quinta-feira, 15 de novembro de 2018

Por que escolhemos o mundo? (2011)


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NOTA: Eis o segundo de dois textos antigos meus, que republico aqui e que tratam de questões ligadas ao ateísmo e ao Estado laico. Datam de uma época em que eu progressivamente estava abandonando o catolicismo e lendo mais filosofia séria e acadêmica, quando o dito “neoateísmo” ainda era uma onda intelectual em voga no Ocidente. Hoje mesmo não gosto mais de me rotular estritamente como “ateu”, mas as reflexões desses escritos ainda são muito atuais. Recuando no tempo, a última alteração no arquivo deste artigo data de 24 de janeiro de 2011, quando minha cabeça fervia ainda mais buscando respostas sobre a fé, e eu me indignava sempre mais contra os religiosos que nos mandavam relativizar as coisas do “mundão”, da Terra. Zombando de um termo em voga na renovação carismática católica, argumentei que eu preferia viver esta vida da melhor forma possível, sem cair na depravação, mas também sem me tornar um monge castrado. Essas palavras valem igualmente pra quem tem uma crença, mas despreza o fanatismo e a estreiteza.



Escolher o mundo como objetivo e cenário de nossa vida não é uma opção voluntária, nem tampouco significa que abandonamos a busca de propósitos para nossa existência. Pelo contrário, é uma necessidade física e psicológica que exige o abandono de tormentosos fantasmas imaginários e proporciona a abertura de novos horizontes, com infinitas possibilidades de sensações e experiências, levando inevitavelmente à satisfação e à tranquilidade.

O conceito cristão de “mundo”, ou de “mundão”, na linguagem popular, relaciona-se às coisas terrenas, aos prazeres sensíveis, aos problemas reais e às paixões humanas, consequentes da queda do homem por causa do “pecado original”. Em franca oposição está o céu, o Paraíso, a presença de Deus, a perfeição e a imortalidade, objetivos dos que suprimem justamente seus prazeres, vontades e paixões a fim de transcender esta vida sofrida em busca de um post mortem constituído, em poucas palavras, da trajetória terrena virada ao avesso. Porém, tal cisão, filha legítima do dualismo platônico “alma/corpo”, com predominância da primeira, foi um resultado da crise do mundo antigo, mundano em todos os aspectos – até mesmo na religião –, da qual os problemas pessoais de Paulo de Tarso mostraram ser o fruto maior. Sua incapacidade de ter uma vivência digna não por limitações externas, mas internas, tornou-se uma ânsia em moldar o planeta conforme os próprios ressentimentos, uma recusa em aceitar o mundo como era por não se adaptar a ele.

Se, há quase dois mil anos, o progresso trazia no mais das vezes caos, instabilidade e assassinatos em massa, hoje essa não é mais a norma; nem sempre temos tantos motivos para temer mudanças, e a percepção atual do tempo acelerou-se junto com a aceleração das tecnologias. A “fuga do mundo”, se antes proporcionava segurança, saúde e paz interior, presentemente é uma fonte de ansiedades e neuroses: o meio humano nos cerca e interfere em nós de forma tão intensa que, se não estamos preparados para lidar com ele, a força do impacto atua de forma comparável à de uma grande catástrofe natural. Esse bombardeio, resultante de uma sociedade extremamente rápida e instrumentalizada, pode resultar em vícios psíquicos tratáveis apenas em um prazo de longos meses ou anos. Sob uma condição neurológica tão frágil, a criação ou introdução de vírus mentais tão poderosos quanto as obsessões anteriores, a submissão a onipresentes e onividentes “grandes irmãos” imaginários e a autoimposição de restrições e cobranças pode causar problemas psiquiátricos irreversíveis.

É por isso que a escolha pelo mundo põe-se como a única alternativa possível; ela, de fato, não é uma escolha, mas uma convocação, a única possibilidade de, pode-se dizer, vencer o próprio mundo. Não há cidades celestes e Paraísos após a morte, e mesmo que houvesse, nossa passagem pela Terra, a mais deliciosa de todas, transformar-se-ia em uma clínica de castração em série comandada por um tirano orgulhoso e egoísta e tendo como produto real uma coleção de bilhões de bonecos implicantes, carrancudos e de criatividade limitada. Encarar a realidade de frente, pensar nas verdadeiras raízes de nossos tormentos e criar soluções adequadas ao materialmente existente, o que passa pela liberdade individual e coletiva de pensamento, de reflexão, de expressão e de estudo, é o meio exclusivo de evitar o movimento circular e exponencial do surgimento de novos buracos enquanto tapamos os já eclodidos. Preme ainda a necessidade de cultivar prazeres que não causem sofrimento a outrem, de tornar a existência mais bela e rica descobrindo, sem preconceitos ou tabus, do que realmente gostamos e não gostamos, do que verdadeiramente nos faz felizes ou infelizes, de minar a insalubre monotonia cotidiana com atividades variadas que aumentem nossas habilidades e conhecimentos. Porque somente nós somos a medida de nós mesmos.

A restrição da felicidade da maioria em prol do gozo de poucos, tendo como meta o controle e a usurpação, deu-se em grande parte pela inculcação de assombrações com suposto poder de deixar viver ou fazer morrer. Embora o mito tenha surgido como expressão de nossas carências, não deixou de verter-se usualmente em nosso mais cruel carrasco.



terça-feira, 13 de novembro de 2018

Estado laico ou Estado ateu? (de 2012)


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Conversa que deu origem ao texto: fishuk.cc/laico2


NOTA: Eis o primeiro de dois textos antigos meus, que republico aqui e que tratam de questões ligadas ao ateísmo e ao Estado laico. Datam de uma época em que eu progressivamente estava abandonando o catolicismo e lendo mais filosofia séria e acadêmica, quando o dito “neoateísmo” ainda era uma onda intelectual em voga no Ocidente. Hoje mesmo não gosto mais de me rotular estritamente como “ateu”, mas as reflexões desses escritos ainda são muito atuais. O presente artigo parece tocar numa ferida exposta de nossa democracia, que é a ampla presença de religiosos, quase sempre evangélicos, no Poder Legislativo, mas em 2012 ainda era algo em início de debate. Minha réplica essencial era a um escrito de Felipe Aquino chamado “Estado laico não é Estado ateu ou pagão”, que já tem um preconceito contra o paganismo religioso como uma espécie de “desvio”. Nossos grandes dilemas agora são que não soubemos manter distintos os interesses da República e das igrejas, e que nunca emergiu um conservadorismo, nem de direita, que reivindicasse a laicidade das esferas públicas ou flertasse com a irreligião.



A colocação em debate, nas esferas governamentais, de temas considerados polêmicos por diversos grupos religiosos está levantando novamente a questão da efetiva laicidade do Estado brasileiro, da qual já tratei em textos anteriores. Os fiéis mais fervorosos afirmam que o presumido desrespeito a suas crenças faria parte de uma campanha para transformar o Brasil num “Estado ateu”, numa suposta agressão à referida laicidade.

Deve-se concordar que o Estado laico não é um Estado ateu, o qual, inclusive, seria inaceitável numa verdadeira democracia. Mas a questão é mais complicada do que parece, e envolve frequentes confusões a respeito da terminologia religiosa.

É fácil definir o ateísmo: a negação explícita do teísmo, ou seja, da crença em um ou mais deuses. É uma negação positiva: o simples ato de não crer em deuses não é uma definição precisa, pois várias outras religiões do mundo também não operam com o conceito de “deus”, o qual, assim, não pode ser sistematicamente negado por elas por ser estranho a seu universo conceitual. Essa peculiaridade, ou a mera indiferença ao problema, seria mais propriamente um não teísmo.

Também não se deve confundir crença em divindades com adesão religiosa institucional. Por um lado, muitos teístas ou mesmo cristãos livres não pertencem a nenhuma religião instituída, ou até as abominam. Inúmeros hereges famosos, falsamente tomados por ateus, eram dessa espécie. Por outro lado, o que é mais raro, nem todo ateu é anticlerical, e às vezes reconhece o papel histórico das religiões ou sua utilidade em uma ou outra esfera social.

Dito isso, nota-se que o ateísmo não é propriamente uma religião, mas, embora não deixe de se enquadrar no mundo plural da irreligião e do não teísmo, constitui ainda uma atitude positiva diante da religiosidade. Embora as religiões instituídas sejam poderes materiais objetivos, a escolha por uma ou outra advém de fatores subjetivos, cujo campo de atuação se restringe ao âmbito privado, devendo as religiões, portanto, limitar-se à regência da vida particular de seus fiéis. Assim, o ateísmo, por tratar de crenças pessoais, também é um assunto subjetivo e privado.

Escolhas subjetivas e privadas não deveriam reger os interesses do Estado, o qual, idealmente, é um consenso entre as mais diversas forças a fim de que todos ganhem e percam na mesma medida. Por isso, o Estado se pressupõe laico: tratando da esfera objetiva, palpável e pública da sociedade, cujo guia deveria ser a ciência, ele procura não se imiscuir nas opções particulares dos cidadãos ou grupos, a menos que elas estejam causando danos ao coletivo. E se o ateísmo também é uma opção privada, o Estado não poderia ser nem mesmo ateu.

O erro dos regimes ateus (que nem sempre o eram no papel) do chamado “socialismo real” foi justamente permitir que o Estado violasse a consciência particular das pessoas. É claro que a luta antirreligiosa fazia parte do desmantelamento dos antigos regimes reacionários, mas era ilusória a possibilidade de se aniquilar costumes e instituições seculares por decreto.

Também se enganam aqueles que opõem uma “laicidade” democrática e saudável a um “laicismo” destruidor e intolerante. Semanticamente, o laicismo não é nada mais do que a doutrina que professa a laicidade das esferas públicas, ou seja, uma teoria que prega uma prática, um desejo ideal que prega uma condição real.

Ainda não sei se esses esclarecimentos conceituais podem ajudar a mostrar aos dois lados que, objetivamente, um Estado laico, neutro, não é nem pode ser um Estado ateu, parcial. Mas eu já ficaria satisfeito se todos se conscientizassem de que as verdadeiras vitórias não são obtidas pela coerção legal ou bélica, mas pela persuasão da justeza e da atualidade das próprias ideias.


Bragança Paulista, 11 de abril de 2012.



domingo, 11 de novembro de 2018

O movimento estudantil e sua realidade


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NOTA: É incrível como vários textos reflexivos meus, mesmo que não destinados à publicação imediata, já levantavam há cinco ou seis anos questões até hoje atuais. É ainda mais incrível como minhas opiniões pouco mudaram (ou, nesse ínterim, “voltaram” a seu original), como os desafios no Brasil ainda estão por se resolver e, pior, como a maior parte de tudo se desenvolveu ao contrário do que eu desejava. Este texto foi um dos primeiros que postei no blog Materialismo.net, quando o lancei em janeiro de 2012, e tinha o título “Um movimento estudantil fora da realidade política e científica”, expondo minha insatisfação com a intransigência e falta de criatividade em mais uma das incontáveis “greves estudantis” da Unicamp. Porém, nos meus arquivos o nome estava suavizado como “O movimento estudantil e a realidade política e científica”, constando o dia 27 de janeiro de 2012 como o da última alteração. Devo ter feito mudanças na época, mas ainda mantém um tom crítico para com a juventude, e mesmo hoje se aplica a estudantes cada vez mais mimados e dopados com as visões românticas sobre lutas e revoluções passadas. Pareço preconceituoso, mas isso resume o que até alguns militantes criticam como a esquerda lacração.



É raro um não militante, ainda mais se apartidário e pouco acostumado a reflexões ideológicas, opinar sobre o movimento estudantil (ME). Mas se ele tem alguma preocupação social e julga que pode transformar o mundo desenvolvendo seus talentos em prol do maior número de pessoas, a tomada de posição é inevitável.

Muitos acusam o ME universitário de ser “antidemocrático” e “fechado”, mas percebi que até os grupos considerados mais “radicais” estão sempre abertos a conversar, mesmo com os discordantes. Antes de tudo, atrás de “direitistas” e “esquerdistas”, vejo seres humanos com necessidades e sentimentos comuns aos nossos. Talvez o problema não resida nas pessoas, mas numa crise estrutural do modelo de ME, que se choca com as aspirações reais dos estudantes.

Esse modelo parece ter surgido das lutas sociais dos anos 1960 aos 1980, desde a oposição à ditadura até a redemocratização e o descontento com a hiperinflação. Ao longo dos anos 1990, houve motivos para mantê-lo diante da evidente privatização do público no Brasil, mas em 2002 a esquerda (ou uma das várias) finalmente chegou ao poder, e os movimentos sociais, como fruto da astúcia de Lula ou de quem pensava com ou por ele, foram cooptados e se burocratizaram. O fluido e o dinâmico se ossificaram, e no ME “partidarizado”, assim como nos sindicatos, muitos contestadores se acomodaram.

O governo do PT trouxe certo crescimento econômico e diminuição da pobreza, o que se refletiu, em muitas camadas da população, em menos mobilização política e mais preocupação com questões intelectuais e de valor. Aparentemente, o ME não se adaptou: hoje, a maioria dos jovens não tem do que reclamar, por isso, certamente as eleições discentes têm despertado pouca atração. De fato, o ME ainda carrega as bandeiras mais progressistas, o que é ótimo, mas a “estudantocracia” ficou muito presa a propostas com as quais muitos não se identificam. Hoje os estudantes – mesmo os de baixa renda, em algum grau – vivem com certo conforto, sem a extrema necessidade de manifestação social.

Quem quer atualmente contestar o capitalismo, depor reitores, fazer piquetes ou ocupações? Na verdade, quer-se garantir estágios, empregos, diplomas ou uma pós, em resumo, quer-se “ordem e progresso”: ordem acadêmica para regularizar documentos, e progresso financeiro. E por que não, também, progresso intelectual? Isso implica botar mais técnica na política, e se muitos estudantes, digamos, “só querem estudar”, isso não se reflete nas propostas das chapas. Colaborar no progresso científico também é fazer política, mas o ME separou as duas coisas, criando políticos não científicos e cientistas não politizados. Claro, o conhecimento deve sair da academia para a comunidade, mas não se pode marginalizar a necessidade real de inserção acadêmica e de progresso intelectual dentro da própria universidade e de nós mesmos. A ciência não deve se “despolitizar”, mas o ME deve atentar mais às necessidades reais do contexto atual.

No Brasil, por um lado, a produção científica avançada não serve às pessoas pobres, mas apenas ao lucro privado, e por outro, os acadêmicos e movimentos mais progressistas e socialmente comprometidos às vezes marginalizam a prática científica quando se trata de questões políticas, guiando-se pelo dogmatismo ideológico e pelo praticismo grosseiro de algumas correntes. Nos dois casos, o conhecimento continua encastelado nas universidades, resultando em ensino básico conteudista, privilégio da memorização na seleção dos futuros universitários e manutenção da maioria da população na ignorância, no preconceito e na superstição.

Penso que é necessário alterar paradigmas ocidentais consolidados e fundir ciência, política e “povo” num só organismo. Não se distinguiria o momento de fazer ciência ou política: o trabalho técnico-intelectual seria um meio de transformação, e as necessidades sociais, e não os interesses privados, condicionariam a produção científica. Em outras palavras, o cientista seria um político e o político seria um cientista, mas todos seriam ambos ao mesmo tempo, sem separação entre academia, Estado e população. Isso só viria com a universalização do ensino, sua total administração pela sociedade, sua reforma completa e a integração de todos os níveis, visando não a “aprovação no vestibular”, mas o equilíbrio psicológico do estudante, sua inserção e na sociedade e o desenvolvimento da criatividade para produzir novos conhecimentos. Poderia haver tanto dinheiro estatal quanto particular na empreitada, mas com respeito aos interesses da comunidade, e não dos financiadores.

É um projeto utópico, talvez, mas que poderia ser uma meta ideal da marcha para a transformação estrutural da sociedade brasileira. Apenas espero que toda a comunidade acadêmica possa crescer junto e enxergar, como eu disse, pessoas com suas falhas humanas, por trás desta ou daquela opinião política ou roupagem burocrática.



sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Discurso de Videla abre ditadura (1976)


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Este discurso foi proferido na Casa Rosada pelo general Jorge Rafael Videla, que assumiu a presidência de facto da República Argentina após o golpe militar de 26 de março de 1976. A ditadura militar que se seguiu era chamada “Processo de Reorganização Nacional” e visava sanar o suposto caos econômico, administrativo e social que teria se instalado no governo de Isabelita Perón, viúva do popularíssimo militar e ex-presidente Juan Domingo Perón. Videla também tinha sido chefe do Exército Argentino (1975-78) e governador de facto da província de Tucumán (1970) durante outra ditadura, então chamada “Revolução Argentina”. No dia 30 de março, este pronunciamento de Videla em cadeia nacional marcou o início da que seria a mais sangrenta ditadura da Argentina, num século de incontáveis golpes militares.

Videla (1925-2013) foi presidente da Nação até 29 de março de 1981, quando o sucedeu Roberto Eduardo Viola, que sairia já em dezembro. O governo em crise ainda teria como líderes os militares Carlos Alberto Lacoste, Leopoldo Fortunato Galtieri (que declarou a malfadada Guerra das Malvinas), Alfredo Oscar Saint-Jean e Reynaldo Benito Antonio Bignone, até a posse do democraticamente eleito Raúl Alfonsín. Videla terminou condenado à prisão perpétua por crimes de lesa-humanidade e foi anistiado pelo presidente Carlos Menem, mas sob o governo Cristina Kirchner, retornou à prisão, onde enfim morreu. No século 20, a Argentina teve nada menos que seis golpes militares com ditaduras: a de José Félix Uriburu (1930-32), a da chamada “Revolução de 43” (1943-46), a da chamada “Revolução Libertadora” (1955-58), a de 1962, a da “Revolução Argentina” iniciada por Juan Carlos Onganía (1966-73) e a referida “Reorganização” (1976-83).

O vídeo completo, com baixa qualidade de som e imagem, é bastante longo, e a segunda parte possui a investidura de Videla e parceiros pela Justiça, então deixei só a primeira, com o discurso completo. Eu mesmo traduzi a partir do espanhol, legendei, cortei o quadro e dei maior volume ao som, que era bastante baixo. Neste arquivo em PDF (Mensajes presidenciales: Proceso de Reorganización Nacional, 24 de marzo de 1976, tomo 1, Buenos Aires, Imprenta del Congreso de la Nación, 1976) um pouco pesado, podem-se ler os discursos impressos de Videla no ano de 1976, e o primeiro é justamente este (pp. 7-15). Apenas umas palavras, sobretudo no final (parece que o ditador improvisou as últimas linhas, após tirar os óculos), diferem entre áudio e texto, mas nada que prejudique a compreensão.

Na maioria dos pontos, não me importei em ser estritamente literal, sobretudo na passagem pras legendas, que exigem várias adaptações ao espaço. Na verdade, ouvindo o vídeo e olhando a versão impressa, fiz a legendagem, inclusive traduzindo o que eu só ouvia, mas não lia, e só depois preparei a versão escrita traduzida. Foi então que tive de fazer as adaptações pra leitura comum, novamente confrontando com o livro impresso, mas tomei a liberdade de tirar os sinais de ponto-e-vírgula do original e refundir os parágrafos de acordo com critérios de lógica, e não de ritmo. Seguem abaixo o vídeo legendado e a tradução em português:


Ao povo da Nação Argentina.

O País passa por uma das fases mais difíceis de sua história. Levado para muito próximo da desagregação, a intervenção das Forças Armadas constituiu a única alternativa possível, diante da deterioração causada pelo desgoverno, pela corrupção e pela complacência. Por diversas razões, um notável vazio de poder foi minando, numa velocidade cada vez mais rápida, as possibilidades de se exercer a autoridade, condição essencial para que o Estado se desenvolva.

As Forças Armadas, sabendo que o seguimento da normalidade não oferecia um futuro aceitável ao País, avançaram a única resposta possível a essa situação crítica. Tal decisão, baseada na missão e na própria essência das Instituições Armadas, pôs-se a ser executada com uma seriedade, responsabilidade, firmeza e equilíbrio que mereceram o reconhecimento do Povo Argentino.

Deve, porém, ficar claro que os eventos ocorridos em 24 de março de 1976 não provocaram apenas a queda de um governo. Significaram, pelo contrário, o encerramento definitivo de um ciclo histórico e a abertura de um novo, cuja característica básica residirá na tarefa de reorganizar a Nação, executada com real vocação de serviço pelas Forças Armadas. Este processo de reorganização nacional demandará tempo e esforços, requererá uma grande disposição para a convivência, exigirá de cada um sua porção de sacrifício pessoal e deverá contar com a confiança sincera e efetiva dos argentinos. Conseguir essa confiança, entre todas as missões, é a mais difícil que nos impusemos.

Durante muitos anos, foram tantas as promessas descumpridas, tantos os planos e projetos fracassados e tão profunda a frustração nacional, que muitos de nossos compatriotas deixaram de crer nas palavras de seus governantes e chegaram a acreditar até mesmo que o poder público não é espaço a quem quer servir, mas ser servido por ele, convencendo-se de que a justiça sumiu de vez do horizonte do homem argentino.

Começaremos, portanto, estabelecendo uma ordem justa, dentro da qual o trabalho e o sacrifício valham a pena, na qual os frutos do empenho se transformem em melhores condições de vida para todos, na qual encontrem apoio e estímulo os cidadãos honestos e exemplares, na qual sejam severamente punidos os que violarem a lei, qualquer que seja seu posto hierárquico, seu poder ou sua presumida influência. Assim, recuperaremos a confiança e a fé do povo nos governantes, e assim lançaremos o ponto de partida indispensável para enfrentar a grave crise que nosso país está atravessando. Por isso, não preciso descrever as dramáticas condições na qual vive a Nação: cada um dos que habitam a Pátria as conhece e sofre com elas todos os dias da pior forma possível. Contudo, merecem ser apontados alguns dos elementos mais destacados desta situação.

Nunca foi tão grande a desordem no funcionamento do Estado, gerido com ineficiência num contexto de corrupção administrativa generalizada e de demagogia complacente. Pela primeira vez em sua história, a Nação quase chegou a declarar moratória. Uma direção econômica vacilante e pouco realista levou o País rumo à recessão e ao início do desemprego, com sua inevitável sequela de angústia e desânimo, herança que recebemos e que trataremos de remediar. O uso indiscriminado da violência por um ou outro grupo submeteu os habitantes da Nação a um clima de insegurança e de medo sufocante. E por fim, a falta de capacidade das instituições, demonstrada em suas tentativas fracassadas de apresentar a tempo as soluções urgentes e profundas que o país requeria, levou a uma paralisia completa do Estado, diante de um vazio de poder incapaz de dinamizá-lo.

Cada um desses sinais marcou o final de uma fase que estava em declínio inevitável e que era incapaz de gerar sua própria sucessora. As Forças Armadas participaram com absoluta responsabilidade do processo institucional, assumindo decididamente seu papel, sem prejudicar em nenhum grau a gestão do Governo. Prova irrefutável disso é que elas se empenharam, de ponta a ponta do País, numa vitoriosa luta contra os delinquentes subversivos. O sangue generoso de seus heróis e seus mártires assim o determina.

Respeitando profundamente os poderes constitucionais, esteios naturais das instituições democráticas, as Forças Armadas fizeram chegar, em repetidas ocasiões, advertências educadas sobre os perigos que acarretavam tanto as omissões quanto as medidas insensatas. Sua voz não foi escutada, não foi adotada nenhuma medida substancial para respondê-la. Diante disso, toda esperança por mudanças respeitando os marcos institucionais foi totalmente rebaixada.

Diante desta situação dramática, as Forças Armadas assumiram o governo da Nação. Essa atitude, assumida consciente e responsavelmente, não está motivada por interesse ou cobiça pelo poder. Responde apenas ao cumprimento de uma obrigação inescapável, derivada da missão específica de proteger os mais altos interesses da Nação. Diante desse imperativo, as Forças Armadas preencheram, como instituição, o atual vazio de poder, e também como instituição, deram uma resposta à conjuntura nacional por meio da fixação de objetivos e pautas para as ações que o governo desdobrará, inspirados numa autêntica vocação para servir à Nação.

Para nós, o respeito aos direitos humanos não deriva só das imposições da lei ou das declarações internacionais, mas também é o fruto de nossa convicção cristã e arraigada a respeito da superior dignidade do homem como valor fundamental. E é justamente para assegurar a devida proteção dos direitos naturais do homem que assumimos o pleno exercício da autoridade. Não para violar a liberdade, mas afirmá-la. Não para sufocar a justiça, mas impô-la.

Restabelecendo a vigência de uma autoridade que será revitalizada em todos os níveis, cuidaremos da ordenação do Estado, cuja ação se baseará na estabilidade e manutenção das normas jurídicas, garantindo o império da lei e sua obediência pelos governantes e governados. Um Estado arrumado nos permitirá prover a Nação do instrumento capaz de impulsionar uma tarefa de transformação profunda.

Como não aceitamos que o Estado seja um mero espectador do processo, ele deverá monopolizar o uso da força e, em decorrência disso, só suas instituições cumprirão as funções ligadas à segurança interna. Utilizaremos essa força sempre que for preciso, para garantir a plena vigência da paz social. Com esse objetivo combateremos sem trégua os delinquentes subversivos em qualquer uma de suas manifestações, até serem totalmente neutralizados.

Durante muitos anos, sob o pretexto de defender a gestão estatal, ficaram sob monopólio público grandes projetos indispensáveis para o desenvolvimento nacional e o bem-estar do povo, que nunca foram concretizados. Hoje, todos pagamos o preço. No serviço público, a eficácia é a exceção, e a deficiência é a regra. Um crescimento sufocado pela ruína dos setores cruciais da economia e a dependência do exterior para fornecer matérias primas indispensáveis resultaram muitas vezes da recomendação de quem nada fez nem permitiu fazer. O Governo, a partir de agora, direcionará sua ação para a solução pragmática dos grandes problemas econômicos.

Com garantias à soberania nacional e mantendo o controle do Estado sobre as áreas vitais relativas à segurança e ao desenvolvimento, cederemos à iniciativa privada e aos capitais internos e externos todas as condições necessárias para que participem com o máximo de potencial e de força criativa na exploração racional dos recursos. Temos consciência do valioso aporte que pode oferecer à nossa independência financeira, tecnológica e econômica a ação decidida dos empresários, e por isso a impulsionaremos com todos os recursos do Estado, mas garantndo que os interesses econômicos não interfiram no exercício dos poderes públicos. Regras claras, precisas e constantes de jogo serão os melhores instrumentos para impulsionar investimentos e recuperar nossa atividade produtiva.

Promoveremos a relação harmônica entre o capital e o trabalho por meio do fortalecimento de estruturas empresariais e sindicais limitadas às suas finalidades específicas, que representem fielmente e tenham plena consciência dos potenciais do País. Os trabalhadores, que tantas vezes foram alvo de enganação e tantas vezes viram esvaecer promessas e esperanças, devem saber que o sacrifício exigido pela tarefa de reorganização nacional será suportado por todas as camadas sociais e que durante o desenrolar do processo e, em especial, durante a distribuição teremos a mesma firmeza para defender seus direitos que hoje demonstramos para exigir seu esforço.

Nossa geração vive uma crise de identidade, que se manifesta num questionamento permanente dos valores tradicionais de nossa cultura e assume, em muitos casos, as concepções niilistas da subversão antinacional. A cultura, como um modo singular de expressão da arte, da ciência ou do trabalho de nosso Povo, será, portanto, impulsionada e enriquecida. Estará aberta ao influxo das grandes correntes de pensamento, mas sempre se manterá fiel a nossas tradições e à concepção cristã sobre o mundo e o homem. É exatamente sobre essa base, nossa individualidade histórica, que a Argentina deve alinhar-se, de hoje em diante, com as nações que deixam o homem realizar-se como pessoa, com dignidade e em liberdade.

Em função de interesses comuns, manteremos relações com todos os países do mundo. Em sólida coalizão com os países latino-americanos, devemos edificar vínculos sinceros, baseados no respeito, no apoio e na colaboração mútuos. Porém, também deve ficar claro que as Forças Armadas não estão dispostas a renunciar, e jamais o farão, a nossos direitos e soberania, e que assim como abrem generosamente as portas do País à contribuição cultural e material estrangeira, não permitirão que nenhuma nação ou grupo interfira em assuntos que são da alçada exclusiva do Estado Argentino.

Por tudo isso, afirmamos que o processo de reorganização nacional não está voltado contra nenhum grupo social ou partido político. Ao contrário, consiste em recolocar nos trilhos a vida do País e tem a ambição de promover uma mudança da atitude argentina em relação à sua própria responsabilidade individual e social. Em resumo, destina-se a desenvolver ao máximo nossas potencialidades. Ele é dedicado a todo grupo de argentinos, sem distinções, pois é requerida sua incorporação e participação de hoje em diante. É uma convocação para que, fruindo a maturidade que nos deixam as experiências políticas vividas, sejamos capazes de recuperar a essência do ser nacional e de imaginar e realizar um futuro ordenamento que nos faculte o exercício de uma democracia com real representatividade, sentido federalista e concepção republicana.

As Forças Armadas impuseram uma suspensão das ativdades dos partidos políticos para ajudar na pacificação interna. Contudo, reiteram sua decisão de garantir no futuro a ação de movimentos de opinião, de real expressão nacional e com provada vocação de serviço. Uma atitude similar determina a atuação na área corporativa, tanto de operários quanto de empresários. As organizações do capital e do trabalho deverão adequar o exercício de suas funções à defesa das legítimas aspirações de seus integrantes, evitando incursionar em áreas alheias à suas incumbências. Além disso, confiamos em que trabalhadores e empresários terão consciência dos sacrifícios que esses primeiros tempos exigem e da inescapável necessidade de adiar exigências que são justas em dias de prosperidade, mas ficam inatingíveis em situações emergenciais.

As Forças Armadas sabem que o esforço que todos fazemos hoje tem um herdeiro natural: a juventude argentina. A ela oferecemos a autenticidade de nossas ações, a pureza de nossas intenções e nosso trabalho incansável. Dela pedimos sua força criadora, seus ideais patrióticos, seu senso de responsabilidade no estudo e no trabalho, sua participação no processo que está começando, para que, num marco de oportunidades iguais, ele se realize exclusivamente em pleno benefício da Pátria.

Esta imensa tarefa a que nos lançamos tem um beneficiário único: o Povo Argentino. Todas as medidas de governo estarão direcionadas à obtenção do bem-estar geral por meio do trabalho fecundo, com um senso inegável de justiça social para modelar uma sociedade pujante, organizada, solidária, preparada espiritual e culturalmente para forjar um futuro melhor. Ninguém deve esperar soluções imediatas nem mudanças gigantes na atual situação.

As Forças Armadas têm consciência da magnitude da tarefa a realizar, conhecem os problemas profundos a resolver, sabem dos interesses que se oporão nesse caminho que todos devemos percorrer com solidariedade. Porém, temos de atravessá-lo com firmeza, uma firmeza que se expressa em nossa decisão de levar a cabo o processo sem concessões e com uma profunda paixão nacional. As Forças Armadas convocam o Povo Argentino a exercer toda a responsabilidade nos marcos da tolerância, união e liberdade, na luta por um amanhã de grandeza irrecusável.

Chegou a hora da verdade. O Governo Nacional, ao formular esta sincera e honesta convocação ao Povo da Pátria, não procura gerar atitudes espontâneas de participação no processo. Sabemos perfeitamente que as manifestações de adesão a ele serão fruto dos êxitos positivos que conseguirmos mostrar ao Povo da República. Aspiramos, sim, como base mínima e indispensável para apoiar nossa ação, à compreensão ampla e generosa de todos os setores inspirados pelo bem comum.

Solicitamos que entendam as razões que motivaram a opção tomada. Solicitamos que entendam as pautas diretoras impostas ao processo de reorganização nacional. Solicitamos que entendam os esforços que devemos exigir de cada argentino como contribuição inadiável. Sabemos que com essa compreensão inicial seremos capazes de promover os feitos necessários para obter o apoio de todos aqueles que, convencidos da sinceridade de nossos projetos e da viabilidade dos objetivos mostrados, haverão de participar fervorosamente da concretização de um grande país.

O passado imediato ficou para trás, sua carga de frustração e confusão foi superada. Entramos num futuro que levará à grandeza da Pátria e à felicidade de seu povo. O Governo Nacional não oferece soluções fáceis ou milagrosas. Ao contrário, pede e realizará sacrifícios, esforços e austeridade. Garante de fato uma conduta honrada, uma ação eficiente e um proceder justo, voltado sempre, acima de qualquer outra consideração, para o bem comum e os altos interesses nacionais.

Chegou a hora da verdade. Uma verdade que é, resumindo, nosso compromisso total com a Pátria. Na concretização deste intento que lançamos hoje, peço ao Nosso Senhor Deus que conceda a todos nós sabedoria para podermos escolher o melhor caminho, firmeza para jamais sairmos do rumo certo, prudência para sermos justos, e humildade para servirmos sem ser servidos.



quarta-feira, 7 de novembro de 2018

“Meter-ologia”: previsão do tempo sexy


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Um dia, me lembrei que quando eu era adolescente, ocasionalmente assistia no noticiário da TV a alusões sobre mulheres russas que se despiam ao fazer a previsão do tempo, ou usavam muito pouca roupa sabe-se lá por que motivo. Pensei primeiro que fosse um resquício da era liberal de Ieltsin, quando a Rússia tentava imitar o Ocidente a todo custo, mas só criava assim outro estereótipo bizarro pros estrangeiros. Então, tive a brilhante ideia de pesquisar no YouTube vídeos da época, e descobri que isso não só não é tão antigo assim, como outros países próximos também tentaram imitar a iniciativa.

Na verdade, não fiquei procurando à exaustão amostras na videosfera russa, mas baixei algumas coisas interessantes que já podem divertir e dar um sabor do assunto. Uma dessas repórteres era Larisa Sladkova, empregada no canal de TV STS de Cheliabinsk, região sul dos Urais, mas que infelizmente não dá mais previsões nesse molde. A maioria dos vídeos se concentra no primeiro semestre de 2016, e o que está traduzido aqui pode ser visto sem legendas no canal oficial da moça.

Tendo ficado famosa com essa iniciativa, então considerada chocante na sociedade russa, mudou-se ainda em 2016 pra Moscou e participou de vários eventos pra celebridades. Chegou até a buscar um espaço na política federal, militando pelo Partido dos Aposentados da Rússia, segundo Sladkova, pra defender a causa dos idosos, mas parece que não obteve sucesso. Ex-modelo, hoje ela tem 45 anos e tem um filho de 22 anos, e entre suas polêmicas, está a de que teria gasto milhares de euros pra siliconar os seios. Uns russos mais simples até pensam que ela seria um travesti, devido a seus traços faciais grossos e à sua expressão andrógina.

Contudo, segundo ela, a “turbinada” foi presente de um namorado em 2011, além do que ela não teria feito nenhuma cirurgia plástica na vida, inclusive sendo naturais os lábios carnudos. Embora ela atraia muitos haters, dizia na época que sua intenção era trazer um pouco de alegria às pessoas, num tempo tão duro pra economia e sociedade. Podemos até ver que suas roupas não são tão “minúsculas” assim, e que sequer ela chega a insinuar um strip tease. Além do mais, mesmo parecendo provocador, seu jeito de falar tem algo de ingenuidade, reforçada pela mistura de temas aparentemente disparatados, como festas populares e datas comemorativas.

No terceiro vídeo, ela fez uma alusão ao folclore russo, não entendível imediatamente: o vodianoi é um ente mitológico com cabeça de sapo e corpo de homem velho, que se supõe proteger as águas dos tanques e rios. Entre os eslavos orientais, mas também com mitologias similares entre eslavos ocidentais, acredita-se que todo dia 16 de abril ele deve receber oferendas, pra que as águas derretam após o inverno e haver fartura de peixes. Então, os vodianois acordam, tal como as rusalkas (tipo de sereias), e como a data cai no dia de São Nikita, o Confessor, ela também é chamada “Nikita Vodopol”.

Ex-designer de moda e ex-gerente de cassino, não sei exatamente o quanto ela anda ativa. Mas vocês podem conhecê-la melhor por meio de seu Facebook e seu Twitter, únicas redes sociais que encontrei, ou de uma curta ficha biográfica em russo. Eu mesmo traduzi e legendei os vídeos, tendo usado a transcrição automática do YouTube quando fosse o caso. Seguem abaixo as legendagens que estão no meu canal Eslavo, os textos em russo pra vocês acompanharem e as traduções:



Здравствуйте! С вами прогноз погоды, и я – Лариса Сладкова. Сегодня я вам расскажу о погоде на курортах и в столице Южного Урала. 26 апреля в Челябинске будет малооблачно. Температура воздуха ночью – плюс 1-3, днём – плюс 14-16, но обольщаться не стоит. Со стороны от дождя, будет дуть прохладный северо-западный ветер со скоростью 3-8 метров в секунду.

Сейчас о погоде в жарких странах, и предлагаю вам отправиться туда, где всегда плюс. На Мадагаскаре – плюс 25. В Танзании – плюс 27, влажно. На Бали, как всегда, жарко – плюс 37. Кстати, сейчас – самое время готовить своё тело к летнему сезону, ведь на отдыхе вы должны быть самыми неотразимыми и привекательными.

Жду ваших комментариев ниже. Пока-пока!


Olá, gente! Esta é sua previsão do tempo, e eu sou Larisa Sladkova. Hoje vou lhes falar do tempo nos balneários e na capital do Sul dos Urais. Em 26 de abril haverá poucas nuvens sobre Cheliabinsk. À noite, a temperatura ficará entre 1 e 3 graus, e durante do dia, entre 14 e 16 graus. Mas não se deixem enganar: em decorrência da chuva, soprará um vento noroeste frio, com velocidade de 3 a 8 metros por segundo.

Agora, o tempo nos países quentes. Sugiro que vocês viajem pra lá, onde a temperatura é sempre positiva. Em Madagascar, 25 graus. Na Tanzânia, 27 graus com umidade. Em Bali, como sempre, calorão: 37 graus. Aliás, agora é o momento exato pra vocês prepararem o corpo pro verão, pois nas férias vocês precisam estar muito atraentes e irresistíveis.

Aguardo seus comentários abaixo. Tchau, tchau!



Здравствуйте, мои дорогие! Это прогноз погоды, и с вами Лариса Сладкова. Мне уже не терпится рассказать о погоде в Челябинске. В четверг, 24 марта, в нашем городе будет ясно. Температура воздуха ночью – минус 5-7, а днём воздух прогреется в 2-4 градусов тепла. Ветер из Казахстана будет дуть со скоростью 5-10 метров в секунду.

А теперь, самое приятное: погода в жарких странах. Предлагаю отправиться туда, где всегда плюс. Завтра в Джакарте – плюс 31, небольшой дождь. На Шри-Ланке – плюс 32, ясно. В Маниле очень жарко: плюс 36.

Мои любимые, хочу поздравить вас с днём метеоролога. Пусть ваша жизнь будет ураган эмоций и буря ярких событий. Ваша Лариса Сладкова. До новых встреч!


Olá, meus queridos! Esta é a previsão do tempo, e eu sou Larisa Sladkova. Estou louca pra falar do tempo em Cheliabinsk. Na quinta-feira, 24 de março, vai ficar claro em nossa cidade. A temperatura à noite vai ser de 5 a 7 negativos, e de dia vai esquentar pra 2 e 4 graus positivos. O vento do Cazaquistão vai chegar com velocidade de 5 a 10 metros por segundo.

Agora, o mais gostoso: o tempo nos países quentes. Sugiro que viajem pra lá, onde a temperatura é sempre positiva. Amanhã em Jacarta, 31 graus, pouca chuva. No Sri-Lanka, 32 graus com sol. Em Manila, um calorão: 36 graus.

Meus queridos, quero felicitá-los pelo dia do meteorologista. Que a vida de vocês seja um furacão de emoções e um temporal de eventos felizes. Com carinho, Larisa. Até as próximas!



Здравствуйте! С вами прогноз погоды, и я – Лариса Сладкова. В эти выходные по народному календарю Угощение водяного. Крестьяне пытались его задобрить хлебом и кашей. А рыбаки просили у повелителя воды удачи в рыбалке на свои удочки.

В субботу и в воскресенье на территории Челябинска ожидается переменная облачность без осадков. Температура воздуха ночью – плюс 7-9. Днём – плюс 18-20. Ветер юго-западный – 3-8 метров в секунду.

Теперь о погоде в жарких странах, и предлагаю вам отправиться туда, где всегда плюс. На острове Монтсеррат – плюс 29. На Шарлотте-Амалии – плюс 30. Такая же температура в Антигуа и Барбуде.

Кстати, в этих выходных на планете отмечают Всемирный день цирка. В жизни его и так хватает. Поэтому, предлагаю вернуться в детство и сходить на представления: положительные эмоции и ностальгия гарантированы. Хорошего вам уик-энда, до встречи!


Olá, gente! Esta é sua previsão do tempo, e eu sou Larisa Sladkova. Neste fim de semana, pelo calendário popular, alimenta-se o vodianoi. Os camponeses buscavam agradá-lo com pão e mingau. E os pescadores pediam ao senhor das águas sorte ao pescar com suas varas.

No sábado e no domingo, espera-se no território de Cheliabinsk um tempo variável, sem chuva ou neve. A temperatura à noite vai ser de 7 a 9 graus, e de dia, entre 18 e 20 graus. O vento sudoeste vai soprar de 3 a 8 metros por segundo.

Agora, o tempo nos países quentes. Sugiro que vocês viajem pra lá, onde a temperatura é sempre positiva. Na ilha de Montserrat, 29 graus. Em Charlotte Amalie, 30 graus. A mesma temperatura em Antígua e Barbuda.

Aliás, neste fim de semana o planeta comemora o Dia Mundial do Circo. E isso também vale pra nossa vida. Por isso, voltem à infância e vão ver um espetáculo: será nostalgia e positividade na certa. Bom finde pra vocês, até a próxima!



segunda-feira, 5 de novembro de 2018

A Revolução Russa lida pela Comintern


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A pedido do Prof. Armando Boito (da Ciência Política, Unicamp), redigi este artigo em abril de 2017 pra uma edição comemorativa da revista Crítica Marxista pelos 100 anos da Revolução Russa de Outubro. Há muito ele conhece meu interesse pela história soviética e pelo estudo e tradução da língua russa, portanto me pediu em mensagem eletrônica pra dar essa contribuição. Devo agradecê-lo duplamente, primeiro por ter sugerido, lá em 2013, que eu prestasse o mestrado em História, e não em Ciência Política, como eu desejava inicialmente, escolha que se revelou acertada e determinou meu atual sucesso na academia. E segundo, por estar sempre me estimulando a prosseguir em meu tema de pesquisa e sugerir caminhos e oportunidades pra demonstrar meu trabalho, além, claro, de seu um colega gentil e interessado.

O nome do artigo é Uma revolução-processo: primeiras imagens da Revolução Russa na Internacional Comunista (1919-1921) (em inglês, A Revolution-Process: First Images from the Russian Revolution in the Communist International, 1919-1921), e acha-se inserido num dossiê especial do número 45 da referida revista. Originalmente, deveria ser uma análise extensiva de como a Comintern teorizava a Revolução de Outubro, mas por causa do tempo (era ainda meu primeiro semestre do doutorado), me restringi aos primeiros anos do regime soviético, em especial quando Lenin ainda estava ativo política e intelectualmente. Mesmo assim, acredito ter jogado a semente pra pensar o assunto, e embora não esteja aquela maravilha, é apenas parte de uma reflexão mais ampla que desenvolvo até hoje. Boa parte do conteúdo deriva de minhas conclusões e pesquisa de mestrado, cuja dissertação eu tinha defendido em fevereiro, então agradeço de novo à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) por conceder então dois anos de bolsa pra mim.



Resumo
O objetivo deste artigo é descrever as imagens da Revolução Russa feitas pela Internacional Comunista (IC, Comintern) de 1919 a 1921. Buscou-se descobrir como Vladimir Lenin e outros dirigentes bolcheviques articulavam a construção do Poder Soviético com a onda revolucionária europeia. As principais fontes de pesquisa foram os escritos de Lenin concernentes ao movimento internacional e à administração da Rússia socialista, as atas taquigráficas e outros documentos dos Congressos Mundiais da IC e a historiografia sobre o comunismo soviético e internacional.

Palavras-chave: Internacional Comunista (Comintern), União Soviética (URSS), Vladimir Ilich Lenin (1870-1924), Revolução Russa de 1917, história política contemporânea.


Abstract
This article aims at describing the image of the Russian Revolution created by the Communist International (CI, Comintern) from 1919 to 1921. It aimed at discovering how Vladimir Lenin and other Bolsheviks’ leaders articulated the construction of the Soviet Power with the European revolutionary wave. The main sources for the research were Lenin’s writings about the international movement and the administration of socialist Russia, the shorthand minutes and other documents from the CI World Congresses, and the historiography about the soviet and international communism.

Keywords: Communist International (Comintern), Soviet Union (USSR), Vladimir Ilich Lenin (1870-1924), Russian Revolution of 1917, contemporary political history.


Evento fundador do século 20, ao lado da Primeira Guerra Mundial (1914-1917), a Revolução Russa de 1917, mais especificamente a tomada do poder de Estado russo pelo Partido Bolchevique em novembro, sob a liderança de Vladimir Ilich Lenin, (1) era vista por seus protagonistas como a centelha de uma revolução proletária internacional. A crueza das frentes de combate, instigadas pelos governos capitalistas do Ocidente e pelos impérios russo, austro-húngaro e alemão, e a adesão de quase todos os partidos social-democratas ao esforço de guerra parecia estar voltando o operariado contra uma 2.ª Internacional que abandonara os esforços para manter a paz. Para Lenin, a “traição” socialista ao pacifismo proletário teria selado a falência de sua Internacional, e ainda em suas “Teses de Abril” (1917), o líder coloca na ordem dia a criação de uma “Terceira” Internacional, mesmo envolvido no processo de desmonte do regime tsarista (Broué, 2007 [1997], p. 24 e 39-40). A Revolução de Outubro, chegando ao conhecimento dos trabalhadores de outros países, animava as esperanças dos ainda criam numa futura redenção social, e a construção do Poder Soviético lhes parecia a esperada superação do Estado e da ordem burgueses. Mas para Lenin, e também para Leon Trotsky, fundador do Exército Vermelho, a revolução na Rússia seria apenas o começo de uma verdadeira revolução mundial, em que as rebeliões populares subsequentes à guerra espalhariam a forma de governo baseada nos sovietes (conselhos) de operários, camponeses, soldados e marinheiros. O anseio por essa “República Federativa Soviética Mundial” só poderia realizar-se, em cada país, com partidos proletários fortes, disciplinados, centralizados e de vanguarda, cuja criação e direção, seguindo o modelo russo idealizado por Lenin (1978 [1902], p. 86 ss.), deveriam caber a um centro único.

Essa “Internacional Comunista” parecia uma realidade cada vez mais próxima quando, no final de 1918, instaurou-se a República e insurgiram-se os trabalhadores na Alemanha, uma das maiores potências da época e onde se julgava ser crucial a vitória de uma revolução proletária (Loureiro, 2005, p. 125 ss). Nas mais duras condições, delegados de vários países, representando frações ou partidos socialistas simpáticos aos bolcheviques, reuniram-se em Moscou de 2 a 6 de março de 1919 para enfim criarem a 3.ª Internacional, cuja existência efetiva ainda seria um desafio a concretizar-se. Qualquer que devesse ser o destino desse organismo e da Revolução de Outubro, o feito de Lenin e do agora Partido Comunista Russo (bolchevique), como instante fundador, deveria marcar as futuras discussões do movimento comunista internacional. De 1919 a 1921, em meio à ebulição do operariado europeu, a Revolução Russa esteve presente na Comintern como um processo de simultânea vivência e teorização, não se distinguindo a empreitada bolchevique das outras revoluções prestes a explodir nos países próximos.

Logo na primeira sessão do congresso fundador da Comintern, a 2 de março de 1919, Lenin atribuía ao evento uma “grande importância para a história mundial” por ele estar mostrando a “ruína de todas as ilusões na democracia burguesa” diante da “guerra civil” que, como um “fato”, desdobrava-se “não apenas na Rússia, mas também nos países capitalistas mais desenvolvidos da Europa, como a Alemanha”. Enquanto “a revolução mundial começa e se reforça em todos os países”, diante de uma burguesia apavorada, a palavra de ordem da “ditadura do proletariado” deixava de ser um “latim” para as grandes massas, “graças ao Poder Soviético na Rússia, aos espartaquistas na Alemanha e a organizações análogas em outros países, como os Shop-Stewards Committees na Inglaterra” (PRIMEIRO Congresso da Comintern, 1933, p. 3). (2) A reviravolta que se dava nas terras do antigo império tsarista parecia estar se estendendo ao resto do mundo, a começar pelas metrópoles econômicas e coloniais. O russo Grigori Zinoviev, que ocuparia a presidência da nova Internacional, ressaltou o peso nacional dos bolcheviques:

Como vocês sabem, nosso partido foi o único a proclamar a revolução proletária na Rússia. Todos os outros partidos foram contrários à Revolução de Outubro, e estava claro que a vanguarda comunista do proletariado russo, sem qualquer ajuda – pelo contrário, superando numerosos obstáculos – deveria carregar nos ombros todo o peso da luta (ibidem, p. 19).

Se elementos “pequeno-burgueses” continuavam tentando aproveitar-se da revolução, prossegue Zinoviev, o Partido Comunista Russo esforçava-se para adquirir uma feição “monolítica” basicalmente “operária” e “comunista”, enquanto era máximo o esforço para lidar com a miséria, o sangue beligerante ainda corrente e o problema da habitação, que fizeram Kautsky falar de “socialismo da pobreza na Rússia” (ibidem, p. 19 e 22). Na mesma ocasião, em informe sobre o partido russo e, em particular, sobre o Exército Vermelho, Trotsky afirma que, naquele momento, a edificação do Poder Soviético era inseparável de sua defesa bélica contra o Exército Branco e a intervenção estrangeira, e que a transformação da antiga e pequena Guarda Vermelha em um poderoso Exército Vermelho era um dos maiores feitos já atingidos então pelos bolcheviques (ibidem, p. 41 ss.). Apesar do histórico pacifismo socialista, o líder militar não julga contraditório pegar em armas em prol de objetivos maiores:

A guerra, como dizia o velho Klausewitz, não é mais do que a continuação da política por outros meios. O exército é um instrumento de guerra, e por isso deve corresponder à política. Uma vez que o governo seja proletário, então assim também deve ser o exército por sua composição social.
[...]
Desde que a República Soviética surgiu na Rússia, ela foi obrigada a conduzir a guerra, o que está fazendo até agora. Nosso front tem mais de 8 000 quilômetros; no sul e no norte, no leste e no oeste, por todo lado nos combatem de armas nas mãos, e precisamos nos defender. Sim, Kautsky até nos acusou de termos cultivado o militarismo. Mas acredito que, se desejamos manter o poder com os operários, devemos nos defender seriamente (ibidem, p. 42-43).

Essas passagens dariam razão a diversos historiadores que veem na vivência da “guerra civil”, transmutada em “guerra civil internacional”, um conceito-base do bolchevismo, segundo o qual da “guerra mundial” se passaria às “guerras civis” do proletariado contra as burguesias locais, até que elas dessem em uma só revolução soviética mundial (Pons, 2014, p. 31-32, 48-51, 151-152 e 203-204; Vigreux & Wolikow (dirs.), 2003). É verdade que os delegados de diversos países privilegiaram suas próprias situações locais ao falarem da formação de partidos e grupos comunistas, mas era constante a referência elogiosa à Revolução Russa (PRIMEIRO Congresso da Comintern, 1933, passim). Com a abstenção isolada do delegado alemão, e apesar das condições adversas, decide-se por unanimidade fundar o “Exército Mundial da Revolução” (ibidem, p. 131).

De fato, nos documentos finais do 1.º Congresso da IC, há poucas menções diretas ou detalhadas à situação na Rússia, submergidas no que os delegados criam ser uma só revolução mundial, em curso e próxima da vitória, desmontando o Estado e a economia burgueses. Um dos cuidados, claro, é diferenciar o comunismo da social-democracia, a que atribuíam grande culpa pela guerra e pelo apoio às burguesias, e a 3.ª Internacional, Comunista, da 2.ª Internacional dita reformista e falida (ibidem, p. 172 ss.). Mas notavelmente, o “poder soviético” e a “ditadura do proletariado” são vistos como fórmulas governativas universais, dada a suposta imbricação das revoluções pelo mundo:

[...] a forma da ditadura do proletariado, que já está sendo de fato desenvolvida, i. e. o Poder Soviético na Rússia, o Räte-System [sistema de conselhos] na Alemanha, os Shop-Stewards Committees e demais instituições soviéticas análogas em outros países, todas elas significam e concretizam exatamente para as classes trabalhadoras, i. e. para a imensa maioria da população, uma possibilidade real de fruir os direitos e liberdades democráticos jamais havia, mesmo de modo aproximado, nas melhores e mais democráticas repúblicas burguesas.
A essência do poder soviético consiste em que a base única e permanente de todo o poder e aparelho estatais seja a organização de massas precisamente das classes antes oprimidas pelo capitalismo, i. e. proletários e semiproletários (camponeses que não exploram o trabalho alheio e sempre recorrem à venda, mesmo que parcial, de sua força de trabalho) (ibidem, p. 185-186).

Antes mesmo desse congresso, Lenin afirmava, em sua brochura A revolução proletária e o renegado Kautsky, que o “poder soviético” em construção na Rússia estava fundado nos “fatos”, no apoio massivo do operariado, e não nas tratativas de cúpula estatais ou partidário-reformistas, e que por isso podia ser aplicado no mundo todo, escorando a futura 3.ª Internacional (Lenin, 1969a [1918], p. 303-304). Como Lenin explica em artigo posterior, sua maior discórdia com o social-democrata alemão é quanto à defesa de uma presumida “democracia”, ou mesmo “democracia pura”, contra a “ditadura” que estaria vigendo na Rússia. Ele opõe a Kautsky a noção de que a essência da democracia consiste em seu caráter de classe, e não no caráter formal, pois a mesma “democracia” defendida pelos socialistas teria levado os trabalhadores à guerra, e agora estaria reprimindo seus movimentos contestatórios (Lenin, 1969b [1919], p. 388). Em uma “Carta aos operários da Europa e da América”, Lenin sustenta que a Comintern já existia de fato no momento em que o Partido Comunista Russo, logo após o fim da guerra, enfim rompeu com a 2.ª Internacional após sua “traição” “social-chauvinista” e em que o seguiu então uma série de frações radicais na Europa, com destaque para a Liga Espartaquista alemã (Lenin, 1969c [1919], p. 454-455).

Fundada a IC, Lenin revela em artigos publicados no Pravda que está crendo ainda mais que o destino da revolução proletária mundial e de seus protagonistas está sendo decidido na Rússia soviética, foco de toda a agitação:

A fundação da 3.ª Internacional, Comunista, em Moscou, a 2 de março de 1919, foi o registro do que conquistaram não somente as massas proletárias de russos, nem somente de toda a Rússia, mas também as alemãs, austríacas, húngaras, finlandesas, suíças – em resumo, de todos os povos.
[...]
Quatro anos atrás, ainda não se podia dizer que o Poder Soviético, a forma estatal soviética, fosse uma conquista internacional. [...] Mas ainda não se podia dizer, até se verificarem os fatos, quais mudanças, e de que profundidade e importância, o desenrolar da revolução mundial viria a trazer (Lenin, 1969d [1919], p. 512).

[...] bem que tentaram cercar-nos com uma muralha da China e [...] estão exilando os bolcheviques às dezenas e às dúzias das repúblicas mais livres do mundo, temendo exatamente que uma dezena ou uma dúzia de bolcheviques possa contaminar o mundo todo. Mas bem sabemos que esse medo é ridículo, pois eles já contaminaram o mundo todo, pois a luta dos operários russos já fez as massas operárias de todos os países saberem que aqui, na Rússia, está se decidindo o destino da revolução mundial geral (Lenin, 1969e [1919], p. 515 e 519)

Para Lenin, a 3.ª Internacional continuava a Revolução de Outubro. Em várias ocasiões, falando ou escrevendo ao partido russo em 1919, ele pontua que a rebelião na Rússia teria apenas começado o processo a nível mundial, cuja vitória parecia iminente, e por isso a burguesia e suas colunas políticas, entre as quais estaria a social-democracia, investiam contra os bolcheviques e as formas “operárias” de fazer política, que eram a “ditadura do proletariado” e o “poder soviético” (Lenin, 1969f [1919], p. 41 e 71; 1969g [1919], p. 129-130 e 148; 1969h [1919], p. 301-302 e 307). Mas em 1920, enquanto o Exército Vermelho começava a bater seus inimigos na Guerra Civil Russa, já haviam fracassado a República Soviética Húngara e efêmeras comunas conselhistas na Alemanha, que no ano anterior indicavam o ânimo militante comunista, mas enfim cederam à escalada reacionária (Loureiro, 2005, cap. 3; Broué, 2007 [1997], p. 145-195; Carr, 1985 [1953], caps. 23 e 24) De abril a maio de 1920, Lenin escreveu A doença infantil do esquerdismo no comunismo, brochura preparatória para o 2.º Congresso da IC, para lembrar que a imitação radicalista e acrítica do modelo russo, cujo surgimento só teria sido possível no contexto histórico especial do regime tsarista, que no início do século 20 passou por várias metamorfoses institucionais, teve o prejuízo de rejeitar outras formas de luta, como a parlamentar, conforme as condições nacionais específicas. Daí sua teoria segundo a qual a vitória da revolução em um dos países adiantados faria da Rússia um país “atrasado”, mas “do ponto de vista socialista e ‘soviético’”. Porém, enquanto essa vitória não chegasse, a empreitada dos bolcheviques seguia sendo um modelo inesgotável, ou seja, a destruição do capitalismo, inclusive na forma da produção menor, ainda era o objetivo maior (Lenin, 1981 [1920], p. 3-4 e 6-7).

O 2.º Congresso da Comintern (julho-agosto de 1920) parecia ser o verdadeiro início das atividades da nova Internacional, a julgar pelo volumoso material produzido e pelas intensas discussões sobre a conjuntura mundial, que de alguma forma suplantaram a onipresença da Revolução Russa. Mesmo assim, Mikhail Kalinin sublinhou logo de início, como representante do Poder Soviético, o valor maior que o combate à burguesia russa e ao capital internacional tinha para operários e camponeses da Rússia, em relação a “livros e discursos”. Em seu entender,

[...] a classe operária russa e as massas camponesas russas, presentemente, voltam seu olhar com enorme atenção às classes oprimidas do Ocidente e às massas oprimidas do Oriente. Elas esperam o momento em que essas classes exploradas, junto com os operários e camponeses russos, lançar-se-ão à luta imediata pela ditadura do proletariado (SEGUNDO Congresso da Comintern, 1934, p. 12).

Além do amplo leque de temas, entre os quais formação partidária, organização no campo e questões nacional e colonial, tratou-se das cisões radicais nos antigos partidos socialistas, a continuação da política de Versalhes pelas potências ocidentais e o impacto da edificação socialista na Rússia entre os proletários europeus. Giacinto Serrati, por exemplo, saudou o Exército Vermelho, que em sua luta contra os “brancos” e os estrangeiros praticamente fundava a estrutura governativa bolchevique e consistia em um dos polos de atração de militantes radicais pelo mundo (ibidem, p. 30-32). Uma das resoluções narrava exatamente “Quando e em que condições podem formar-se sovietes de deputados operários”: refletindo as críticas de Lenin ao “esquerdismo” radical e resumindo a experiência russa, o apoio total das massas e a formação de uma situação revolucionária, com paralisia das instituições oficiais, são pressupostos essenciais (ibidem, p. 531 ss.). E entre as condições de admissão de novos partidos na Comintern, aprovadas no encontro, a 14.ª relembra a situação mundial que se vivia: (3)

Os Partidos que desejam filiar-se à Internacional Comunista devem apoiar incondicionalmente cada República Soviética em seu combate às forças contrarrevolucionárias. Os Partidos Comunistas devem buscar continuamente convencer os trabalhadores a não transportar material bélico aos inimigos dessas Repúblicas, devem realizar uma propaganda legal ou clandestina entre as tropas enviadas para sufocar as repúblicas operárias etc. (ibidem, p. 503).

Mas no próprio “País dos Sovietes”, tudo logo mudaria muito. Após o congresso da IC, como parte da ofensiva contra a invasão externa, o Exército Vermelho esteve prestes a tomar Varsóvia e aí instaurar seu próprio regime, mas foi duramente repelido. Enquanto isso, em 1920 e 1921, a economia russa estava em estado tão calamitoso que o próprio Lenin decidiu suspender o “comunismo de guerra” em março de 1921 e lançar as bases da abertura ao mercado que mais tarde seria chamada Nova Política Econômica (NEP) (Carr, 1981 [1979], p. 33-38; Broué, 2007 [1997], p. 219-224; Reis Filho, 2003, p. 71-78). Além disso, a “ação de março” alemã em 1921, uma das últimas tentativas de trazer o país à órbita soviética, fora brutalmente reprimida (Loureiro, 2005, p. 133 ss.). No 3.º Congresso da Comintern, a tática de “frente única”, anunciada por Lenin, marcaria o fim da fase ofensiva e a retirada estratégica do cenário internacional, como se nota pelas reduzidas menções à dialética entre os comunistas de Moscou e outras insurreições radiciais, de fato já amainadas pela repressão (TERCEIRO Congresso Mundial da Internacional Comunista, 1922). Estava livre o caminho à constituição dos partidos comunistas locais, à possibilidade da Rússia soviética respirar e à fixação do bolchevismo como um regime estatal.


Bibliografia

BROUÉ, Pierre. História da Internacional Comunista (1919-1943). 2 v. 1. ed. 1997. Tradução de Fernando Ferrone. São Paulo: Sundermann, 2007.

CARR, Edward Hallett. The Bolshevik Revolution, 1917-1923. V. 3. 1. ed. 1953. Nova Iorque; Londres: W. W. Norton & Company, 1981.

______. A Revolução Russa de Lenin a Stalin (1917-1929). 1. ed. 1979. Tradução de Waltensir Dutra. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

LENIN, Vladimir Ilich. Proletarskaia revoliutsia i renegat Kautski [A revolução proletária e o renegado Kautsky]. 1. ed. 1918. In: Polnoie sobranie sochinenii [Obras completas]. T. 37. 5. ed. Moscou: Politizdat, 1969a, p. 235-338.

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Notas (clique no número pra voltar ao texto)

(1) Utilizo um sistema próprio de transliteração do alfabeto cirílico em cinco línguas eslavas para o alfabeto latino, cuja descrição está disponível nesta página. Acesso em: 14/03/2017.

(2) Todas as traduções são livres.

(3) Uma tradução recente das “21 condições”, comparando a versão inicial e a definitiva, e acompanhada de introdução e notas explicativas, está disponível nesta página. Acesso em: 15/03/2017.



sábado, 3 de novembro de 2018

Comunismo mundial, PCB e operariado


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/pcb-trabalho


Como não saíram ainda os anais, e como a organização não pediu exclusividade de direitos, estou publicando hoje o paper que propus ao 5.º Seminário Internacional Mundos do Trabalho, ocorrido na UFRGS, Porto Alegre, de 25 a 28 de setembro de 2018. É um evento periódico realizado pelo GT (grupo de trabalho) Mundos do Trabalho, da ANPUH (Associação Nacional de História), ligado em especial a estudiosos da linha de história social do trabalho, mas também aberto a historiadores da área maior de história social. Este ano, no dia 26 de setembro, tive a honra de apresentar o texto Estruturas transnacionais do comunismo internacional e o PCB no mundo do trabalho (1924-1943) (em inglês, Transnational Structures of International Communism and the PCB in the World of Work, 1924-1943), em mesa coordenada pelo Prof. Dr. Diorge Alceno Konrad, pesquisador do comunismo brasileiro que enfim conheci em pessoa. Foi uma experiência renovadora pra mim, e quero partilhar o texto que dela resultou, sem que eu tenha feito mudanças após o envio ou antes de pôr aqui. Agradeço ao GT da ANPUH pela oportunidade, e lembro que estou sendo financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).



Resumo
O Partido Comunista do Brasil (PCB) foi fundado em 1922, durante a onda de atração dos trabalhadores socialistas do mundo pela Revolução Russa de Outubro de 1917 e pela construção da União Soviética (URSS). Como parte de seu projeto de revolução comunista mundial, Vladimir Lenin criou em 1919 a Internacional Comunista (Comintern), cujo objetivo devia ser a ajuda a outras insurreições operárias que estavam em curso pela Europa Ocidental e Central. Desde o início, os comunistas brasileiros buscaram ser admitidos na Comintern, o que ocorreu apenas em 1924, embora seu partido tenha sido modelado conforme o padrão bolchevique. Desde que os antigos arquivos da Comintern foram abertos ao público em Moscou em 1992, existe a oportunidade de conhecer as estruturas internas que ligavam o centro a suas “seções nacionais”. Contudo, muito pouco desse novo conhecimento tem sido ainda aplicado à análise do PCB. Este texto apresenta alguns direcionamentos para reunir o estudo das organizações, a história política do Brasil e a intervenção dos comunistas brasileiros nas políticas trabalhistas e no mundo do trabalho.

Palavras-chave: Partido Comunista do Brasil (PCB), Internacional Comunista (Comintern), movimento operário internacional.


Abstract
The Communist Party of Brazil (PCB) was founded in 1922, during the wave of attraction of world socialist workers towards the Russian October Revolution of 1917 and the construction of the Soviet Union (USSR). As a part of his project of world communist revolution, Vladimir Lenin created in 1919 the Communist International (Comintern), whose aim was to be the aid to other proletarian uprisings that were in course through West and Central Europe. From the beginning, Brazilian Communists sought to be admitted into the Comintern, what happened only in 1924, although their party had been modelled according to the Bolshevik standard. Since the former archives of the Comintern were opened to the public in Moscow in 1992, there has been the opportunity to know the internal structures that tied the center to its ‘national sections’. However, very little of this new knowledge has still been applied to the analysis of the PCB. This paper presents some guidelines to put together the study of the organizations, the political history of Brazil, and the intervention of Brazilian Communists in the labor policies and the world of work.

Keywords: Communist Party of Brazil (PCB), Communist International (Comintern), international labor movement.


Os movimentos socialistas de inspiração marxista na virada do século 19 para o 20 tinham como centro de gravitação o mundo do operariado fabril na Europa Ocidental e Central. Como Karl Marx havia prognosticado nas décadas anteriores, o proletariado das indústrias, geradoras de grande parte da riqueza e pujança dos países desenvolvidos, tinha por missão política máxima a tomada do poder político e econômico, visando direcionar a produção em prol da população trabalhadora, e não para o enriquecimento e fortalecimento de elites restritas. Mas a partir de seus escritos, muitos dos quais gerados por sua parceria intelectual com Friedrich Engels, foram muito diferentes as leituras quanto à natureza dessa tomada do poder e, mais ainda, quanto ao grau de transformações globais que a sociedade capitalista burguesa, no processo, sofreria como um todo. A relação das esquerdas pós-Marx com a política institucional concerniu basicamente os temas da reforma e da revolução, que continuariam sendo dois polos a princípio inconciliáveis do pensamento socialista no século 20. Quanto ao espaço geográfico desse fenômeno histórico, parecia consenso que era limitado à Europa Ocidental e Central industrializada, desenvolvida e com crescente complexidade e conflito de classes, sem consideráveis referências ao mundo colonial ou não europeu.

Embora amplamente inserida no espaço eurasiático, a Rússia afastava-se da “civilização europeia” em muitos aspectos. Antes de tudo, sua monarquia absolutista, a última a resistir no Velho Continente, havia abolido a servidão como instituição apenas em fins do século 19 e permitido as primeiras formas de representação parlamentar no raiar do século 20. Em meio a uma população predominantemente rural e muito pouco instruída, o proletariado industrial ainda representava nos anos de 1910 uma pequena parcela dos trabalhadores, enquanto os intelectuais, agitadores políticos e jornalistas viviam em ilhas isoladas em um mar de censura, indiferença geral e clandestinidade. A experiência do exílio em países da Europa Ocidental, sobretudo de membros da social-democracia russa, determinaria o pensamento e a ação de muitos na futura política nacional. Vladimir Lenin e Lev Bronshtein (mais conhecido como Leon Trotsky) estiveram entre os sociais-democratas de tino cosmopolita cujo arsenal ideológico parecia mais díspar com a realidade do velho império ortodoxo. As lições deixadas pela primeira grande experiência revolucionária de 1905 na Rússia, com ênfase nos conselhos (sovietes) operários, camponeses e militares como órgãos governativos paralelos, deram a feição final da corrente bolchevique do partido social-democrata russo, alinhada à prática máxima da atividade militante. Mas foram as contradições da Primeira Guerra Mundial que levaram a chamada “esquerda de Zimmerwald”, fração oposta à adesão das lideranças social-democratas ao esforço bélico de seus governos, a projetar Lenin como o mais ativo líder anticapitalista e disposto a transformar o conflito em oportunidade para a revolução mundial.

Na Rússia, os problemas econômicos recorrentes e a crise política somaram-se à ruína da guerra mundial para criar um vazio de poder em meio à autocracia e, assim, impelir o tsar Nicolau 2.º a renunciar em março de 1917. Retornando do exílio na Suíça, Lenin liderou os bolcheviques para que levassem a revolução às últimas consequências e fizessem funcionar os sovietes, novamente surgidos no contexto de acefalia estatal. Entre uma tentativa de golpe de Estado conduzida pelo general Kornilov e a resistência do Governo Provisório em tirar o país da guerra, nas maiores cidades da Rússia os sovietes já estavam dominados pelos bolcheviques, o que tornou o assalto ao Palácio de Inverno a oficialização de uma divisa já realizada: todo poder aos sovietes. Contudo, para Lenin e seus companheiros, a epopeia não terminava na Rússia: em sua interpretação peculiar do marxismo, a cadeia do imperialismo capitalista deveria romper-se exatamente no elo mais fraco, ou seja, o antigo império tsarista, mas seria apenas o começo de um efeito dominó abrangendo a Europa Ocidental rumo à formação de uma República Federativa Soviética Mundial. Ou a revolução seria mundial, com os países capitalistas, sobretudo a Alemanha, vindo em socorro aos russos, ou não ocorreria. Por isso, ainda em meio às revoltas europeias do pós-guerra e à guerra civil com intervenção estrangeira contra os bolcheviques, criou-se em Moscou a Internacional Comunista (Comintern) em 1919, na presença de vários delegados estrangeiros que se dispuseram a romper com o socialismo reformista tradicional e ajudar a fundar em seus países os partidos comunistas, em apoio a Moscou.

Contra toda a expectativa dos revolucionários russos, o regime soviético sobreviveria a partir de 1921-22 sem que nenhuma experiência similar na Europa Ocidental e Central conseguisse firmar-se, gerando o paradoxo, a atormentar Lenin até sua morte, de um governo internacionalista isolado diplomática, econômica e militarmente. Todavia, o fascínio pela Revolução Russa havia se espalhado em grande parte do mundo, e para muitos trabalhadores de esquerda o novo movimento parecia inaugurar o florescimento de uma nova sociedade, mais justa, igualitária e funcional, e uma resposta radical ao que muitos consideravam imobilismo e elitismo da social-democracia. A imediata simpatia de militantes estrangeiros foi o grande capital simbólico de que se valeu a Comintern para atrair as primeiras organizações, enquanto o próprio caráter da ideologia nascente confundia até mesmo seus protagonistas, quanto mais os observadores externos alinhados a antigas correntes e alheios à presumida essência do bolchevismo. De formato pouco definido, os partidos comunistas começaram a surgir em 1919-20, e após a absorção das primeiras notícias da Revolução Russa e suas consequências, também no Brasil floresceram em várias regiões “grupos comunistas” antes de tudo dedicados ao estudo, mas cujos contatos mútuos, bem como com militantes platinos, confluíram na fundação do Partido Comunista do Brasil (PCB) (1) em março de 1922. A afluência de anarquistas na nova agremiação e a eclética bagagem intelectual das esquerdas brasileiras, nesse aspecto, não era exceção no cenário geral, como prova o “caso Canellas” durante o pedido de ingresso na Comintern. (2)

Após a insistência e a intercessão de Rodolfo Ghioldi, dirigente comunista argentino, junto aos líderes em Moscou, o PCB foi enfim aceito como “seção brasileira da Internacional Comunista” em 1924, mas o interesse dos bolcheviques pela América Latina era relativamente anterior. Quando foram esvaindo-se as esperanças nas revoluções da Europa, sobretudo na região central, as vistas voltaram-se gradualmente a outros continentes ainda maiores, mais populosos e com muito mais conflitos sociais, isto é, o Novo Continente, a África, a Ásia e os países coloniais em geral. Se a Rússia continental, imperial e secular, mas agrária, inculta e subdesenvolvida, pôde protagonizar a primeira revolução socialista do mundo, o mesmo poderia ocorrer em terras ainda mais pobres e oprimidas, que refletiam as exatas contradições do capitalismo em sua sede de mercados e matérias-primas. A grande barreira a esse empreendimento, obviamente, era o pouco conhecimento que os russos e os aliados europeus tinham das peculiaridades históricas, culturais e econômicas desses lugares, o que não raro levou à tendência, sempre criticada por muitos nativos, de encaixá-los nos mesmos modelos analíticos, ignorando suas diferenças ou até contrastes. Dessa forma, o 2.º Congresso da Comintern (1920) inovou em relação ao socialismo do passado, avançando os povos coloniais como sujeitos revolucionários e estabelecendo que os comunistas das metrópoles apoiassem o anticolonialismo, mas embrulhou-se na tipologia dos povos oprimidos e trouxe análises ainda muito primárias sobre as conjunturas regionais. (3) Ainda na segunda metade de 1920, o Comitê Executivo da Comintern (CEIC) lançou um manifesto segundo o qual o papel especial da América no triunfo da revolução mundial, ainda julgada iminente, decorreria de ela toda ser um esteio do imperialismo estadunidense, (4) e no 4.º Congresso da Comintern, a América do Sul ganhou um apelo próprio, ligado à ideia do Tratado de Versalhes como tênue arranjo internacional e da região como espaço de domínio americano. (5)

Mas na visão bolchevique, o movimento como conjunto de organizações era tão ou mais importante do que o sustentáculo doutrinário ou ideológico, e por isso o modo como os comunistas se organizariam na América Latina e, mais ainda, o modo como seus organismos se vinculariam ao centro único em Moscou foi uma das primeiras preocupações ao buscar-se intervir na região. O Partido Comunista da Argentina (PCA) foi aceito na IC em 1921 por guiar os partidos vizinhos e já atuar como “Internacional continental” antes de ligar-se aos russos. Sua correspondência mais ou menos regular com correligionários próximos, inclusive em São Paulo, revela o peso de Buenos Aires no desenvolvimento futuro do movimento latino-americano. Em uma das inciativas anteriores, o Comitê Central (CC) do PC mexicano formou na capital federal o Birô Latino-Americano da Terceira Internacional (1919), de indefinidas e escassas ligações com a Comintern. Em 1920, o CEIC decidiu enviar Sen Katayama ao México para criar o Birô Pan-Americano da Comintern, com Louis Fraina e Charles Phillips, posto em marcha em Nova York (1921) e que deveria ajudar a criar, coordenar e financiar os partidos comunistas na América Latina. Rixas entre comunistas americanos e mexicanos adiaram o sonho de unificar o movimento em toda a América, e o Presidium do CEIC dissolveu o birô em 1921, deixando a organização e propaganda a cargo do PCA. Esse partido, por volta de setembro de 1921, foi incumbido pelo Secretariado da IC de criar um comitê de propaganda comunista para a América do Sul, e tendo Rodolfo Ghioldi voltado de Moscou com essa ordem, instalou-se em Buenos Aires o Birô de Propaganda Comunista Sul-Americana. A partir daí, com sua experiência organizativa e contatos no exterior, os argentinos regeram longamente a evolução do comunismo sul-americano. (6)

Quando a América Latina ganhou mais espaço na política da Comintern, deixaram-se os birôs e agências improvisados e cogitou-se no 5.º Congresso da Comintern criar um Secretariado Sul-Americano (SSA/IC) para tentar substituir o PCA como elo entre Moscou e os partidos da região, decisão ratificada em 1925 pelo CEIC. Ao iniciar 1922, os representantes partidários nesse comitê também haviam começado reuniões informais conforme suas línguas, facilitando as relações mútuas e a reunião de material sobre a situação em seus países e partidos para a cúpula. Alguns documentos chamam esses agrupamentos de secretariados e secretários de grupos linguísticos, que parecem ter gerado a discussão de questões relacionadas a essas regiões. Destinados a seguir de perto e estudar sistematicamente a vida política dos países concernidos, manter ligações concretas e constantes do CEIC com os partidos comunistas e passar as questões deles a Moscou, que retornaria com decisões a ser executadas e fiscalizadas nas seções nacionais, lançou-se sua criação prática. 11 deles surgiram por decisão do CEIC (1926), e mais tarde se tornariam os secretariados regionais. Formou-se de início um secretariado para a Espanha, Portugal, México, Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Paraguai e Cuba, mas o Secretariado Político do CEIC (1927) decidiu reduzir o número de secretariados regionais para seis e aumentar o volume de cada um, incluindo França, Bélgica, Suíça, Espanha, Portugal, Itália, América do Sul e Central, colônias francesas e belgas em um Secretariado Latino, depois Românico. (7)

Embora o ideal bolchevique fosse o referencial maior do PCB, os acontecimentos no Brasil também impeliram os comunistas a tomar determinadas atitudes, em uma década turbulenta para a chamada Primeira República, cujas bases políticas e econômicas, em meio a intermináveis crises, começavam a fender-se. A queda dos preços internacionais do café e outras matérias-primas, as inúmeras greves e revoltas operárias e as novas vanguardas artísticas e literárias europeias vindas ao país, com seu potencial contestatório e impactante, tornaram o cenário geral bastante complicado e aberto a intervenções extremas. Os soldados e oficiais de baixa patente do Exército Brasileiro, muito insatisfeitos com os salários e as condições de trabalho, absorveram a indignação com as instituições políticas e, invocando os ideais “originais” de uma República proclamada e iniciada por militares, desencadearam rebeliões armadas em 1922 e 1924 e lançaram a raiz da chamada “Coluna Miguel Costa-Prestes”, cujas tropas combateram o Governo Federal até 1927 e exilaram-se então na Bolívia. Apesar de os militares, em seus programas pouco definidos, não incluírem abertamente os operários e muitos menos pedirem mudanças abruptas no regime, Astrojildo Pereira, um dos primeiros líderes do comunismo nacional, tentou colocar o PCB em ligação com os militares insurgentes para atrelar o partido a um movimento que parecia promissor e, ao mesmo tempo, dar-lhe orientação comunista em ideias e práticas. Em outra frente, o desafio dos comunistas era conquistar e unir o movimento sindical, um espaço em que diversas correntes, sobretudo os anarquistas, lutavam pelo predomínio e tinham ideias díspares sobre como enfrentar a repressão e obter melhorias. A divisa da Comintern sobre a “frente única” em tempo de refluxo revolucionário, como foi estabelecida no 3.º Congresso (1921) e afirmada no 4.º (1922), era dificilmente aplicável ao Brasil, pois não existia aí nada parecido a um partido social-democrata, enquanto a atuação aberta era quase impossível. (8) Octavio Brandão, outro dirigente destacado no PCB, deu a forma final à matriz teórica que predominaria na primeira década do comunismo brasileiro: a revolução local deveria passar por etapas preparatórias, sendo as quarteladas no exército estopins a ser apoiados e ampliados, visão criticada por supostamente dar pouca ênfase ao papel autônomo do proletariado urbano e rural. (9)

Apesar de Lenin haver advogado um tipo de partido demiurgo, centralizado, quase militar e transmissor da “consciência de classe” à própria classe operária, a Comintern não deixou de criar diversas organizações subsidiárias que atentassem às áreas que pudessem concernir o escopo de vida e bem-estar do trabalhador: mulheres, jovens, sindicatos e esportes, bem como financiamento e auxílio diplomático e burocrático a exilados políticos na URSS e perseguidos fora dela. (10) A duração e o impacto delas foram bastante distintos, e de algum modo refletiram a prioridade que os soviéticos davam aos assuntos no comunismo internacional: um desportismo embrionário, atenção esporádica às mulheres, idas e vindas com o sindicalismo, esperança na juventude como o futuro da revolução e dos partidos em surgimento. No PCB, o impacto da Profintern (sindical) e da IJC (Internacional da Juventude Comunista) não foi imediatamente sentido, pois embora desde o princípio os comunistas buscassem o apoio de Moscou, sua atuação permaneceu mais ou menos autônoma durante a maior parte dos anos de 1920. A ascensão do interesse pela América Latina não implicou correspondente controle efetivo sobre os partidos da região, enquanto a Comintern ainda via na Europa, sobretudo a Alemanha, seu principal foco de atuação e promovia aí o modelamento e o atrelamento de suas “seções nacionais” conforme a matriz bolchevique. (11) Agrarismo e industrialismo, o manual teórico de Brandão, refletia a liberdade da qual PC no Brasil desfrutou por algum tempo após sua fundação, mas também, paradoxalmente, o voluntário enquadramento forçado da realidade brasileira nos moldes do marxismo soviético, como se tornaria tão comum mais tarde: uma revolução por etapas, o desenvolvimento do capitalismo nacional e insurreições de minorias, ao modo das formulações de Lenin. Mas outros comunistas locais também se dedicavam àquelas áreas específicas que eram tão caras à atividade militante, como Leôncio Basbaum, ainda moço organizando a primeira União da Juventude Comunista (UJC) nacional e avesso a sectarismos e radicalizações, (12) e Mário Grazzini, que era o encarregado sindical do partido e trabalhou na sede da Profintern na URSS.

Em 1923, os bolcheviques russos encontraram dois graves empecilhos: o fim das revoluções proletárias europeias, selado na Alemanha por uma revolta comunista abortada, porém duramente reprimida, e a saída de Lenin, gravemente enfermo, do cenário político, deixando os governantes em Moscou sem o orientador maior de suas ações. No 5.º Congresso da Comintern (1924), foi adaptada ao movimento comunista a solução encontrada pelo Kremlin para a política nacional, que previa limitar o Poder Soviético ao espaço do antigo império tsarista, agora transformado numa União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, e buscar inserção diplomática dentro da comunidade internacional, visando conseguir a ajuda material necessária para suprimir a fome e reconstruir a infraestrutura após anos de guerra incessante. A diretriz do “socialismo em um só país”, sustentada por Iosif Stalin, na prática o novo dirigente máximo do país, implicava a conversão dos partidos comunistas em pelotões de defesa da Revolução de Outubro, não mais vista como um levante operário mundial, mas como a construção de um grande Estado cuja mera existência serviria para agravar as contradições inatas do mundo capitalista. A chamada “bolchevização” desses partidos, isto é, o decalque segundo a matriz que governava a URSS, fez as funções da Comintern sobreporem-se às do Ministério das Relações Exteriores soviético, causando vários conflitos de competências entre os responsáveis por esses órgãos. (13) Críticos ferozes das políticas de Stalin, como o historiador Pierre Broué, chamaram a atenção para o caráter eufêmico e enganador do termo “bolchevização”, que promovia a regra um procedimento incialmente visto como compulsório e transitório, sem qualquer relação com o que seria o espírito “original” do bolchevismo. (14) Além disso, enquanto Stalin fixava-se como governante único e onipotente, processo culminado em 1929, mas ainda por apresentar seus resultados mais agudos, a Internacional passava a seu controle pessoal, embora ela nunca estivesse nas prioridades diplomáticas do georgiano, e os partidos comunistas iam aceitando essa gradual preeminência, até recaírem no culto personalista do “pai dos povos” como realizador da vontade popular.

Todavia, o timing transicional foi diferente para os partidos comunistas da América Latina. Enquanto na década de 1920, como foi dito, eles gozaram de relativa liberdade, 1929 foi o ano que marcou uma virada na postura de Moscou. O fascismo e o nazismo estavam então crescendo como forças internacionais, as relações diplomáticas com o Ocidente capitalista começavam a desgastar-se, o exilado Leon Trotsky aparecia ao mundo como a principal voz da oposição soviética e as políticas stalinianas de desenvolvimento acelerado, incluindo a industrialização e a coletivização forçadas, geravam forte tensão social na URSS. A ideia de Stalin era a de que o país precisava de indústrias e exército fortes para resistir a uma hipotética invasão ocidental contra os bolcheviques, consagrando assim a tese da “fortaleza sitiada”, já prenunciada por Lenin, mas transformada em pedra de toque do Estado, vigente até o governo de Leonid Brezhnev (1964-1982). Enquanto as “seções nacionais” na Europa desenvolvida já estavam se “bolchevizando”, suas congêneres latino-americanas ainda viviam a gestação, pois em grande parte dos casos, como no Brasil, elas surgiam “do nada”, e não a partir de estruturas partidárias socialistas já consolidadas. De alguma forma, portanto, embora as análises de conjuntura fossem autônomas, o tipo de partido era diretamente calcado, ao menos nas intenções, àquele que os russos haviam construído. Mas na essência, no sentimento, os comunistas deviam também se tornar encomiastas do “guia genial” soviético, ou não seriam dignos de pertencer à Comintern, e com esse objetivo, em meio à crescente procura pelos povos “coloniais, semicoloniais e dependentes”, o comunismo na América Latina sofreu as primeiras grandes intervenções.

Dizia-se que no 6.º Congresso da Comintern (1928), os bolcheviques teriam “descoberto” a América Latina, melhor dizendo, teriam percebido sua importância na confrontação diplomática e comercial com os Estados Unidos e o Reino Unido, maiores beneficiários da exploração econômica do subcontinente. Porém, os informes oficiais e as conclusões do evento deixaram a desejar quanto à consequência de suas análises: as categorias de “colônias” e “semicolônias”, aplicáveis em geral à África, à América Latina e Caribe e à maior parte da Ásia, não eram claramente distinguidas entre si, e a noção de “países dependentes”, dedicada às nações com independência formal, carecia de uma definição inequívoca e direta. Além disso, reciclando as teorias da “revolução mundial” que haviam sofrido um baque, decidiu-se que o “caráter” da revolução latino-americana não seria socialista de imediato, mas “democrático-burguês”, em ligação orgânica com a “luta de libertação nacional” e a “revolução agrária” contra os “resquícios feudais e semifeudais” (outro nome da estrutura inspirada no escravismo e no latifúndio). Essa concepção etapista com vocabulário inspirado em Lenin permitia inclusive a aliança temporária com a burguesia ou a pequena burguesia, desde que os comunistas não se pusessem a seu reboque nem perdessem a autonomia e mantivessem a hegemonia proletária do processo revolucionário. (15) A linguagem aparentemente moderada escondia um reforço interno das rédeas no sistema de partidos, reflexo da recrudescência ditatorial na URSS, com anulação da liberdade ideológica e organizativa, convocação constante das lideranças nacionais a Moscou e, para transmitir diretamente as novas linhas, a realização de conferências regionais. De 1.º a 12 de junho de 1929, por exemplo, ocorreu em Buenos Aires a 1.ª Conferência Comunista Latino-Americana, a única que produziu documentação pública, mas cujo objetivo era meramente ritual, sem ocasião mais ampla para que as militâncias locais mudassem substancialmente as diretivas já prontas. (16) Os responsáveis mais diretamente ligados ao centro soviético, como o argentino Victorio Codovilla e o suíço Jules Humbert-Droz criticaram a amorfia estrutural, a leniência doutrinária e o caráter pouco operário das direções dos partidos comunistas e acenaram para um maior controle de cima por meio dos organismos intermediários. A preocupação com que o comunismo na América Latina estivesse ameaçado por “perigos de direita” advém da luta interna final que Stalin venceu no PC bolchevique, justamente contra Nikolai Bukharin, então chefe supremo da Comintern e opositor da violência nas políticas econômicas. Seu cargo de liderança estava ameaçado, bem como o destino de seus antigos apoiadores, como o próprio Humbert-Droz, logo afastado do ambiente latino-americano.

Se as viradas táticas do movimento comunista internacional eram condicionadas em grande parte pelas vicissitudes internas da União Soviética e pelas necessidades diplomáticas desse Estado, sobretudo em suas trocas com a Europa Ocidental e os EUA, os acasos na estrutura organizativa dos comunistas da América Latina estavam bastante ligados às turbulências políticas aí dominantes ao entrar a década de 1930. Ao ser alocado em Buenos Aires, o SSA/IC, contra suas intenções originais, colaborou para que os argentinos mantivessem sua preeminência sobre os partidos da região, mas o golpe de Estado liderado pelo general Uriburu em setembro de 1930 forçou sua transferência, já na condição de Birô Sul-Americano (BSA/IC), para Montevidéu, capital uruguaia. No Uruguai, o partido comunista desenvolvia intensa atividade e tomava parte nas deliberações no SSA/IC, onde também atuavam Astrojildo Pereira, Octavio Brandão, Leoncio Basbaum e outros dirigentes do PCB. Nessas capitais também se refugiavam exilados políticos e militantes brasileiros, perseguidos pelo regime republicano do café e, depois, pelo Governo Provisório de Getúlio Vargas, como Luís Carlos Prestes, que após a experiência da Coluna passou à Bolívia, e então a Buenos Aires e enfim a Montevidéu, antes de tornar-se destacado líder comunista. Também em Montevidéu, pouco antes da conferência latino-americana de 1929, havia sido criada a Confederação Sindical Latino-Americana (CSLA), com a presença de Grazzini, Basbaum, Paulo de Lacerda e Danton Jobim, que logo depois seguiriam direto para Buenos Aires. Mas no seio do CEIC em Moscou, formalizavam-se as secretarias por regiões do globo, onde realmente eram trazidos os problemas dos partidos, e entre elas o Secretariado Latino-Americano (SLA/IC), desdobrado do Secretariado Latino, subordinava o BSA/IC.

Nestes dois âmbitos, transcorriam as frequentes convocações de líderes partidários locais para prestar esclarecimentos aos superiores sobre palavras e atitudes que pudessem lhes ter soado desagradáveis ou para absorver ordens expressas sobre o que devia ser executado ou modificado imediatamente nos partidos. Não era necessário fazer isso nos Congressos Mundiais da Comintern, teoricamente seus órgãos máximos, nem mesmo nos chamados “plenos ampliados do CEIC”, que aos poucos, com a progressiva redução do papel da Internacional na diplomacia de Stalin, ocupavam o papel institucional dos congressos. Ocasionalmente, determinadas figuras, quase sempre já residindo em Moscou, eram chamadas a sessões nos secretariados regionais (no caso do PCB, o SLA/IC) diante dos secretários concernentes e de outros nomes conhecidos, respeitados ou temidos da Comintern, deviam relatar sobre o que lhes era solicitado, por vezes apresentando dados estatísticos, não raro eram “acareados” com dados contraditórios obtidos de fontes obscuras pelos superiores e ouviam os mais variados tipos de queixas, ataques, correções, censuras e determinações. Os antigos arquivos da Comintern, agora abertos em Moscou, reorganizados ao longo dos anos de 2000 e, em grande parte, digitalizados nos anos de 2010, guardam uma riqueza ainda pouco explorada sobre os tipos de encontros e críticas que esperavam os brasileiros nos organismos centrais. (17) Foi assim que Astrojildo Pereira recebeu, em 1930 e ainda como secretário-geral, ordens para “bolchevizar” o PCB de cima para baixo, removendo intelectuais da liderança (“proletarização”), erigindo como obrigatórias as determinações da URSS e deixando toda a política de aproximação com a pequena burguesia e os militares construída até então. Octavio Brandão esteve entre os que não acataram facilmente essa devassa, entraram em rota de colisão com o CC e caíram, assim, na obscuridade entre os comunistas, como prenúncio do que seria a total desorganização e acefalia organizativas a partir de 1931, ainda piores após a repressão institucionalizada sob Vargas. (18)

Como se traduzia, no âmbito sindical, essa virada radical da política externa soviética? De início deve-se dizer que os novos tempos, na Comintern, ganharam a chamada tática “classe contra classe”, ou seja, as contradições do capitalismo, no fim da década de 1920, estariam se agudizando, uma nova época de revoluções estaria se avizinhando e, o principal, a social-democracia deveria ser rejeitada por supostamente pôr-se ao lado da burguesia na defesa de seus governos. Essa teoria teve suas primeiras formulações no 6.º Congresso Mundial, mas foi no 10.º Pleno do CEIC que ela recebeu a forma definitiva e, na prática, suplantou a velha linha de “frente única”, nunca negada em palavras, mas de fato marginalizada nos combates radicais contra outras correntes de esquerda. (19) Na Europa e na América, a repulsa ao socialismo reformista, traço genético do comunismo soviético, retornou à pauta no já mencionado combate aos “desvios de direita”, nome que escondia qualquer concessão a partidos adversários e qualquer crítica às atitudes aventureiras que os comunistas adotavam dentro e fora da União Soviética. No Brasil, onde a política “classe contra classe” foi interpretada em suas chaves extremas, o PCB passou a não mais buscar alianças com outros militantes revolucionários, mas a edificar sua própria central sindical, a Confederação Geral do Trabalho do Brasil (CGTB), vinda à luz como fruto das fortes mobilizações operárias do 1.º de Maio em 1929. Nesse ínterim, o partido também apoiou até o fim a greve de 72 dias dos trabalhadores gráficos em São Paulo, iniciada em 23 de março, mas foi criticado pela intransigência que teria gerado desgaste repressivo e pouco ganho. (20)

Os comunistas brasileiros e de outros países ocidentais sofreram as duras consequências de terem provocado cisões sindicais, isolamento trabalhista e ataques constantes à social-democracia ou ao anarquismo. O Governo Provisório de Vargas encontrou um caminho sem muitas barreiras ao aparelhamento corporativista do trabalho, mas não se deve pensar que o divisionismo do PCB teve papel predominante nessa incursão, pois os anos de 1920 já haviam sido marcados por uma crise de organização, pelos flagelos econômicos e pela vontade quase nula da Primeira República de resolver a “questão social”. Na década de 1930, a ascensão de governos autoritários na Europa e na América Latina, grande parte deles inspirada no fascismo e no nazismo, consolidou o controle dos sindicatos e retirou quase toda a possibilidade de organização livre, o que agravou ainda mais os problemas dos movimentos operários divididos. Nesse contexto, os partidos comunistas adquiriram o modelo que predominaria durante quase todo o século 20: ilhas de cultura alternativa, núcleos de uma prática política avessa aos parlamentos tradicionais, fontes de disciplina agregadora e coesão quase militar, visando ser as alegadas tropas de choque do proletariado. Os mais recentes estudos têm se focado não apenas no lado propriamente político-institucional ou doutrinário-ideológico do comunismo, mas também no conjunto de valores que o esculpiu como uma espécie de “mundo transnacional” à parte. (21) A centralidade do trabalho e da revolução, como no socialismo antigo, sustenta a militância, porém desta vez a referência maior é a um “Estado proletário”, artífice de um mundo antiburguês, defensor do operariado em outros países e com uma realidade étnica e histórica muito distante da existente na Europa Ocidental e nas Américas.

O PCB sofreu uma total instabilidade de dirigentes nos primeiros anos de 1930, ocasionada em parte pelas prisões massivas de comunistas, em parte pela prática dos plenipotenciários enviados pela Comintern, que podiam fazer qualquer mudança de linha e quadros sem anuência dos membros nacionais. Mas a própria desorganização interna do partido também facilitou o trabalho da polícia, e outro grande núcleo de politização e alistamento foi o vasto sistema prisional gerido pelo Governo Federal. Não se pode pensar a vivência proletária brasileira nas décadas de 1920 e 1920 sem lembrar que o homem pobre, contestador do regime vigente, era muito vulnerável às prisões arbitrárias, aos longos encarceramentos e até mesmo ao degredo em pontos distantes das grandes cidades do Brasil. O operário sindicalizado ou filiado a algum partido, principalmente se de origem imigrante, era visto como alguém perigoso, instável, incendiário, que deveria ser afastado do convívio social, mais ainda do mundo da fábrica, onde o ideal é que a luta de classes não rompesse a “harmonia” entre capital e trabalho. (22) Embora cada vez mais fechado dentro de seu círculo ambiental, o PCB notou os danos de sua intransigência sindical para a unidade operária e a própria sobrevivência dos comunistas. Aos poucos, assim como nos países da Europa Ocidental, o espírito de segregação foi sendo deixado de lado sem grande alarde e por meio de diversas ações conjuntas com socialistas e outros aglomerados progressistas. Na verdade, além do autoritarismo varguista, o próprio surgimento do integralismo como instrumento de desagregação do trabalho organizado serviu para despertar a necessidade de unidade e firmeza contra um espectro que, de fato, era mundial. (23) Inclusive na Comintern e na União Soviética, começava-se a tomar consciência de que o fascismo e o nazismo não eram fenômenos epidérmicos ou espasmódicos, mesmo ante a resistência de Stalin em chegar a qualquer acordo com a social-democracia. O julgamento do comunista búlgaro Georgi Dimitrov e outros compatriotas na Alemanha, depois soltos no final de 1933 após ampla campanha internacional, tornou-se um marco da luta antifascista, mas a virada na cúpula estava sendo lenta e cautelosa. (24)

A última grande epopeia da Internacional Comunista foi o antifascismo como movimento internacional, como vivência política e como preparação ideológica para o próximo conflito mundial, de feição imprevisível, mas que Moscou sempre julgou iminente e inevitável. Gradualmente, por meio das secretarias e birôs regionais, os partidos começaram a ser informados e preparados para as principais mudanças, e um dos episódios mais comentados e pouco conhecidos do PCB, a chamada “3.ª Conferência dos Partidos Comunistas da América do Sul e Central”, reunida em outubro de 1934, estabeleceu justamente a continuação da união de forças já em curso. Conhecida pela suposta linha de desencadear um levante armado no Brasil, não há nas atas que restaram como documentos de arquivo qualquer menção a um golpe de força, embora a revolução violenta sempre estivesse no horizonte mais amplo do comunismo. (25) Mas esse foi o prenúncio de uma virada mais abrangente, simbolizada pelo 7.º Congresso da Comintern (julho-agosto de 1935), realizado sete anos após sua última edição, revelando o esvaziamento da entidade internacional e a crescente concentração das atenções do Kremlin na defesa nacional e no expurgo estatal. (26) Também congresso derradeiro, erigiu as “frentes populares” como tática principal, enquanto no Brasil os movimentos frentistas brotavam já no ano anterior e culminariam, em março, na ANL (Aliança Nacional Libertadora), à qual o PCB foi arrastado por força dos acontecimentos. O ano de 1935 marcou o ápice da mentalidade unitária no movimento operário europeu, antes da tragédia da 2.ª Guerra Mundial e da expansão nazista, mas a ambiguidade da diplomacia soviética, tendente a conciliar ora com Hitler, ora com os países liberais, refletiu-se na Comintern, que entrou em paralisia após o 7.º Congresso Mundial e terminou servindo de tentáculo para a repressão staliniana atingir os comunistas estrangeiros exilados no próprio “país dos operários”. Quanto aos secretariados regionais, foram todos refundidos após uma reorganização completa da Internacional a partir de agosto de 1935 e transformados em “secretariados pessoais”, controlados diretamente por figuras da alta cúpula, de diferentes origens, inteiramente devotadas a Stalin. (27) Seria apenas um passo formal no caminho que incluiu o Pacto Ribbentrop-Molotov, até a invasão alemã da URSS, a discreta dissolução da Comintern em 1943 e a retomada da propaganda antifascista, que estaria na origem da metamorfose do comunismo internacional após 1945 e do movimento operário em suas formas de se relacionar com os partidos, os Estados e a economia de modo geral. O cenário brasileiro não foi melhor, tendo o PCB sido desmantelado pelo Estado Novo, após as insurreições de novembro de 1935 (elas mesmos ilustrando as contradições da estratégia comunista), e o arranjo sindical corporativista, sobrevivido com a Constituição de 1946, mas sem impedir a reconstrução partidária, iniciada já em 1943 e culminada no histórico número de votos e filiados atraídos com a redemocratização. (28)

Este texto não tem a capacidade de esgotar a reflexão e o debate sobre as relações entre as estruturas organizativas do comunismo internacional no século 20 (em última instância, a Comintern e suas administrações regionais), os partidos comunistas (“seções nacionais” desse “partido mundial da revolução”), a militância diária dos filiados, a política trabalhista propugnada a partir de Moscou e a aplicação desta a cada realidade nacional. Pelo contrário, espera-se que ele permita sugerir novas frentes de pesquisa que levem em conta o caráter transnacional do movimento comunista – ou seja, o fato de que seus adeptos transitavam constantemente entre países, culturas e idiomas –, o afluxo dos arquivos multilíngues para a supressão das lacunas tradicionais na literatura histórica, o trabalho organizado como centro da ideologia bolchevista (sem hipertrofiar, mas também sem excluir, o papel da cultura, simbologia e identidades) e a dialética entre as particularidades locais e o decalque da experiência russa. É impossível estudar o Partido Comunista do Brasil durante a primeira grande era da história soviética (1917-1945) esquecendo suas ligações internacionais ou considerando-o mera cópia do PC da URSS, e na trilha da nova historiografia russa, europeia e americana emergente, as oportunidades temáticas e os desafios metodológicos são bastante profícuos.


Notas (clique no número pra voltar ao texto)

(1) O nome “Partido Comunista do Brasil” permaneceria até agosto de 1961, quando uma conferência nacional alterou-o para “Partido Comunista Brasileiro”, mesma sigla. A cisão contrária a Prestes (fevereiro de 1962) retomaria o antigo nome, mas utilizando a sigla “PC do B”.

(2) Para uma reconstrução documentada, porém romantizada, do episódio, cf. SALLES, Iza. Um cadáver ao sol: a história do operário que desafiou Moscou e o PCB. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.

(3) Cf. VTOROI Kongress Kominterna. Iul–Avgust 1920 g. [Segundo Congresso da Comintern. Julho-Agosto de 1920]. Moscou: Partizdat, 1934. (“Protokoly kongressov Kommunisticheskogo Internatsionala” [Atas dos congressos da Internacional Comunista].)

(4) “A revolução americana. Apelo do Comitê Executivo da Internacional Comunista à classe operária da América do Norte e do Sul”. Kommunisticheski Internatsional, ano 2, nº 15, p. 3373-3390, 1920 (em russo). Publicada em espanhol em L’Internationale Communiste, nº 15, jan. 1921.

(5) “Apelo da Internacional Comunista aos operários e camponeses da América do Sul. 4.º Congresso da Comintern, Moscou, novembro de 1922”. La Correspondance Internationale, nº 2, 20 jan. 1923 (em espanhol) apud LÖWY, Michael (org.). O marxismo na América Latina: uma antologia de 1909 aos dias atuais. Tradução: Cláudia Schilling e Luís Carlos Borges. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 1999, p. 83-85.

(6) Sobre os primeiros órgãos da IC na região, cf. JEIFETS, Lazar; JEIFETS, Víctor. América Latina en la Internacional Comunista, 1919-1943: diccionario biográfico. Santiago do Chile: Ariadna, 2015, p. 716-718; Idem. “La Internacional Comunista y la izquierda argentina: primeros encuentros y desencuentros”. Archivos de historia del movimiento obrero y la izquierda, Buenos Aires, año III, nº 5, p. 71-92, sept. 2014; CANALE, Dario. O surgimento da Seção Brasileira da Internacional Comunista (1917-1928). São Paulo: Anita Garibaldi: Fundação Maurício Grabois, 2013, p. 186-187.

(7) Sobre os secretariados regionais, cf. HUBER, Peter. “L’appareil du Komintern, 1926-1935 : premier aperçu”. Communisme, Paris, nº 40-41, p. 9-14 e 18-27, 4e trimestre 1994-1er trimestre 1995; ADIBEKOV, Grant M.; SHAKHNAZAROVA, Eleonora N.; SHIRINIA, Kirill K. Organizatsionnaia struktura Kominterna. 1919‒1943 [A estrutura organizativa da Comintern. 1919-1943]. Moscou: ROSSPEN, 1997, p. 51-52, 105-107, 110, 112, 144-146, 152-156 e 186-190; PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil, 1922-1935. 2ª edição revisada. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p. 147-151.

(8) Para as discussões sobre a frente única e as mudanças na conjuntura mundial, cf. TRETI Vsemirny Kongress Kommunisticheskogo Internatsionala: stenograficheski otchot [Terceiro Congresso Mundial da Internacional Comunista: atas taquigráficas]. Petrogrado: Gosudarstvennoie izdatelstvo, 1922.

(9) Para os principais documentos públicos que resumem as discussões partidárias da época, cf. CARONE, Edgard. O P.C.B. (1922 a 1943). Vol. 1. São Paulo: Difel, 1982. Para um testemunho das lutas ideológicas e oposições pessoais, cf. BRANDÃO, Octavio. Combates e batalhas: memórias. Vol. 1. São Paulo: Alfa-Omega, 1978.

(10) Para a descrição de algumas dessas instituições, bem como um panorama de sua operação conjunta, com base nos arquivos então em processo de abertura em Moscou, cf. HUBER. “L’appareil du Komintern, 1926-1935 : premier aperçu”; McMEEKIN, Sean. “Le secours ouvrier international : histoire d’une legende”. Tradução e adaptação do inglês: Sylvain Boulouque. Communisme, Paris, nº 65-66, p. 117-131, 1er et 2e trimestres 2001; GOMOLINSKI, Olivia. “Le Profintern : organisation internationale et administration soviétique. Première approche”. Communisme, Paris, nº 70-71, p. 131-158, 2e et 3e trimestres 2002.

(11) Para uma das mais famosas teorizações sobre as noções de “bolchevização” e “stalinização” no movimento comunista, cf. WEBER, Hermann. La trasformazione del comunismo tedesco: la stalinizzazione della KPD nella Repubblica di Weimar. Tradução do alemão: Giuseppina Panzieri. Milão: Feltrinelli, 1979. Para um debate sobre essa obra e aplicações suas a realidades nacionais, cf. LAPORTE, Norman; MORGAN, Kevin; WORLEY, Matthew (reds.). Bolshevism, Stalinism and the Comintern: perspectives on Stalinization, 1917-53. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2008.

(12) Para uma crônica sobre o PCB e a UJC na segunda metade da década de 1920 e na primeira metade da década de 1930, cf. BASBAUM, Leôncio. Uma vida em seis tempos: memórias. São Paulo: Alfa-Omega, 1976.

(13) Para os principais debates e os documentos conclusivos do 5.º Congresso da Comintern, cf. PIATY Vsemirny Kongress Kommunisticheskogo Internatsionala. 17 iunia–8 iulia 1924 g. Stenograficheski otchot [Quinto Congresso Mundial da Internacional Comunista. 17 de junho a 8 de julho de 1924. Atas taquigráficas]. 2 partes. Moscou; Leningrado: Gosudarstvennoie izdatelstvo, 1925. Para os dilemas ideológicos iniciais sobre o futuro da URSS, cf. PONS, Silvio. A revolução global: história do comunismo internacional (1917-1991). Tradução: Luiz Sérgio Henriques. Rio de Janeiro: Contraponto; Brasília: Fundação Astrojildo Pereira, 2014.

(14) BROUÉ, Pierre. História da Internacional Comunista (1919-1943). Vol. 1. Tradução: Fernando Ferrone. São Paulo: Sundermann, 2007.

(15) VI KONGRESS Kominterna: stenograficheski otchot [6.º Congresso da Comintern: atas taquigráficas]. Moscou; Leningrado: Gosudarstvennoie izdatelstvo, 1929. (Fasc. 4. “Revoliutsionnoie dvizhenie v kolonialnykh i polukolonialnykh stranakh” [O movimento revolucionário nos países coloniais e semicoloniais]; Fasc. 6. “Tezisy, rezoliutsii, postanovlenia, vozzvania” [Teses, resoluções e apelos].)

(16) AA. VV. El movimiento revolucionario latino americano: versiones de la Primera Conferencia Comunista Latino Americana, Junio de 1929. Buenos Aires: La Correspondencia Sudamericana, [ca. 1929].

(17) Cf., por exemplo, o Arquivo Público de História Social e Política da Rússia (RGASPI), f. (fundo) 495, op. (dossiês) 29 (Partido Comunista do Brasil), 79 e 101 (ambos sobre o secretariado regional – Ländersekretariat – latino-americano no seio do CEIC), disponíveis neste site, acesso em 28 ago. 2018.

(18) Sobre as turbulências internas do período, cf. BASBAUM. Uma vida em seis tempos; BRANDÃO. Combates e batalhas; LIMA, Heitor Ferreira. Caminhos percorridos: memórias de militância. São Paulo: Brasiliense, 1982.

(19) X PLENUM Ispolkoma Kominterna [10.º Pleno do Comitê Executivo da Comintern]. 3 fascs. Moscou: Gosudarstvennoie izdatelstvo, 1929.

(20) Para a atuação do PCB nesse contexto de greves, cf. KAREPOVS, Dainis. A classe operária vai ao parlamento: o Bloco Operário e Camponês do Brasil. São Paulo: Alameda, 2006.

(21) STUDER, Brigitte; UNFRIED, Berthold; HERRMANN, Irene (eds.). Parler de soi sous Staline: la construction identitaire dans le communisme des années trente. Paris: La Maison des sciences de l’homme, 2003; STUDER, Brigitte. The Transnational World of the Cominternians. Basingstoke: Palgrave Macmillan, 2015.

(22) Sobre a violência sistemática antissocial de Estado, cf. PINHEIRO, Paulo Sérgio. Estratégias da ilusão: a revolução mundial e o Brasil, 1922-1935. 2ª edição revisada. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, parte II.

(23) Um dos relatos fatuais mais abrangentes sobre esse período, embora deva ser complementado por pesquisa mais atual, continua sendo DULLES, John W. F. Anarquistas e comunistas no Brasil, 1900-1935. Tradução: César Parreiras Horta. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1977.

(24) Cf., por exemplo, as discussões no XIII PLENUM IKKI: stenograficheski otchot [13.º Pleno do CEIC: atas taquigráficas]. Moscou: Partizdat, 1934.

(25) RGASPI, f. 495, op. 79, d. 211 e 213-216a; op. 101, d. 22-24; op. 29, d. 80.

(26) FASCISMO, democracia y frente popular: VII Congreso de la Internacional Comunista, Moscú, 25 de julio-20 de agosto de 1935. Cuadernos de Pasado y Presente. Tradução do alemão: José Aricó, Jaled Dias Sarvi, Alfonso García Ruiz, José Luis Mercado Trejo e Alejandro Zenker. México, nº 76, 1984.

(27) Para as descobertas documentais a respeito, cf. ADIBEKOV; SHAKHNAZAROVA; SHIRINIA. Organizatsionnaia struktura Kominterna. 1919‒1943, p. 179 ss.; HUBER. “L’appareil du Komintern, 1926-1935 : premier aperçu”, p. 17 ss. Cf. também o dossiê do secretariado de Dolores Ibárruri, que tomou a responsabilidade pela América Latina logo após Wang Ming: RGASPI, f. 495, op. 17.

(28) Para uma história do PCB e de sua política trabalhista nesse período, cf. DULLES, John W. F. O comunismo no Brasil, 1935-1945: repressão em meio ao cataclismo mundial. Tradução: Raul de Sá Barbosa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.