domingo, 2 de setembro de 2018

Doideiras no filme “Stalin”, de I. Passer


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Em dois momentos diferentes do ano passado, selecionei duas cenas recortadas do filme histórico Stalin, escrito e dirigido por Ivan Passer, que conta a história do dirigente russo-georgiano por um viés bem ocidentalista. A primeira parte ilustra a dança da lezginka, que eu já tinha citado várias vezes no site ao falar do falecido comandante Givi do Donbass e dos cossacos do Cáucaso. É uma dança bem típica da Geórgia e do Cáucaso em geral, e Stalin a domina razoavelmente, como alguém simples que veio do povão. A segunda parte, ainda mais engraçada, refaz um dos vários jantares com bebedeira e música que Iosif “Koba” Dzhugashvili dava pra alta cúpula do partido comunista soviético, já próximo do fim da vida. Os líderes supremos da URSS passam um micão na frente da primeira-filha, Svetlana Alliluieva, moça que sempre teve problemas de relacionamento com o pai, fugiu anos depois pro Ocidente, casou-se e adotou o nome de Lana Peters.

A primeira cena representa o casamento de Stalin com sua segunda esposa, Nadezhda Alliluieva, que nos anos 30 supostamente teria se suicidado. Sua primeira esposa tinha sido Ekaterina Svanidze, também georgiana, que militava no mesmo partido, mas morreu por doença. Dizem que esta teria sido a mulher que Stalin mais e unicamente amou, e a perda nunca teria sido superada. Nadezhda (Nadia) é de família russa, e nas cenas anteriores os pais demonstram preconceito, como muitos sulistas do Brasil têm para com os nortistas.

A opção ideológica do filme, que vi inteiro há alguns anos, é clara: Stalin é o tirano rude, deselegante, pouco instruído e sem escrúpulos. Trotsky seria tão violento quanto, mas não chegou a exercer o poder, e Khruschov, bem ao final, é visto como um arrependido, no fundo um democrata, sem mencionar a matança que ele fez na Ucrânia. O resto eu acho que está acorde à realidade, a começar pelo papel de Grigori Zinoviev e Lev Kamenev: são intelectuais, desprezam o “montanhês rude” e desde o início se unem a Trotsky. Nikolai Bukharin aparece dançando alegre, como que servindo de ponte entre os dois grupos rivais: realmente, ele ficou junto a Stalin até 1929, mas ao criticar a crescente violência, foi excomungado.

Outras duas coisas que devem ser notadas são as seguintes. Primeira, o filme é narrado por Svetlana Alliluieva: não sei se o roteiro é baseado em algum escrito dela, mas podemos ver bem que ele reflete as opiniões dela, ou seja, insatisfeita com Stalin e com a URSS. Segunda coisa, o outro dançarino do quarteto, parecido com o cantor Belchior, certamente é Sergo Ordzhonikidze, georgiano que por muito tempo foi próximo de Stalin, mas morreu em 1937 em circunstâncias incertas: uns dizem que teria se matado, desiludido com os rumos da política, outros dizem que teria sido forçado ao suicídio, por ser um potencial alvo dos expurgos de 1936-38. Neste vídeo podemos ver uma breve tomada com Stalin e Sergo juntos. E Lenin, num dado momento, logo que entra na sala, até ensaia um passinho! O líder começou com alguma complacência com Stalin, mas também foi se desiludindo (o que o filme não retrata são suas contradições com Trotsky).



Fora Stalin, que está muito bem caracterizado e de voz igualzinha, é difícil reconhecer na segunda cena as fisionomias dos personagens nos outros. Se bem que, convenhamos, se já acharam no Reino Unido alguém parecido com o “guia genial”, seria pedir muito achar clones de todos os restantes. Nikita Khruschov (o “Careca”), por exemplo, não lembra nem parece nada, mesmo se pegamos fotos de quando ele era novo (a cena é no começo dos anos 50). Lavrenti, claro, sabemos que era Beria, o fiel chefe do NKVD, a polícia secreta, e o militar medroso talvez seja o marechal Kliment Voroshilov, herói da Segunda Guerra.

A diversão fica por conta de vocês verem o vídeo! Stalin não confia em ninguém, hein? Vou provocar vocês, dizendo que eu cortei a parte da “sopa envenenada” que viria logo depois. Uma das coisas que critico no filme é pintar Khruschov como um democrata que já estava se arrependendo da ditadura. Na verdade, ele ajudou a efetivar o Grande Terror de 1936-1938 na Ucrânia, de cujo partido local ele era o chefe, e ficou ao lado de Stalin elogiando-o até o final, antes de fazer uma “ruptura” escandalosa como parte de uma luta interna pelo poder. Ruptura cuja implicada crítica à opressão foi mais do que parcial.

Nesta página está o filme completo, legendado em português. Pra não perder informações gráficas, eu deixei os dois vídeos com o mesmo enquadramento, sem recortar. Na época em que carreguei as cenas no meu canal Eslavo (YouTube), tive preguiça de pôr os nomes dos atores e a ficha técnica do filme, e hoje tenho o mesmo sentimento.



Nesta outra cena ambígua, Trotsky está num dos quartos, talvez do Kremlin, onde ocorre a festa de casamento de Stalin, porque não quer participar da celebração. Zinoviev vai bater na porta e Trotsky atende, nervoso, após ser interrompido durante a leitura de um livro. Pela cara do ucraniano, acho que o livro devia ter umas figurinhas supeitas, e que ele estava praticando uma coisa que em outras eras chamaríamos de onanismo, hehehe. Pensando nessa leitura, coloquei como fundo uma música humorística de quando eu era adolescente (primeira metade dos anos 2000), chamada Teco do teleco teco, com uns trocadilhos de tiozão bem infames mesmo. Infelizmente, uns anos depois de fazer esse meme, não encontrei de novo o vídeo da canção no YouTube, que tinha a versão mais próxima daquela que eu escutava na escola. Outras versões não são idênticas, e eu nunca soube quem gravou esta primeira versão...