mantêm as melodias, e a Rússia readotou a música soviética em 2000.

Em alguns casos, eu traduzi diretamente das línguas em questão, com a ajuda de dicionários, e em outros usei o Google Tradutor ou parti do máximo possível de versões na Wikipédia de línguas que eu conhecia, confrontando-as entre si e criando o texto mais verossímil possível. O que mais detestei na Wikipédia em russo é que, ao invés das traduções literais (que poderiam ser mais fiéis por estarem na língua dominante da URSS), muitas vezes o que havia eram traduções poéticas, que sempre evito o máximo possível, pois em algum grau o significado é sacrificado em prol da rima e da métrica. E como você pode notar, minha prioridade aqui foi o significado. Criei os vídeos a partir das montagens com as bandeiras e os brasões postadas nesta conta do site Deviant Art (e também nesta outra), e fiz as legendas em português e com as transliterações latinas mais conhecidas de cada língua. No caso dos cirílicos eslavos, usei meu próprio sistema de transliteração, que aplico regularmente em outros domínios.

Como este é um importante material de pesquisa, também digitei de novo as traduções em português, porque nem sempre as guardei depois de as ter inserido no vídeo. Apesar dos intentos frustrados de escolher um hino pra RSFS da Rússia, acabou-se adotando o próprio hino da URSS pra tal função, e ele só figura abaixo pros curiosos da bandeira da RSFSR. Algumas RSSA (repúblicas socialistas soviéticas autônomas), que eram unidades localizadas dentro das RSS e muitas das quais hoje são oblasts da Rússia, tinham hinos próprios, outras não, e não coloquei aqui os existentes. Certas formações efêmeras, como a Transcaucásia, não chegaram a ter hino, mas a RSS Carelo-Finandesa, cuja existência de 1940 a 1956 (depois virou uma RSSA da Rússia), teve, e também está traduzido e legendado.



Государственный гимн Союза Советских Социалистических Республик
União das Repúblicas Socialistas Soviéticas
também hino da República Socialista Federativa Soviética da Rússia (Российская Советская Федеративная Социалистическая Республика)
Հայկական Խորհրդային Սոցիալիստական Հանրապետության Պետական Օրհներգ
Hino Nacional da RSS da Armênia
Азәрбајҹан Совет Сосиалист Республикасынын Дөвләт Һимни
Hino Nacional da RSS do Azerbaijão
Дзяржаўны гімн Беларускай Савецкай Сацыялістычнай Рэспублікі
Hino Nacional da RSS da Bielorrússia
Қазақ Кеңес Социалистік Республикасының мемлекеттік гимні
Hino Nacional da RSS do Cazaquistão
Eesti Nõukogude Sotsialistliku Vabariigi hümn
Hino Nacional da RSS da Estônia
საქართველოს საბჭოთა სოციალისტური რესპუბლიკის სახელმწიფო ჰიმნი
Hino Nacional da RSS da Geórgia
Latvijas Padomju Sociālistiskās Republikas himna
Hino Nacional da RSS da Letônia
Lietuvos Tarybų Socialistinės Respublikos himnas
Hino Nacional da RSS da Lituânia
Imnul Republicii Sovietice Socialiste Moldovenești (“Moldova Sovietică”)
Hino Nacional da RSS da Moldávia
Кыргыз Советтик Социалисттик Республикасынын Мамлекеттик Гимни
Hino Nacional da RSS do Quirguistão
Суруди миллии Ҷумҳурии Шӯравии Сотсиалистии Тоҷикистон
Hino Nacional da RSS do Tajiquistão
Түркменистан Совет Социалистик Республикасы Дөвлет Гимни
Hino Nacional da RSS do Turcomenistão
Державний гімн Української Радянської Соціалістичної Республіки
Hino Nacional da RSS da Ucrânia
Ўзбекистон Совет Социалистик Республикасининг давлат мадҳияси
Hino Nacional da RSS do Usbequistão
Karjalais-suomalaisen sosialistisen neuvostotasavallan hymni (“Oma Karjalais-suomalaiskansamme maa”)
Hino Nacional da RSS Carelo-Finlandesa
(1940-1956)

Não pertenceu à URSS, mas foi por ela anexada:

República Popular de Tuva (Tıva Arat Respublik), 1921-1944
Tıva İnternatsional” (“A Internacional Tuvana”, 1921-1944)
Tooruktuğ dolgay tañdım” (“A floresta cheia de pinhões”, 1944)


Pra encerrar, gostaria de fazer apenas três observações sobre o material. Primeira, as versões dos vídeos aqui incorporadas estão sem as descrições do início e sem os “créditos” do fim (que não passavam da indicação de minha autoria e do nome do antigo canal, que foi rebatizado várias vezes). Isso torna o consumo mais agradável, cria uma “miniatura” automática já com os símbolos das RSS e evita a transmissão de informações obsoletas.

Segunda, nas URLs curtas e na introdução acima, não usei os nomes antigos “Bielorrússia”, “Moldávia” e “Quirguízia”, originários do russo, e sim os atuais e nativos “Belarus”, “Moldova” e “Quirguistão” (preferível a “Quirguizistão”). Naturalmente, nas legendas e nas descrições dos nomes, constam as formas “soviéticas”, e a mudança está explicada em cada publicação, mas modernizei nos endereços pra padronizar e evitar confusão.

E terceira, todas as 15 letras passaram por alterações após Stalin ter morrido e Khruschov ter procurado apagar todos os vestígios do “culto à personalidade” de seu antecessor. É que elas faziam alusões ao antigo ditador, e às vezes a fatos históricos passados, como a 2.ª Guerra Mundial, citada indiretamente no hino da URSS. Daria muito trabalho fazer mais 14 traduções (já que traduzi as duas versões do pan-soviético) de letras nem sempre disponíveis e de gravações em áudio raríssimas e praticamente inexistentes. Portanto, o que você vai ler são as versões “finais” das letras, que vigoraram até 1991.



Tchau! É, tchau...

domingo, 26 de março de 2023

Morte de Khomeini + Khamenei zoeiro


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/aiatolas


Neste vídeo raro, é possível vermos os últimos minutos de vida do aiatolá iraniano Ruhollah Khomeini (1902-1989), que liderou a Revolução Islâmica de 1979 contra o xá (imperador) Mohammad Reza Pahlavi e liderou o país até morrer. No islã xiita, majoritário no Irã, “aiatolá” é um alto título honorífico, mas o clérigo Khomeini também era “imã”, ou seja, um condutor das preces nas mesquitas e um líder da comunidade islâmica. Com a saúde debilitada há vários anos, ele teve cinco infartos nos dez dias anteriores à morte, mas há quem fale também em hemorragia no sistema digestório. Morreu no hospital privado de Jamaran, próximo à sua residência.

Segue abaixo a tradução das legendas em inglês, que provavelmente são a fala de algum seguidor próximo. A idade citada não é a que aparece em sua certidão de nascimento (1900), mas a de seu nascimento real (1902):

“Esta foi a última prece do Imã Khomeini. Posso dizer que fui o último a estar sobre sua cabeça, e eu vi que ele estava mexendo a cabeça. Acredito que ele estava rezando. Só Alá sabe. Imaginei que ao mover os dedos desta forma, ele estivesse rezando. Então apaguei a luz e saí, e ele fechou os olhos e não retomou mais a consciência. Os médicos vieram depois e tentaram restaurar seus batimentos. Por meios artificiais, eles tentaram reavivar o coração e os pulmões. Eles disseram que ele abriu os olhos por um instante e olhou para o céu. Essas foram suas últimas palavras, e esse foi seu último movimento. O Imã Khomeini faleceu no sábado à noite, no cair do mês islâmico [Hégira] de Shawwal, em 3 de junho de 1989. Ele tinha 87 anos, 9 meses e 10 dias.”


Sei que não tem muito a ver, mas decidi aproveitar esta publicação pra relançar isto também... Achei por acaso este trecho de uma conferência do aiatolá e líder supremo iraniano, Sayyed Ali Khamenei, em que ele fala em persa e com o vídeo legendado em francês. Como meu conhecimento da língua do Irã é ainda de iniciante, eu traduzi a partir das legendas em francês e fiz minhas próprias legendas em português, assumindo o risco de qualquer erro ou imprecisão.

O religioso islâmico está falando no que, segundo o Google Tradutor, é a reunião de um grupo de mulheres estudantes de hawzas (seminários religiosos xiitas) e universidades. Eu penei pra entender que, no vídeo original, a data indicada em algarismos ocidentais não é, na verdade, 5 de novembro, mas 11 de maio de 2013. E que a data indicada na apresentação em persa não é do calendário islâmico lunar, mas solar, ou seja, do “calendário persa”: 21 de Ordibehesht (mês 2) de 1392.

Parece zoeira pra um regime misógino, mas ele diz que a mulher é o verdadeiro sexo forte, pois ela pode dominar qualquer homem usando a perspicácia e a delicadeza de pensamento. Não deixa de ser um pensamento um tanto machista, pois assume a noção comum no mundo islâmico de que a mulher é um ser ardiloso, astucioso, uma tentação a ser controlada. Basta lembrarmos o mito de Adão e Eva, em que a serpente engana a mulher com o fruto da árvore do conhecimento, e esta engana o homem pra que ele comesse o fruto... Num dado momento, ou as mulheres riem de bobas, ou tão achando o velhinho um tanto bobo mesmo!


sábado, 25 de março de 2023

Putin já foi uma OTANete em 2000?


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/putin-otan


Parece mentira, mas Vladimir Putin já aventou a hipótese da Rússia pedir o ingresso na OTAN, caso seus interesses fossem levados em conta, é claro. Mas isso foi em 5 de março de 2000, durante entrevista à BBC britânica, dois dias antes de tomar posse após sua primeira eleição direta, no 26 de março anterior. Tendo sido primeiro-ministro de Boris Ieltsin desde 1999, Putin serviu como presidente interino após a renúncia do bebum, bem na noite de Ano Novo, fato que antecipou as eleições previstas pra junho e favoreceu Putin, que desfrutava de ampla popularidade devido a sua gestão genocida férrea da questão chechena. É o que assistimos neste vídeo sem legendas publicado pela agência russa RBK, apenas com o trecho em questão.

O resumo do material completo também foi descrito em russo pelas agências de notícias Lenta no mesmo 5 de março e Kommersant no dia da posse. Eu mesmo fiz a transcrição das principais partes (também cortei um trecho mais ao meio da própria seleção da RBK), traduzi pro português e legendei o vídeo. Como não tenho tido mais o hábito de legendar devido à expulsão do YouTube, fiz isso mais pra que, além da versão abaixo, pudesse também existir outra versão mais leve e ainda mais curta, compatível com Android e que você pode baixar pra circular nas redes sociais.

O site russo Novoie Vremia (ou New Times) também traz um trecho transcrito, o que me ajudou muito na tarefa, e o artigo em russo no todo traça uma interessante cronologia de como as relações de Putin com a OTAN foram se deterioriando de 2000 a 2018, sendo o “discurso de Munique” de 2007 um dos importantes pontos de inflexão. Na verdade, segundo o autor, que põe em evidência o mito da “fortaleza sitiada”, as primeiras contradições surgiram já em 2004: lembremos que em 2003 os EUA fizeram quase sozinhos a invasão do Iraque e a derrubada de Saddam Hussein, sob reprovação geral.


– A Rússia faz parte da cultura europeia, e não posso conceber meu próprio país como isolado da Europa e do assim chamado, como usualmente falamos, mundo civilizado. Por isso também acho difícil conceber a OTAN como uma espécie de inimigo. [...] Aspiramos à colaboração e à parceria com direitos iguais. Julgamos que só se pode falar em atingir o grau mais alto de integração à OTAN, repito, caso a Rússia seja uma parceira com direitos iguais. Você sabe que nós constantemente nos manifestamos de forma negativa com relação à expansão da OTAN rumo a Leste.
– No final das contas, o sr. acha que a Rússia talvez pudesse entrar na OTAN. O sr. pensa que a Rússia poderia juntar-se à OTAN na qualidade de membro pleno?
– Por que não? Não excluo tal possibilidade, repito, caso os interesses da Rússia sejam levados em conta e ela seja uma parceira com plenos direitos.


– Россия – это часть европейской культуры, и я не представляю себе своей собственной страны в отрыве от Европы и от так называемого, как мы часто говорим, цивилизованного мира. Поэтому с трудом представляю себе и НАТО в качестве врага. [...] Мы стремимся к равноправному сотрудничеству, партнёрству. Мы полагаем, что речь может идти до более высокой степени интеграции с НАТО только в том случае, повторяю, если Россия будет равноправным партнёром. Мы, вы знаете, постоянно высказываемся отрицательно в отношении к расширению НАТО на Восток.
– В конце концов Россия, как вы думаете, наверное, могла бы вступить в НАТО. Думаете ли вы, что Россия могла бы присоединиться к НАТО в качестве полноправного члена?
– Почему нет? Я не исключаю такой возможности, повторяю, в том случае, если с интересами России будут считаться, если она будет полноправным партнёром.



sexta-feira, 24 de março de 2023

O cantor tajique Iskandar Qalandarov


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/qalandarov


Estou postando aqui algumas canções que o cantor tajique Iskandar Qalandarov (cirílico: Искандар Қаландаров) interpretou durante uma festa celebrando o Ano Novo persa (Nowruz), provavelmente em 2019, e que tinham sido publicadas em meu extinto canal do YouTube, pro qual também eu queria separar outras faixas. Antes do fim do Pan-Eslavo Brasil, eu as tinha carregado sem tradução mesmo, traduzindo apenas os títulos em tajique que apareciam ao longo do vídeo, e queria separar quantas eu pudesse pra presentear os brasileiros com algo diferente de nossa cultura de massas. Se eu tiver tempo, vou separar as outras músicas do vídeo original e incorporar aqui também ou em outra publicação. Porém, eu queria colocar duas antes das outras, porque elas têm um significado especial.

Pode-se facilmente perceber que a primeira canção tem a mesma melodia de La paloma, muito conhecida no mundo hispânico. O nome apresentado é “Дилбарам” (Dilbaram), literalmente Minha amada (Dilbar também é um nome feminino na Rússia e países centro-asiáticos), embora pareça mais que ele pronuncie delbaram, forma da língua irmã persa (دلبرم).

Qalandarov também canta no grupo tajique Iqbol (Иқбол) e foi um de seus fundadores, em 1999. Quem gosta da língua tajique (ou do persa em geral) e da cultura da região, o canal dele é um prato cheio. Mesmo se não entendemos o idioma, o ritmo e a voz são muito bons! Quem tem uma cultura mais ampla, lembra que La paloma já foi gravada por Julio Iglesias, e quem tem mais idade lembra que a extinta dupla João Paulo & Daniel também a gravou em português como Paloma ainda em 1987, mas só estourou na década de 1990. Na verdade, La paloma foi escrita pelo compositor espanhol Sebastián de Iradier y Salaverri (1809-1865) por volta do distante 1863, com uma letra toda diferente da gravada por Iglesias.

Devido ao enorme sucesso que fez no México no fim do século 19, sobretudo por ter sido uma das canções preferidas dos imperadores Maximiliano e Carlota (no curto período em que o país teve uma monarquia), La paloma é erroneamente considerada uma obra mexicana. Em todo caso, é uma das melodias mais executadas do mundo, talvez até mais do que Yesterday dos Beatles, e citada até mesmo em O crime do Padre Amaro, de Eça de Queirós, como “A Chiquita, uma velha canção mexicana”. Não por menos, foi parar até no Tajiquistão... Infelizmente, não achei o texto completo e não conheço bem tajique pra traduzir literalmente.


O nome da segunda canção é “Соқӣ, ба нури бода” (Soqi, ba nuri boda), que originalmente é um poema do escritor persa Hafez de Shiraz (1315-1390), ou Hafez-e Shirazi, em tajique “Hofizi Sherozi” (Ҳофизи Шерозӣ). Hafez nasceu no atual Irã e foi também um místico sufi, escrevendo muito sobre o vinho e seus prazeres. Não tenho certeza, mas o título talvez signifique Garçom, sirva vinho, sendo que soqi era um responsável por servir bebidas em jantares de cerimônias nobres ou em ofertas pra deuses nos templos.

Infelizmente, não achei o texto completo desta canção e não conheço bem tajique pra traduzir literalmente. Mas aproveitem o conteúdo inusitado! O poema Garçom, sirva vinho, do qual essas são as primeiras palavras, e não tanto um título, também foi cantado e musicado por outros artistas. Segue o texto de Hafez que encontrei no Facebook (não conferi a correção com o áudio nem transliterei):

Соқӣ, ба нури бода барафрӯз ҷоми мо,
Мутриб, бигӯ, ки кори ҷаҳон шуд ба коми мо,
Мо дар пиёла акси рухи ёр дидаем,
Эй бехабар, зи лаззати шурби мудоми мо.
Ҳаргиз намирад он, ки дилаш зинда шуд ба ишқ,
Сабт аст бар ҷаридаи олам давоми мо.
Чандон бувад карашмаву нози сиҳиқадон,
К-ояд ба ҷилва сарви санавбархироми мо.
Эй бод, агар ба гулшани аҳбоб бигзарӣ,
Зинҳор арза деҳ бари ҷонон паёми мо.
Гӯ: номи мо зиёд ба амдо чӣ мебарӣ,
Худ ояд он, ки ёд наёрӣ зи номи мо.
Мастӣ ба чашми шоҳиди дилбанди мо хуш аст,
3-он рӯ супурдаанд ба мастӣ зимоми мо.
Тарсам, ки сарфае набарад рӯзи бозхост
Нони ҳалоли шайх зи оби ҳароми мо.
Дарёи ахзари фалаку киштии ҳилол,
Ҳастанд ғарқи неъмати Ҳоxӣ Қавоми мо.
Ҳофиз, зи дида донаи ашке ҳамефишон,
Бошад, ки мурғи васл кунад қасди доми мо.


Biyo ey dil (Ei, venha, coração):


Ey dukhtar (Ei, menina):


Jon modaram (Querida mãe):


Ozurda khotir (Lembrança angustiante):


Marjuna (nome próprio feminino):


Mohina (outro nome feminino):


Dar davlati Somoniyon (No Império Samânida):


quinta-feira, 23 de março de 2023

LISTA DE PECADOS (meme eterno)


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Como o material que circula pela internet é muito volátil, sobretudo se viraliza nas mídias sociais, estou tratando de eternizar o mais recente meme do Twitter, pelo que peço perdão a quem gosta de conteúdo mais sério e denso a cada dois dias. Ontem, dia 22 de março, viralizou um tuíte da foto de uma chamada “Lista de pecados” que a dona da conta @subcellebridade diz ter recebido de seu melhor amigo, após ele ter frequentado o retiro da “igreja” (não menciona qual, mas pelas alusões contra o catolicismo e as religiões afro-brasileiras, deve ser uma evangélica). Como informou Rafael Capanema em sua coluna no portal Terra, a dona da conta até fechou seus tuítes pra seguidores não aprovados, certamente diante das palavras ruins que deve ter recebido de religiosos fanáticos. Mesmo assim, o que fez o humor da peça, reproduzida por muitas outras contas, como o Choquei, foram os muitos erros de ortografia, o preconceito religioso, as contradições (“religiosidade” numa igreja?), a falta de nexo entre os elementos e as incoerências (quem comete “suicídio” não pode responder, mas acho que quer dizer tentativa ou apologia). Sem mais, apenas recomendo o artigo do Terra pra mais detalhes e pra memes surgidos a partir da “Lista de pecados”, e sigo na missão de imortalizar alguns virais!


Atualização (5/11/2023): Um amigo meu me repassou esta nova versão, que circulou recentemente em algumas redes que não uso, e ela está mais bem diagramada, mas tem o acréscimo de alguns novos “pecados”, rs,


Aproveitando a deixa, esta notícia de hoje do portal G1 anunciou que o show de uma banda norueguesa foi cancelado pelas autoridades do DF por causa das polêmicas em que ela estaria envolvida. Vi gente ontem dizendo no Twitter que Bolsonaro “gabaritaria” a lista de pecados acima, mas... essa descrição feita pelo G1 também não parece uma descrição perfeita de seu governo de 2019 a 2022?


quarta-feira, 22 de março de 2023

Pronúncia do chinês mandarim (Xiao)


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Neste vídeo do canal da professora chinesa Xiao, ela apresenta a pronúncia básica do sistema “pinyin” de transliteração oficial, que representa todos os fenômenos fonéticos da língua chinesa (dialeto mandarim). Eu me senti livre pra “roubar” o conteúdo, porque com o corte que eu fiz, de menos de 4 minutos, ela pronuncia corretamente todos os grafemas do pinyin, numa aula cuja duração total é de mais de 37 minutos. Portanto, se você quiser aprender mais detalhes, como os tons (que na minha seleção não aparecem), só vendo o vídeo todo mesmo, bem como seguindo os cursos da Xiao! Recomendo também o canal Pula Muralha, da Liao Si: eu usei algum material, e aprendi muita coisa.

No vídeo, é difícil de pegar a pronúncia exata dos sons, mas como a professora dá também sua ortografia no alfabeto latino, pode ser um ótimo complemento pra quem já tá estudando com o alfabeto fonético IPA ou com algum curso da língua. Ela inclusive canta a “música do alfabeto”, famosa em várias línguas e que também é aplicada ao pinyin! O sistema pinyin de transliteração, assim como a reforma da língua chinesa padrão (chamada de “mandarim”, em meio a muitos outros dialetos), já estavam sendo desenvolvidos antes da Revolução de 1949, mas com os comunistas ganharam ainda mais impulso. O objetivo dos maoistas era alfabetizar em massa a população, criar uma ponte de comunicação entre as várias províncias da China e tornar sua língua mais palatável aos estrangeiros, mesmo que ainda permaneça com muitas complicações. O mandarim também é usado na ilha de Taiwan (República da China), mas ainda com a escrita não simplificada e vários sistemas de transliteração concorrentes com o pinyin.

Repito: quem quiser aprender mais, consulte material avulso e se inscreva no canal Xiao Mandarim, pois além disso, nem sempre as vogais permanecem com esse mesmo som que aparece no vídeo. Se você decidiu aprender chinês (mandarim), parabéns e boa sorte, seus esforços certamente serão recompensados! Seguem também os prints que fiz de tabelas de romanização na Wikipédia em inglês, também com a indicação da pronúncia em IPA: a intenção era um uso pessoal, mas também pode ajudar mais gente.



















segunda-feira, 20 de março de 2023

Filme raro: Stalin e Mao juntos, 1949


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Gente, mas que animação...


Neste filme raríssimo, sobre o qual não sei se é um trecho de uma cinecrônica maior ou apenas uma montagem isolada, temos a inusitada oportunidade de ver num mesmo espaço Iosif Stalin, líder da URSS de 1924 a 1953, e Mao Zedong, chefe da Revolução Chinesa e presidente da China comunista de 1949 a 1976. A única explicação do canal original é que se trata da festa de 70 anos de Stalin, em dezembro de 1949, comemorada no Teatro Bolshoi de Moscou. Recém-vitorioso, Mao foi convidado pra oportunidade de enfim conhecer a URSS, e foi recepcionado por pessoas como Nikita Khruschov, um dos políticos mais próximos de Stalin, seu sucessor na prática e que pode ser visto do lado esquerdo (rs) do chinês.

Sim, por mais que os stalinistas de Facebook batam o pé, Khruschov nunca deixou de ser um braço direito de Stalin, tendo sido o executor dos expurgos e repressões em massa na Ucrânia na década de 1930. O “relatório secreto” não só conta apenas um décimo da tragédia real (livrando, claro, a cara dos líderes em exercício), como também não passou de uma peça de disputa política entre as frações em luta dentro da cúpula.

Ainda segundo o usuário original, a menina que está tecendo loas a Stalin se chamava Natalia Poskrebysheva, filha de Aleksandr Poskrebyshev, chefe de gabinete soviético cuja esposa, Bronislava Poskrebysheva, ironicamente foi fuzilada pelo Estado em 1941. Outra coisa que poucos sabem é que as relações entre Mao e Stalin eram mais tensas do que aparentam. Na segunda metade da década de 1920, a estratégia errática da Comintern pra revolução chinesa culminou na quase eliminação total dos comunistas pelo Guomindang, sendo então Wang Ming, rival de Mao, o queridinho de Moscou. Mao tinha sua própria estratégia revolucionária, impressionando até mesmo Stalin ao vencer, cuja recepção foi um tanto fria, segundo testemunhas da época. Prova disso é a escassez de fotos dos dois líderes se encontrando ou cumprimentando. Mas como sabemos, com Khruschov foi ainda pior, e nas décadas seguintes a China faria pacto até com o Diabo (entenda como quiser) só pra contrariar a URSS e lhe tomar a liderança do comunismo mundial.

Seja como for, vamos curtir as imagens! No início, vemos os grandes letreiros “Слава Партии Ленина-Сталина, слава великому Сталину” (Glória ao Partido de Lenin-Stalin [sic], glória ao grande Stalin) e “Да здравствует великий вождь и учитель Коммунистической партии и советского народа товарищ И.В. Сталин!” (Viva o grande guia e professor do Partido Comunista e do povo soviético, o camarada I. V. Stalin!). De fato, os passa-pano do ditador dizem que ele “detestava ser cultuado”, mas acho que ele tinha poder suficiente pra interditar essa tosqueira... Pra quem não sabe inglês, traduzo as legendas: “Viemos de todos os cantos desejar-lhe feliz aniversário. Professor! Líder! Melhor amigo! Parabéns, querido Stalin!”


Versão mais curta aparecida, adivinhem onde, no programa de política internacional da Ekaterina Kotrikadze na TV Rain (lembrando os 70 anos da morte de Stalin e sua atual reabilitação em alguns círculos na Rússia):


domingo, 19 de março de 2023

Ekaterina Kotrikadze: mídia anti-Putin


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Ekaterina (ou Katerina) Kotrikadze é uma repórter russa e georgiana nascida em 1984, que no momento está exilada em Riga, capital da Letônia e uma das cidades em que funcionam os estúdios do canal de televisão em língua russa em que ela trabalha, o “Dozhd” ou TV Rain, porque significa exatamente “chuva” em russo. Antes mesmo da invasão massiva à Ucrânia, em fevereiro de 2022, o canal já tinha sido declarado “agente estrangeiro” (inoagént), conforme a repressiva legislação vigente na Rússia, e com a proibição de cobrir honestamente a agressão, a estrutura e a equipe se exilaram em Riga, e depois parcialmente em Amsterdã, capital dos Países Baixos. Perto do fim de 2022, também a própria Kotrikadze foi declarada “agente estrangeira” pelo Kremlin, rótulo que outros colegas do Dozhd também carregam.

Fundado em 2010, o canal era um dos poucos independentes que ainda restavam por volta do agravamento da guerra, e depois até mesmo a histórica rádio Ekho Moskvy (Eco de Moscou) fechou, porque não tinha como se manter. Historicamente, o Dozhd como um todo e Kotrikadze em particular são opositores a Putin, e a mãe da repórter morreu num atentado a bomba a um prédio residencial em Moscou, em 1999. Na época, as mortes foram atribuídas a terroristas chechenos, mas há quem diga que quando Putin chegou ao poder (naquele ano, como primeiro-ministro), o FSB, que o nanico antes chefiava, teve a coragem de promover atentados contra os próprios russos só pra depois culpar os chechenos, comover a população e lançar ofensivas cada vez mais agressivas à região separatista. De fato, sabe-se que a nova intervenção na Chechênia foi muitíssimo mais violenta e custou muitas vidas inocentes, um modus operandi que, segundo muitos, estaria hoje se repetindo na Ucrânia. Foi enquanto investigava sobre o assunto que a jornalista Anna Politkovskaia foi assassinada no próprio prédio onde morava, em 2006, sem que o mandante fosse encontrado.

Kotrikadze é casada com outro repórter do Dozhd, Tikhon Dziadkó, ele mesmo também personagem do meme “Meu Semion”, talvez datado de 2014 e quando ele queria dizer “meu colega Semion”. Pra quem entende russo, pode notar que ela tem uma articulação muito boa e domina os assuntos sobre os quais fala, como por exemplo a política internacional, sobre a qual apresenta um programa de mais ou menos uma hora e meia a cada semana. Mas uma de suas características mais engraçadas é fazer certas caras de brava, indignada e odiosa que, sobretudo se são pegas quando paramos o vídeo e ficam ainda mais incomuns, dão ótimos memes. Foi o caso da primeira imagem aqui vista, e desta também em dois momentos diferentes:


Uma das primeiras vezes em que ela apareceu pra uma ampla audiência foi na conferência anual de imprensa de Putin no fim de 2013. Ela era então repórter do canal de notícias RTVi, que também transmite hoje no YouTube e do qual ela seria redatora-chefe por algum tempo. Trabalhando então em Nova York, que ainda hoje é a sede do canal (que não faz oposição direta ao Kremlin), Kotrikadze pergunta a Putin como estão suas relações pessoais com Barack Obama, então presidente dos EUA, e o que ele acha do choque que teve Angela Merkel, então chanceler da Alemanha, ao descobrir que tinha seu telefone grampeado pelos serviços secretos de Washington. Reitero que na época, descobriram o mesmo tipo de grampo no telefone de Dilma Rousseff, o que por um tempo azedou suas relações com os EUA, mas aqui estou só resumindo o diálogo, sem transcrever nem traduzir. Em 2013, Edward Snowden também tinha se refugiado na Rússia pra fugir das punições estadunidenses após o caso Wikileaks, mas Putin tergiversa e não fala especificamente nem sobre Snowden, nem sobre sua relação com Obama.

O essencial é que ele respondeu não ser impressionante esse tipo de espionagem, sobretudo numa época em que tudo estava submetido ao “combate ao terrorismo”, e até brincou que “falo com propriedade porque de espionagem eu entendo” (ou algo assim). Ele se referia ao fato de ter sido agente do KGB soviético na antiga Alemanha Oriental até a queda do Muro de Berlim, e depois ter subido pro topo de seu sucessor, o FSB, usando seus serviços pra prefeitura de São Petersburgo, sua cidade natal, como trampolim político.


O quadro com aquele rosto mal-encarado que deu origem a “meu meme” sobre o stalinismo vem de uma das edições diárias do boletim informativo Aqui e Agora (nada a ver com Gil Gomes ou punitivismo midiático, rs), apresentado por Kotrikadze no último 2 de fevereiro. Ela informa que um busto de Stalin, circundado por um do marechal Zhukov e outro do marechal Vasilievski, tinha sido inaugurado numa praça pública de Volgogrado, cidade que até 1961 se chamava Stalingrado e onde, 80 anos antes, os soviéticos venceram uma das batalhas mais importantes contra os alemães, a qual mudou o curso da 2.ª Guerra Mundial. O ar é mesmo nostálgico, com soldados vestidos à soviética, o hino da Rússia tocado com o pensamento no hino soviético (ambos, de fato, têm a mesma melodia) e os senhores dançando sob uma canção daqueles tempos. Com expirações de inconformismo, Kotrikadze lamenta que tenha sido, desde o fim da URSS, o primeiro monumento ao ditador construído por um órgão de poder (isto é, a prefeitura), e não por iniciativa particular de comunistas ou veteranos de guerra.


Mas talvez o momento mais triste que se possa ter conhecido da carreira de Kotrikadze foi durante a longa transmissão especial do Dozhd sobre o primeiro aniversário do 24 de Fevereiro, em que ela entrevista a jornalista Anna Gin, uma moradora de Kharkiv (Kharkov, em russo) que sempre escreveu e trabalhou em russo, sua língua materna. Ela poderia ser considerada uma dessas pessoas que Putin dizia estar salvando do “regime nazista de Kyiv”, mas logo nos primeiros dias de bombardeios, ela foi obrigada a fugir com os filhos até Dnipró e não pôde levar os pais, muito idosos (eles mesmos quiseram ficar), seu pai inclusive com uma das pernas amputadas. O perfil de Gin no Facebook se tornou um diário naquela cidade tipicamente russa, e nele lemos como após um bombardeio perto do apartamento dos pais, sua mãe sofreu um derrame que, logo depois, a fez falecer. Dias depois, seu pai também morreu, mesmo ela tendo voltado a Kharkiv após a doença da mãe.

Kotrikadze quase não pôde conter o choro, e dá até dó de ver como ela se abala muito, provavelmente se lembrando da mãe morta no atentado de 1999 e não tendo se preparado psicologicamente pra digerir a história. Ela passou o resto do programa com o ar choroso, mesmo não tendo caído em lágrimas, e logo depois da vinheta que encerra a entrevista, esclarece que estava sendo muito difícil ser russo durante a guerra. Não vou traduzir literalmente, mas Kotrikadze diz, por exemplo, que o trabalho dos jornalistas quase se impossibilitou porque em muitos países o passaporte russo não é aceito, sobretudo na Ucrânia, onde se deveria fazer a cobertura de campo. Além disso, aumentava a responsabilidade dos canais independentes exilados, já que na Rússia praticamente só é contada a versão mentirosa de Putin e que só os canais estatais ou pró-Kremlin têm livre curso.


Agora um meme curto mais leve, rs. Em 21 de junho, entrevistando o jornalista investigativo búlgaro Khristo Grozev, que revela os podres do Kremlin e toda sua corrupção evacuada pro exterior, Kotrikadze se impressionou com uma informação dada e soltou: “Ух ты! Как это... как это интересно!” (Ukh ty! Kak eto... kak eto interesno!), ou seja, “Puxa! Como isso... como isso é interessante!” Não é o suprassumo do humor, mas pode ser usado fora de contexto em várias situações!


E pra quem tem curiosidade de ver Kotrikadze falando em georgiano, o que nem eu também tinha visto antes, ela deu esta entrevista pro canal Droeba em 25 de junho, na sequência do motim fracassado de Ievgeni Prigozhin e seu grupo mercenário Wagner:


sábado, 18 de março de 2023

Os 2 únicos volapuquistas britânicos


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Meu grande amigo carioca Davi Almeida, cuja amizade virtual antecede até os tempos do finado Orkut (éramos adolescentes!), me indicou há alguns anos um site com várias informações e manuais sobre a língua planejada volapük (ou volapuque), cuja seção em português se encontra nesta página. Acabei achando este vídeo incorporado na página, e decidi baixá-lo pra mostrá-lo aqui: um programa de 1993 filmado pelo esquecido Eurochannel, dublado e legendado em português do Brasil!

A reportagem fala sobre os idosos Brian Mitchell e Ralph Bishop, que seriam os dois únicos falantes do volapuque no Reino Unido e hoje já devem ter falecido. Afirma-se então haver na Europa 12 “volapuquistas” ao todo, mas após o advento da internet e das mídias sociais, o número de pessoas que ao menos sabe ler em volapuque deve ter crescido um pouco. O volapuque foi um idioma auxiliar planejado, criado em meados do século 19 pelo padre alemão Johann Martin Schleyer, que numa noite sonhou com a ideia de uma língua internacional e começou a criar as palavras e a gramática. Mesmo inspirado nas maiores línguas europeias, o vocabulário e os morfemas representam versões bem mutiladas dos originais.

Tão rápido quanto o movimento cresceu e culminou num primeiro encontro internacional de volapuque, ele também definhou e perdeu o interesse dos falantes, que não o acharam prático pra fins cotidianos. Costuma-se dizer que ele foi um antecessor do esperanto, que apesar de também ter um aspecto muito peculiar, obteve no longo prazo muito mais sucesso e longevidade. Ironicamente, quando o polonês Ludwik Lejzer Zamenhof lançou as bases do esperanto, ele nunca havia tido contato com o volapuque, cujos manuais acabaram tornando-se material de curiosidade, só difundidos agora com a internet.

A matéria televisiva pinta inclusive o esperanto como um projeto “falido”, mas acredito que seu potencial é muito grande, embora já pareça obsoleto do ponto de vista estritamente linguístico e científico moderno. O importante é que esses senhores provavelmente aposentados, que incrivelmente dizem nunca se terem visto antes, passaram uma boa tarde voltando a usar seu volapuque e a acreditar numa “Europa estável”. Afinal, como diz o lema do idioma, Menefe bal, püki bal (Uma humanidade, uma língua)!


sexta-feira, 17 de março de 2023

Antiqüíssimo Espaço Soviético


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Mais uma leva de memes autorais extremamente sem graça. Reza Pahlavi, o último soberano da milenar monarquia perso-iraniana, caiu porque concentrou cada vez mais poderes em torno de si e ficou sempre mais alheio à realidade da população nos últimos anos de governo. Por que os mulás xiitas mais radicais conseguiram se acaparar do Estado, aí já é outra questão. Porém, Reza Pahlavi, em sua sanha ultraocidental, imprudentemente foi se alinhando ao clero muçulmano pra isolar e minar a influência do Tudeh (“tudê”), o Partido Comunista. Já vimos esse filme: enquanto na Banânia normalizamos o pior esgoto em nome do lema “Tudo menos o PT”, o monarca cavou a própria cova tendo como divisa “Tudo menos o Tudeh”...

Pelo menos, nosso amigo de nariz grande nos deixou margem pra uma bela lição de ortografia:


A expressão “Antigo Espaço Soviético” (AES) é usada em geopolítica pra indicar os 15 países que até 1991 faziam parte da hoje extinta União Soviética (URSS), incluindo obviamente a Rússia, mas se referindo muitas vezes aos vizinhos que Moscou ainda considera seu quintal. A Albânia nunca fez parte da URSS e rompeu com Moscou no início da década de 1960, porque achava que Khruschov tinha “traído o comunismo”. Enfim, de pureza em pureza, o ditador Enver Hoxha pulou pro colo da China, mas quando Deng Xiaoping, no início da década de 1980, começou as saudáveis reformas que o incompetente e agressivo Xi Jinping está hoje desmantelando, Tirana também rompeu com Pequim, e ficou no isolamento total. (Nem preciso falar da Iugoslávia de Tito, porque desde o começo da “guerra fria” eles já não se bicavam...)

O PC do B se separou do PCB em fevereiro de 1962, mas inicialmente tentou reivindicar junto à URSS o direito de ser “o único Partido Comunista verdadeiro no Brasil”. Negada a prerrogativa, a solução foi surfar na onda da cisão sino-soviética, em que “Rôdja” escolheu o lado rebelde. Ainda estava longe a hora em que o partido de Manuela D’Ávila resolveria seguir o novo “farol do socialismo”, mas os militantes Pedro Pomar (à esquerda) e Consueto Callado, cujo filho Daniel seria assassinado pela ditadura civil-militar, já estavam desfrutando de atrações turísticas de qualidade duvidosa em 1963, hehehe.

Esta foto e a seguinte foram digitalizadas a partir do caderno de imagens que acompanha o livro Contribuição à história do Partido Comunista do Brasil (isto é, o PC do B), organizado em 2010 por José Carlos Ruy e Augusto Buonicore:


João Amazonas (à esquerda) e Diógenes Arruda Câmara, também dirigentes do PC do B e ex-veteranos do PCB, num certo dia após a aprovação da Lei da Anistia em 1979...


Ele saiu do “AES”, mas o AES não saiu dele: Sergei Lavrov, ministro das Relações Exteriores da mafiocracia de Putin, disse em inglês, num encontro em Nova Délhi, que “o Ocidente está promovendo uma guerra contra a Rússia por intermédio da Ucrânia”. A resposta do público:


Votos de Ana Lesnovski, do Meteoro Brasil, neste 8 de Março:


quinta-feira, 16 de março de 2023

A Revolução Sandinista na TV Globo


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Repórteres da TV Globo relembram cobertura da Revolução Sandinista na Nicarágua – A Nicarágua enfrentou, desde setembro de 1978, uma intensa guerra civil, que opôs o ditador Anastasio Somoza à Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), de orientação socialista. A crise entre guerrilheiros e governo era antiga, remetia ao início do século 20, como uma forma de resistência à ostensiva presença norte-americana no país. O movimento foi fundado em 1962, inspirado no líder guerrilheiro Augusto César Sandino, morto em 1934. O objetivo era derrubar a ditadura da família Somoza, no poder desde 1936, e implantar um regime socialista no país.

A causa sandinista ganhou o apoio da população, principalmente no final da década de 1970, quando crescia a insatisfação dos nicaraguenses com o governo de Somoza. Além das denúncias de corrupção, o ditador era acusado de mandar assassinar o jornalista Pedro Joaquín Chamorro. A morte do mais destacado líder da oposição moderada, em janeiro de 1978, detonou a guerra civil no país. As ações dos guerrilheiros, que no início eram isoladas, se intensificaram em setembro. Foram seis semanas de confronto entre a Guarda Nacional e a FSLN, mas sem resultados positivos para os sandinistas. No dia 6 de junho de 1979, no entanto, os guerrilheiros retomaram os ataques a Anastasio Somoza.

No dia 19 de julho de 1979, a vitória da revolução marcaria o fim da guerra civil na Nicarágua. Após 18 meses de luta, a capital Manágua seria finalmente tomada pelas tropas da FSLN. Nesse dia, a Guarda Nacional, até então solidária ao ditador, deporia armas. Somoza seria morto no ano seguinte, num atentado no Paraguai. Neste webdoc sobre a cobertura da “Revolução Sandinista” em 1978, o site Memória Globo disponibiliza, além de cenas da época, entrevistas exclusivas dos repórteres Luís Fernando Silva Pinto e Sérgio Motta Mello, que cobriram os eventos.

O tema tem tanto mais atualidade neste 2023 quanto o atual governo da FSLN, comandado pelo presidente Daniel Ortega (ex-combatente daquela época), se tornou uma ditadura assassina e repressiva, igual ou pior à de Somoza, com vários refugiados se espalhando pelo mundo. Seus diplomatas estão entre o punhado de delegações párias que votam contra as resoluções da ONU condenando a agressão russa à Ucrânia, e no último dia 12, foi anunciado inclusive o fechamento das embaixadas do Vaticano na Nicarágua e desta no Vaticano. Mas claro, pra esquerda tuiteira tupiniquim trata-se de “defender a revolução” que estaria sendo “cercada pelo imperialismo” em vários flancos...


Desde janeiro de 1978, quando o jornalista Pedro Joaquín Chamorro foi assassinado, deflagrando a guerra civil na Nicarágua, os acontecimentos no país tiveram espaço nos principais telejornais da Globo na época (Jornal Nacional e Amanhã, e, a partir de abril de 1979, Jornal da Globo). Porém, foi nos últimos meses de combate que os noticiários deram mais destaque ao fato, exibindo reportagens diárias sobre o conflito.

Em julho, Luís Fernando Silva Pinto e Handerson Rohes desembarcaram na Costa Rica, onde fizeram reportagens sobre a situação dos refugiados nicaraguenses na cidade de La Cruz. Em Léon, a 70 km de Manágua, Silva Pinto cobriu a mobilização dos guerrilheiros da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) numa das principais cidades do país e também as manifestações populares pela paz. Já na capital, ele entrevistou o arcebispo de Manágua, monsenhor Miguel Obando Bravo, exibida pelo Jornal da Globo em 16 de julho. No dia seguinte, o Jornal Nacional confirmou a renúncia e fuga do ditador Anastasio Somoza.

A fala em espanhol do clérigo não foi dublada pela TV Globo, e eu também não a legendei.


No dia 8 de junho de 1979, o Jornal Nacional (comandado por Cid Moreira) apresentou uma entrevista exclusiva do repórter Sérgio Motta Mello com Anastasio Somoza, na qual o ditador afirmava que a situação no país estava sob controle. No dia 19 de junho, no entanto, o JN exibiu o caos instaurado em Manágua. A reportagem do correspondente, que estava na capital, mostrou que a Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) resistia à ofensiva do governo. Os guerrilheiros já tinham provocado mais de mil baixas na Guarda Nacional, abatido metade dos aviões de Somoza e destruído quatro tanques oficiais. Segundo dados da Cruz Vermelha, até aquele momento, mais de dez mil pessoas já haviam morrido no combate. O número de refugiados aumentava a cada dia.


terça-feira, 14 de março de 2023

Coberturas de Vladimir Putin na Globo


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Alguns anos atrás, eu tinha instalado no navegador Chrome uma extensão que permitia baixar vídeos de praticamente qualquer fonte, exceto do YouTube, de onde, de resto, o material pode ser extraído a partir de muitos sites, como Savefrom.net e Catch.tube. Porém, ao trocar de computador e ao passar a usar o Microsoft Edge, acabei perdendo essa extensão, não guardei seu nome e nunca mais achei. Enquanto eu ainda possuía essa magnífica ferramenta, baixei vídeos de várias fontes, sobretudo de páginas mantidas pela TV Globo, como o Globoplay, e fiz a festa com montagens ou simples reproduções na época anterior ao apagamento de meu canal Pan-Eslavo Brasil.

Dois desses combos possuem reportagens em série, de vários telejornais da Globo, colocadas em ordem cronológica sobre dois fatos centrais: a terceira reeleição, não consecutiva, de Vladimir Putin em 2012, coberta de polêmicas e acusações de fraude, e a anexação da península ucraniana da Crimeia pela Rússia em março de 2014, na onda de turbulências provocada pela Revolução da Dignidade, ou “segundo Euromaidan”. As outras reportagens tratam da doação ao Brasil, após a compra pelo governo russo num leilão, de cartas de dom Pedro 2.º a diversas personalidades europeias em 2017 e do referendo que mudou a constituição da Rússia pra dar mais poder ao presidente, isto é, a Putin, em 2020. Depois dos vídeos, seguem as descrições pro antigo canal, com poucas adaptações, os links originais e, quando fosse o caso, a breve descrição pelo próprio Globoplay. O resultado de minha garimpagem no site, que volto a reproduzir aqui, tem pelo menos valor histórico e documental.


Direto dos arquivos da Rede Globo (site do Globoplay), as principais matérias jornalísticas que cobriram a reeleição do presidente russo Vladimir Putin em 2012, quando muitos acreditaram que se deu a real virada autoritária de seu governo, sobretudo aos olhos do Ocidente. Alguns analistas, como Masha Gessen, pensam que as atitudes autoritárias já vêm desde o começo, em 2000, ou dos primeiros anos.

Mas a verdade é que desde 2012 Putin começaria sua perpetuação no poder, além da colocação do aliado Dmitri Medvedev como primeiro-ministro, um simples fantoche, segundo muitos. Essa sequência de Medvedev só acabou em janeiro de 2020, quando ele foi substituído por Mikhail Mishustin, mas pouco antes do referendo das emendas constitucionais que davam justamente mais poderes ao presidente. Isto é, a Putin, já que na prática a nova redação lhe permite praticamente não sair tão cedo do poder.

Com uma pequena busca no Globoplay, achei matérias daquela época, março (eleição) e maio (posse) de 2012, quando também ocorreram vastos protestos populares contra o governo. Até Aleksei Navalny aparece, e na época ele ainda tinha a chance de ser solto pouco depois! Manifestações dessa dimensão, infelizmente, não se repetiriam mais na Rússia (nem durante a invasão à Ucrânia em 2022), mas já então a oposição e a comunidade internacional acusaram Putin de fraudar a votação. Seguem as fontes dos vídeos (na ordem em que exibi), com as datas e manchetes, todos ainda no formato 4x3 de tela, antes da popularização da TV digital:

Pesquisas indicam que Vladimir Putin deve vencer eleição na Rússia (3 de março): O primeiro-ministro e candidato a presidente tem mais de 50% das intenções de voto. Para tentar dar transparência, o Kremlin mandou instalar sistema de vídeo em todas as seções eleitorais. Assim, os eleitores poderão assistir à votação pela internet.

Vladimir Putin discursa como vencedor e oposição denuncia fraude (4 de março): O primeiro-ministro lidera, com folga, a contagem dos votos da eleição presidencial. Na Rússia, não é obrigatório votar na própria sessão e o sistema não é informatizado. Oposicionistas denunciam fraudes e prometem protestos.

Oposição russa denuncia fraude de Vladimir Putin (5 de março). Imagens registradas em uma seção eleitoral na província do Daguestão mostram fiscais depositando várias cédulas em uma urna. Os votos acabaram anulados, mas o incidente serviu para dar ainda mais argumentos para os opositores.

Vladimir Putin volta à presidência da Rússia (7 de maio). No poder desde 2000, como presidente e primeiro-ministro, Putin prestou juramento na sala do trono dos tsares russos. No segundo dia de protestos contra sua reeleição, a polícia prendeu 120 manifestantes. No domingo (6), foram 400.

Presidente Vladimir Putin nomeia Medvedev como primeiro-ministro (8 de maio): Mais de dois terços dos deputados aprovaram o ex-presidente Dmitri Medvedev. Foi a mesma jogada de Putin quatro anos atrás, quando ele passou a presidência para Medvedev, e assumiu o cargo de primeiro-ministro.


Globo sendo Globo, ou melhor, sendo CNN, rs. A Patrícia Poeta era mó bonita apresentando o Jornal Nacional, mas falava mal pra caramba! Nos outros cenários, sobretudo na cobertura internacional, duas coisas me chamam a atenção: a predominância dos jornalistas da “velha guarda” das décadas de 1990 e de 2000, antes de surgirem os rostos mais jovens que vemos hoje, e a narração dos fatos de forma robótica, demonstrando que praticamente só traduzem conteúdo da mídia euro-americana e passavam longe de dominar os assuntos sobre os quais falavam.

Vladimir Putin diz que vai defender população de língua russa que vive na Crimeia (7 de março): O confronto não acontece só nos gabinetes. Em Donetsk, cidade natal do ex-presidente da Ucrânia, ativistas pró-Rússia entraram em choque com a polícia. Na capital da Crimeia, uma mulher que protestava foi arrastada pelos cabelos.

Putin quer traçar um novo panorama político para o mundo (11 de março, opinião): Arnaldo Jabor afirmou que o drama de Obama e da OTAN é tentar peitar o presidente Vladimir Putin. Segundo ele, o “ditador stalinista” faz o que quer. Revendo o vídeo em 2023, fico surpreso como o falecido cineasta acertou em cheio com o apelido que na época achei exagerado, pois hoje vemos uma reabilitação cada vez mais descarada do ditador georgiano. Além disso, Putin tinha realmente um plano próprio pra mudar o mundo, atualmente sendo posto em operação com a conivência da China, como vemos em suas constantes críticas ao “mundo unipolar” e nas inúmeras distorções históricas que colocam a Rússia como vítima coitadinha da OTAN!

Vladimir Putin reconhece região da Crimeia como Estado independente (17 de março): Mesmo após anúncio de sanções dos EUA e da União Europeia, o presidente da Rússia reconheceu a Crimeia como um Estado independente.

Vladimir Putin fala ao Parlamento sobre anexação da Crimeia à Rússia (18 de março): O presidente russo defendeu o referendo na Crimeia, que decidiu pela separação. E disse que a Crimeia sempre foi parte inalienável da Rússia. Ele também acusou as autoridades do governo provisório da Ucrânia de promoverem um golpe de Estado.

Putin surpreende ao decidir anexar a Crimeia ao território da Rússia (18 de março): O presidente Vladimir Putin assinou o tratado que anexa a Crimeia à Federação Russa. Ele fez um discurso com acusações aos EUA e à União Europeia.

EUA querem usar punições econômicas para tentar frear ambições de Vladimir Putin (18 de março): O vice-presidente americano disse que a Rússia confiscou um território ucraniano. Ele prometeu defender a segurança dos países que fazem parte da OTAN. O presidente Barack Obama convocou uma reunião do G7 para a próxima semana.

Presidente Vladimir Putin consuma anexação da Crimeia à Rússia (18 de março): Foi a primeira anexação do território de outro país europeu desde a Segunda Guerra Mundial. Putin justificou a incorporação do novo território, destacando os laços históricos e culturais entre a Rússia e Crimeia.

Vladimir Putin quer solução diplomática para a crise na Crimeia (28 de março): Segundo a Casa Branca, Putin telefonou para Barack Obama, no que seria a primeira conversa dos dois desde o início da crise. A iniciativa mostra em seu discurso, que parecia caminhar para uma ruptura com o Ocidente.


Matéria exibida em 16 de setembro de 2017 pela Inter TV, afiliada da Rede Globo no interior do estado do Rio de Janeiro. O então presidente Michel Temer doou ao Museu Imperial em Petrópolis, naquele estado, cinco cartas escritas por dom Pedro 2.º, segundo e último imperador do Brasil na segunda metade do século 19, que por sua vez tinham sido doadas pelo presidente russo Vladimir Putin. O governo da Rússia tinha arrematado um lote de cartas num leilão, e cinco entre elas tinham sido escritas por Pedro de Alcântara a escritores, cientistas e intelectuais europeus.

Ao contrário do que tinham dito matérias anteriores (como esta, que falava do pedido então feito ao presidente Temer pelo Museu Imperial), as cartas não eram endereçadas a tsares russos da época, nem tinham sido escritas em russo (língua que, dizem, Pedro 2.º dominava). Mesmo assim, quando Temer visitou a Rússia, naquele período de 2017, Putin aproveitou a ocasião pra lhe entregar as cartas, e assim elas passaram a integrar o acervo público da monarquia. Em Petrópolis, está praticamente toda a coleção de cartas, anotações e outros escritos do ex-imperador poliglota, e a consulta a eles permitiu desvendar outros mistérios do material recém-recebido.

Um amante da tradução, como este que vos fala, rs.


Putin vence referendo pra mudar Constituição (Jornal Nacional, 1.º de julho de 2020): Com mais de 77% de aprovação, o presidente russo Vladimir Putin venceu o referendo que ele propôs pra serem aprovadas em conjunto mais de 200 emendas à Constituição Federal de 1993, promulgada ainda sob o governo de Boris Ieltsin. Sua estratégia residiu em criar postos móveis de votação e em colocar no pacote várias medidas de alcance social, como aumentos salariais regulares. Mas dentro estava junto a aprovação da possibilidade de Putin concorrer ainda mais dois mandatos após o atual, que só terminará em 2024.

Com escassa tradição democrática e uma mobilização civil muito flácida, a Rússia aprova em geral estar sob a “tutela” de Vladimir Putin, ainda mais quando o povo se lembra do horror que foram o governo Gorbachov e a década de 1990. Apesar das muitas críticas ao governo, os russos aprovam em geral a forma como Putin governa, sempre sob constante cerco ocidental (mas, também, quase sempre informados por notícias controladas de Moscou). Entre outras coisas, o presidente disse, na época, ao canal oficial de notícias Rossia 24: “Em muitos aspectos a Federação ainda é muito vulnerável, é preciso tempo pra reforçarmos sua estabilidade. Desde a dissolução da URSS pouquíssimo tempo se passou, a Rússia moderna ainda está em estágio de formação”.


Aprovação definitiva da lei que permitia a Putin, em tese, se reeleger pra mais dois mandatos de seis anos após o fim de seu mandato atual, em 2024 + Internação de Navalny em enfermaria prisional após apresentar problemas de saúde na cadeia (5 de abril de 2021).


domingo, 12 de março de 2023

“A Rianxeira”, canto folclórico galego


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/rianxeira


Esta linda canção dedicada à Nossa Senhora de Guadalupe se chama A Rianxeira, também conhecida como Ondiñas veñen e van (Ondinhas vêm e vão) e é cantada em galego, idioma mais próximo do português que se conhece, porque é típica da Comunidade Autônoma da Galiza (Galicia), a região mais pobre do Reino da Espanha e mais localizada a noroeste. Também é a região mais céltica da Espanha, por isso essa batida parece música irlandesa, mas é um símbolo, sobretudo, dos imigrantes galegos (diáspora) que vivem em outras partes do mundo. Vejam na imagem como ela parece a Nossa Senhora de Aparecida!

Em Buenos Aires (há grande imigração galega na Argentina), em 1947, a letra foi composta por Xesús Freiro Dourado, mais conhecido como Pinciñas, e a melodia, por Anxo Romero Loxo, tendo como título inicial Ondiñas da nosa ría (Ondinhas de nossa ria, isto é, uma baía, estuário ou foz típica da península Ibérica). Em 1948 foi apresentada em público pela primeira vez pelo Coro Castelao, na mesma cidade, mas sua estreia oficial foi em 1950. Há muitas variações do texto, mas sua inspiração remonta ao século 19, nas variantes de cantos tradicionais das procissões em louvor à Virgem de Guadalupe, padroeira da cidade de Rianxo (em espanhol, Rianjo), no litoral da Galiza.

Mesmo dedicada à Virgem Maria, mãe de Jesus segundo a tradição católica, a letra não tem alusões religiosas, usando antes a figura da Nossa Senhora pra aludir à mulher galega que trabalha no mar. Na verdade, a intenção realmente inicial da letra era elogiar a beleza dessas mulheres, como se escuta na primeira gravação. Por causa do rádio, A Rianxeira passou os limites da imigração galega e chegou aos moradores nativos da Galiza, que abraçaram a versão chamada de “popular” pelo canal que fez a montagem original (e que mostra as licenças de uso). Esta também é a letra que aparece na Wikipédia em galego, de onde tirei as informações acima.

Vários artistas famosos regravaram a música, entre eles a genial Ana Kiro, falecida em 2010. Além de ser praticamente um “hino” dos galegos, também tem sido cantada desde os anos 90 em muitas partidas em estádios de futebol pelas torcidas locais. Confesso que embora o galego seja muito parecido com o português, utilizei a única tradução estrangeira disponível (na Wikipédia francesa) pra ter certeza do significado de certas palavras ditas “transparentes”. Há inclusive o verbo marearse (marear), que é “ficar enjoado numa embarcação por causa do balanço do mar”, de onde vem também a expressão francesa mal de mer (enjoo no geral). A legenda é bilíngue (eu só inseri o texto em português), mas o original galego também segue abaixo, sendo cada 2 versos repetidos nas estrofes:


1) A virxe de Guadalupe
Cando veu para Rianxo,
O barquiño que a trouxo
Era de pau de laranxo.

Refrão (2x):
Ondiñas veñen, ondiñas veñen,
Ondiñas veñen e van.
Non te embarques, rianxeira,
Que te vas a marear.

2) A virxe de Guadalupe
Cando vai pola ribeira,
Descalciña pola area
Parece unha rianxeira.

(Refrão 2x)

3) Á virxe de Guadalupe
Quen a puxo moreniña?
Foi a raíña de sol
Que entrou pola ventaniña.

(Refrão 2x)


Descobri por acaso este episódio documental, contando a história da composição de A Rianxeira e da imigração galega na Argentina. Há uma versão disponível no YouTube, mas ela está em formato quadrado e com menor qualidade. A Televisão da Galiza tem um programa chamado No bico un cantar, que conta detalhes da trajetória de um cantor ou da história social de uma dada região partindo de uma canção específica desse artista. Este episódio foi o inaugural do programa e data de 1.º de janeiro de 2013.

Não legendei, porque ou você pode entender com algum esforço, ou pode fazê-lo após se acostumar com a sonoridade do idioma. Divirta-se, e acesse também a versão no site da TVG, pra prestigiar o trabalho dessa cultura regional!