quinta-feira, 2 de março de 2023

O universo comunista em vídeos (2)


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/video-comuna2

Lancei esta publicação em abril de 2019 como um primeiro repositório de vídeos variados ou engraçados sobre o mundo comunista antigo e moderno, mas ainda com imagens incorporadas a partir de meu antigo canal no YouTube, o Pan-Eslavo Brasil, que como você pode notar, teve outros nomes ao longo de sua existência. Como o Google resolveu apagá-lo em agosto de 2021, comecei aos poucos a redirecionar os arquivos de outras plataformas, e no momento estou usando o Drive do próprio Google. Dada a atual ausência do canal, estou relançando bem aos poucos (porque realmente é muita coisa!) na página tudo o que tinha lá, com ou sem as descrições originais, apenas pra fins culturais e memoriais, sem pretensões de viralizar. Na publicação de hoje, seguem alguns vídeos de teor histórico, e não humorístico, relacionados à história do bolchevismo e dos países concernidos ao longo do século 20. Bom proveito!



Este canal publicou a principal cena do filme Outubro, filmado e dirigido na URSS em 1927 pelo célebre Sergei Eisenstein, em que aparece a tomada do Palácio de Inverno pela população e por tropas comandadas pelos bolcheviques. Existe uma lenda segundo a qual teriam morrido mais pessoas nessa filmagem do que nos próprios acontecimentos reais, dos quais infelizmente não há registros midiáticos, rs.

Costuma-se dizer que no início do século 20 a Rússia teve três revoluções: a de 1905, que arrancou algumas migalhas democráticas da autocracia retrógrada do tsar Nicolau 2.º; a de fevereiro (março) de 1917, que derrubou a monarquia e instaurou uma república comandada por frágil coalizão; e a de outubro (novembro) de 1917, que foi comandada por Vladimir Ilich Ulianov (dito Lenin) e seus companheiros, afastando o governo provisório com o apoio da maioria do povo. Por vários acasos da revolução, os bolcheviques acabaram impondo um Estado autoritário a partir de 1918, mas aí já é outra história.

O Palácio de Inverno em Petrogrado (depois Leningrado, hoje São Petersburgo), antiga residência imperial e de onde o governo provisório republicano despachava, foi facilmente tomado pela turba na madrugada de 6 pra 7 de novembro (segundo nosso calendário) de 1917, de tão impotente e ignorado que estava o comando de Aleksandr Kerenski, desacreditado pela fome e pelas derrotas na 1.ª Guerra Mundial.

No primeiro trecho, temos a própria cena da tomada bélica do palácio, e no segundo, que encerra o filme, Lenin faz a proclamação do “poder dos sovietes” e anuncia enfim a vitória de seu golpe e de seu partido, em frente ao famoso letreiro escrito na ortografia russa pré-1918: “Todo o poder aos sovietes!”. Veja também os papéis que aparecem no final, onde estão contidos o “Decreto sobre a paz” e o “Decreto sobre a guerra”.




Este vídeo bem curto mostra o momento da chegada das tropas soviéticas em frente ao Reichstag, o parlamento alemão, em Berlim, no dia 9 de maio de 1945, encerrando assim a Segunda Guerra Mundial (ao menos na Europa) iniciada em 1939.

Iosif Stalin, o ditador soviético que também exercia no momento o comando-em-chefe das Forças Armadas, tinha ordenado ao Exército Vermelho hastear a Bandeira da Vitória sobre o Reichstag, como símbolo do triunfo definitivo sobre o poderio alemão. Como visto, seus soldados cumpriram a ordem. Este vídeo, que foi minha fonte, provavelmente deve ser parte de um documentário maior, que não descobri qual é, eu apenas baixei e legendei. O locutor diz as seguintes frases em russo:

“У всех сейчас только одна мысль, одно стремление - водрузить Знамя Победы над Рейхстагом!... Водрузить Знамя Победы над Рейхстагом!... Водрузить Знамя Победы над Рейхстагом!... Знамя Победы над Рейхстагом водружено! Приказ товарища Сталина выполнен!”


Estes são trechos da grande parada militar comemorando os 40 anos da libertação da Iugoslávia contra o jugo nazista e fascista, ocorrida em 9 de maio de 1985, quando o país ainda era uma república federal socialista. Fundada em 1943 pelo líder da Resistência e militante comunista Josip Broz, mais conhecido como Marechal Tito, estava comemorando o aniversário sem o antigo ditador, falecido em 1980. É uma das demonstrações mais famosas do JNA, o Exército Popular Iugoslavo, que nos tempos da “guerra fria” chegou a ser o quarto maior do mundo.

Embora os modelos comunistas do antigo Leste europeu tenham se inspirado basicamente na URSS, muitos deles tinham particularidades nacionais marcantes, como o iugoslavo, em que havia alguma liberdade de mercado, Tito era um líder carismático e a memória da Libertação antifascista moldou a cultura socialista local, sobretudo na Eslovênia. Em 1974, foi estabelecida uma “presidência coletiva” na Iugoslávia, mas como o próprio Tito foi escolhido pra presidir esse órgão, ele passou a ser considerado “presidente vitalício”, enquanto à chefia dessa presidência coletiva, que passava a ser rotativa entre as várias unidades da Iugoslávia, competia o cargo de vice-presidente geral. Quando Tito morreu, quem ocupava o cargo era o presidente da Macedônia (hoje a Macedônia do Norte independente), Lazar Koliševski, então ele passou a exercer a liderança dessa presidência coletiva, dando origem a essa bizarra instituição da “presidência da presidência” cujo ocupante era trocado anualmente.

Nos 40 anos da Libertação, quem “presidia a presidência” da Iugoslávia era o montenegrino Veselin Đuranović, e em 15 de maio seria escolhido Radovan Vlajković, da Voivodina. No primeiro trecho toca-se uma marcha militar que foi colocada por cima da imagem do vídeo e que, segundo a fonte em que apurei, foi composta por Stanislav Binički. No segundo trecho, além do Hino Nacional da Iugoslávia (Hej, Slaveni) no início do vídeo e das evidentes marchas militares, podem-se ouvir também canções no estilo dito “koračnica”, ou seja, em ritmo de marcha ou bater dos pés (korak = passo, marcha), como Po šumama i gorama e, no finzinho, Moj je otac bio partizan.




Eu achei este vídeo por acaso, num canal húngaro, e apenas cortei o quadro e tirei uma parte apenas com imagens e uma música protegida por direitos autorais. Trata-se de propagandas e produtos antigos, transmitidos na TV e vendidos na Hungria durante as décadas de 1970 e 1980, as finais sob o regime comunista comandado por János Kádár, chefe do partido único. Infelizmente, por falta de tempo e conhecimento, não fiz a tradução das falas. Mas pra quem tem um bom faro visual e artístico, já será um belo material de divertimento e aprendizado histórico!

Após as revoltas de 1956, em que a população húngara conseguiu depor o ditador stalinista Mátyás Rákosi e depois resistiu à invasão de tanques soviéticos pra tirar o reformista Imre Nagy do governo, chegou-se a uma solução de compromisso. A Hungria não sairia do Pacto de Varsóvia e os políticos rebelados seriam executados, mas lhe seria permitido adotar uma forma mais branda do comunismo, com mais abertura de mercado e atenção maior aos bens de consumo. Apesar da crise do endividamento externo na década de 1980, a chamada “Era Kádár” foi considerada por muitos uma era de ouro do comunismo húngaro, e até hoje é lembrada com nostalgia pelos cidadãos comuns.

Esquerdistas brasileiros desonestos pegam esses relatos positivos como uma pintura do comunismo europeu como um todo, mas a situação era bem diferente nos vários países do bloco, tanto pela economia quanto pela cultura ou dependência diante de Moscou. É claro que a Hungria sofreu fortemente no início da implantação do capitalismo, e que hoje muitos consideram o extremista Viktor Orbán como até pior do que os comunistas. Mas lembremos que esse “comunismo gulache”, mais brando, apesar da repressão política, foi uma conquista popular arrancada de maneira rara da URSS, cujo regime nunca foi muito bem aceito num país que nem é de cultura eslava.


Poucos devem saber, mas o célebre meme do “Mr. Trololó”, que viralizou com o falecido cantor soviético Eduard Khil em 2010 fazendo uma vocalização sem letra, foi retirado de uma transmissão completa relembrando diversas outras composições de Arkádi Ilích Ostróvski (1914-1967). O compositor russo de origem judaica escreveu em 1966 a canção “Я очень рад, ведь я, наконец, возвращаюсь домой” (Estou feliz porque finalmente estou voltando pra casa), que falava de um caubói nos EUA. Mas por diversas razões decidiu-se gravá-la sem a letra, apenas com a “vocalização” da melodia, o que foi feito por Khil, Valeri Obodzinski, Muslim Magomaiev e outros cantores. Caubói, EUA, “guerra fria”... censura não muito diferente da atualidade!

Em 1976, em memória de Ostrovski, Khil gravou o referido especial, que recomendo ver de ponta a ponta! Nos anos 2000, o especial foi retransmitido pelo canal retrô russo “Vrémia”, no programa Nas ondas de minha memória, e no fim de 2009 alguém colocou a vocalização de Khil no YouTube. Nascia assim o meme do “Mr. Trololó”, que ganhou a simpatia do Ocidente, e agora você pode ver um raro registro dele falando em tom normal nessa época!

Khil está introduzindo a coletânea especial, e eu mesmo transcrevi e traduzi o texto e legendei o trecho que tirei daquele vídeo maior. Versão russa:

“Сегодня я вам хочу напомнить некоторые песни Аркадия Ильича Островского. Это песни, которые были написаны в середине 60-х [шестидесятых] годов. Песни, которые прошли испытание временем. Эти песни очень добрые, очень светлые, я бы сказал, «солнечные» песни, и они надолго останутся в нашей памяти и в нашем сердце.”

(Hoje quero lhes recordar algumas canções de Arkadi Ilich Ostrovski. São canções que foram compostas em meados dos anos 60. Canções que resistiram à prova do tempo. Essas canções são muito boas, muito luminosas, canções “ensolaradas”, eu diria, e por muito tempo elas vão ficar em nossa memória e em nosso coração.)