segunda-feira, 31 de agosto de 2020

Aprenda o bom exemplo de Lei Feng


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/leifeng

Esta é a famosa canção patriótica e comunista/maoista chinesa Aprenda com o bom exemplo de Lei Feng (Xuéxí Léi Fēng hǎo bǎngyàng/学习雷锋好榜样). Eu mesmo a traduzi comparando a versão do vídeo com alguns trechos que achei isolados na web e com o resultado do Google Tradutor. Na fonte do áudio há também letra em chinês e legendas em inglês.

Segundo o livro Staging Chinese Revolution: Theater, Film, and the Afterlives of Propaganda, de Xiaomei Chen (p. 235), que achei no Google Books, a letra foi escrita por Hong Yuan logo depois que saiu um chamado de Mao Zedong no jornal oficial Renmin Ribao a aprender com Lei Feng, soldado do exército de apenas 21 anos que tinha morrido em 1962 num acidente. Publicado em 3 de março de 1963, o jornal inspiraria o surgimento da letra, segundo contam, apenas duas horas depois, e quase imediatamente o da melodia por Sheng Mao, pra música ser cantada na Praça da Paz Celestial durante o anúncio de novas políticas. O “mito de Lei Feng” como um rapaz honesto e bondoso foi uma das bases da reorganização do exército pros tempos de paz e do ressurgimento nacionalista com que se visaria retocar a imagem de Mao Zedong após o fracasso do “Grande Salto para a Frente”. Hong e Sheng eram veteranos de guerra.

Seguem abaixo minha legendagem, a letra em chinês com ideogramas (simplificados) e com a transliteração Pinyin, que é cantada duas vezes no vídeo, e a tradução:


Xuéxí Léi Fēng hǎo bǎngyàng
Zhōngyú gémìng zhōngyú dǎng
Ài zēng fēnmíng bù wàngběn
Lìchǎng jiāndìng dòuzhì qiáng
Lìchǎng jiāndìng dòuzhì qiáng

Xuéxí Léi Fēng hǎo bǎngyàng
Jiānkǔ púsù yǒng bù wàng
Yuàn zuò gémìng de luósīdīng
Jítǐ zhǔyì sīxiǎng fàng guāngmáng
Jítǐ zhǔyì sīxiǎng fàng guāngmáng

Xuéxí Léi Fēng hǎo bǎngyàng
Máo zhǔxí de jiàodǎo jì xīn shàng
Quánxīnquányì wéi rénmín
Gòngchǎn zhǔyì pǐndé duō gāoshàng
Gòngchǎn zhǔyì pǐndé duō gāoshàng

Xuéxí Léi Fēng hǎo bǎngyàng
Máo Zédōng sīxiǎng lái wǔzhuāng
Bǎowèi zǔguó wò jǐn qiāng
Yǒngyuǎn gémìng dāng chuǎngjiàng
Yǒngyuǎn gémìng dāng chuǎngjiàng

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学习雷锋好榜样
忠于革命忠于党
爱憎分明不忘本
立场坚定斗志强
立场坚定斗志强

学习雷锋好榜样
艰苦朴素永不忘
愿做革命的螺丝钉
集体主义思想放光芒
集体主义思想放光芒

学习雷锋好榜样
毛主席的教导记心上
全心全意为人民
共产主义品德多高尚
共产主义品德多高尚

学习雷锋好榜样
毛泽东思想来武装
保卫祖国握紧枪
永远革命当闯将
永远革命当闯将

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Aprenda com o bom exemplo de Lei Feng,
Leal à revolução, leal ao partido.
Saiba bem a quem amar e a quem odiar,
Nunca esqueça o passado de sofrimento,
Siga firmemente com ânimo elevado,
Nunca esqueça o passado de sofrimento,
Siga firmemente com ânimo elevado.

Aprenda com o bom exemplo de Lei Feng,
Nunca se esqueça de viver uma vida simples,
Seja uma pecinha da máquina revolucionária,
A ideologia coletivista brilha para sempre,
A ideologia coletivista brilha para sempre.

Aprenda com o bom exemplo de Lei Feng,
Lembre-se dos ensinamentos do Presidente Mao
Servir ao povo de todo coração,
O caráter do comunista é o mais nobre,
O caráter do comunista é o mais nobre.

Aprenda com o bom exemplo de Lei Feng,
Arme-se com o pensamento de Mao Zedong,
Empunhe o fuzil para defender a Pátria
Quando a revolução estourar para sempre,
Quando a revolução estourar para sempre.


Fiz uma zoeira também com a transcrição do nome “Jair Bolsonaro” em chinês, que segundo a Wikipédia, pelos ideogramas e pela pronúncia, ficaria “雅伊爾·博索納羅” (Yǎ.yī.ěr Bó.suǒ.nà.luó), hahaha:

Aprenda com o bom exemplo de Bosuo Naluo,
Leal ao apocalipse, leal ao partido.
Saiba bem a quem amar e a quem odiar,
Nunca esqueça o passado de sofrimento,
Siga firmemente com ânimo elevado,
Nunca esqueça o passado de sofrimento,
Siga firmemente com ânimo elevado.

Aprenda com o bom exemplo de Bosuo Naluo,
Nunca se esqueça de viver uma vida simples,
Seja uma pecinha da máquina apocalíptica,
A ideologia cristã brilha para sempre,
A ideologia cristã brilha para sempre.

Aprenda com o bom exemplo de Bosuo Naluo,
Lembre-se dos ensinamentos do Mestre Olavo,
Servir à economia de todo coração,
O caráter do conservador é o mais nobre,
O caráter do conservador é o mais nobre.

Aprenda com o bom exemplo de Bosuo Naluo,
Arme-se com o pensamento do Guru Olavo,
Empunhe o fuzil para defender os EUA
Quando o apocalipse estourar para sempre,
Quando o apocalipse estourar para sempre.



sábado, 29 de agosto de 2020

“L’Internationale” no original francês


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/internationale


Por sugestão de alguns parceiros e após muitos pedidos, finalmente uma tradução literal com legendas da letra original em francês do famoso hino L’Internationale (A Internacional). Todos já conhecem as postagens que fiz traduzindo pro português as versões em russo e iídiche, mas é a primeira vez que traduzo a letra original de Eugène Pottier (1871), que só recebeu melodia de Pierre Degeyter em 1888.

A informação seguinte é basicamente da Wikipédia em francês. Como um poema revolucionário, Pottier escreveu a letra durante a repressão da Comuna de Paris, em homenagem à Associação Internacional dos Trabalhadores. A AIT, também conhecida como “1.ª Internacional”, seria de 1864 a 1876 um órgão centralizado com seções nacionais, e não uma federação de partidos, como a “Segunda” social-democrata, e nela Karl Marx e Mikhaíl Bakúnin travaram verdadeiras guerras ideológicas. Hino da luta social pelo mundo, A Internacional é usada por socialistas, anarquistas, comunistas, sindicatos de esquerda, alguns sociais-democratas e em manifestações populares em geral.

Dedicado ao professor anarquista Gustave Lefrançais, o poema só escaparia do esquecimento porque o cancioneiro francês Gustave Nadaud, muito admirando a poética de Pottier, publicou pela primeira vez cerca de 50 poemas seus em 1884, mesmo sem concordar com as mensagens políticas. Inspirados nessa iniciativa, os parceiros políticos de Pottier publicaram em 1887 os Cantos revolucionários dele, entre os quais A Internacional, com um prefácio de Henri Rochefort. Ainda em 1888, o coral do Partido Operário Francês em Lille pediu que Degeyter, um de seus membros, criasse uma melodia original pro poema, que seria então cantado pela primeira vez na cidade em 23 de julho e teria a partitura publicada no ano seguinte.

A Internacional foi cantada em 1904 no congresso de Amsterdã da 2.ª Internacional social-democrata, e daí ganhou fama mundial, sendo traduzida pra inúmeras línguas. Como já postei aqui, Lenin admirava essa canção (no caso, sua tradução poética pro russo) e a adotou em 1918 como hino da Rússia soviética e em 1922 como hino da URSS, no lugar da Marselhesa Operária, adotada pelos revolucionários de fevereiro de 1917. A Internacional foi o hino tanto da RSFS da Rússia quanto da URSS toda até 1944, quando Stalin adotou um hino original no movimento de ressurgimento nacionalista.

Alguns grupos anarquistas deram a própria adaptação, L’Internationale noire (A Internacional Negra), dada a comum associação do hino original com o marxismo. No Brasil, o início da segunda estrofe “Messias, Deus, chefes supremos”, do português Neno Vasco, é trocado por socialistas e comunistas (mas não anarquistas) por “Senhores, patrões, chefes supremos”, por conta das frequentes alianças com católicos progressistas. Em respeito às principais correntes de esquerda, fiz o fundo do vídeo com os símbolos anarquista, social-democrata e comunista, bem como com a bandeira da França e com o rosto de Marianne, símbolo francês da República.

Muitos confundem o hino A Internacional com o hino da Internacional Comunista. Insisto que este hino não é exclusivamente comunista (muito menos o é sua origem, embora seja obviamente proletária) e que a Comintern nunca o utilizou como hino oficial. O hino que esta adotou em 1930 (Zavódy, vstaváite) provavelmente nunca teve ampla validade prática. Portanto, reclame se vir nesta canção o título “Hino A Internacional Comunista” ou “Hino da Internacional”, pois sequer pela AIT (a “Primeira”, que na verdade foi homenageada) ele foi adotado.

Em poucos minutos eu fiz a tradução direto do francês, conforme a versão final impressa em 1887 que aparece na Wikipédia. Uma versão manuscrita mais antiga e levemente diferente também aparece no site, tendo sido publicada em 1990 pelo historiador social Robert Brécy. Apesar da semelhança com Édith Piaf, na verdade é Rosalie Dubois quem canta esta versão, da qual deixei apenas as estrofes 1, 2 e final, geralmente as mais executadas. De brinde, pus o início da execução da Internacional nos carrilhões do Kremlin. Seguem a montagem, a letra em francês e a tradução:


1. Debout ! les damnés de la terre !
Debout ! les forçats de la faim !
La raison tonne en son cratère,
C’est l’éruption de la fin.
Du passé faisons table rase,
Foule esclave, debout ! debout !
Le monde va changer de base :
Nous ne sommes rien, soyons tout !

Refrain (2x):
C’est la lutte finale
Groupons-nous, et demain,
L’Internationale,
Sera le genre humain.

2. Il n’est pas de sauveurs suprêmes,
Ni Dieu, ni César, ni tribun,
Producteurs sauvons-nous nous-mêmes !
Décrétons le salut commun !
Pour que le voleur rende gorge,
Pour tirer l’esprit du cachot,
Soufflons nous-mêmes notre forge,
Battons le fer quand il est chaud !

(Refrain 2x)

3. Ouvriers, Paysans, nous sommes
Le grand parti des travailleurs ;
La terre n’appartient qu’aux hommes,
L’oisif ira loger ailleurs.
Combien de nos chairs se repaissent !
Mais si les corbeaux, les vautours,
Un de ces matins disparaissent,
Le soleil brillera toujours !

(Refrain 2x)

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1. De pé, danados da terra!
De pé, escravizados pela fome!
A razão troveja em seu vulcão,
É a erupção do fim.
Façamos tábua rasa do passado,
De pé, de pé, multidão escrava!
O mundo vai mudar sua base:
Não somos nada, sejamos tudo!

Refrão (2x):
É a luta final,
Agrupemo-nos, e amanhã
A Internacional
Será o gênero humano.

2. Não há salvadores supremos,
Nem Deus, nem César, nem tribuno,
Produtores, salvemos a nós mesmos!
Decretemos a salvação comum!
Para que o ladrão devolva o roubo,
Para tirarmos o espírito da masmorra,
Sopremos nós mesmos nossa forja,
Batamos enquanto o ferro está quente!

(Refrão 2x)

3. Operários, Camponeses, nós somos
O grande partido dos trabalhadores;
A Terra só pertence aos homens,
O ocioso irá morar em outro lugar.
Quanto de nossa carne é comida!
Mas se os corvos, os abutres,
Desaparecerem uma manhã dessas,
O Sol brilhará para sempre!

(Refrão 2x)



quinta-feira, 27 de agosto de 2020

Ύμνος εις την Ελευθερίαν (hino grego)


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/hino-grecia


Esta é a canção que serve atualmente como Hino Nacional da Grécia (República Helênica): Ύμνος εις την Ελευθερίαν (Ýmnos eis tin Eleftherían), o Hino à Liberdade. A letra foi escrita como um poema por Dionýsios Solomós em 1823 e recebeu uma melodia de Nikólaos Mántzaros em 1828. Foi adotado como hino da Grécia independente (Elláda) em 1865, e como hino da parte grega da ilha do Chipre em 1966. O poema original é muito mais comprido (158 estrofes no total), e apenas a primeira parte é usada como hino.

A letra desta tradução foi fornecida pela Embaixada da Grécia em Brasília e está reproduzida no livro Hinos de todos os países do mundo, de Tiago José Berg (Panda Books, 2012), do qual achei alguns trechos no Google Books. Eu apenas fiz alguns ajustes que deixassem o texto mais claro e moderno. Berg nasceu em Cordeirópolis, SP, em 1983, e desde pequeno ele coleciona informações sobre hinos, bandeiras e brasões de vários países do mundo. Possui graduação e mestrado em geografia pela Unesp de Rio Claro.

Segundo Tiago Berg, Solomós (1798-1857) nasceu na ilha de Zante e se inspirou na luta pela independência que a Grécia conquistou em 1821 ante o Império Otomano. Em 1824 o rei Jorge 1.º decretou o poema como hino nacional, apresentado na versão curta com duas estrofes. Mántzaros (1795-1873) nasceu na ilha de Corfu, no mar Jônico, e estudou música na Itália por vários anos. Apenas em 1865 o hino seria oficializado, nas 24 primeiras estrofes do poema, embora só as duas primeiras sejam tocadas em eventos oficiais.

Eu baixei o áudio cantado deste vídeo, e a vinheta com o hino instrumental está neste vídeo. Meu vídeo tem legendas triplas: na ortografia grega moderna, numa das muitas formas de romanizar e na tradução em português. Seguem abaixo a legendagem, as letras em grego na ortografia moderna (1) e na ortografia “politonal” que vigorou até 1982 (2), e a tradução:


1) Σε γνωρίζω από την κόψη
του σπαθιού την τρομερή,
σε γνωρίζω από την όψη
που με βία μετράει τη γη.

Απ’ τα κόκαλα βγαλμένη
των Ελλήνων τα ιερά,
και σαν πρώτα ανδρειωμένη,
χαίρε, ω χαίρε, Ελευθεριά!

2) Σὲ γνωρίζω ἀπὸ τὴν κόψι
τοῦ σπαθιοῦ τὴν τρομερή,
σὲ γνωρίζω ἀπὸ τὴν ὄψι,
ποὺ μὲ βιά μετράει τὴν γῆ.

Ἀπ’ τὰ κόκκαλα βγαλμένη
τῶν Ἑλλήνων τὰ ἱερά,
καὶ σὰν πρῶτα ἀνδρειωμένη,
χαῖρε, ὢ χαῖρε, Ἐλευθεριά!


Eu a conheço pelo corte
terrível da espada,
eu a conheço pela face
que mede o chão com ímpeto.

Tirada dos ossos
sagrados dos gregos,
e valente como outrora,
salve, ó, salve, Liberdade!


terça-feira, 25 de agosto de 2020

Poporul, Ceaușescu, România (canção)


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/poporul


Esse é daqueles clássicos que eu conhecia desde bem antes de fundar o blog, quando eu era um simples universitário doido por escutar MP3 com música dos antigos países comunistas. Por isso, mais do que uma simples tradução, foi um sonho enfim transformado em legendagem! Esta canção se chama Poporul, Ceaușescu, România (O povo, Ceaușescu, a Romênia), e era talvez a mais famosa, mesmo no exterior, louvando Nicolae Ceaușescu, ex-ditador comunista da Romênia fuzilado pelo exército após julgamento sumário em 25 de dezembro de 1989.

Ceaușescu nasceu em 1918, quando a Romênia ainda era um reino, e em 1965 sucedeu Gheorghe Gheorghiu-Dej como secretário-geral do Partido Comunista da Romênia (então no poder) após a morte deste. Ele também passou a acumular os cargos de presidente do Conselho de Estado em 1967 e de presidente da Romênia (recém-criado) em 1974. Conhecido pela brutalidade, pela corrupção nepotista e pela miséria na qual deixou seu povo, Ceaușescu estimulou um culto exagerado à sua pessoa e à de sua esposa Elena (nascida em 1916) e deteriorou a diplomacia do país, inclusive com a antiga URSS.

Foi derrubado após o processo conhecido como “revolução romena de 1989”, que explodiu após o massacre de manifestantes pacíficos na cidade de Timișoara (21/12/1989) e o discurso público na capital (Bucareste, 22/12) em que o ditador tentou justificar a repressão. Com a confusão popular após seu comício, o casal Ceaușescu tentou fugir do país, mas foi preso e condenado num julgamento simulado (25/12), após o qual foram fuzilados pelo exército. Teve 3 filhos: Valentin, físico ainda em atividade, Nicu, alcoólatra envolvido no Partido e morto de cirrose, e Zoia, matemática fumante que morreu de câncer no pulmão.

É natural que líderes relevantes, mesmo não autoritários, tenham algum grau de culto por parte da população ou do Estado, mas a bajulação aos Ceaușescu beirava o ridículo, como vemos nesta canção de autoria anônima. Até mesmo Elena, que não completou a escola e só trabalhou como auxiliar de laboratório, chegou a ganhar doutorado honoris causa de Química! Após alguns meses estudando romeno, consegui traduzir a letra, comparando ainda com uma versão em inglês, ambos os textos vindo deste vídeo. Fiz a partir deste, porém, meu vídeo, apenas mudando o áudio, cujo volume aumentei.

O romeno é uma língua românica ou neolatina, como o português, o espanhol, o francês e o italiano. Por isso muitas palavras são parecidas (sobretudo com o italiano, dado o contato constante entre as duas penínsulas), mas é difícil de entender por causa do substrato trácio na sintaxe (comum também ao albanês, búlgaro e, talvez, grego). Como disse com justeza Luciano Maia em seu livro de 2019 sobre o idioma, ele é a verdadeira “última flor do Lácio”, pois tomou sua forma final depois do português. A diferença fundamental para com o dialeto aromeno e o extinto dálmata, falados do outro lado do Danúbio, é que estes tiveram mais influxo itálico, enquanto o isolamento político do romeno fixou os influxos eslavos, húngaros e túrquicos. Curiosidade: até o fim do século 19 foi escrito em cirílico, só então adotando o alfabeto latino, após um renascentismo cultural.

Embora às vezes apareçam com um cedilha embaixo as letras “s” (com som de “ch”) e “t” (com som de “ts”), o padrão é escrever com uma espécie de vírgula, não grudada: “Ș/ș” e “Ț/ț”. Foi nesse espírito que corrigi o texto-base em romeno, além de mudar algumas vogais. Seguem a legendagem, a letra em romeno e a tradução:


Din veacuri a luptat această țară
Și fiii ei de veacuri au visat
Această minunată primăvară
Pe care o trăim inflăcărat.

Noi împlinim tot ce-au visat străbunii
Și ducem mai departe visul lor
Spre frumusețea acestei țări și-a lumii
Spre fericirea acestui drag popor.

Refren (2x):
Poporul, Ceaușescu, România!
Partidul, Ceaușescu, România!

Avem în fruntea noastră un fiu al țării
Cel mai iubit și cel mai ascultat.
Ce-n lume, până-n depărtarea zării
E prețuit de oameni și stimat.

Și-aceste trei cuvinte minunate,
Cuvinte demne ca un tricolor,
Noi le purtăm în inimă săpate,
Spre comunism, spre anii viitori.

(Refren 2x)

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Por séculos este país lutou
E há séculos seus filhos têm sonhado
Com esta primavera maravilhosa
Que estamos vivendo com ardor.

Realizando todos os sonhos ancestrais,
Estamos chegando ainda mais longe
Rumo à beleza deste país e do mundo,
Rumo à felicidade deste povo querido.

Refrão:
O povo, Ceaușescu, a Romênia!
O partido, Ceaușescu, a Romênia!

À nossa frente temos um filho do país,
O mais amado e o mais escutado,
Que no mundo até o fim do horizonte
É valorizado e estimado pelas pessoas.

E essas três palavras maravilhosas,
Dignas de nossa bandeira tricolor,
Nós as levamos gravadas no coração,
Rumo ao comunismo e a anos futuros.

(Refrão 2x)


domingo, 23 de agosto de 2020

Presidente da Moldova falando russo


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/dodon-russo

Quase caí de costas quando escutei o trecho em russo do discurso de Igor Dodon na Assembleia Geral da ONU de 2019. O presidente da pequena República da Moldova tem a voz idêntica à de Putin quando fala a língua russa, e não a romena! Achei esse discurso enquanto procurava coisas relativas a meu interesse recente quanto à língua romena e aos países Romênia e Moldova.

Dodon se afirma “neutro” em política externa, mas mantém relações muito boas com Moscou. Dado o pertencimento ao antigo Império Russo e à antiga URSS, há uma significativa minoria de língua russa na Moldova, e embora ela tenha pertencido à Romênia entre as duas Guerras Mundiais, muitos habitantes ainda falam russo fluentemente.

As instituições estatais preferem chamar o país de Moldova ao invés de Moldávia, forma corrente no período soviético e ainda usada em muitos meios. Como gentílico da Moldávia, eu uso “moldávio/a”, e da Moldova eu uso “moldavo/a”, embora dicionários também registrem “moldovo/a”. A língua é praticamente idêntica ao romeno, mas apenas com variações dialetais, e foi escrita com alfabeto cirílico quando era falada na URSS.

Quando mostrei a alguns amigos, eles acharam também que a voz de Dodon, na verdade, é até mais grossa que a de Putin. Eu não legendei o vídeo por enquanto, mas logo abaixo vocês podem ler a tradução literal que fiz diretamente do trecho que está em russo (a partir do discurso integral traduzido em russo, mas levemente modificado em relação à fala) e o texto original:


Prezadas senhoras e senhores,

A República da Moldova é um país multiétnico onde estão representadas cerca de 125 etnias. Um terço da população se considera falante do russo. A língua russa é uma das seis línguas oficiais da ONU e tem na Moldova o estatuto de língua de comunicação entre nações.

Como Presidente da República da Moldova, considero ser tarefa central da maioria parlamentar recém-formada, apoiada por 80% da população do país, bem como por nossos parceiros estratégicos no Ocidente e no Oriente, a formação de um Estado constitucional unido, democrático, neutro e multiétnico, no qual seja garantida a cada morador uma vida digna e a confiança no dia de amanhã.

Vamos fraternizar e trabalhar mutuamente com todos os nossos parceiros. A política do “ou-ou”, que foi conduzida nos últimos anos por uma série de grandes potências para com a República da Moldova, mostrou claramente ser enganosa e prejudicial.

Sou um adepto da concepção de construção de uma Grande Europa de Lisboa a Vladivostok, e como um Estado europeu a Moldova desempenhará um papel especial nesse processo.

Quero sublinhar novamente que, como chefe de Estado, sou partidário ativo de um caminho equilibrado para a política externa da República da Moldova e que estou pronto para colaborar integralmente numa cooperação de vantagens mútuas com todos os Estados-membros da ONU com os quais tenhamos relações diplomáticas.

Para o povo moldavo, assim como para os povos dos outros países-membros da ONU, a paz é o valor principal. Faremos esforços para garantir a coexistência pacífica com nossos vizinhos e parceiros de desenvolvimento.

Nossa intenção é reforçar a estabilidade e a segurança da República da Moldova, conservar o estatuto de neutralidade permanente garantido ao nosso Estado pela Constituição e buscar seu reconhecimento a nível internacional. Nesse sentido, o exemplo de neutralidade militar de alguns Estados, em especial a Áustria, pode ser tomado como modelo para a República da Moldova. Por outro lado, neutralidade não significa isolamento, e a Moldova continuará seguindo rumo ao reforço da colaboração multilateral com a Rússia, os EUA, a União Europeia, seus vizinhos e outros Estados.

Considero que o segredo de nosso sucesso está no avanço da concepção de que a República da Moldova seja reconhecida no mundo todo como militarmente neutra e na conclusão paralela do processo de exportação e reciclagem da munição deixada no território da República da Moldova nos tempos da antiga URSS.

Quando for encontrada uma solução política definitiva do conflito na Transnístria, também não será mais necessário implantar uma missão pacificadora em nosso território.


Уважаемые дамы и господа,

Республика Молдова – полиэтническая страна, в которой живут представители около 125-ти этносов. Треть населения считают себя русскоязычными. Русский язык – один из шести официальных языков ООН – имеет в Молдове статус языка межнационального общения.

Как Президент Республики Молдова считаю основной задачей недавно сформированного парламентского большинства, поддерживаемого восьмьюдесятью процентами населения страны, а также нашими стратегическими партнёрами на Западе и на Востоке, создание единого правового демократического нейтрального полиэтнического государства, в котором каждому жителю гарантировано достойное проживание и уверенность в завтрашнем дне.

Мы будем дружить и взаимодействовать со всеми нашими партнёрами. Политика «или-или», которая в последние годы проводилась рядом крупных держав в отношении Республики Молдова, ясно показала свою ошибочность и ущербность.

Я приверженец концепции построения Большой Европы от Лиссабона до Владивостока, и Молдова как европейское государство сыграет в этом процессе особую роль.

Хочу ещё раз подчеркнуть, что как глава государства я являюсь активным сторонником сбалансированного внешнеполитического курса Республики Молдова и готов всецело содействовать взаимовыгодному сотрудничеству со всеми государствами-членами ООН, с которыми у нас установлены дипломатические отношения.

Для молдавского народа, как и для народов других стран-членов Организации Объединенных Наций, мир – главная ценность. Мы стремимся обеспечить мирное сосуществование со своими соседями и партнёрами по развитию.

Мы намерены укреплять стабильность и безопасность Республики Молдова, сохранять закреплённый Конституцией статус постоянного нейтралитета нашего государства и добиваться его признания на международном уровне. В этом смысле пример военного нейтралитета некоторых стран, в частности Австрии, может быть принят за образец для Республики Молдова. Вместе с тем, нейтралитет не означает изоляцию, и Молдова продолжит предпринимать шаги по укреплению многостороннего сотрудничества с Россией, США, Европейским союзом, своими соседями и другими государствами.

Считаю, что залогом нашего успеха является продвижение концепции международного признания военного нейтралитета Республики Молдова параллельно с завершением процесса вывоза и утилизации боеприпасов, оставшихся на территории Республики Молдова со времён бывшего СССР.

По достижении окончательного политического урегулирования приднестровского конфликта отпадёт и необходимость в осуществлении на нашей территории миротворческой миссии.



sexta-feira, 21 de agosto de 2020

“Dmitri descobre” (tradução do meme)


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/dmitri


Este meme, acrescido de diferentes legendas fake, circulou durante a década inteira na internet de todos os países. Este vídeo é a versão completa da entrevista de um programa da TV local em Velíki Nóvgorod, na Rússia, sobre o estilo musical trance music, uma variante do techno que mistura house e outros gêneros. O moço que entrou no meio da entrevista tava tão louco que acabou virando meme nas redes sociais, mas como ninguém soube jamais definir sua identidade (talvez apenas que se chamava Denis), ficou conhecido como “Dmitri”, ou pelo nome completo do meme, “Dmitri Finds Out” (Dmitri descobre que).

Sem entender o significado do vídeo, a maioria dos estrangeiros interpretou como se ele estivesse criticando um determinado assunto, e a moça o atualizasse com uma informação positiva e ele começasse a comemorar. Mas na verdade, provavelmente devia ser meio bêbado ou deficiente, e a graça está em que Dmitri diz achar a música ruim, mas quando perguntado sobre o estilo, começa do nada a dançar, sem responder mais nada... Tanto que na Rússia mesma, o vídeo não é conhecido como “Dmitri descobre que”, mas “Óchen plokháia múzyka” (Música muito ruim) ou “Napravlénie? Kakóie napravlénie?” (Estilo? Que estilo?), que fazem parte do diálogo. Incrivelmente, é um dos memes de repercussão mais duradoura da história, e nos uploads russos originais, ainda vem gente de uns meses ou até semanas atrás fazendo piadas ou elogiando.

Um dos mais famosos sites em inglês explicando memes de diversos países dá as seguintes informações sobre “Dmitri” (quase sempre escrito “Dimitri”, com três “i”). A entrevista foi gravada na boate “Kompas” de Veliki Novgorod pelo canal de TV local “Triada”, com os primeiros vídeos aparecendo em sites russos em 28 de março de 2008. O primeiro upload no YouTube data de 11 de outubro de 2008, enquanto a primeira tradução pro inglês data somente de 5 de janeiro de 2010, revelando que o nome da “música muito ruim” sob a qual Dmitri cai na dança é Sound of Sunday, de Joonas Hahmo. Enfim, em 12 de março de 2013, a emissora Triada carregou uma versão do vídeo em alta qualidade e, além do que eu já disse acima, informou que a repórter se chamava Varvara Brandl (Варвара Брандл) e que o show em questão tinha o nome “Rain” (Рэйн). No término, já com o vídeo cortado, a outra canção é Atlantida, de Alexander Popov junto com Syntigma. Mesmo em Veliki Novgorod quase não há dados sobre a boate Kompas, as poucas fontes revelando que em 2008-9 era um local onde DJs tocavam toda quinta-feira músicas pros universitários.

A grande má notícia é que jamais alguém conseguiu revelar a verdadeira identidade e história de vida do suposto Denis, nem mesmo os russos, tendo ele talvez mudado e apagado várias redes sociais por causa do imenso assédio. As únicas fotos presumidamente dele (primeira e segunda) foram copiadas por internautas que dizem ter conseguido acesso a algumas de suas páginas antes que ele as apagasse. Diz-se que no passado ele teria trabalhado como taxista e que ele não teria gostado de receber a fama com esse meme. Entre seus hipotéticos sobrenomes verdadeiros estariam Okorochkov, Korochkov e Kozlov. Outro nome pelo qual se conhece o meme na Rússia é “Muzykálnaia líchnost” (Personalidade musical), e... quem sabe até o grande “charme” dele não seja esse misterioso anonimato?

A primeira paródia em inglês do vídeo foi postada no YouTube em 27 de janeiro de 2010, reclamando de bots no jogo online Silkroad, contra os quais o autor teria lutado em vão por muitos anos. Após o pico de popularidade no começo da década, “Dmitri” parece ter sido esquecido por uns anos, até ser retomado pelo América Mineiro em 2017, que “comemorava” o fato de então continuar sendo líder da Série B após uma derrota do Internacional. Quanto à repórter, está atualmente casada, com filha pequena e vivendo em Düsseldorf, na Alemanha, também é conhecida como Varka ou Barbie Brandl (sobrenome do marido, aliás) e tem contas no Facebook, VKontakte e Instagram.

A transcrição do diálogo original, muito difundida na Rússia, também pode ser lida abaixo, junto com minha legendagem e com a tradução, levemente corrigida em relação às legendas originais de 2019:


– Очень мало народу, мадам!
– Погоди [Отойди?]!
– Очень… О-о-о…
– Скажите, скажите, что за музыка играет сейчас?
– Беспонтовая музыка. На самом деле, очень плохая музыка.
– А зачем Вы пришли сюда?
– Я думал, намного будет… Намного лучше будет это все. И очень плохая музыка, просто очень плохая музыка! Я думал, намного лучше это все будет. Сколько раз сюда ходи-и-и-л – было намного лучше, но на этот раз как-то не удало-ось. Во-первых, народу мало, музыка – не очень…
– А что за направление?
– А?
– Что за направление?
– Направление? Какое направление?
– Что за направление музыки играет сейчас?
(“Dmitri” cai na dança.)


– Muito poucas pessoas, “madame”!
– Um momento!
– Muito... muuu...
– Diga, diga o que acha da música que tá tocando?
– Uma música sem graça. Na verdade, música muito ruim.
– E por que você veio aqui?
– Pensei que ia ser tudo... muito melhor. A música é muito ruim, simplesmente muito ruim! Pensei que ia ser tudo muito melhor. Vim muitas vezes aqui, estava muito melhor, mas não sei por que desta vez não. Primeiro, pouca gente, a música, não muito...
– E o que acha do estilo?
– Hã?
– O que acha do estilo?
– Estilo? Que estilo?
– O que acha do estilo de música que tá tocando?


quarta-feira, 19 de agosto de 2020

Κάλαντα Χριστουγέννων (Natal Grego)


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Só em 2019, embora fosse muito famosa, descobri Nana Mouskouri, uma das maiores cantoras da história, de origem grega e que passou a maior parte de sua vida nos EUA e na Europa Ocidental. Ela canta em muitas línguas, e como não podia deixar de ser, trouxe pra nós muita coisa linda em grego, sua língua materna. Em 24 de dezembro de 1972, uma TV francesa exibiu o especial L’Arche de Noël (A Arca de Natal, um trocadilho com “L’Arche de Noé”), em que ela cantou a “Κάλαντα Χριστουγέννων” (Kálanta Christougénnon), o mais famoso canto natalino da Grécia. Geralmente tambem é conhecido apenas como “Κάλαντα” (Kálanta), “Καλήν ημέραν, άρχοντες” (Kalín iméran, árchontes, verso inicial) ou “Χριστός γεννάται” (Christós gennátai, começo do refrão).

A kálanta (pronunciada e às vezes transcrita como “kálanda”) é um canto tradicional dos natais gregos, dentro de um costume em que as festas já começam 14 dias antes do Natal, quando as crianças passam nas casas cantando essas músicas. Ela também existe em culturas vizinhas, como a russa, em que é chamada koliádka, e a romena, que a diz colindă. A canção aqui traduzida geralmente é traduzida como “Canto Grego de Natal/Natalino” ou apenas “Canto de Natal” (em inglês, “Christmas Carol”), e se executa acompanhada de instrumentos de percussão leve, como triângulos e violões. A Kálanta ganhou fama fora da Grécia justamente com as muitas apresentações que Nana Mouskouri fez dela através, sobretudo, da Europa.

A letra completa em grego, na verdade, é bem mais comprida, e no Wikisource grego pode ser lida nas versões integral e abreviada (que Nana canta). Embora eu tenha achado duas traduções mais ou menos literais pro inglês na Wikipédia e num site de língua e cultura gregas, não é informado que, na verdade, o texto está em katharévousa, uma variante formal e arcaizante do grego, mais próxima da língua clássica, que era oficial na Grécia até 1976. Por isso mesmo, quando procurei as palavras no Wiktionary, elas remetiam quase sempre ao grego antigo, e não moderno. O padrão atual é formado predominantemente da variante dimotikí, ou seja, a língua do povo, com alguma influência do katharévousa, sobretudo em instâncias formais ou escritas.

No vídeo da apresentação sem legendas, os créditos estão em italiano, e há também o trecho de uma entrevista da Nana em grego, em que ela cantarola o começo da música e do qual tirei minha abertura. Quem desejar, pode ainda escutar o áudio completo da canção, e seguem abaixo minha legendagem, a letra em grego e a tradução; não coloquei as repetições de sílaba que ela faz, mas acabei traduzindo e juntei ao fim outra estrofe comum, mas não cantada aí:



Καλήν ημέραν, άρχοντες,
Κι αν είναι ορισμός σας,
Χριστού τη θεία γέννηση
Να πω στ’ αρχοντικό σας.

Χριστός γεννάται σήμερον,
Εν Βηθλεέμ τη πόλει,
Οι ουρανοί αγάλλονται,
Χαίρει η φύσις όλη.

Εν τω σπηλαίω τίκτεται,
Εν φάτνη των αλόγων,
Ο Βασιλεύς των ουρανών
Και Ποιητής των όλων.

Σ’ αυτό το σπίτι που ’ρθαμε,
Πέτρα να μην ραγίσει,
Και ο νοικοκύρης του σπιτιού,
Χίλια χρόνια να ζήσει.


Bom dia, homens nobres,
Se essa for sua decisão,
Que eu cante em sua mansão
O sagrado nascimento de Cristo.

Cristo está nascendo hoje
Na cidade de Belém,
Os céus estão se rejubilando
E toda a natureza se alegrando.

Naquela gruta está nascendo,
Numa manjedoura de cavalos,
O Rei dos céus
E Criador de tudo.

Chegamos nesta casa,
Que nenhuma pedra rache
E que o dono da casa
Possa viver por mil anos.




segunda-feira, 17 de agosto de 2020

RARO: Stalin falando descontraído


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Há algum tempo encontrei este vídeo ao acaso, descrito em inglês, mas só em dezembro passado tive tempo de legendar. O dono do canal, porém, mesmo dizendo que o vídeo era muito raro, não soube explicar nem a fonte, nem a época, nem o contexto. Por meio de um rascunho de tradução postado num comentário, e catando o que eu entendia do áudio, achei o texto que parece ter servido de fonte. Trata-se do trecho de um discurso proferido por Iosif Stalin, líder da URSS de 1924 a 1953, numa reunião de motoristas avançados (ou “de vanguarda”) de colheitadeiras, em 1.º de dezembro de 1935. O texto foi publicado pela primeira vez no jornal Pravda de 4 de dezembro de 1935 e se encontra no tomo 14 das Obras completas de Stalin.

O que Stalin fala não tem nada a ver com o que foi publicado, pois embora haja muito do que se pode escutar no vídeo, o texto foi totalmente editado e modificado. Dessa forma, mesmo conseguindo reconstruir a maior parte em russo, me apoiei basicamente na tradução voluntária em inglês pra fazer o texto em português. Mas o mais interessante é ver um dos raros momentos em que Stalin é filmado falando no que se pode dizer “tom cotidiano” ou “fala normal”, sem aquela impostação e vagarosidade de discurso lido. Todos já conhecem sua “voz de eunuco”, que destoa do modo como o mito foi difundido. Mas o filme confirma essa descontração e populismo maiores de Stalin, em comparação com Hitler, que poucas vezes se via com ar jocoso e falando de perto com o povo.

Sou muito grato ao russo Dmitri Tikhomirov pela transcrição e sua própria tradução (que corrigi um pouco). Ressalto que os próprios russos afirmam ser difícil até pra um cidadão de hoje entender um áudio de Stalin: ele era georgiano e, mesmo abandonando a língua materna, seu russo tinha forte sotaque. Seguem os textos em russo, português e inglês, e o vídeo legendado; os colchetes em russo indicam variantes mais comuns das palavras que Stalin usou com o mesmo significado:


И ещё одна причина. Так как люди стали жить у нас лучше, чем в старое время, то и размножаться стали быстрее. Это очень хорошо, мы это приветствуем, товарищи. Сейчас у нас каждый год чистого прибытку [= прибавления] населения три миллиона. Это значит, каждый год мы получаем приращение на целую Финляндию. Десять лет, десять Финляндий, десять государств. Народу прибывает [= увеличивается] здорово. Смертности мало, рождаемость поднимается. Молодые, маленькие детишки ‒ о них забота нашего правительства, вы сами знаете, большая ‒ растут, выживают.

E mais uma razão. Desde que as pessoas começaram a viver melhor em nosso país do que nos velhos tempos, elas começaram a se multiplicar mais rapidamente. Isso é muito bom, congratulamo-nos com isso, camaradas. Agora, temos três milhões de lucro populacional líquido a cada ano. Isto significa que todos os anos o crescimento da nossa população é igual à população de toda a Finlândia. Dez anos, dez Finlândias, dez países. Um número cada vez maior de pessoas. A mortalidade é pequena, a taxa de natalidade está crescendo. Jovens, crianças pequenas ‒ vocês sabem disso, o grande cuidado do nosso governo é com eles ‒ eles crescem, sobrevivem.

One more reason. As people start to live better to compare with old times, so they start to reproduce faster. And this is very good. We welcome this, comrades. Now every year we have a population gain of 3 million. It means every year we have an increment at a size of Finland. 10 years, 10 Finlands. 10 countries. A huge gain of people. Mortality is low, a birth-rate is rising. Young, little kids, you know, our government takes a great care of them. They grow, they survive.



sábado, 15 de agosto de 2020

Revolução burguesa e revolução alemã


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Adaptação de umas notas que fiz a amigos no WhatsApp, explicando primeiro a noção marxista de “revolução burguesa” (que pode parecer um oximoro), depois os motivos que podem ter levado aos fracassos revolucionários comunistas na Alemanha da década de 1920.

O conceito de “revolução burguesa” nasceu com Marx, porque as revoluções até então conhecidas (inglesa, americana, francesa e as europeias de 1848) tinham sido comandadas pela burguesia (isto é, a detentora dos meios de produção) pra derrubar o poder absolutista monárquico (já não era mais feudal), que tentava controlar sozinho a economia. Sem o monarca (ou com o poder dele reduzido), a burguesia poderia passar não apenas a controlar a economia, mas também a política, ou seja, criar leis que favorecessem o máximo aumento de seu lucro (no século 19, favorecendo portanto o livre mercado).

Na opinião de Marx (tô só descrevendo, não criticando ou apoiando!), embora a burguesia comandasse as revoluções, quem as fazia era o povo, como você bem disse. “Ser massa de manobra”, aí vai depender do ponto de vista: as grandes massas sofriam com problemas econômicos, e a burguesia manipulava esses sentimentos pra usá-las de “carne de canhão” nas suas guerras. No fim, a burguesia ficava com o poder político, e alijava o povo do poder, que continuava pobre e ferrado. O “modo de produção capitalista burguês” (industrial), como Marx chama, teve a propriedade de aumentar muito a riqueza, mas ao custo de tornar o trabalhador uma simples manivela de máquina, trabalhando o máximo pra produzir o máximo e ganhar o mínimo (é a “teoria da mais valia”, que explica como se gera esse lucro, mas é outra discussão). Por isso, na visão dele, como o trabalhador é que dava o duro, e era maioria da população, e a burguesia só gerenciava e era minoria, ele achava que: 1) os trabalhadores deviam também ocupar a gerência das fábricas, pra ficar com a riqueza que eles mesmos produziam; 2) e deviam, portanto, também ocupar o poder de Estado, já que em última instância ele seria um auxílio do econômico (hoje já se abandonaram as leituras mais mecânicas dessa tese).

Por isso, Marx consagra o conceito de “revolução proletária”, ou seja, que devia ser feita pelos trabalhadores industriais urbanos, maioria do povo na Inglaterra, França e Alemanha do século 19. Assim, “revolução” não deve ser vista em abstrato, mas de acordo com a classe que a promove ou lidera. O próprio Marx disse que a seu tempo, pelas razões que citei acima, a burguesia tinha sido uma classe “revolucionária”, mas depois se tornou “reacionária” porque queria conservar seu poder contra a contestação operária. Pra uma minoria conservar seu poder diante de uma maioria descontente, na maioria do tempo é óbvio que devia ser usada a força bruta (exército, polícia), mas Marx e Engels não excluíam que em alguns países essa conquista do poder podia se dar por meio de eleições, portanto não identificavam “revolução” como uma mudança violenta, embora fosse sempre brusca. Era o que já pensavam sobre a Alemanha nos anos 1890 (Engels).

Lenin veio adicionar dados novos, com a evolução do capitalismo na virada do século, e justamente por isso a Revolução de Outubro até hoje é a maior fonte de confusão. Lenin queria fazer essa revolução na Rússia, mas o país mal tinha classe operária, nem sequer parlamento e partidos políticos como entendia o Ocidente. Ocorria também que, sendo a burguesia a classe dominante no Ocidente, ela não deixou de usar o Estado pra seu benefício (capitalismo monopolista de Estado): colonialismo, monopólios/trustes, limitação da livre concorrência... Lenin então usou o conceito de “revolução democrático-burguesa” pra nomear uma fase que devia dotar a Rússia de instituições providas pela burguesia em outros lugares: parlamento, liberdades, partidos, constituição etc. Ou seja, o que a burguesia fez em outros países Lenin queria que os próprios trabalhadores (tanto operários quanto camponeses) fizessem na Rússia.

As condições em que ocorreram a Revolução de Outubro foram bem particulares: 1) como as antecessoras “burguesas”, acabou sendo violenta; 2) apesar da narrativa comunista, a massa popular não teve tanta participação na derrubada do Governo Provisório quanto teve em fevereiro na derrubada do tsar; 3) esse levante promovido pelas massas do próprio partido de Lenin acabou trazendo à frente do processo (e depois do Estado que apareceu) a vanguarda insurrecional, que no caso se confundia com esse partido, terminando por se tornar uma elite fechada separada do povo, na época de Stalin.

Por isso, e dado que outras “revoluções” do século 20 muitas vezes terminaram por tentar copiar acriticamente o modelo russo, geralmente se acha que revolução tenha que ser: 1) violenta; 2) de esquerda; 3) só pra tirar o governo da hora, sem nem sempre tocar nas estruturas do país. Por isso mesmo, muitos golpes militares por generais que simplesmente tinham algum carisma popular foram chamados “revoluções”. Bem como esse caráter brusco de tomada do poder também permitiu que se chamasse o golpe militar no Brasil de “Revolução de 1964”!


Fiquei devendo algo sobre a Revolução Alemã. O historiador Pierre Broué tem um livro só sobre isso (Révolution en Allemagne), mas também fala muito no compêndio sobre a Comintern (A Internacional Comunista, Editora Sundermann). É um processo complexo, que indica tanto a política da URSS pra com a Alemanha quanto os problemas internos deste país.

O país foi um dos que mais ficou ferrado por causa da guerra, e óbvio que tinha insurreição operária, popular, saques etc. E vários grupos querendo tomar o poder. O partido social-democrata (SPD), que era pró-ordem, proclamou a República por conta própria e deixou o Kaiser sair tranquilamente. Os comunistas (espartaquistas e KPD), que detestavam o SPD, queriam o fim do sistema inteiro e também fizeram a insurreição. O SPD acabou dando bandeira branca pra que os Freikorps (paramilitares de extrema-direita, protonazistas) ajudassem a reprimir (ou seja, matar) os comunistas, e daí que Rosa Luxemburgo e Karl Liebknecht foram assassinados.

Rosa e Karl eram dos líderes mais populares e habilidosos. Os outros eram mais confusos ou perdidos em rixas pessoais. A grande diferença comparando à Rússia era que o poder era bem mais forte, não tava num vácuo, então reagiu com mais força. E de fato, os operários ficaram em maioria a favor do SPD, o que dificultou bem pros comunistas. Mas a tensão social na Alemanha ia continuar praticamente até o nazismo. Esses fatores ajudaram o KPD a ficar fraco, mas houve também o saque literal dos Aliados contra a Alemanha, intervenções militares nesta e a crise de 29, que afundou de vez o país. Num discurso que conhecemos bem, toda a classe empresarial, com o silêncio do SPD, deixou o caminho aberto pro Hitler, preferindo ordem e lucro a todo custo. O SPD simplesmente saiu de cena, e o alvo primeiro dos nazis foi o KPD.

Mas até os anos de 1921 e 1923, estes fatores foram determinantes pro KPD não tomar o poder: brigas e rachas internos; a própria fraqueza numérica; a indecisão de Moscou ora estimulando, ora freando as tentativas de levante; e o próprio lançamento de ações suicidas, seja por iniciativa de Moscou, seja dos alemães mesmos, que já estavam fadadas ao fracasso e deixavam a repressão ainda mais forte. Enfim, os fatores objetivos estavam lá, mas os fatores subjetivos foram bem embaralhados.



quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Berlim rumo às Olimpíadas de 1936


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/berlim1936


Achei por acaso este curto vídeo documentário de pouco mais de 8 minutos, feito pelo governo do Reich nazista da Alemanha e mostrando a capital Berlim preparada pra receber os Jogos Olímpicos de 1936. Em 30 de janeiro de 1933, Adolf Hitler tinha chegado ao cargo de chanceler (primeiro-ministro) escolhido pelo presidente Hindenburg, e quando este morreu, Hitler acumulou os dois cargos e se proclamou Führer (líder, guia) da Alemanha. Começava então a implantação da ditadura nazista e de suas políticas persecutórias e segregadoras.

Em 1936, Berlim foi escolhida pra sediar os 11.ºs Jogos Olímpicos de Verão, oportunidade que o Partido Nazista usou pra fazer propaganda mundial de seu regime. A ocasião ficou conhecida quando Hitler se recusou a cumprimentar o vencedor dos 100 metros rasos, o negro norte-americano Jesse Owens, que de quebra ainda estabelecia um novo recorde. Mas o objetivo inicial era mostrar não só a supremacia alemã no esporte, mas também a reconstrução arquitetônica e econômica de um país que em 1929 vivia um surto de hiperinflação e empobrecimento. Nenhum líder nazista aparece no vídeo, mas a cidade de Berlim é bastante exibida, em diversos pontos que até hoje são muito turísticos.

Ironicamente, alguns dos lugares que aparecem ficaram dentro de Berlim Oriental após a cisão do país, em 1949, como a Alexanderplatz, onde existe até hoje o famoso Relógio Mundial, e o Palácio Real de Berlim. Esse lindo e histórico palácio, tornado um museu após o fim da monarquia, foi injustamente demolido pela Alemanha comunista, o que demorou quatro meses dado o gigantismo do edifício. Desde 2013 está sendo reconstruído, com previsão de ficar pronto no fim de 2020.

Junto com o vídeo original, do qual só aumentei o volume, baixei também as legendas em alemão e (a título de comparação) inglês, e eu mesmo traduzi o texto original e corrigi a marcação das legendas. Nem sempre pude traduzir ao pé da letra, mas as ideias essenciais estão intactas. Seguem a legendagem, a fala em alemão e a tradução:


Willkommen in der Reichshauptstadt Berlin. Berlin präsentiert sich im Olympiajahr 1936 mit festlichem Flaggenschmuck mit aktuellem Dessin: schwarze Hakenkreuze in weißem Kreis auf rotem Grund. Die Siegessäule am Großen Stern von 1873 und das Brandenburger Tor mit der Quadriga, dem Wahrzeichen der Stadt grüßen die Jugend der Welt, die in Gruppen staunend durch die breiten Straßen gehen.

Funkturm und Sender übermitteln das Geschehen der 11. Olympiade unmittelbar an alle Rundfunkstationen des Kontinents. Der Führer und Reichskanzler Adolf Hitler eröffnet die 11. olympischen Spiele 1936 im Olympiastadion. Im Bewusstsein des Volkes ist Berlin Deutschlands wichtigste Stadt, und „Unter den Linden“ eine ihrer Prachtstraßen. Ein Schauspiel besonderer Prägung ist die Wachablösung vor dem Ehrenmal.

Die barocke Umgestaltung des Berliner Schlosses erfolgte um 1700 durch Andreas Schlüter. Als geistiges Zentrum Deutschlands konzentriert sich in Berlin Kunst und Wissenschaft in einem besonderen Maße und führt durch seine Lage zu schöpferischer Kraft. Aus dem Wechsel zwischen Flusslandschaft an der Spree und pulsierendem Großstadtrhythmus wie hier am Alexanderplatz bezieht Berlin seinen besonderen Reiz. Besucher schätzen die Lebensfreude der Berliner, den Spaß am Tanz zwischen Molle mit Schuss und süßer Torte.

Und die Jugend marschiert für den Führer im Glauben an eine bessere Zukunft. Planung und Gestaltung bringen neue Akzente ins Stadtbild. Ein Besuch im Zoo bringt neue Begegnungen mit den Tieren, während man am Wannsee die Badefreuden als Ansturm der Massen erlebt. Im Reichsluftfahrtministerium, dem Sitz des Ministers Hermann Göring wird das Schicksal des Deutschen Volkes für die Zukunft im wesentlichen mitentschieden.


Bem-vindos a Berlim, capital do Reich. Para as Olimpíadas de 1936, Berlim se apresenta em festa decorada com as bandeiras atualizadas: suásticas pretas em círculo branco sobre fundo vermelho. O Obelisco da Vitória de 1873 na Grosser Stern e o Portão de Brandemburgo com a quadriga, símbolo da cidade, saúdam os jovens do mundo, que maravilhados caminham em grupos através das largas ruas.

A Torre e Estação de Rádio transmitem a 11.ª Olimpíada em tempo real para as estações de rádio de todo o continente. Adolf Hitler, Führer e Chanceler do Reich, abrirá os 11.ºs Jogos Olímpicos de 1936 no Estádio Olímpico. Na consciência do povo, Berlim é a cidade alemã mais importante e “Unter den Linden”, um dos mais belos bulevares. A troca da guarda diante do Memorial da Guerra é belíssima.

A remodelação em estilo barroco do Palácio de Berlim foi realizada por Andreas Schlüter por volta de 1700. Centro intelectual da Alemanha, Berlim concentra arte e ciência em larga escala, e tal situação a torna líder em força criativa. Mudando da paisagem à beira do rio Spree até o ritmo vibrante da cidade grande, como aqui na Alexanderplatz, Berlim recobre seu charme especial. Os visitantes apreciam a vivacidade dos berlinenses, a alegria de dançar entre doces tortas e a cerveja branca local.

E com fé num futuro melhor, os jovens marcham pelo Führer. O planejamento racional dá um novo tom à imagem da cidade. Uma visita ao zoológico traz novos contatos com os animais, enquanto no lago Wannsee veem-se multidões afluindo rumo a banhos deliciosos. No Ministério da Aviação do Reich, sede do ministro Hermann Göring, decide-se o destino do povo alemão em seus pontos cruciais.



terça-feira, 11 de agosto de 2020

Discurso de Putin pelo Ano Novo 2020


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/novygod2020

Sim, ele é dono de um país continental e de uma potência imperial. Sim, ele ainda briga com seus vizinhos por riquezas e territórios. Sim, ele monta em ursos, voa sobre falcões e encara de frente a prepotência de Donald Trump. Mas quem lhe assiste pensa que ele está se preocupando exclusivamente em desejar Feliz Ano Novo de 2020 ao reles mortal brasileiro ou português que é você!

Mas é verdade... e isso só é possível aqui nas “Traduções de Erick Fishuk”. Vladimir Putin, o Presidente de Todas as Rússias, mais uma vez faz seus votos de um ótimo ano pros seus súditos cidadãos (vídeo e texto). Olhando em retrospecto agora em agosto, será que fazia sentido nos desejarmos um feliz 2020?...


Estimados cidadãos da Rússia! Caros amigos!

O ano de 2020 logo vai começar. Vocês e eu já estamos na soleira da terceira década do século 21. Vivemos tempos turbulentos, dinâmicos, contraditórios, mas podemos e devemos fazer de tudo para que a Rússia se desenvolva com sucesso, para que tudo em nossa vida só mude para melhor. Esperamos agora com ansiedade a batida dos carrilhões, acreditamos e esperamos que todos os projetos se realizem plenamente.

Nossos planos e sonhos pessoais são inseparáveis da Rússia. Dos esforços e do aporte de cada um de nós depende o presente e o futuro dela, o futuro de nossos filhos. Somente juntos resolveremos as tarefas que se põem hoje perante a sociedade e o país. Nossa unidade é a base da conquista de todos os objetivos mais altos.

Esses valores nos foram passados por nossos avós: a geração heroica e inquebrantável dos vencedores. No ano que começa celebraremos os 75 anos da Vitória na Grande Guerra Patriótica. De todo coração felicito pelas festas de Ano Novo os combatentes e trabalhadores da retaguarda, as pessoas da geração mais velha, todos os que passaram por terríveis provações em prol de mim e de vocês, em prol do futuro de nossa Pátria. Profunda reverência a vocês!

Caros amigos!

Para a virada do Ano Novo sempre nos preparamos de antemão e, apesar dos inúmeros afazeres, julgamos que o principal é o afeto das atitudes humanas e da comunicação amistosa. Aspiramos a fazer pelos outros algo importante, útil, ajudar os que precisam de nosso apoio, alegrá-los com presentes e atenção.

Nesses ímpetos sinceros, na pureza de intenções, na generosidade desinteressada também se revela a verdadeira magia da festa de Ano Novo. Ela desperta nas pessoas seus melhores traços, transforma o mundo, enchendo-o de alegria e sorrisos.

Os radiantes sentimentos de Ano Novo, as impressões maravilhosas moram em nós desde a infância e voltam a cada virada, quando abraçamos nossos amados, nossos parentes, preparamos as surpresas para os filhos e netos, arrumamos a árvore de Natal com eles, montamos enfeites de papelão, balões e guirlandas de vidro. Esses brinquedos familiares por vezes velhos, mas queridos, já estão dando seu calor às gerações mais jovens.

É claro que cada família tem suas próprias tradições de Ano Novo, mas o que une a todos é a atmosfera de bem e carinho. Que a alegria da compreensão mútua se aloje para sempre em seus lares, ajude a superar todas as dificuldades e agregue as gerações. Que seus pais tenham saúde e sempre sintam sua atenção, e cada criança saiba que ela é a mais amada.

Amigos!

O novo ano já está às portas. Desejemos uns aos outros e à nossa pátria paz, bem-estar e prosperidade.

Boas Festas! Feliz Ano Novo de 2020!


Уважаемые граждане России! Дорогие друзья!

Совсем скоро наступит 2020 год. Мы с вами на пороге уже третьего десятилетия XXI века. Мы живём в бурное, динамичное, противоречивое время, но мы можем и должны сделать всё, чтобы Россия успешно развивалась, чтобы всё в нашей жизни менялось только к лучшему. Сейчас мы с волнением ждём боя курантов, верим и надеемся, что всё загаданное непременно сбудется.

Наши личные планы, мечты неотделимы от России. От усилий и вклада каждого из нас зависит её настоящее и будущее, будущее наших детей. Только вместе мы решим задачи, которые стоят сегодня перед обществом и страной. Наше единство – основа достижения любых самых высоких целей.

Эти ценности нам передали наши предки – героическое, несгибаемое поколение победителей. В наступающем году мы будем отмечать 75 лет Победы в Великой Отечественной войне. От всей души поздравляю с новогодними праздниками фронтовиков и тружеников тыла, людей старшего поколения, всех, кто прошёл через тяжелейшие испытания ради нас с вами, ради будущего нашей Родины. Низкий вам поклон!

Дорогие друзья!

К встрече Нового года мы всегда готовимся заранее и, несмотря на множество дел, главным считаем теплоту человеческих отношений и дружеского общения. Мы стремимся сделать для других что‑то важное, полезное, помочь тем, кто нуждается в нашей поддержке, порадовать их подарками и вниманием.

В таких искренних порывах, в чистоте помыслов, в бескорыстной щедрости и проявляется настоящее волшебство новогоднего праздника. Он открывает в людях лучшие черты, преображает мир, наполняя его радостью и улыбками.

Светлые новогодние чувства, чудесные впечатления живут в нас с детства и возвращаются каждый Новый год, когда мы обнимаем своих любимых, наших родителей, готовим сюрпризы для детей и внуков, вместе с ними наряжаем ёлку, достаём фигурки из картона, шары и стеклянные гирлянды. Эти порой старые, но любимые семейные игрушки дарят своё тепло уже младшим поколениям.

Конечно, у каждой семьи свои новогодние традиции, но всех объединяет атмосфера добра и заботы. Пусть счастье взаимопонимания навсегда поселится в вашем доме, поможет преодолеть все трудности, сплотит поколения. Пусть родители будут здоровы и всегда чувствуют ваше внимание, а каждый ребёнок знает, что он самый любимый.

Друзья!

Новый год уже у дверей. Пожелаем друг другу и нашей Родине мира, благополучия и процветания.

С праздником! С Новым, 2020 годом!



domingo, 9 de agosto de 2020

Stalin abominava o alfabeto latino?


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/stalin-alfa


Há alguns meses, na página Ilustrações da Era Comunista, com a qual colaboro com traduções, um senhor aludiu com as seguintes palavras o fato de Stalin ter obrigado várias línguas da antiga URSS a usarem o alfabeto cirílico: “Não fez com que a URSS mudase para o alfabeto latino, para assim fazer uma verdadeira Internacional como queria Lenin”. Ele se referia a um artigo do Russia Beyond, que aludia ainda à ideia mais audaciosa, corrente na década de 1920, de escrever o russo com o alfabeto latino. Assim lhe respondi:

Caro Franz, aqui é o segundo admin da IEC, formado em História. Agradeço-o pela indicação do artigo, pois me alertou pro grande problema da troca constante de alfabetos na URSS e me ensinou sobre essa pretensão de Lenin, que eu desconhecia. Sim, nem os pós-graduandos sabem tudo.

Contudo, reconheça comigo que mesmo os grandes líderes podem errar, e as grandes ideias podem se revelar estúpidas. E um desses erros seria impor o alfabeto latino à língua russa. Não sei se você é versado em linguística, mas ortografia/alfabeto, pronúncia, vocabulário/morfologia e sintaxe são partes inseparáveis de uma língua, e o russo se desenvolveu de forma orgânica com a escrita cirílica. O mesmo com várias outras línguas eslavas, exceto às que já evoluíram com o alfabeto latino. Alfabetos não se mudam como mudamos de cueca!

Pelo mesmo motivo, armênio e georgiano não receberam o cirílico, por serem línguas de cultura multissecular. Outras línguas não eslavas, como o azerbaijano, o tártaro e as da Europa Central, foram longamente escritas com o alfabeto árabe, o qual, porém, nunca lhes caiu bem nem foi conveniente. Não por menos: pela razão que lhe expliquei, o alfabeto árabe só é adequado pra própria língua árabe, e mais nenhuma, embora várias outras também a usem a fórceps. As línguas com alfabeto árabe tosco ou sem escrita podiam facilmente receber um latino ou cirílico adaptado, mas aí a escolha era eminentemente política.

Tendemos a naturalizar nosso alfabeto como “universal” e “fácil”, mas não é bem assim. Um russo, georgiano ou armênio escritos em alfabeto latino seriam monstruosos! (Claro que temos “transliterações” aproximadas, mas elas são soluções provisórias e não totalmente fiéis.) Pense na situação reversa, em que o cirílico seria imposto a uma língua naturalmente de alfabeto latino: foi o que o Império Tsarista tentou fazer com o polonês no século 19, e o Império Soviético com o romeno na Moldova após 1945. Ambas as “soluções”, claro, feiíssimas e disfuncionais! Quanto às outras línguas, de fato tanto o latino quanto o cirílico seriam adaptados, adotando-se o primeiro nos anos 20 e o segundo, por razões (de fato, e concordo) imperiais, nos anos 30.

Muitas antigas repúblicas da URSS adotaram depois o alfabeto latino, mas que ironia: o Tartaristão se manteve dentro da Rússia, e quando tentou oficializar o alfabeto latino (que seria, de fato, mais claro e fonético), nos anos 2000, foi proibido pelo poder central de Moscou! Enfim, tudo pra dizer que devemos separar as coisas: a latinização/cirilização das línguas ágrafas foi uma disputa, agora a latinização das línguas eslavas orientais não passaria de uma asneira desmedida.



sexta-feira, 7 de agosto de 2020

O ensino da língua auxiliar interlíngua


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por Erick Fishuk

Escrito em 22 de maio

A expansão do ensino da interlíngua, projeto de idioma auxiliar internacional lançado por um grupo de linguistas nos EUA em 1951, seria uma iniciativa louvável. Aprendi esperanto em 2000 (aos 12 anos) e continuei estudando ao longo dos anos, mas embora eu tivesse ouvido falar da interlíngua pouco depois, só tomei contato por curiosidade em 2009, não parando mais. Sempre usei as duas línguas como atividades paralelas, mas ultimamente tenho me dedicado mais à interlíngua, pois a acho mais prática pra comunicação intelectual.

Ainda existem noções preconceituosas sobre línguas auxiliares (internacionais ou ‒ como o intereslavo ‒ zonais), porque no mundo de hoje só recebe valor o que supostamente tem aplicação ou retorno imediatos. Por isso, marreta-se que devemos aprender inglês, francês, espanhol, alemão... Mas nem todos nascem com esse talento nem têm oportunidade de o desenvolver ao longo da vida. Uma língua auxiliar propedêutica do estilo da interlíngua, introduzida logo no início da escolarização, poderia acelerar muito os aprendizados futuros, com o acréscimo de nos introduzir a um vasto vocabulário erudito. Não é por questão de justiça ou economia financeira, mas simples praticidade e esforço menor.

Vários internautas no mundo, inclusive no Brasil, estão descobrindo, aprendendo e difundindo a interlíngua de forma natural, embora o movimento esperantista continue muito vigoroso e bem mais avançado. Eu, ao contrário de algumas pessoas, não acho o esperanto difícil, e com ele posso ter acesso a alguns conteúdos culturais ainda indisponíveis em outras línguas. Mas o próprio Alexander Gode, que não foi o criador, mas um dos coordenadores do esforço coletivo dos linguistas supracitados, nunca teve a intenção de criar uma nova “auxlang internacional”, como ele afirma em seus melhores textos.* Pelo contrário, por sintetizar a herança linguística circunscrita à Europa Ocidental e às Américas, por si só muito significativas em termos de economia, tecnologia e habitantes, seria antes uma “língua-ponte” pras ciências, academias e relações institucionais. Se ela viesse a se tornar idioma internacional, seria pelas suas características inerentes, e não pela insistência de adeptos propagandistas.

* Ver, por exemplo, os artigos A Case for Interlingua (em inglês) e Manifesto de Interlingua (em interlíngua), ambos da década de 1950.

Em resumo, a diferença básica entre esperanto e interlíngua é que o primeiro seria criado em torno de uma concepção prévia do que seria a comunicação internacional ideal; enquanto o segundo apenas sintetizaria um substrato internacional que já estaria sendo usado nessa comunicação, a qual condiciona como deveria tomar forma a língua-ponte. Um, portanto, precisaria de adeptos e divulgadores, e o outro já teria os milhões ou bilhões que falam os idiomas-fonte. Sempre agradeço e parabenizo pelas iniciativas de ensino, e apesar da parada forçada por causa da pandemia, as tecnologias de comunicação remota podem ajudar na continuação das aulas. E daqui a alguns meses quero estar em Santos pro congresso da União Brasileira Pró-Interlíngua (ubibrasil.org), e quem sabe não posso ver vocês?



Alexander Gode, um dos pais da interlíngua.

quarta-feira, 5 de agosto de 2020

Breve tutorial dos nomes em russo


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por Erick Fishuk

dedicado a Felipe Neto e curiosos

Estou feliz que um influencer tenha trazido a público a questão da literatura russa, e espero que os fãs possam despertar a um interesse permanente, e não passageiro!

Felipe Neto trouxe à tona os vários “nomes” com que um personagem pode ser chamado, às vezes dificultando a compreensão do leitor. Usou o exemplo de Konstantin “Kostya” Dmitrievich Levin, do romance Anna Karenina de Lev Tolstoi. Minha intenção é mostrar que esses “nomes”, fazendo parte de um mesmo complexo, podem ser facilmente compreendidos, já que a estrutura dos nomes russos não é algo tão obscuro. Como me sugeriram, sua preocupação não foi mesmo o desconhecimento cultural, mas a complexidade narrativa, que outros leitores sentem igualmente. Mas se entendermos o funcionamento desse sistema, podemos tirar muito mais proveito dos livros, e por isso me arrisquei a relançar esta postagem, com retoques.

Não entendi o motivo do “Ana Karenina” com um “n” só, embora seja a prática em algumas traduções. O nome em russo, como em outras línguas, é “Anna Karenina”, com dois “n”. Aos curiosos, lembro que a pronúncia do sobrenome é “Kariênina”, e não “Karenína” ou algo assim (cf. a Wikipédia em inglês).

Assim como em geral os nomes brasileiros têm a estrutura “prenome + sobrenome da mãe + sobrenome do pai”, os russos também têm uma própria: “prenome + patronímico + sobrenome do pai”. O patronímico é feito com o prenome do pai + os sufixos “-ôvitch/-iêvitch” pra homens ou “-ôvna/iêvna” pra mulheres. Há algumas exceções, como os prenomes Nikita, Savva e Iliá, que ficam “Nikítich, Sávvitch, Ilítch” e “Nikítina, Sávvina e Ilína”.

A maioria dos sobrenomes de origem puramente russa ou polonesa flexionam em gênero, ou seja, mudam de terminação se o cidadão é homem ou mulher. Por exemplo, usamos “-ov/-iev” pra homens e “-ova/-ieva” pra mulheres; “-in/-yn” pra homens e “-ina/-yna” pra mulheres; “-ski” (do polonês) pra homens e “-skáia” pra mulheres. Por isso se diz “Anna Karenina”; do contrário, seria, digamos, “Ivan Karenin”. E por isso é “Vladímir Pútin”, e as filhas dele são “Pútina”.

Outras formas de sobrenome não mudam: os terminados em “-ôvitch/-iêvitch” derivados de patronímicos; os de origem ucraniana terminados em “-enko”, “-yuk”, “-o” ou “-a”; os armênios em “-yan”, os georgianos em “-vili”, “-dze”, “-a” ou “-eli”; os originados de nacionalidades não russas do espaço da antiga URSS, desde que não tenham sido russificados com “-ov” ou “-iev”; os originados de outras línguas do mundo.

Dirigimo-nos formalmente a um(a) russo(a) não com a fórmula “Sr./Sr.ª Sobrenome”, mas “prenome + patronímico”. Ou seja, não nos dirigimos ao presidente russo como “Sr. Putin”, mas “Vladímir Vladímirovitch”. Em documentos, além disso, os nomes costumam figurar na ordem “sobrenome + prenome + patronímico”.

Nos círculos informais e familiares, quase todos os prenomes russos têm uma forma “curta”, como temos “Zé” pra “José”, “Tião” pra “Sebastião”, “Chico” pra “Francisco”, “Zefa” pra “Josefa” etc. Por exemplo: “Vladímir” é “Vova” ou “Volôdia”, “Mikhail” é “Misha”, “Maria” é “Masha”, “Aleksandr” é “Sasha”, “Tatiana” é “Tánia”, “Sofia” é “Sônia”, “Dmítri” é “Dima” ou “Dimka” etc. Alguns na verdade têm várias formas, e a terminação “-a” serve pros dois gêneros. “Konstantin”, pois, é “Kôstia/Kostya”, usado pelos íntimos ou quando o autor quer lhe referir de modo afetuoso.

Concluindo: nosso herói Konstantin/Kôstia Dmítrievitch Lêvin teria, pois, um pai chamado “Dmítri Lêvin”, e as formas “-ine” no lugar de “-in” geralmente vêm de transcrições antigas francesas, já que o final “-in” em francês é pronunciado meio como “-én” nasal, e um “e” mudo final é colocado pra endurecer o “n”: “-ínn”.

Se o Felipe Neto deixar um pouco as tretas e se focar mais em atrair os jovens pro conhecimento, isso pode direcionar gente curiosa pros canais especializados, como os de cultura eslava, neste caso! Espero que ele não dê a impressão de só saber jogar Minecraft, imitar foca e perseguir “faxíxtax”, hahaha.



segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Eles querem nos acuar nas redes!


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nota da Prof.ª Lucilene Reginaldo
sobre a invasão de uma palestra
online, ocorrida em 8 de junho,
e seus desdobramentos

Na noite de segunda-feira (8 de junho), um evento virtual promovido conjuntamente por dois grupos de pesquisa de duas universidades da Bahia sofreu uma invasão virtual. Eu estava lá, convidada pelo professor Carlos da Silva Jr. para apresentar minha pesquisa sobre um liberto, nascido em Mariana; formado em Cânones, em Coimbra; que foi missionário e morreu no Reino do Congo, no final do século 18. O evento começou com muita gente na sala virtual, talvez umas 50 pessoas, a maioria conhecida. Dez minutos depois, éramos cerca de 70. Em seguida, começou a entrar mais gente, pessoas desconhecidas e com comportamentos incomuns em eventos acadêmicos (andando pela casa com câmera do celular ligada, por exemplo). Pouco depois, começou a trollagem, interrompendo minha fala insistentemente com anúncios comerciais, pedidos insistentes do número do CPF para realizar compras numa loja, palavras que eu não entendia porque falavam ao mesmo tempo. As imagens e identificação dos participantes também denunciavam algo estranho: a mulher andando pela casa com o celular; uma figurinha de uma mulher negra de turbante; uma foto-montagem de um cão com a cabeça adornada com uma coroa de cabecinhas, identificado como Capivara Africana; a foto de uma mulher nua.

Demorou para cair a ficha! Era uma invasão na nossa live. Suspendemos a reunião após inúmeras tentativas de retirar os estranhos do ambiente, que festejaram a decisão aos gritos de mito, mito, Bolsonaro. Atitude fascista? Sim. Com conotação racista? Sim. Extremamente violenta e ofensiva? Sim. Justifico as conclusões acima remetendo a um contexto maior. Não foi um episódio isolado. Nos últimos dias têm ocorrido várias ações semelhantes. O que há em comum entre os ataques: os eventos “escolhidos” pautam temas como racismo, violência policial e semelhantes. Penso que minha comunicação tratava de um assunto um pouco distante, inclusive cronologicamente falando. Mas talvez o folder com minha foto, o título do evento, as pessoas que o compartilharam nas redes sociais e, sobretudo, a porta entreaberta (o link do Google Meets foi compartilhado no Facebook e no Instagram), o que tem sido uma prática salutar de muitas universidades públicas, ONGs e movimentos sociais para ampliar a participação da sociedade em debates qualificados, atraíram a milícia virtual.

Faço essa nota para agradecer todas as manifestações de apoio e, ao mesmo tempo, chamar a atenção para o significado político deste ataque, que vai além da minha pessoa. Foi comigo, mas poderia ser qualquer um de nós.

Eu li sobre o incidente uma matéria que me aborreceu. Um jornalista me pediu uma entrevista, não concedi, simplesmente porque não queríamos dar visibilidade à ação dos marginais. Mas como a notícia ‒ muitas vezes replicada ‒ fez a absurda inferência de que eu estaria muito abalada, o que, espero, tenha soado estranho e até mesmo absurdo para os que me conhecem, resolvi aqui esclarecer as coisas. Entendo que está em curso uma nova estratégia da tal “guerra cultural”, eles estão perdendo as ruas, querem nos acuar nas redes. Então vamos cuidar da nossa segurança virtual enquanto prosseguimos com nossa balbúrdia acadêmica, porque, para variar, não temos trégua nem com a pandemia.

Lucilene Reginaldo
Depto. de História, IFCH/Unicamp


sábado, 1 de agosto de 2020

Zumbi dos Palmares e de todos nós


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Estou finalmente retomando as postagens regulares a cada dois dias, com o primeiro texto programado exatamente pro aniversário de 6 anos deste blog! Por razões de ocupação, eu tinha parado de postar regularmente em meados de outubro de 2019, e nesse meio-tempo acabei descobrindo que “os blogs morreram”... Mas percebi igualmente que os acessos aqui continuaram constantes, e que no meio de uma crise civilizatória em vários níveis, os mais ousados sentem falta de material diferenciado. E quem procurava mais informações sobre o criador do Canal do Fishuk (antiga TV Eslavo, antigo Pan-Eslavo Brasil...), deparava-se com este site e sentia falta de produção nova.

Já postei este texto em outras mídias sociais minhas, com bastante sucesso, mas estou dando aqui sua forma final pra consulta. Trata-se de “Zumbi dos Palmares e de todos nós: a propósito de publicações recentes no site da Fundação Cultural Palmares”, escrito pela Prof.ª Dr.ª Silvia Hunold Lara, que já deu aula pra mim no Departamento de História da Unicamp e ainda mantém o vínculo com o instituto. Ele data de 13 de maio de 2020, aniversário da abolição da escravatura no Brasil, quando ainda reinava a polêmica sobre os militantes pró-Bolsonaro que tiravam da Fundação Palmares sua função original. Mas o espírito continua vivo pro vindouro 20 de Novembro e pra todos os que criticam a zona que se tornou a administração federal.

O site da Fundação Palmares tornou-se um difusor de textos com “propósitos políticos, ideológicos, racialistas e identitários”. As palavras são retiradas de uma das publicações, de autoria de Mayalu Felix. Evidentemente, emprego os termos em sentido inverso ‒ para chamar a atenção que, hoje, uma instituição que nasceu para desenvolver políticas públicas para acabar com o racismo e a discriminação racial no Brasil foi tomada de assalto por um grupo que se pode chamar de bolso-olavista.

M. Felix emprega aquelas palavras para acusar todos os que discordam de sua opinião. Sim, atrás de uma frágil capa acadêmica, o que ela defende é uma simples opinião. Sem ser pesquisadora na área e esgrimindo referências enganosamente cultas, nega a existência de documentos sobre Palmares e sobre Zumbi para centrar fogo na crítica ao que chama de “mito”. Essa afirmação chega a ser risível para qualquer historiador.

O imenso desconhecimento lhe serve de base para ignorar a diferença entre o Zumbi que se tornou a grande liderança dos Palmares a partir dos anos 1680 e foi morto em 20 de novembro de 1695, e o Zumbi que serve de símbolo para os que lutam contra a desigualdade e o racismo no Brasil. Estudo essa história há décadas e já escrevi livros e artigos sobre o tema. Há milhares de documentos que permitem concluir que o personagem histórico e o símbolo político são faces indissociáveis do modo como o passado se faz presente ao longo do tempo. Foi assim que Palmares e Zumbi foram lembrados pelos movimentos abolicionistas no século XIX e movimentos negros desde então. Movimentos ‒ no plural, pois houve muitos e várias foram as formas de protestar contra a escravidão e a escravização, ao longo do tempo. E também hoje, 13 de maio ‒ efeméride que atualiza o fato de que a luta contra a escravidão ainda não terminou: ela está presente a cada dia, a cada momento em que jovens negros são mortos nas periferias das nossas cidades, em que mulheres negras são aviltadas, em que direitos básicos são negados à maior parcela da população brasileira por discriminação de cor, raça e classe. A incompletude da lei assinada há 132 anos está na raiz da exploração de milhares de homens e mulheres que trabalham como escravos contemporâneos nas fábricas, construções e fazendas desse país.

Só a arrogância ignorante permite a construção de um castelo de cartas que pode ser chamado de “mito negro afro-brasileiro” (sic). O texto de Felix afronta uma verdade simples, que nem é preciso ser historiadora para constatar: os heróis da pátria, hoje, são justamente esses jovens negros, essas mulheres negras, esses homens negros. Eles sofrem na pele e na carne o resultado de negações políticas, ideologizadas, racistas e identitárias como as acalentadas pela autora. Sim ‒ eles todos (e também eu) temos Zumbi como referência: o que viveu no século XVII, como líder de um dos maiores movimentos de rebeldia da história brasileira, ilumina hoje a urgente necessidade de agir contra as desigualdades e o racismo que ainda governam o Brasil ‒ e de uma maneira cada vez mais insana e violenta.