sábado, 8 de setembro de 2018

Falando algo sobre o sentido de “Rus”


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/rus-urss




Aproveitei a postagem deste vídeo no meu canal Eslavo (YouTube) pra discutir um conceito histórico que ainda gera muita confusão entre os brasileiros. A União Soviética era no todo um país multinacional e internacionalista. Mas a Rússia (ou RSFS da Rússia), enquanto existiu dentro dessa federação, manteve diversos símbolos nacionalistas do tempo do tsarismo, embora repaginados sob a estética comunista. Seu nome inteiro era República Socialista Federativa Soviética da Rússia, e também era “federativa”, e não somente “RSS”, como as demais, porque ela mesma comportava diversas subunidades nacionais numa enrolada teia administrativa. Essa complexidade permanece, tornando a divisão da Federação Russa uma das mais difíceis de compreender.

A célebre canção patriótica “Славься” (Slavsia), Glória ou Glorie-se, por muitos considerada uma espécie de hino nacional informal da Rússia, é parte da ópera Ivan Susanin, composta pelo célebre músico Mikhail Glinka, e tem várias versões da letra. Em postagem anterior do meu site, vocês podem conhecer melhor a história e a letra desta música e ler as três primeiras estrofes, que são as cantadas no vídeo abaixo. O engraçado é que um dos meus maiores dilemas, inclusive na tradução do hino da URSS, era como traduzir o termo “Русь” (Rus), que originou o adjetivo russki (russo), bem como o nome Rossia (Rússia). Eu traduzia como “Mãe-Rússia”, com tintura nacionalista, até estudar a história real da federação da Rus, que uniu principados de forma frouxa entre os séculos 9 e 13. Estes, de fato, constituíram os ancestrais dos eslavos orientais (russos, ucranianos, belarussos e rutenos), inclusive na língua, que era única.

Por isso, às vezes seria melhor traduzir Rus como “eslavos orientais”, como no início do hino da URSS: “A grande Mãe-Rússia coligou para sempre a união indestrutível das repúblicas livres”, ou antes: “Os (grandes) eslavos orientais coligaram...” (já que Rússia, Ucrânia e Bielo-Rússia, hoje Belarus, eram a maior parte do território e da população). Ou talvez o certo seria nem traduzir Rus, por se tratar de uma entidade política especial. Porém, “Mãe-Rússia” passa o sentido nacionalista de que a Rússia seria a herdeira da Rus, portanto que ucranianos e belarussos seriam “derivações” da Rússia. Tanto que o nome “Ucrânia” tem relação com a palavra russa okraina (ou seja, a “periferia” do Império Russo), e que o nome antigo e histórico dos ucranianos era “pequenos russos”, e o nome dos belarussos, “russos brancos”. Dessa forma, ainda em livros ocidentais do século 20, a Ucrânia e Belarus ainda aparecem com as denominações tsaristas de “Pequena Rússia” e “Rússia Branca”...

Contudo, ucranianos e belarussos também se consideram “herdeiros” da antiga Rus e se arrogam o direito de chamar o velho eslavo oriental comum de “ucraniano antigo” ou “belarusso antigo”, como os russos o chamam de “russo antigo”. Agravando o caso, o centro político maior da federação da Rus era Kyiv (o que a faz ser chamada também “Rus kievana/kievita”), num período em que Moscou não passava de uma aldeia crescida. Isso faz da memória medieval um embate não apenas entre russos, mas também deles com os países vizinhos. O canal com este vídeo sem legendas tem muito mais material raro (não traduzido) sobre a URSS que pretendo legendar. Eu usei a mesma tradução que já tinha publicado, mas encurtei ainda mais pra pôr nestas legendas: