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dedicado a Felipe Neto e curiosos
Estou feliz que um influencer tenha trazido a público a questão da literatura russa, e espero que os fãs possam despertar a um interesse permanente, e não passageiro!
Felipe Neto trouxe à tona os vários “nomes” com que um personagem pode ser chamado, às vezes dificultando a compreensão do leitor. Usou o exemplo de Konstantin “Kostya” Dmitrievich Levin, do romance Anna Karenina de Lev Tolstoi. Minha intenção é mostrar que esses “nomes”, fazendo parte de um mesmo complexo, podem ser facilmente compreendidos, já que a estrutura dos nomes russos não é algo tão obscuro. Como me sugeriram, sua preocupação não foi mesmo o desconhecimento cultural, mas a complexidade narrativa, que outros leitores sentem igualmente. Mas se entendermos o funcionamento desse sistema, podemos tirar muito mais proveito dos livros, e por isso me arrisquei a relançar esta postagem, com retoques.
Não entendi o motivo do “Ana Karenina” com um “n” só, embora seja a prática em algumas traduções. O nome em russo, como em outras línguas, é “Anna Karenina”, com dois “n”. Aos curiosos, lembro que a pronúncia do sobrenome é “Kariênina”, e não “Karenína” ou algo assim (cf. a Wikipédia em inglês).
Assim como em geral os nomes brasileiros têm a estrutura “prenome + sobrenome da mãe + sobrenome do pai”, os russos também têm uma própria: “prenome + patronímico + sobrenome do pai”. O patronímico é feito com o prenome do pai + os sufixos “-ôvitch/-iêvitch” pra homens ou “-ôvna/iêvna” pra mulheres. Há algumas exceções, como os prenomes Nikita, Savva e Iliá, que ficam “Nikítich, Sávvitch, Ilítch” e “Nikítina, Sávvina e Ilína”.
A maioria dos sobrenomes de origem puramente russa ou polonesa flexionam em gênero, ou seja, mudam de terminação se o cidadão é homem ou mulher. Por exemplo, usamos “-ov/-iev” pra homens e “-ova/-ieva” pra mulheres; “-in/-yn” pra homens e “-ina/-yna” pra mulheres; “-ski” (do polonês) pra homens e “-skáia” pra mulheres. Por isso se diz “Anna Karenina”; do contrário, seria, digamos, “Ivan Karenin”. E por isso é “Vladímir Pútin”, e as filhas dele são “Pútina”.
Outras formas de sobrenome não mudam: os terminados em “-ôvitch/-iêvitch” derivados de patronímicos; os de origem ucraniana terminados em “-enko”, “-yuk”, “-o” ou “-a”; os armênios em “-yan”, os georgianos em “-vili”, “-dze”, “-a” ou “-eli”; os originados de nacionalidades não russas do espaço da antiga URSS, desde que não tenham sido russificados com “-ov” ou “-iev”; os originados de outras línguas do mundo.
Dirigimo-nos formalmente a um(a) russo(a) não com a fórmula “Sr./Sr.ª Sobrenome”, mas “prenome + patronímico”. Ou seja, não nos dirigimos ao presidente russo como “Sr. Putin”, mas “Vladímir Vladímirovitch”. Em documentos, além disso, os nomes costumam figurar na ordem “sobrenome + prenome + patronímico”.
Nos círculos informais e familiares, quase todos os prenomes russos têm uma forma “curta”, como temos “Zé” pra “José”, “Tião” pra “Sebastião”, “Chico” pra “Francisco”, “Zefa” pra “Josefa” etc. Por exemplo: “Vladímir” é “Vova” ou “Volôdia”, “Mikhail” é “Misha”, “Maria” é “Masha”, “Aleksandr” é “Sasha”, “Tatiana” é “Tánia”, “Sofia” é “Sônia”, “Dmítri” é “Dima” ou “Dimka” etc. Alguns na verdade têm várias formas, e a terminação “-a” serve pros dois gêneros. “Konstantin”, pois, é “Kôstia/Kostya”, usado pelos íntimos ou quando o autor quer lhe referir de modo afetuoso.
Concluindo: nosso herói Konstantin/Kôstia Dmítrievitch Lêvin teria, pois, um pai chamado “Dmítri Lêvin”, e as formas “-ine” no lugar de “-in” geralmente vêm de transcrições antigas francesas, já que o final “-in” em francês é pronunciado meio como “-én” nasal, e um “e” mudo final é colocado pra endurecer o “n”: “-ínn”.
Se o Felipe Neto deixar um pouco as tretas e se focar mais em atrair os jovens pro conhecimento, isso pode direcionar gente curiosa pros canais especializados, como os de cultura eslava, neste caso! Espero que ele não dê a impressão de só saber jogar Minecraft, imitar foca e perseguir “faxíxtax”, hahaha.