terça-feira, 6 de maio de 2025

A descoberta do prazer (2003/2004)


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Vou começar uma fase em que estou “exumando” algumas redações e poesias da época de meu ensino médio (2003-2005), não meramente pra “encher linguiça” com trabalho de escola, mas porque são textos até que bem completos e revelam um pouco mais da “história de meu eu”, pra quem se interessa por ela. (E sabe que tem coisas com as quais até este quase quarentão fica impressionado?...) Quem me acompanha há muito, sabe que já publiquei coisas desses anos, e na verdade o material é volumoso, só não tendo ainda vindo a lume porque dei prioridade a outros projetos.

A primeira pérola é uma redação chamada “A descoberta do prazer”, que tendo sido corrigida por Silvano, então meu professor de Português, deve ser de 2003 ou, mais provavelmente, 2004, devido à desenvoltura com que discorri sobre o tema. Apesar do nome pomposo, trata-se de simples dissertação sobre o hábito de “ficar”, que ainda estava começando a se tornar comum entre os adolescentes e gerava arrepios em pais e pedagogos. Então, tratava-se apenas de beijo, mas como hoje há diversos significados, se é que esse termo ainda esteja em uso, me abstenho de outros comentários...

Como é de praxe em tal gênero, eu só descrevo e não julgo, mas um inquisidor moderno poderia atribuir à “doutrinação comunista” a presença dos muitos assuntos relativos a sexualidade, comportamento etc. Mesmo assim, certamente você vai rir do jeito erudito demais com que trato a questão, resultante, sobretudo, do fato principal que norteava então minha vida: eu mesmo ainda era “B.V.”, rs. (E curiosamente, a redação não tomou um tom de crítica, lamento ou testamento de ex-estudante prestes a cometer um tiroteio contra os coleguinhas!)

Embora o arquivo escaneado marque a nota dois, ela significou a nota máxima (veja que quase não há correções), pois as atividades de redação iam acumulando pontos até darem um máximo (acho que dez, obviamente), em algum momento, resultante da soma de outros textos. Não alterei o conteúdo, mas apenas atualizei a ortografia e troquei algumas expressões que, de fato, seriam erradas numa correção de nível avançado (como “em relação a” introduzindo um tópico e “onde” indicando conceitos).



Os últimos anos vivenciaram uma mudança do comportamento juvenil na questão das descobertas corporais interpessoais: a “ficação”, durante a qual dois adolescentes trocam beijos e carícias como se fossem namorados, mesmo que não se conheçam ou não mantenham laços amorosos. Hoje, essa prática, que se tornou tão comum entre os jovens, é objeto de estudo de psicólogos e outros especialistas, que tentam compreender a essência desse fenômeno.

Segundo os próprios garotos e garotas, “ficar” é apenas beijar sem compromisso, sem a necessidade de se estabelecer laços de união amorosos mais firmes e duradouros, um modo prazeroso de se conhecer uma pessoa antes da decisão pelo namoro, além de uma boa oportunidade de aprender a “arte do carinho” e adquirir experiências para futuramente dar uma boa impressão ao companheiro. Alguns jovens se aproveitam desse costume não só para conhecer alguém melhor, mas para adquirir prazer, chegando até mesmo a “ficar” com várias pessoas seguidas em, por exemplo, uma festa (“balada”); mas há outros bem conservadores que se abstêm do “beijar por beijar” e mantêm a convicção de que apenas o namoro é adequado para os atos da “ficação”, realizados após uma verdadeira atração entre o casal. Além disso, há as diferenças entre os mais diversos grupos de jovens com relação tanto às condições necessárias para a conquista, ao conceito de “ficar” e ao que acontece na hora do beijo, quanto à aceitação da pessoa dentro desse grupo, com embasamento em suas experiências amorosas: para alguns, uma pessoa “B.V.” (“boca virgem”, aquela que ainda não beijou) tem mais possibilidades de ser excluída, “isolada”.

Não faltam hipóteses para o surgimento do fenômeno da “ficação”. Uma delas seria a liberação sexual iniciada na década de 1960, que começou a divulgar no Ocidente ideias libertárias quanto a certos tabus antigos: divórcio, homossexualidade, escolha do(a) parceiro(a), uso de preservativos, sexo com finalidade de obter prazer etc.; a “ficação” seria mais um capítulo dessa liberação, ao dar a possibilidade dos jovens trocarem beijos sem compromisso. Pode-se ainda lembrar da chamada “banalização do sexo”, que está chegando ao ápice na atualidade, quando estão sendo quebrados os limites entre o erotismo e a pornografia, que se tornou a prática dominante: não se busca mais a beleza e o sentimento amoroso, que se tornou um “instrumento de opressão” para a sociedade capitalista, mas apenas o prazer, para serem aliviados alguns males da apressada vida moderna.

Qualquer que seja a hipótese, a “ficação” é um reflexo da simplicidade à qual chegou nossa sociedade, que hoje procura não mais se prender a padrões e a laços amorosos, mas descobrir as coisas boas da vida sem mergulhar em utopias sentimentais, sendo isso uma coisa boa ou ruim dependendo da pessoa e da cultura na qual ela está inserida.





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