domingo, 30 de abril de 2017

O que é e como soa a língua cazaque?


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A língua cazaque (“қазақ тілі” ou qazaq tili) é a língua nativa de aproximadamente 15 milhões de pessoas (dados de 2016) distribuídas principalmente entre Cazaquistão, China, Mongólia, Quirguistão e Rússia. Dentro da grande família das línguas túrquicas, da qual também fazem parte o turco e o tártaro, ela pertence, como esses dois, ao grupo túrquico comum, entrando com o tártaro no subgrupo do túrquico comum norte-ocidental (ou kipchak), enquanto o turco é do subgrupo sul-ocidental (ou oghuz). No mesmo subgrupo, o cazaque passa pra subdivisão aralo-caspiana, e o tártaro pra uralo-caspiana. É língua oficial do Cazaquistão (onde em grande parte do país se falam também outras línguas), da República de Altai (Rússia) e da Prefeitura Autônoma Cazaque de Ili (China). Há algum tempo me interessei por essa língua, não apenas por causa do alfabeto cirílico exótico que eles usam, mas também por causa da proximidade política do Cazaquistão com a Rússia de Vladimir Putin e por causa da fonética e sonoridade peculiares, que acho pessoalmente bonitas e parecem um misto de árabe, turco e japonês.

Uma das coisas que adoro fazer no tempo (cada vez mais raro) livre é entrar no YouTube e assistir a vídeos em línguas das quais eu tenha pouca ou nula noção, mas sabendo pelo contexto do que trata mais ou menos a filmagem. Faço isso, sobretudo, com idiomas que estou começando a aprender, com idiomas que acho bonitos ou com idiomas sobre os quais tive alguma leitura resquicial que me permitisse, portanto, captar elementos bem isolados. O legal é achar algum canal que faça postagens sistemáticas e, inteirado com a proposta do administrador, já entender todos os vídeos como um só conjunto temático. Um desses canais, a respeito da língua cazaque, é o Qazaq TV, que tem muitas coisas legais, tiradas de emissões televisivas.

Logo abaixo está um telejornal, ao que pude entender, que está falando de polêmicas quanto ao ensino escolar de línguas ou ao ensino escolar ministrado em várias línguas no Cazaquistão. O país só passou a existir como entidade política (o que os russos chamam “ter sua gosudarstvennost”) na época soviética, e como país independente, em 1991, e as formas mais recentes de escrever a língua cazaque datam do início do século 20. Até então, era comum o uso do alfabeto árabe, como era o caso de outras línguas vizinhas, mas a partir daí têm coexistido versões dos alfabetos latino e cirílico, este ainda hoje predominando. É assim que fica evidente o antigo atrelamento político, cultural e científico aos russos, cuja língua ainda goza de prestígio no Cazaquistão. Disso reclamam muitos cazaques nativos, que veem seu próprio idioma marginalizado na vida cultivada e institucional.

Um dos primeiros senhores que aparece falando enfezado na reunião é Mukhtar Shakhanov (“Мұхтар Шаханов”, em cazaque), nascido em 1942 e ex-deputado do Soviete Supremo (parlamento) da URSS. Ele obteve renome internacional por escrever artigos invocando a necessidade de proteger o mar de Aral e ter presidido em 2006 uma comissão que investigou o Jeltoqsan, como são conhecidos os motins anti-Moscou ocorridos em Alma-Ata (atual Almaty) de 16 a 19 de dezembro de 1986. Em plena perestroika de Gorbachov, cerca de 200 civis morreram e mais de 200 ficaram feridos.

O programa televisivo em questão se chama Informbiuro, que (não por acaso) em russo significa “birô de informações”, e é transmitido desde 1996 pelo “31 канал” (Canal 31) de Almaty, que transmite em cazaque e russo. Na Wikipédia em russo podem ser lidos mais dados sobre o telejornal. Além do site oficial, o Informbiuro tem perfis e páginas em russo no Facebook, VKontakte, Twitter e Instagram.

Nota (25/2/2019): Infelizmente, numa das revisões gerais da minha página, descobri que os dois vídeos originais tinham sido removidos do YouTube. Portanto, o que se segue são transmissões parecidas, do mesmo telejornal e do mesmo humorista, pra vocês terem uma impressão sobre a língua cazaque. Além disso, em outubro de 2017, o governo do Cazaquistão decretou o início da transição do alfabeto cirílico pro latino, a qual duraria até 2025.


No próximo vídeo, está falando o humorista Tursınbek Qabatov (em cazaque, “Тұрсынбек Қабатов”, também conhecido em russo como “Турсынбек Кабатов”), que nasceu em 10 de outubro de 1979 e tem uma premiada carreira de ator e humorista, com ênfase no gênero stand-up, no Cazaquistão. Faz seus shows principalmente em Astana, a capital do país, onde também participa de muitos programas de televisão. Assim como no vídeo anterior, pelo que entendi, ele faz uma crítica ao predomínio da língua russa entre as elites cultivadas, burocráticas e científicas, e a como o establishment por vezes faz parecer inculta a denominação de certas realidades elevadas na língua cazaque. Percebam que, no final, toca até o jinglezinho particular dele, que inicialmente (não se escuta o resto) não passa de seu nome repetido: “Tursınbek Tursınbek, Qabatov Tursınbek...”. O humorista possui também um fã-clube no VKontakte.


A língua cazaque parecendo motor a diesel pegando no tranco: este era um dos vídeos que fazia mais sucesso em meu antigo canal Pan-Eslavo Brasil. Por volta de 2019, estavam na moda nas redes internacionalizadas trechos com âncoras jornalísticos do Cazaquistão fazendo uma espécie de treinamento vocálico que faz a língua soar bem bizarra. Eu procurei no YouTube os melhores desses vídeos e selecionei também os melhores trechos de coletâneas já prontas. Realmente as exibições são bem engraçadas, e os trava-línguas do idioma cazaque parecem algo assustador e impossível de reproduzir a um falante ocidental!

Você pode ver também trechos musicais em que o texto é falado bem rápido, dando esse som constritivo à língua. As postagens em inglês geralmente têm o título “a língua cazaque soa como um motor a diesel pegando no tranco”, ou algo assim, fazendo parecer que essa é a situação normal deles. E de fato, muitos internautas se gravaram fazendo especialmente essas brincadeiras. Como se já não bastasse o filme Borat servindo há anos pra zoar os pouco conhecidos cazaques, agora revelam o real idioma deles!

Seguem os endereços originais dos vídeos (não necessariamente na ordem em que aparecem), em muitos dos quais cortei o quadro e aumentei o volume, incluindo uma coletânea russa, da qual dispensei vários trechos:

http://youtu.be/j6YrYoBRHzQ
http://youtu.be/SU56aTRbTQ8
http://youtu.be/amO2GUonF-I
http://youtu.be/8NULYsZpZUk
http://youtu.be/FNCJ4oqDVWc
http://youtu.be/XDRBXrv8Hno
http://youtu.be/FEmq7pwquY0
http://youtu.be/CXsxTFSXhDU


quarta-feira, 26 de abril de 2017

Marion Maréchal, neta de J.-M. Le Pen


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O meu canal O Eslavo (YouTube) é conhecido por ter um público de esquerda. Não são todos, claro. Mas como percebi que os homens gostam às vezes de ver alguma garota bonita, eu postei a gravação abaixo pra ver o que o povo achava. Esta é Marion Maréchal-Le Pen, filha de Yann Le Pen, que é irmã de Marine Le Pen, candidata de extrema-direita em 2017 pela Frente Nacional (FN) à presidência da França, ambas filhas de Jean-Marie Le Pen, fundador do partido. Jean-Marie é conhecido por defender abertamente ideias radicais de direita e contrárias a elementos estranhos à cultura francesa tradicional, e por isso Marine, que hoje preside a FN, rompeu com ele e procura distanciar-se de suas posturas.

Contudo, sua neta Marion, cuja projeção política se ampliou com as recentes manifestações conservadoras de rua conhecidas como “Manif Pour Tous”, declara-se explicitamente aliada à teoria e à prática de seu avô. Suas tomadas de posição, contudo, são muito comedidas, moderadas, sem busca de embates diretos e temperadas pela voz tenra e compassada que pode ser percebida neste vídeo. Na gravação sem legendas, intitulada “Rejoignez-vous !”, ou “Junte-se a nós!”, postada em 7 de novembro de 2016 em seu canal pessoal, Marion resume suas opiniões sobre a atual política e sociedade francesas, no sentido do tradicionalismo e do nacionalismo, e convoca os internautas a aderirem à FN e a colaborar de várias formas, desde a militância até a doação em espécie. É notável a semelhança da linguagem, em alguns pontos, não apenas com os partidos brasileiros na TV, mas também com o vocabulário comunista.

Marion Maréchal-Le Pen (n. 1989) é filha de Yann Le Pen (filha de Jean-Marie e irmã de Marine Le Pen) e de Samuel Maréchal, que assumiu a paternidade, embora o diplomata e jornalista Roger Auque (falecido em 2014) dissesse ser seu pai biológico. Ela é formada em direito público, mas desde 2012 se dedica exclusivamente a seu mandato de deputada na Assembleia Nacional, na qual é a única representante da FN e da qual foi a mais jovem eleita da história, aos 22 anos. Suas posições conservadoras e contrarrevolucionárias em diversas matérias políticas a aproximam de seu avô, Jean-Marie Le Pen, colocam-na como líder da ala mais à direita do partido e a opuseram em várias ocasiões à tia Marine. Esta é a atual candidata à presidência pelo FN, mas a participação de Marion em sua campanha é mais técnica do que militante. Católica praticante, Marion também tem uma filha de nome Olympe, de cujo pai ela já se divorciou.

A mídia na França, em geral contrária à deputada, chama-a correntemente de “Marion Maréchal”, apenas com o sobrenome do pai. Seus simpatizantes ressaltam a filiação familiar e a chamam de “Marion Le Pen”. Mas na vida oficial e corrente, ela mesma usa os dois sobrenomes, inclusive em seu site pessoal, onde se podem acessar também todas as suas redes sociais. O pleito presidencial que ela cita foi marcado pra 23 de abril (1.º turno) e 7 de maio (2.º turno), enquanto o legislativo (deputados federais) ocorrerá em 11 e 18 de junho. Eu mesmo transcrevi, traduzi e legendei o vídeo. O texto das legendas está bem reduzido em comparação à tradução literal que eu fiz. Seguem abaixo a legendagem, a transcrição da fala em francês (ortografia antiga, e não a retificada de 1990) e a tradução não resumida em português:



Chers internautes, comme vous savez, il y a des élections décisives qui vont se jouer dans notre pays d’ici quelques mois. Je pense aux élections présidentielles, bien sûr, je pense aussi aux élections législatives, et dans le cadre de ce combat nous allons devoir nous battre pour sauvegarder et défendre les valeurs essentielles de notre pays et même de notre civilisation. Je pense à l’unité de la nation française, qui aujourd’hui est mise à mal; je pense à la défense de l’intégrité du territoire; je pense à notre héritage culturel et notamment à nos racines chrétiennes; je pense à l’égalité entre les hommes et les femmes, qui aujourd’hui est mise en difficulté; je pense à la laïcité de notre République; bref, au tant de choses qui définissent et qui sont essentielles à la sauvegarde de notre identité. Je pense également à notre liberté, notre liberté de pouvoir choisir notre destin, et à travers cette liberté, évidemment la défense de notre souveraineté, qui aujourd’hui est battue en brèche dans de très nombreux domaines par le diktat de l’Union européenne. Et donc, pour mener ce combat nous avons besoin, évidemment, de nos porte-paroles, de nos élus, de nos cadres, de nos militants sur le terrain, mais nous avons aussi besoin de nos adhérents. Et c’est pourquoi je m’adresse à vous aujourd’hui pour vous inviter à rejoindre cette grande famille d’adhérents, à venir participer, comme vous le pouvez, en adhérant sur le site internet du Front national ou bien auprès de vos fédérations respectives, afin de pouvoir être informés de tous les événements qui peuvent avoir lieu autour de vous, y participer, venir peut-être militer ou simplement faire un don à travers cette adhésion. Donc, rejoignez-nous, nous vous attendons. Soyez de ce combat qui sera essentiel pour la France !

Caros internautas, como vocês sabem, eleições decisivas vão acontecer em nosso país daqui a alguns meses. Claro que estou falando das eleições presidenciais, mas também das eleições legislativas, e em meio a esse combate deveremos lutar para conservar e defender os valores básicos de nosso país, e até de nossa civilização. Tenho em mente a unidade da nação francesa, que hoje está abalada; a defesa da integridade do território; nossa herança cultural e, sobretudo, nossas raízes cristãs; a igualdade entre homens e mulheres, que está hoje sofrendo reveses; a laicidade de nossa República; enfim, tenho em mente as muitas coisas que definem nossa identidade e são essenciais para conservá-la. Penso ainda em nossa liberdade, a liberdade de poder escolher o próprio destino, e por meio dessa liberdade, obviamente, a defesa de nossa soberania, atualmente agredida nos mais diversos âmbitos pela ingerência da União Europeia. Portanto, para conduzirmos essa luta, é claro que precisamos de nossos porta-vozes, dos políticos que elegemos, nossos quadros e nossos militantes de base, mas também precisamos de nossos filiados. Por isso estou me dirigindo a vocês para convidá-los a se juntarem a essa grande família de membros, a virem participar como puderem, filiando-se no site da Frente Nacional ou junto das federações mais próximas, para poderem se informar de todos os eventos que poderão ocorrer em sua região, participar, talvez vir militarem ou apenas fazer uma doação por meio dessa filiação. Então filiem-se, esperamos por vocês! Entrem nesse combate que será crucial para a França!



domingo, 23 de abril de 2017

“A malvada” (Leonardo) em esperanto


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Essa é outra canção brasileira que verti do português pro esperanto quando era adolescente e tinha publicado no meu antigo site sobre essa língua. Ela se chama A malvada e fez sucesso em duas vozes no início dos anos 2000: Juliano Cezar, que a traduziu do espanhol, e Leonardo, que a tornou mais famosa. Na verdade, a música é um grande sucesso de 1996 da banda argentina de cumbia Volcán, talvez composta por seu vocalista Roberto Edgar. Até agora eu só conhecia a versão em português, e realmente não sei qual foi a utilidade em vertê-la ao esperanto, a não ser que eu gostava muito da canção, ou pelo menos do Juliano Cezar. Mesmo assim, achei interessante apresentar a vocês este antigo sucesso sertanejo. Nesta página vocês podem ler a letra de Juliano Cezar, mas também sugiro que leiam a versão inicial em espanhol. Abaixo seguem também os vídeos com Juliano Cezar cantando A malvada e com a gravação do grupo Volcán, e a letra em esperanto, cujo título se tornou La malbonulino. Se quiserem, podem ouvir também a gravação de Leonardo.

Ĉi tiu estas alia brazila kanzono, kiun mi tradukis de la portugala lingvo al Esperanto kiam mi estis plenkreskanto kaj estis publikiginta en mia antikva Esperanto-retejo. Ĝi nomiĝas A malvada kaj sukcesis per la voĉoj de du kantistoj de la fruaj 2000-jaroj: Juliano Cezar, kiun tradukis ĝin de la hispana, kaj Leonardo, kiu pligrandigis ĝian publikecon. Verdire, la kanzono estas granda sukceso de la jaro 1996 per la argentina grupo Volcán de la stilo “cumbia”, verŝajne komponita de ĝia ĉefkantisto Roberto Edgar. Ĝis nun mi konis nur la portugallingvan version, kaj vere mi ne scias, por kio servis ĝian tradukon al Esperanto, escepte pro tio, ke mi tre ŝatis la kanzonon, aŭ almenaŭ la kantiston Juliano Cezar. Malgraŭ ĉio, mi juĝis interese prezenti al vi ĉi tiun malnovan sukceson de la stilo “sertanejo”. Ĉi-paĝe vi povas legi la tekston de Juliano Cezar, sed mi sugestas, ke vi legu ankaŭ la komencan hispanlingvan version. Ĉi-sube estas ankaŭ videojn kun Juliano Cezar kantanta A malvada kaj kun la registro de la grupo Volcán, kaj la teksto en Esperanto, kies titolo fariĝis La malbonulino. Se vi volas, vi povas ankaŭ aŭskulti la registron de Leonardo.




La malbonulino

Vi tre min malbonigis
Kaj sonĝojn alportis for.
Vi tre min malbonigis,
Jam dispeciĝis la kor’.
Vi tre min malbonigis,
Vi min trompis tro multe.
Nun vi revenas ploranta
Kun pardon’ kiel vol’.

Al mi ne gravas malkonsol’ via!
Ploradu, ploradu, malbonulino!
Suferu, suferu, malbonulino!
Ploradu, ploradu, malbonulino!
Pro via malam’, min pagu tuj!
Ploradu, ploradu, malbonulino!
Suferu, suferu, malbonulino!
Ploradu, ploradu, malbonulino!
Pro via malam’, min pagu tuj!



quarta-feira, 19 de abril de 2017

“Три танкиста” (Três tanquistas) URSS


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Esta é uma cançãozinha muito legal que há tempos me pediram pra legendar e postar no meu canal O Eslavo no YouTube. Ela se chama “Три танкиста” (Tri tankista), Três tanquistas, e é uma popular música soviética de guerra escrita em 1939, ou seja, bem no começo do segundo conflito mundial. A letra é do poeta, roteirista de cinema, prosador, dramaturgo e contista Boris Savelievich Laskin (1914-1983), e a melodia é de Samuil, Dmitri e Daniil Pokrass, genericamente conhecidos como Irmãos Pokrass, dos quais eu já postei algumas composições. Nos dois vídeos abaixo, quem canta são a menininha bielo-russa Angelina Pipper, que na época em que postaram o vídeo (abril de 2011) tinha quase 11 anos de idade, e a artista russa Iulia Kovalchuk, numa celebração do Dia da Vitória em Moscou, em 2013.

A canção é considerada um hino informal das tropas fronteiriças e de tanques da antiga URSS e da Rússia, muito executada em datas festivas como a de 23 de fevereiro, o Dia dos Defensores da Pátria, um dos vários feriados ligados a feitos e pessoas militares. Ela foi executada pela primeira vez no filme Traktoristy (Tratoristas), logo após uma série de conflitos armados de fronteira entre a URSS e o Japão de maio a setembro de 1939. De fato, na letra original a expressão “bando inimigo” (em russo, vrazhia staia) aparece como “samurais”, a qual em geral é substituída quando se quer conservar a política de boa vizinhança. Diz a Wikipédia em russo (fonte não indicada) que se pode entender “bando inimigo” como os nazistas alemães, mas a menção ao rio Amur, que deságua no extremo leste da Rússia, não deixa dúvidas: a não ser uns poucos alemães que de fato lutaram com os japoneses, eu nunca soube de tropas de Hitler naquela região.

Várias cantoras e cantores, em diversas ocasiões, gravaram ou apresentaram essa música, e o próprio Laskin escreveu letras diferentes pra outros contextos. Laskin e os Pokrass, aliás, tambem são famosos por outras canções de guerra, entre elas a Marcha dos tanquistas soviéticos, que já postei aqui traduzida e legendada. No primeiro vídeo abaixo, enviado sem legendas nesta página em abril de 2011, pouco antes das celebrações do 9 de Maio russo-soviético (Dia da Vitória), quem canta é a artista bielo-russa Angelina Pipper, cuja língua principal de trabalho é o russo. No segundo vídeo, que está sem legendas nesta página, a cantora Iulia Kovalchuk se apresenta durante o 9 de Maio (2013), quando os russos comemoram a vitória soviética sobre os nazistas, no Monte Poklonnaia, uma região que fica ao norte do centro de Moscou. Em geral, chamam-se “monte” (em russo, gora) as regiões mais elevadas das grandes cidades, e nesse caso “Poklonnaia” vem do verbo pra “inclinar-se”, e lá se encontra também o Parque da Vitória (Park Pobedy), um dos maiores memoriais da Rússia e do mundo dedicado aos mortos na 2.ª Guerra Mundial.

Jovenzinha, Angelina Pipper nasceu em 2000, mora hoje na cidade de Brest e já ganhou vários prêmios, tendo sido inclusive finalista do Festival de Sanremo Junior. Continua muito ativa e sempre se renovando, tendo começado há alguns meses seu trabalho com o nome “Jolya Pi”. Como redes sociais e canais completos, ela tem seu VK oficial, seu grupo no VK, seus Instagrams como Angelina e como Jolya Pi, seu site oficial com fotos, vídeos, áudios, biografia e notícias, seu canal antigo no YouTube e seu canal novo. Iulia Olegovna Kovalchuk (n. 1982; Iulia Chumakova, após se casar) é uma cantora e apresentadora de TV, tendo cantado na banda Blestiaschie de 2001 a 2008. Ela estudou ginástica e dança na infância e adolescência, e tem formação superior em artes. Ela também tem seu canal no YouTube, onde há vários outros vídeos recentes e links pras suas redes sociais.

Eu tirei a letra em russo do famoso site SovMusic.ru, de mídia soviética, e eu mesmo traduzi e legendei em português. No vídeo de Pipper, além da diferença quanto ao “samurai” (ela prefere “bando inimigo”), também se pode ouvir druzhnoiu semioi (harmoniosa família) ao invés de krepkoiu semioi (indissolúvel família), que por vezes se lê em outras versões, e ela não canta a penúltima estrofe. Kovalchuk, ao contrário, canta “samurais” ao invés de “bando inimigo”, mas também prefere a expressão druzhnoiu semioi, e outra diferença é que ela, sim, canta a penúltima estrofe. Seguem abaixo as legendagens, e depois a letra em russo e a tradução em português, com a indicação das diferenças entre os textos:





На границе тучи ходят хмуро,
Край суровый тишиной объят.
У высоких берегов Амура
Часовые Родины стоят.

Там врагу заслон поставлен прочный,
Там стоит, отважен и силён,
У границ земли дальневосточной
Броневой ударный батальон.

Там живут – и песня в том порука –
Нерушимой, дружною семьёй (*)
Три танкиста, три весёлых друга –
Экипаж машины боевой.

(*) Ou “крепкою семьёй”.


На траву легла роса густая,
Полегли туманы широки.
В эту ночь решила вражья стая (*)
Перейти границу у реки.

(*) Ou “В эту ночь решили самураи”.


Но разведка доложила точно –
И пошёл, командою взметён,
По родной земле дальневосточной
Броневой ударный батальон.

Мчались танки, ветер подымая,
Наступала грозная броня.
И летела наземь вражья стая (*)
Под напором стали и огня.

(*) Ou “И летели наземь самураи”.


И добили – песня в том порука –
Всех врагов в атаке огневой
Три танкиста, три весёлых друга –
Экипаж машины боевой.

____________________

Nuvens negras vão pela fronteira,
O confim sério está em silêncio.
Nas margens altas do rio Amur
Estão as sentinelas da Pátria.

Lá o inimigo acha forte barreira,
Lá se posta, intrépida e forte,
Na fronteira do Extremo Oriente,
O batalhão blindado de choque.

Lá vivem, como garante a canção,
Em sólida e harmoniosa família, (*)
Três tanquistas, amigos alegres,
Tripulação do tanque de guerra.

(*) Ou “indissolúvel família”.


Na relva havia um denso orvalho,
Baixou uma espessa neblina.
Esta noite quis o bando inimigo (*)
Atravessar a fronteira pelo rio.

(*) Ou “Esta noite os samurais decidiram”.


Mas os informantes relataram bem
E partiu, impelido por uma ordem,
Pela cara terra extremo-oriental
O batalhão blindado de choque.

Voaram os tanques, fazendo vento,
A temível blindagem fez ofensiva.
E o bando inimigo caiu por terra (*)
Sob a pressão do aço e do fogo.

(*) Ou “Os samurais desabaram por terra”.


Acabaram, como garante a canção,
Com os inimigos em fogo ofensivo
Três tanquistas, amigos alegres,
Tripulação do tanque de guerra.




domingo, 16 de abril de 2017

Haicais da adolescência em esperanto


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Português: O haicai é um pequeno poema cuja origem pode se encontrar no Japão de alguns séculos atrás, e que se reforçou como arte no século 17. O nome japonês é “haikai”, mas alguns poetas ingleses usavam o nome “haiku”, que originou a palavra em esperanto (hajko). Ele é composto de três versos: o primeiro com cinco sílabas, o segundo com sete sílabas e o terceiro também com cinco sílabas. A rima não é obrigatória. Em geral, o tema é a descrição de um momento da natureza ocorrido na estação do ano em que o haicai é escrito, ou um sentimento que o autor tem por causa desse momento da natureza e que também prode ser descrito no poeminha. Os mais relevantes escritores japoneses de haicai foram Yosa Buson, Matsuo Munefusa (mais conhecido pelo nome Bashoo), Kobayashi Issa e Masaoka Shiki. Alguns poetas modernistas do Brasil também usaram essa receita, também com outros temas, entre eles Guilherme de Almeida, Paulo Leminski e os atuais Millôr Fernandes e Débora Novaes de Castro.

Nesta página você pode ler meus próprios haicais, que escrevi em esperanto, quando eu ainda era adolescente (de 2004, quando conheci essa arte, a 2005 ou 2006, quando terminei o ensino médio e comecei a faculdade). Até 2006, eles estiveram publicados num antigo site meu de esperanto com textos originais na língua e textos didáticos pra falantes de português. Sem nenhuma correção no conteúdo, mas algumas mudanças no design, estou finalmente os republicando aqui. Ninguém antes havia lido os poeminhas. Quanto à métrica, não usei o sistema comum no francês e no português, nos quais as últimas sílabas átonas dos versos não são contadas, pois eu considerei também as últimas sílabas átonas como sílabas poéticas. Leia minhas pérolas (infelizmente não traduzidas, e felizmente intraduzíveis)!

Esperanto: Hajko estas poemeto, kies origino povas esti trovata en Japanio de antaŭ kelkaj jarcentoj kaj estis plifirmigita kiel artaĵo en la 17-a jarcento. La japana nomo estas “haikai” (pron. hajkaj), sed kelkaj anglaj poemistoj uzis la nomon “haiku” (pron. hajku), kiu originigis la Esperantan vorton. Ĝi estas farata el tri versoj: la unua kun kvin silaboj, la dua kun sep silaboj kaj la tria ankaŭ kun kvin silaboj. Oni ne bezonas rimon. La temo plej ofta estas priskribo de natura momento okazita en la sezono, kiam la hajko estas skribata, aŭ sento, kiun la aŭtoro havas pro tiu momento de la naturo, kiu ankaŭ povas esti priskribata en la poemeto. La plej elstaraj japanaj hajkistoj estis Josa Buson, Macuo Munefusa (pli konata kiel Baŝoo), Kobajaŝi Issa kaj Masaoka Ŝiki. Kelkaj modernismaj poemistoj en Brazilo ankaŭ uzis la recepton, ankaŭ kun aliaj temoj, ekzemple Guilherme de Almeida, Paulo Leminski kaj la nuntempaj Millôr Fernandes kaj Débora Novaes de Castro.

Ĉi-paĝe, vi povas legi miajn proprajn hajkojn, kiujn mi skribis en Esperanto, kiam mi estis ankoraŭ plenkreskanto (de 2004, kiam mi ekkonis ĉi tiun arton, ĝis 2005 aŭ 2006, kiam mi finis la liceon kaj komencis la universitaton). Ĝis 2006, ili estis publikataj en antikva retejo mia pri Esperanto kun originalaj tekstoj en la lingvo kaj instruaj tekstoj por portugal-parolantoj. Sen ia korekto en la enhavo, sed kelkaj ŝanĝoj en la dizajno, mi finfine republikigas ilin ĉi tie. Neniu iam antaŭe legis la poemetojn. Pri la silabmezuro, mi ne uzis la sistemon uzatan de la franca kaj portugala lingvoj, kie la lastaj neakcentaj silaboj de la versoj ne estas konsiderataj, ĉar mi konsideris ankaŭ la lastajn neakcentajn silabojn kiel poemajn silabojn. Legu miajn perlojn!



Mondo de stultaj
homoj luktantaj kontraŭ
aferoj stultaj.
Ho, bela lingvo
dolĉa, regula, simpla
por ĉia esprim’.
Pola geniul’
de l’ ŝanĝemaj ideoj
por la homaro.
Mi ne scias, ĉu
nia supersignado
vere utilas.
Mi ĝojiĝas
se tra l’ urbo promenas
por la distrado.
Patro kaj filo
promenas sur l’ avenu’:
dimanĉo bela.
Ĉu bela urbo?
Florianopolo ja,
en la insulo.
La sun’ foriras
en alia tagfino:
nova espero.
Tago feliĉa
’stas resti kun l’ amikoj
en piedpilkad’.
Floro kaj birdo:
kisanto kaj kisato
kisas nature.
Sole mi pensas
pri l’ signifo de l’ vivo:
mia meditad’.
Verda agropir’
beligas ruĝan teron
de mia ĝarden’.
Blua ĉielo
sen nuboj: do, ne pluvos
por nia profit’.
Ho, dolĉa knabin’,
amegu min eterne,
ĉiam senhalte.
Dragonoj mensaj
ekzistas en la homoj
stultaj kaj ĝenaj.
La solvo monda
por lingv’ internacia
estas Esperant’.
Di’ ankoraŭ ne
ekzistis dum la aper’
de nia mondo.
Mon’ kaj luksaĵoj
regas la koron de la
homo sen amo.
Mil naŭcent dek kvar:
jar’, en kiu la homar’
konis l’ inferon.
Rivero kaj fiŝ’:
dom’ kaj ĝia loĝanto,
apud la arbar’.
La sukerujo
plena je sukero kaj
etaj formikoj.
Ŝuoj ĉe la pord’
indikas, ke la patrin’
ankoraŭ dormas.
Kato sur tegment’
miaŭadas senĉese:
ĉu ekdormos mi?
Verda stelo en
la ĉielo: Zamenhof
ridetas al ni.
Larmetoj falas
el l’ okuloj: ĉu ĝojet’
aŭ tenata trist’?
Aviadiloj:
birdegoj faritaj el
malpeza metal’.
De l’ urb’ la stratoj
plenaj je kamionoj:
ĉiutaga viv’.
L’ aŭtun’ foriras
sed ankoraŭ pluvetas:
malseka klimat’.
Kolora papilo
flugas apud mia kap’:
ĉu anĝeleto?
Mia kara av’
scipovis plurajn lingvojn:
inteligento.
Flavaj folioj
samarbaj al la verdaj:
brazila flago.
Morusarbego
regas arogantule
sur la monteto.
Fajret’ estingas
kandelon finiĝantan:
ĉu esper’? Kie?
Aperas la sun’
en mateno glacia:
finfine, varmo.
En Esperanto
miaj hajkoj aperas
multe pli bele.
Biblio: judoj,
profetoj, kristanismo,
leteroj, rivel’.
Nur ĉe la tablo
la homoj bone manĝas
kaj gustumadas.
Mia kor’ sentas
tion, kion pensas la
aliul’ pri mi.
Karol Wojtyła:
la papo de la paca
justecpolitik’.
La tutmondigo
ne respektas kulturojn
kaj bestigas nin.


quarta-feira, 12 de abril de 2017

Putin e o atentado em São Petersburgo


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Após algum tempo livre de ataques terroristas mais graves, a Rússia voltou a viver no dia 3 de abril de 2017 um clima de terror no metrô de São Petersburgo. Na cidade mais europeizada e a segunda maior do país, perto das 14h40min hora local (8h40min hora de Brasília), um artefato explosivo guardado numa pasta explodiu no caminho entre as estações Praça Sennaia e Instituto de Tecnologia, tendo sido desarmada ainda outra bomba na estação Praça do Levante. O saldo final foi de 14 mortos e mais de 50 feridos.

Nenhum grupo terrorista reivindicou o ataque, embora simpatizantes do Estado Islâmico tenham celebrado o ato nas redes sociais, compartilhando fotos dos corpos de vítimas. Inicialmente se pensou que o responsável pelo ataque teria sido Maksim Arishev, imigrante de 22 anos do Cazaquistão, mas por fim atribuiu-se a autoria a Akbarzhon Jalilov, um cidadão russo também de 22 anos, de etnia usbeque e nascido no Quirguistão. Conhecido pelos supostos laços com o islã radical, ele também morreu no ataque. Também se julgou de início que houvesse alguma ligação com rebeldes tchetchenos, cuja região no norte do Cáucaso tenta se separar da Rússia desde o fim da URSS. Logo depois da explosão, ela foi classificada pelo governo como ato terrorista, e foi decretado luto oficial de três dias a contar do dia 4.

Na mesma cidade, no mesmo momento, Vladimir Putin estava reunido com Aleksandr Lukashenko, presidente de Belarus, um de seus principais aliados, no dia seguinte à celebração do Dia da Unidade dos Povos entre os dois países. Aproveitando a data, eles iam discutir assuntos de cooperação e outros problemas que estavam pendentes, mas Putin foi obrigado a tratar primeiro o assunto da explosão que tinha acabado de ocorrer. Tudo ainda estava muito fresco, e foram prometidas investigações e compensações. É interessante como uns dias antes, tanto na Rússia quanto em Belarus, houve protestos contra o governo, muito reprimidos, tendo sido muito difundida em Minsk a hashtag #ДзеньВолі (Dia da Liberdade).

Eu baixei o vídeo sem legendas desta página, num canal de política russa no YouTube, e achei uma transcrição da fala de Putin em russo nesta página de um site de notícias. Com esse escrito, eu pude traduzir e então legendar o vídeo. Há ainda outra versão, com áudio e vídeo menos bons, pegando o restante da fala de Putin e um pouco da fala de Lukashenko. Mas ele comenta o atentado apenas no trecho que legendei, podendo ser visto abaixo a partir do meu antigo canal do YouTube. Logo após a legendagem estão o texto em russo e a tradução em português, mais refinada do que nas legendas:


В питерском метро произошёл взрыв совсем недавно, есть погибшие, пострадавшие. В начале нашей встречи хочу выразить слова самого искреннего сожаления, сочувствия в адрес близких погибших и пострадавших.

Я уже разговаривал с руководителями специальных служб, с директором ФСБ. Правоохранительные органы и специальные службы работают, сделают всё для того, чтобы выявить причины случившегося, дать полную оценку того, что произошло. Городские власти – если потребуется, и федеральные – предпримут все необходимые меры для того, чтобы оказать поддержку семьям погибших и пострадавшим нашим гражданам.

К сожалению, мы вынуждены начать нашу встречу с этого трагического события. Ещё не ясны причины, поэтому об этом ещё рано говорить. Расследование покажет. Естественно, мы всегда рассматриваем все варианты: и бытовые, и криминальные, прежде всего проявления террористического характера, – посмотрим. Расследование в ближайшее время даст все ответы на то, что произошло в этой трагедии.

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Agora mesmo, no metrô de São Petersburgo, ocorreu uma explosão com mortos e feridos. Começando nosso encontro, quero expressar os mais sinceros pesares e condolências para com as pessoas próximas das vítimas.

Eu já falei com o diretor do FSB (Serviço Federal de Segurança, sucessor do KGB), chefe dos serviços especiais. As autoridades policiais e os serviços especiais estão fazendo de tudo para esclarecer as motivações e dar uma avaliação integral do ocorrido. As autoridades municipais – e, se preciso, também as federais – tomarão todas as medidas necessárias para prestar apoio às famílias de nossos cidadãos mortos e feridos.

Infelizmente, fomos obrigados a iniciar nosso encontro com esse trágico episódio. As razões ainda não estão claras, e por isso continua cedo para comentar a respeito. As investigações vão mostrar. Naturalmente, sempre examinamos todas as hipóteses, seja fatalidade ou crime mesmo, sobretudo um ato de caráter terrorista. Vamos ver. As investigações mais próximas darão todas as respostas sobre como essa tragédia aconteceu.



domingo, 9 de abril de 2017

João Mineiro & Marciano em esperanto


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Aqui está mais uma grande canção de sucesso, que traduzi do português pro esperanto. Ela se chama Ainda ontem chorei de saudade, e ficou muito famosa nos anos 1980 na voz da extinta dupla João Mineiro & Marciano. Minha avó gostava muito dessa dupla, então desde criança escutos seus CDs e também comecei a gostar. No dia 22 de maio de 2003, enfim cheguei até a traduzir esta canção que eles gravaram, o maior sucesso da dupla, composto pelo célebre cantor, compositor e ator Moacyr Franco. Ele também compôs uma música que foi outro grande sucesso de João Mineiro & Marciano, chamada Seu amor ainda é tudo, e de que também gosto muito. Moacyr Franco transitava entre vários estilos, mas esta dupla foi um dos maiores nomes de nossa música sertaneja. João Mineiro faleceu, e Marciano, após uma prolífica carreira solo, recentemente formou uma dupla com o cantor Milionário, antigo par do também falecido José Rico. Vocês podem ler nesta página a letra em português, e abaixo seguem um vídeo com a gravação original e meu texto em esperanto. O título é uma tradução literal, Hieraŭ ploris mi pro la saŭdado, e antes de publicar a letra aqui, fiz umas pequenas retificações.

Jen alia granda sukcesa kanzono, kiun mi tradukis el la portugala al Esperanto. Ĝi nomiĝas Ainda ontem chorei de saudade, kaj devenis tre fama en la 1980-aj jaroj per la voĉo de la estinta duopo João Mineiro & Marciano. Mia avino tre ŝatis ambaŭ kantistojn, tial ekde mia infaneco mi aŭskultas iliajn KD-ojn kaj ankaŭ mi ekŝatis ilin. La 22-an de Majo 2003, mi finfine decidis eĉ traduki ĉi tiun kanzonon de ili registritan, la plej granda sukceso de la duopo, komponita de la konata kantisto, komponisto kaj aktoro Moacyr Franco. Li komponis ankaŭ kanzonon, kiu estis alia granda sukceso de João Mineiro & Marciano, nomata Seu amor ainda é tudo (Via amo ankoraŭ estas ĉio), kaj kiun mi ankaŭ tre ŝatas. Moacyr Franco transiris inter pluraj stiloj, sed tiu duopo estis unu el la plej famaj nomoj de la brazila muzikstilo “sertanejo”. João Mineiro mortis, kaj Marciano, post produktiva solokariero, antaŭ nelonge formis duopon kun la kantisto Milionário, antaŭe partnero de la ankaŭ mortinta José Rico. En ĉi tiu paĝo vi povas legi la tekston en la portugala, kaj ĉi-sube estas video kun la originala registro kaj mia versio em Esperanto. Mi tradukis la titolon laŭlitere, Hieraŭ ploris mi pro la saŭdado, kaj antaŭ ol publikigi ĉi tie ela tekston, mi faris malgrandajn korektojn.


Hieraŭ ploris mi pro la saŭdado

1. Vi per leter’ al mi petas, ke mi malaperu,
Ke mi neniam plu serĉu vin kaj vin forgesu.
Povas mi fari la volon, obei la peton,
Sed forges’ perdas la tempon, mi farus stultecon.

Rekantaĵo:
Hieraŭ ploris mi pro la saŭdado.
Mi, dum legad’, flaris bonan odoron.
Mi kion faru al dolorinvadado?
L’amon mortigas mi aŭ mortas koro!

2. La tutan tagon, malamas mi vin, serĉas, ĉasas,
Sonĝe mi kisas vin, vin ĉirkaŭprenas, amadas,
Ĉar sonĝojn ŝtelas neniu, de mi estas ero.
Volas mi sonĝan la veron ol ama malvero.

(Rekantaĵo)



quarta-feira, 5 de abril de 2017

Hino da Espanha sob Francisco Franco


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Após ter postado o hino da Segunda República espanhola, estou lançando agora o reverso da moeda, depois da derrota dos republicanos na Guerra Civil (1936-1939). Esta é a versão mais conhecida do Hino Nacional da Espanha, vigente durante o período em que o general Francisco Franco Bahamonde governou o país com mão de ferro (1939-1975), depois de ter liderado um golpe militar de Estado (pronunciamiento) contra o governo eleito de Frente Popular e, então, vencido a guerra civil contra esse governo. Na verdade, trata-se da secular Marcha Real, composta no século 18 por Espinosa de los Monteros, com letra de José María Pemán, escrita ainda sob a ditadura de Primo de Rivera (1923-1930).

A primeira menção à Marcha Real aparece num livro de composições escritas por Manuel Espinosa de los Monteros (c. 1730-1810), publicado em 1761, e onde é chamada Marcha Granadera ou Marcha de Granaderos. Em 1770, o rei Carlos 3.º a declarou Marcha de Honra, pra ser tocada em atos públicos ou solenes, mas foi o costume popular que a considerou hino nacional e lhe deu o nome Marcha Real, que só foi oficializada como hino espanhol durante o reinado de Isabel 2.ª (de 1833 a 1868). Em 1873-74 (Primeira República), a Marcha Real passou a ser um hino “cooficial”, ao lado do oficial Himno de Riego, mas logo depois voltou à liderança, tendo Bartolomé Pérez Casas (1873-1956) composto seus arranjos mais conhecidos. Apenas durante a Segunda República (1931-37) seria substituída de novo pelo Himno de Riego. Notem bem: o hino jamais teve uma letra oficial.

Em 1937, Franco impôs novamente a Marcha Real dentro da zona rebelada que ele controlava durante a guerra civil, e a decisão foi ratificada em 1942, já sob o novo governo autoritário. Cabe lembrar que mesmo então, nenhuma letra foi reconhecida legalmente, mesmo entre as várias que foram compostas por diversos autores desde 1843. A letra mais conhecida, que segue abaixo, foi redigida pelo escritor José María Pemán y Pemartín (1897-1981) em 1928, porém, sob encomenda ainda de Primo de Rivera, ou seja, bem antes da guerra civil. Famoso letrista de hinos, ultraconservador e católico que apoiou Franco incondicionalmente, Pemán teria substituído antes da guerra civil o verso “Alzad la frente” (Ergam a testa) por “Alzad los brazos” (Ergam os braços), e “Los yunques y las ruedas” (As bigornas e as engrenagens) por “Los yugos y las flechas” (As cangas e as flechas), sendo que um conjunto de flechas era o símbolo dos falangistas. Porém, no áudio, escutei brazos, yunques e ruedas, e assim traduzi.

Apenas em 1997 o governo faria uma nova regulamentação sobre a Marcha Granadera ou Marcha Real Española, como seria oficialmente chamada, decretando a orquestração revisada que o músico militar Francisco Grau Vegara (n. 1947) fez do arranjo de Pérez Casas, mas num andamento bem mais lento e ainda sem letra. Neste vídeo se ouvem diversas execuções televisivas da nova versão, sob o rei Juan Carlos, incluindo imagens de seu filho, o atual rei Felipe 6.º, ainda bem moço. Digo mais uma vez: este hino não tem e nunca teve letra oficial, mas apenas textos mais ou menos populares, passados de boca em boca, o que explica as aparentes discrepâncias entre os registros da versão de Pemán. Aliás, falar em “letra do hino da Espanha” gera chistes parecidos com os relacionados à “Constituição britânica”, sendo tema das mais diversas piadas na internet e ocasião pra internautas lançarem vídeos com seus próprios poemas.

Volta e meia, ocorrem confusões (aparentemente involuntárias) em eventos diplomáticos ou esportivos, ora executando-se o Himno de Riego como hino espanhol, ora tocando-se a versão com letra mostrada aqui (a mais popular na internet). Nos dois extremos do espectro político, os esquerdistas consideram o Himno de Riego o verdadeiro hino, autenticamente espanhol, enquanto os direitistas acham “afeminada” a atual execução lenta e sem letra. Há vários vídeos que reproduziram o mesmo áudio, sendo que um dos mais antigos, de onde eu tirei o meu, é este aqui. Eu tirei a letra da Wikipédia em espanhol, tendo feito alguns ajustes pra corresponder ao som. Eu mesmo traduzi e legendei, e seguem abaixo minha montagem com legendas (que postei no meu canal O Eslavo no YouTube), a letra em espanhol e a tradução em português:


____________________


¡Viva España!
Alzad los brazos, (*)
hijos del pueblo español
que vuelve a resurgir.

(*) Ou “Alzad la frente”.


2x:
Gloria a la Patria
que supo seguir
sobre el azul del mar
el caminar del sol.

2x:
¡Triunfa, España!
Los yunques y las ruedas (*)
cantan al compás
del himno de la fe.

(*) Ou “Los yugos y las flechas”.


2x:
Juntos con ellos
cantemos de pie
la vida nueva y fuerte
de trabajo y paz.

2x:
¡Viva España!
Alzad los brazos,
hijos del pueblo español
que vuelve a resurgir.

2x:
Gloria a la Patria
que supo seguir
sobre el azul del mar
el caminar del sol.

____________________


Viva a Espanha!
Ergam os braços, (*)
filhos do povo espanhol
que ressurge de novo.

(*) Ou “Ergam a testa”.


2x:
Glória à Pátria
que soube seguir
o Sol que pairava
sobre o azul do mar.

2x:
Triunfe, Espanha!
As bigornas e as engrenagens (*)
cantam no compasso
do hino da fé.

(*) Ou “As cangas e as flechas”.


2x:
Juntos cantemos
de pé com eles
a vida nova e forte
de trabalho e paz.

2x:
Viva a Espanha!
Ergam os braços,
filhos do povo espanhol
que ressurge de novo.

2x:
Glória à Pátria
que soube seguir
o Sol que pairava
sobre o azul do mar.




domingo, 2 de abril de 2017

Minha experiência com o esperanto


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/experiencia



Por Erick Fishuk

Introdução – Faz quase 17 anos que comecei a aprender esperanto, a primeira língua estrangeira que realmente cheguei a dominar. Faz tempo, eu tinha apenas 12 anos e mal sabia usar sequer a internet. Em mais de uma década e meia, concluí meu Ensino Básico, minha graduação e meu mestrado, cursando agora o doutorado. Foi um tempo mais do que suficiente pra aprender outros idiomas, outros códigos gráficos ou corporais e até mesmo a própria gramática do português em sua essência. Na minha adolescência e na época da faculdade, expressei de formas diversas, a públicos e em meios diversos, o que achava do esperanto, por que tinha decidido o aprender e quais as vantagens que eu via nele em relação ao poliglotismo. Com 29 anos de idade, obviamente as vivências mudaram, minha própria visão sobre o passado se transformou, aprendi muito mais coisas e, portanto, a paixão juvenil que tive pela língua de Zamenhof também já não é mais a mesma. Numa época em que podemos, de modo muito mais fácil do que no ano 2000, aprender novos idiomas, conversar com pessoas de outros países, ou até ir pro estrangeiro, e encontrar informações sobre a maioria dos assuntos, achei interessante escrever um texto memorialístico sobre a minha experiência com o esperanto, minha visão atual sobre ele e o quanto essa experiência influi em meus atuais conhecimentos de línguas estrangeiras e de gramática.

Adolescente curioso – Não fui um menino de jogos eletrônicos e de introdução precoce na vida informática, nem de andar em turmas frequentemente pelas ruas. Não tinha muitos vizinhos da mesma idade, e os colegas de escola moravam longe. No mesmo período em que comecei a aprender esperanto, essa característica da minha infância também ia se encrustar de vez na adolescência, e boa parte do meu tempo livre era dedicada a leituras e desenhos. Numa dessas, encontrei num livro infantil uma tabela com “A sorte em 24 idiomas”, e um deles era o esperanto, com a palavra ŝanco (que se lê “chántso”). Eu não sabia o que era esperanto, perguntei pra minha mãe e pra minha avó, elas também não sabiam, e meu último recurso era a Enciclopédia Barsa que tínhamos comprado há alguns meses. O verbete esclarecia razoavelmente, diante do volume de recursos que eu tinha na época, mas também tendo acabado de instalar a internet em casa (discada, deve-se dizer), fiquei ainda mais sedento por buscar outras informações. Cru que eu era pra computadores, não sei como minha mãe, hoje em dia meio avessa a essas máquinas, quis e conseguiu me ajudar na busca. O Google da época se chamava Cadê, e o que de cara encontrei foi a página da Liga Brasileira de Esperanto.

Meu primeiro curso foi um online ali disponível, escrito por Adonis Saliba, que hoje sei ter se baseado em modelos mais consagrados. Na mesma época, também achei uma página de esperantistas de Campinas, onde, por escritos de José Lunazzi, realmente tive a primeira visão daquele alfabeto cheio de consoantes com circunflexo e escutei em áudio algumas primeiras frases curtas. O curso da liga foi o que realmente segui, até o fim, e minhas principais dificuldades residiam no ainda pouco conhecimento de gramática, fazendo-me tropeçar, por exemplo, nos conceitos de “objeto direto” e “acusativo”, tão importantes em esperanto. Novamente, mãe e avó, hoje professoras de primário aposentadas, não souberam me explicar. Apenas enquanto progredia nos estudos escolares, na matéria de Língua Portuguesa de que eu gostava tanto, consegui entender ampla terminologia que fixou meu conhecimento de esperanto, e foi crucial pro bom desempenho futuro em línguas estrangeiras. Quanto aos primeiros livros, as compras online ainda eram difíceis, muitas vezes formulários nas páginas não enviavam os dados e as transferências bancárias tinham que ser na boca do caixa ou na máquina eletrônica mesmo.

Com muito estudo e leituras autodidatas, o esperanto foi a primeira língua “estrangeira” que realmente cheguei a dominar, ativa e passivamente. “Estrangeira” está entre aspas, pois com esse conceito entendemos em geral línguas de “outros países”, e não alguma separada do meio familiar em que se foi criado. O esperanto não é a língua de nenhum país, então o conceito de “estrangeira” soa meio estranho, mas o fato é que hoje em dia existem realmente falantes “maternos” de esperanto. Não sendo eu um deles, apenas com muita prática, apaixonado que eu estava pela forma e pela história do idioma, consegui dominá-lo, mesmo sem ter com quem praticar, na ausência de clubes esperantistas em Bragança Paulista e na tecnologia informática ainda não desenvolvida ao ponto do Facebook e do Skype. O inglês eu sempre estudei durante toda minha vida escolar, mas jamais tendo frequentado um curso formal, e meio avesso que eu era à “intromissão imperialista” nas culturas alheias, não era uma língua que realmente me agradava. Ainda hoje não sou tão loquaz na fala e na redação, e o muito que aprendi hoje foi mesmo “na marra”, lendo textos acadêmicos e ocasionalmente estudando gramáticas: reconheço que estou querendo sanar isso. Já o esperanto é simples, regular, tem muitas palavras parecidas com as de nossa língua, e somado àquele ideal de compreensão entre os povos e fraternidade mútua, ele me gerava conforto. A primeira vez em que falei esperanto com alguém foi em Mongaguá, onde um dia, uma senhora de nome Eva dava aula a duas crianças numa livraria espírita, hoje fechada. Deve ter sido por volta do fim ou meados de 2002, e me virei muito bem: o casal de irmãozinhos até tinha achado que eu não era brasileiro! Depois, foi só pela internet mesmo, por meio do bate-papo de um antigo portal brasileiro chamado “Ĝangalo” (Selva), onde conheci muitos estrangeiros com quem trocava correspondência (de papel, mesmo), e por meio do programa PalTalk, uma espécie de antecessor do Skype.

Época de amadurecimento – Dois dos meus maiores empreendimentos online pelo esperanto, numa época em que eu quase não tinha com quem treinar, foram a versão, a partir do português, de meu antigo “Sites Sobre Idiomas” (SSI), uma rica lista de links pra páginas que ensinavam línguas, e a manutenção do “La Esperanta Retejo de Eriko Fiŝuk” (O Site Esperantista de Erick Fishuk), outro rico acervo com textos explicativos, coleções de frases básicas, mais dicas de sites pra visitar e muitos outros textos, sobre diversos assuntos, vertidos em esperanto. Dois dos meus xodós que guardo até hoje são a coleção de poemas originais, incluindo muitos haicais, e a seção com versões de músicas brasileiras em esperanto, mantendo inclusive a rítmica e o esquema de rimas. Ambas as iniciativas minhas, num tempo sem redes sociais nem astros do YouTube, até que eram muito visitadas, em especial a versão em português do SSI e a página de canções traduzidas, que muitos esperantistas do Brasil conheciam. Aliás, estou ultimamente repostando e reeditando neste blog justamente a maioria dessas canções, pelo menos as que valem a pena ser publicadas sem modificações substanciais. A manutenção dos dois sites tinham sido até então as iniciativas que mais me tinham ajudado a desenvolver o intelecto e a comunicar com pessoas de longe, mesmo quase sempre só podendo contar então com e-mail. Assim foi durante meu Ensino Médio, quando também consumi pela internet os cursos de esperanto Gerda malaperis (intermediário) e La tuta Esperanto (avançado), ao mesmo tempo em que gradualmente definia minha escolha pelas humanidades no futuro vestibular. Em 2005, após ter desistido de Direito e Letras, prestei História na Unicamp, na qual ingressei no ano seguinte, e embora tivesse pouca oportunidade de praticar e nunca tivesse participado de um congresso esperantista ou outro evento do gênero, já podia dizer que era todo proficiente em esperanto.

Só fui conhecer os esperantistas da Unicamp no segundo semestre de 2006, por meio do antigo Orkut (no qual também treinei muito o esperanto a partir de 2004, tendo criado a comunidade “Esperanta Priparolejo”, algo como “Lugar de debates esperantista”) e de uma lista de e-mails. Até então, também tinha me comunicado com esperantistas do Brasil e do exterior por meio de dois programas hoje em desuso: ICQ e MSN. Encontrei pessoalmente vários esperantistas na Unicamp a partir de agosto ou setembro de 2006, em cursos lá dados pra iniciantes ou simples círculos de conversa, e fiz amizade com muitos deles, tendo mantido contato por muito tempo, mas atualmente não os vendo mais. Contudo, uma grande transformação estava em curso: desde minhas aulas comuns de inglês na escola básica, o primeiro semestre de francês que eu tive de cursar a partir de agosto estava sendo minha primeira experiência de um curso de línguas. Durante a adolescência, tive contato com vários idiomas estrangeiros pela internet, por meio de páginas bem primárias, pouco informadas e em inglês, língua na qual eu ainda tinha alguma dificuldade pra ler textos mais complexos. Não havia tantos sites disponíveis quanto hoje, nem mesmo a Wikipédia, nem mesmo as muitas redes sociais, e muito menos outros programas e recursos mais aperfeiçoados pra prática linguística, principalmente os aplicativos de celular. (Nota: ganhei o primeiro celular ao completar 17 anos, e era de telinha azul...) Mesmo assim, foi a oportunidade pra acumular uma vasta cultura geral que me acompanha e é aperfeiçoada até hoje, e uma das línguas de que eu mais gostava e que estava melhor começando a aprender era o francês. Isso me deu justamente uma base pra começar bem e continuar com excelência meus três semestres de francês na Unicamp, e todas essas iniciativas, claro, não se deram antes que meu esperanto estivesse totalmente fixado. Outro processo que começou a abrir minha cabeça foi o início do aprendizado de russo, também na Unicamp, em março de 2007.

Era interessante, pois nos primeiros anos da faculdade de História, eu praticava esporadicamente o esperanto na vida real e na virtual, ainda mantinha o SSI e meu site esperantista e aprendia francês e russo. Tudo isso, claro, premido pelas próprias tarefas acadêmicas. Mas essa mistura só me fez, infelizmente, ter cada vez menos tempo pro esperanto e começar a perder um pouco a prática, e felizmente, aprender novos conceitos e pontos de vista sobre aprender idiomas, vendo no francês e no russo, principalmente, um conjunto de palavras e regras gramaticais que também existiam em esperanto. Ou seja, se o esperanto, por um lado, e por menos que outros acreditem, me deu uma sólida base pra futuros estudos de línguas, por outro lado, tornou-se difícil de esquecer enquanto eu aprendia idiomas que lhe tinham fornecido considerável material. Empenhando-me a fundo no francês e no russo, eu estava sabendo o que era realmente aprender uma língua estrangeira, com suas irregularidades, pressões e conversação constante; mas ao mesmo tempo, a base confortável do esperanto tornou essa tarefa menos árdua, auxiliada também, claro, por leituras complementares que eu tinha feito na internet sobre francês e russo, sem ter conseguido, contudo, adquirir fluência. Mas como eu disse acima: o afinco no esperanto tinha me dado o gosto primeiro por esse infinito universo dos idiomas. Assim se comprovava uma das propriedades positivas que muitos atribuíam ao esperanto: a qualidade propedêutica, ou seja, era uma espécie de conhecimento ou habilidade mais simples que proporcionava uma base razoável pra aquisição de outros saberes mais complexos ou árduos. De forma rasteira, pode-se dizer que o búlgaro é uma propedêutica ao russo, pois muitas palavras são semelhantes, mas sua gramática e pronúncia são bem mais simples. Foi desse modo que o esperanto não apenas me forneceu um vasto material vocabular presente em outras línguas, mas também, como dizem, “desconstruiu” minha identificação do idioma materno com a noção de idioma em geral, apresentando uma estrutura regular que ajudava a perceber de um jeito claro cada parte do discurso, num aprendizado que eu podia aplicar pra outras línguas.

Foi assim que, durante minha graduação, me aperfeiçoei em francês e em russo, aprendi um pouco de outros idiomas (por leituras linguísticas esporádicas ou pela leitura dos textos acadêmicos, que me forçavam a leituras estrangeiras), mas fui deixando um pouco de lado o esperanto e acabei apagando meus dois mencionados sites em 2009. Em todo caso, nunca o abandonei totalmente, lendo ou escrevendo uma ou outra coisa ocasionalmente, e até cheguei a começar um curso extra de esperanto dentro da grade da Unicamp no segundo semestre de 2011, tendo o trancado após uns dois meses. Mas em junho de 2009, depois do fim de meus dois sites adolescentes, o passo principal foi a criação de meu primeiro blog no Blogger, minha primeira experiência de escrita pública à exceção do Orkut e de jornais da faculdade, o chamado “Pensadores Libertos”, de textos variados, numa época em que eu estava lendo muito sobre política e contestando tudo, principalmente a religião. Mas além desse meu espacinho para o “neoateísmo” que estava na moda, postei muitas coisas sobre línguas e esperanto que estavam guardadas, em especial que tinham sido publicadas na antiga página de esperanto, e também textos novos, a começar pelas traduções escritas das duas letras que o Hino Nacional da URSS teve entre 1944 e 1991, feitas por mim e pela turma de Russo II da Unicamp no segundo semestre de 2007. Era a primeira vez que eu as lançava ao público, e mais tarde eu as usaria como base de minhas duas primeiras legendagens no atual canal “O Eslavo” do YouTube, tanto a letra de 1944 quanto a de 1977. Mas o meu talento de tradutor e poliglota ainda era muito incipiente, então pouca coisa apareceu no “Pensadores Libertos” nesse sentido, enquanto eu praticava esperanto por outros meios, sobretudo pelo Orkut e pelo Facebook, no qual fiz minha primeira conta em setembro de 2009. Este meio, sim, é que foi prolífico pra treinar idiomas, fazer amigos, aprender coisas novas! Claro que atualmente desisti de usar essa ferramenta, mas acho que, no tempo em que usei, valeu a pena. Quanto ao blog, valeu como primeira tentativa de sintetizar experiências, treinar a redação e guardar informações num só lugar, mas acabou pouco mais de um ano depois. Republiquei muitos textos no Materialismo.net, e depois neste blog finalmente, mas minha militância pró-esperanto ia amenizando.

Tempos modernos – O que eu poderia chamar de “fase contemporânea” da minha vida intelectual começou em 2012, quando: 1) fundei em janeiro meu novo blog, o Materialismo.net, em parceria com o professor Giuliano Casagrande, no qual adquiri a experiência básica pra administrar também o “Traduções de Erick Fishuk”; 2) concluí minha graduação e descobri que havia vida após a universidade, tendo mais tempo livre pra novas reflexões e uma considerável bagagem acumulada de pesquisa e intelecto; 3) comecei a atualizar com mais frequência meu canal no YouTube “Pan-Eslavo Brasil”, que desde janeiro de 2017 se chama “O Eslavo”, fundado em novembro de 2010 com os dois vídeos citados acima e decorrido do término dos seis semestres de russo na Unicamp, quando já me sentia mais corajoso pra fazer traduções públicas; 4) comecei, como a maioria dos brasileiros, a usar o Facebook com mais frequência, tanto pro bem quanto pro mal, realizando interações que me permitiram trocar informações num momento em que eu não tinha muito o que fazer fora de casa. Antes de 2012, como eu tinha dito, 2011 foi o momento mais relevante até então pra minha vida de esperantista, pois eu tinha dado um novo impulso aos estudos esperantistas na Unicamp ao voltar a ler gramática e textos mais sistematicamente, em especial o famoso manual Esperanto sem mestre, de Francisco Valdomiro Lorenz, que até então eu só tinha ouvido de nome. (Infelizmente, até hoje não estudei o livro por completo.) Eu tinha feito também uns poemas em esperanto, que no ano passado publiquei aqui neste blog e recitei no meu canal “O Eslavo”, mas foram coisas bem esporádicas. Apesar da temática geral ateísta, era no Materialismo.net que eu postava todos os meus trabalhos tradutórios e linguísticos, relacionados principalmente à URSS e ao comunismo, que a partir de 2012 começaram a ficar mais frequentes, e as postagens foram regulares até o final de 2014. Eu fundei este blog, o “Traduções de Erick Fishuk”, em agosto de 2014, como uma tentativa de criar meu próprio espaço pra reflexões e traduções, e como parte desta concentração, o Materialismo.net foi se esvaziando, também por conta das múltiplas tarefas docentes e familiares que começavam a ocupar o Giuliano. A essa altura, como uma escora, o esperanto já estava absorvido e superado no meu saber linguístico mais geral, que enfim consolidava o francês e o russo e acrescentava cada vez mais línguas, mesmo de forma parcial. Essas duas línguas foram predominando em meu blog cada vez mais, aparecendo apenas ocasionalmente coisas em ou sobre esperanto, em geral, como eu disse, reciclada de páginas e suportes anteriores, mas agora é que estou mais decidido a repostar ou publicar pela primeira vez várias coisas. Não tenho uma previsão, mas quero estudar ativamente o esperanto de novo, para reciclar o que se deteriorou e acrescentar conhecimento novo à altura de minhas atuais responsabilidades intelectuais.

A ideia de “muleta”, ou uma espécie de “escora” que depois é absorvida pelo saber linguístico mais enriquecido, tal como as primeiras estruturas de um prédio, é a visão atual que tenho sobre o esperanto, após olhar em retrospecto pro meu passado intelectual. Não aprendi esperanto como um plano premeditado, mas como algo ao mesmo tempo mais disponível e mais fácil, ante a carência de recursos no começo da minha adolescência. Foi uma diversão que aos poucos comecei a levar a sério, mas cujo alcance eu ainda desconhecia no começo. As primeiras ideias sobre o esperanto que recebi, claro, eram a do “idioma internacional simples, fácil, bonito, lógico e racional”, de bases lançadas pelo polonês esclarecido que tinha uma enorme vontade de ver reinar a paz entre os povos. Ainda tenho um grande carinho por essa proposta inicial, mas aos poucos, a partir da idade adulta, fui a deixando, sem com isso romper com a língua de modo geral. Essa noção de coisas internacionais, que se encaixavam, racionais, chegadas de repente numa cabeça magnânima, é bem típica do século 19, em cujo espírito Zamenhof se formou. Contudo, como sabemos, a ideia do idioma internacional é bem mais antiga, embora sua viabilidade fosse se esfarelando ao longo do século 20. Mas como alguém ainda pouco informado, recebendo apenas o que se escrevia nos restritos círculos esperantistas online, pra mim as coisas também funcionavam assim: ou se amava o idioma e sua “ideia interna”, quase inseparável, de promover a fraternidade universal, ou se era mais “realista” e se rejeitava toda ideia de conciliação, portanto o esperanto como um todo, por algo mais realista, em geral o uso acrítico do inglês ou mais uma das mirabolantes propostas de línguas planejadas, dizendo-se apenas um “idioma”, neutro de implicações ideológicas.

O tempo foi relativizando meus extremismos, tanto os favoráveis quanto os contrários. Já escutei muita gente dizendo que queria “esquecer” o esperanto por causa do bando de dogmáticos que o movimento teria se tornado. Eu aprendi a separar as duas coisas: claro que em muitos lugares, principalmente no passado, algumas pessoas defenderam o esperanto como uma doutrina mesmo, uma espécie de religião, e sacralizavam seu iniciador, Zamenhof, e a obra dele como algo perfeito, intocável. Justamente em 2011, quando comecei aquele curso na Unicamp, li o livro Babel e Antibabel, de Paulo Rónai, com a primeira crítica acadêmica e bem estruturada ao esperanto que eu li em minha vida. Alguns dos conceitos que o literato cita, como o de “estranheza aos ouvidos românicos”, não me pareceram interessantes, mas seu texto foi o que me ajudou em definitivo a ver o esperanto de uma perspectiva externa. Por isso, hoje não acho a língua em si perfeita, mas ainda a considero como uma grande obra do pensamento. E não apenas do pensamento de Zamenhof, que por si só já era uma cabeça muito inteligente, mas também do de várias pessoas e coletivos, pois, ao contrário do que apregoa a mitologia conformista, o esperanto não é uma “invenção de laboratório”, excogitada por Zamenhof de repente em seu isolado escritório. Não apenas o oftalmologista testou várias vezes sua criação em conversas com amigos e traduzindo obras consagradas pra sua nova língua, como também ela continuou sendo cultivada e regulada por gerações sucessoras, após a morte do iniciador. Esse fato de ter havido uma continuidade geracional, ao contrário de outros projetos hoje folclóricos, além do amplo uso atual em músicas, livros, periódicos e sites desmente absolutamente outro mito: o de que o esperanto é uma língua morta. Ora, a mais primária pesquisa no Google ou até na Wikipédia já desmente essa assertiva! Perfeição e racionalidade lógica podem não ser atributos inerentes ao esperanto, mas sua divulgação e sua continuidade são hoje um fato incontestável, mesmo que quase sempre não haja menções a ele no status quo.

Por que o esperanto é uma grande criação? Ele sintetiza traços morfológicos e estruturais da maioria das principais línguas do mundo e, por isso, como eu também disse, é uma ótima introdução ao estudo de idiomas em geral. Ele “desmonta” nossa identificação entre língua materna e língua no geral, sintetizando o funcionamento básico de um idioma, sem por isso imitar nenhum dos falados no mundo. Essa é uma das críticas feitas ao esperanto, principalmente por criadores de idiomas mais próximos das línguas românicas e do inglês, mas considero, pelo contrário, uma virtude: não ser parecido como nenhum idioma, exigindo, portanto, o mesmo esforço de todos, mesmo que o europeu seja brindado com vários radicais do alemão, francês, inglês, latim e grego. Não penso que um idioma internacional deva ter uma proporção igual de material de todos os idiomas, mas uma proporção equilibrada do material contido nas principais línguas de cultura, comunicação, ciência, tecnologia, política e diplomacia. Parece injusto, mas é a realidade. Isso faz com que ele não seja uma invenção absolutamente inútil. Na verdade, por causa de sua feição mais “atualizada”, parece ser um instrumento propedêutico mais interessante do que o latim, o qual, embora seja uma língua culturalmente importante, tem uma estrutura muito complexa e bastante distante das maiores línguas ocidentais atuais. Claro que, nesse aspecto, justamente por não estar livre de concorrentes, o esperanto não é absolutamente indispensável, mas a facilidade de aprendizado, sua difusão e o interesse que apresenta o mundo em torno dessa língua são fatores que contam muito a seu favor. Ou seja, podemos muito bem aprender o esperanto como uma poderosa ferramenta de erudição, entrando em contato com uma história fantástica, mas nem por isso precisamos “militar” (como dizemos hoje) ativamente no movimento, nem mesmo compartilhar dos mesmos ideais de Zamenhof ou de seus admiradores mais assíduos.

Sumarizando minhas afirmações anteriores, acredito que o esperanto foi muito importante pra mim – na verdade, crucial – na futura vida de poliglota, mesmo que nas intenções iniciais eu não quisesse aprender esperanto como uma iniciação a outros idiomas; de fato, eu achava mesmo que era possível a todos os cidadãos do mundo falar apenas sua língua materna, e o esperanto pra se comunicarem entre si. Hoje, julgo o esperanto como mais um idioma entre vários, e sua contribuição foi, sobretudo, absorvida pelo meu posterior aprendizado de outras línguas. Não me arrependo de ter aprendido e ter dedicado tanto tempo e energia ao esperanto: ele me proporciona o acesso a coisas que não conceberia existirem em outras línguas. Sem contar que, quando algum verbete de dicionário online ou algum texto está num idioma desconhecido, traduzido pra outros idiomas desconhecidos, e também em esperanto, vejo uma luz no fim do túnel. Por isso mesmo, acho que ele não substitui a atual capacidade crescente de poliglotismo, pois quando se defendia fervorosamente o uso do esperanto como idioma internacional indispensável, os recursos pro aprendizado linguístico eram muito escassos, e devemos ter fé no aperfeiçoamento dos métodos e no fortalecimento da educação, com decorrente aumento de habilidades. Além disso, tradução e interpretação devem continuar a fazer sentido: ninguém é obrigado a saber todos os idiomas do mundo. Minha opinião atual é a de que eu não vejo nenhum mal em aprender esperanto, e tudo depende do tempo, dos gostos e dos recursos da pessoa, sendo que a principal vantagem que vejo é ser essa introdução ao aprendizado de idiomas que citei. Mas se a pessoa tem tudo a seu favor pra começar direto com qualquer língua, ou com várias línguas nacionais, a começar pela habilidade, inteligência e comunicabilidade de sobra, não penso ser algo indispensável. Pode haver o caso em que, independente de sua capacidade linguística, alguém, principalmente estudioso de algum assunto, se sinta compelido a aprender a língua (o que, pras pessoas bem instruídas, é algo longe de ser penoso), somando mais uma riqueza ao seu arcabouço. Nunca se sabe quando se vai precisar dessas miudezas, não? Mas eu ainda sou instigado pela ideia de um idioma auxiliar planejado, a fim de evitar muitos transtornos. Não necessariamente aqueles idealizados por Zamenhof, pressupondo que “a incompreensão era a principal causa de conflitos entre os povos”, mas o fato é que os estudos interlinguísticos, dentro da ciência linguística mais ampla, ainda estão pouco desenvolvidos, e tem muitas questões que, como historiador, não estou apto pra responder.

Concluindo – Estou apenas lançando a questão. Eu gostaria de falar muito mais ainda sobre as críticas ao esperanto por ser um idioma “sem cultura, sem povo e sem país”, ou mesmo à ideia de que atualmente “ninguém o fala mais”, de que “não tem literatura”. Vou ter que deixar pra outra oportunidade, que espero não estar distante. Mas espero que esse compartilhamento de um pouco de minha vida intelectual, relacionado principalmente ao que tenho de mais caro em meu pensamento, que são os idiomas estrangeiros e o esperanto, tenha sido útil e agradável a vocês, embora muito condicionado pelas experiências de hoje. Claro que, se eu tivesse escrito este texto alguns anos atrás, ele seria bem mais pessimista, e talvez ele não fosse mais igual se eu decidisse reescrevê-lo daqui a alguns anos. O tempo é impiedoso, e a memória é flácida. Mas o esperanto é uma coisa que insiste em não me abandonar.


Bragança Paulista, 1.º-2 de abril de 2017



Lejzer Ludwik Zamenhof, o iniciador do esperanto.