No universo paralelo da ditadura moscovita, os novos livros escolares públicos de História apresentados hoje [2023] contêm citações do Grande Líder, acompanhadas de fotos suas de quando ele ainda tinha cara de manga chupada, e os mapas apresentam as regiões roubadas à Ucrânia como novas partes do grande Império!
Bem, esta publicação do referido ano está sendo reciclada porque hoje consegui finalmente traduzir uma reportagem transmitida pelo canal britânico Sky News em 2 de setembro de 2024 e apresentada por Ivor Bennett, genial correspondente em Moscou e um dos que encarou o Capeta na famigerada coletiva de imprensa de fim de ano. Embora as imagens sejam de uma reportagem da France 24 de novembro de 2023, achei que elas viriam a calhar com o relato da volta às aulas seguinte, pois trazem exatamente o citado capítulo sobre a “operação militar especial”. Aliás, as férias de verão estão chegando no Hemisfério Norte, e o ano letivo que Bennett viu começar está prestes a terminar...
Desde então, muita coisa mudou. A Ucrânia ocupou longamente boa parte da província russa de Kursk. A fragilidade russa se revelou quando Putler mandou moleques no serviço militar e até escravos norte-coreanos pra “libertar a Pátria”, ao custo de milhares de vidas. E na região ainda há ucranianos, que começam a adentrar a província de Belgorod aos poucos. O presidente dos EUA é outro, mas sua aparente propensão pró-Moscou não ajudou em nada a rapina imperial. Os jovens têm cada vez mais depressão, fogem cada vez mais pro exterior e têm cada vez menos filhos. A economia resiste, mas está cada vez mais arranhada. Os “objetivos iniciais da operação” estão fora de cogitação, assim como a própria tomada completa das quatro regiões ucranianas “incluídas na Constituição”. O Ossidentx Mauvadaum nunca esteve tão coeso na defesa militar. E, como tenho publicado aqui, a elite política se entrega a delírios cada vez mais ridículos.
É curioso que, embora o pretexto da agressão tenha sido “desnazificar o regime de Kyiv”, nesse meio-tempo a fascistização do regime putinista seguiu a passos acelerados e a repressão superou até os níveis sob Leonid Brezhnev. E mais curioso ainda: o burocrata entrevistado por Bennett é Vladimir Medinski, doutor em História que esteve justamente esses dias na Turquia com a delegação que encenou aquela “negociação” fajuta! Bem, pelo menos é melhor mandar um historiador do que um ex-corretor imobiliário, como fez a Galinha Ruiva mandando o tal Steve Witkoff pro Kremlin. Sem mais, aproveite esta noa tradução, embora atrasada, com o original em inglês abaixo:
Pra celebrar o novo ano letivo na Rússia, as crianças trazem flores a seus professores, mas este ano estão recebendo algo em troca. É uma nova matéria sobre a segurança e a defesa da pátria: elas vão aprender sobre drones de combate, regras do Exército e como manusear um Kalashnikov.
“Você nunca sabe em que tipo de situação pode se encontrar, então acolho isso com satisfação. É ótimo! Sem educação militar básica, nossos filhos não são nossos filhos. Isso alimenta o patriotismo.”
Na República de Tyva, uma aula do líder da Rússia sob o título “Conversa sobre Coisas Importantes” [Razgovór o vázhnom]. “Quanto você dorme pra se manter em tão boas condições?”, perguntou um menino. “Seis horas”, respondeu Vladimir Putin. Um momento mais leve em meio a tópicos mais pesados, como a incursão da Ucrânia no sul da Rússia, onde muitas escolas estão fechadas. “É claro que nosso país e as Forças Armadas vão fazer de tudo pra garantir que sejam restauradas uma vida normal nessas regiões e uma vida normal pra essas crianças. Tenho certeza de que isso vai acontecer. Não há dúvida.”
Mas não é o que parece. No fim de semana, houve um ataque massivo de drones, alguns dos quais atingindo Moscou. E tropas ucranianas já controlam território russo há quase um mês. Nos últimos dois anos e meio, a guerra tem sido uma perspectiva distante pra muitos russos, com a vida aqui continuando normalmente. Mas os eventos recentes a aproximaram muito mais de seus lares.
O Kremlin, porém, continua minimizando a ameaça: não quer que o público entre em pânico, e então continua apresentando sua própria versão dos eventos, tanto presentes quanto passados. Isso inclui reescrever livros didáticos de história, que afirmam que a Rússia não começou a guerra.
“Por que há necessidade de novos livros de história? A história não muda, muda?”
“Bem, sim, a história não muda, mas precisamos da verdade e precisamos que a história seja uma ciência, e não ideologia ou propaganda.”
“Por que então, ao longo do capítulo sobre a operação militar especial, não há menção ao fato que a Rússia disparou o primeiro tiro, que a Rússia invadiu seu vizinho? Isso é reescrever a história, não é?”
“Agora... Leia-o atentamente e você vai entender. Leia-o, certo?”
Pra quem leu, é o mais recente vislumbre da realidade alternativa do Kremlin.
To mark the new school year in Russia, children bring flowers for their teachers, and this year they’re getting something in return. It’s a new subject on the security and defense of the motherland: they’ll learn about combat drones, Army rules, and some how to handle a Kalashnikov.
“You never know what kind of situation you might be in, so I welcome it. It’s great! Without basic military education, our children are not our children. This breeds patriotism.”
In the Republic of Tuva, a lesson from Russia’s leader called “Conversations about Important Things”. “How much do you sleep to stay in such good condition?,” one boy asked. “Six hours,” Vladimir Putin replied. A lighter moment among heavier topics like Ukraine’s incursion in southern Russia, where many schools are closed. “Of course, our country and the Armed Forces will do everything to ensure normal life in these regions and normal life for these children is restored. I’m sure this will happen. There’s no doubt.”
But that’s not what it looks like. Over the weekend, a massive drone attack with some reaching Moscow. And Ukrainian troops have held Russian territory for nearly a month now. For the past two and a half years, the war has been a distant prospect for many Russians, with life here continuing as normal. But recent events have brought it much closer to home.
The Kremlin, though, continues to downplay the threat: it doesn’t want the public to panic, then continues to put forward its own version of events, both present and past. That includes rewriting history textbooks, which claim Russia didn’t start the war.
“Why is there a need for new history books? History doesn’t change, does it?”
“Well, yes, history doesn’t change, but we need the truth and we need history to be science, not to be ideology or propaganda.”
“Why then, during the chapter on the special military operation, is there no mention of the fact that Russia fired the first shot, that Russia invaded its neighbor? That’s rewriting history, isn’t it?”
“Now... Read it carefully and you understand. Read it, okay?”
For those who do, it’s the latest glimpse into the Kremlin’s alternate reality.

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