sábado, 10 de maio de 2025

Trabalho, gênero e raça (2005)


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Prosseguindo com produções de meu ensino médio (2003-2005) que ainda julgo serem interessantes, trago hoje dois textos dissertativos que resultaram de atividades indicadas pela mesma apostila de Geografia então em uso e, devido às temáticas interligadas, publicados ao mesmo tempo. O primeiro se chama “A difícil condição das trabalhadoras” (30 de setembro de 2005) e o segundo, “Preto por fora, branco por dentro” – sim, isso mesmo que você leu (18 de outubro de 2005). Sempre sou grato ao José Augusto, o “Zé”, que nos acompanhou durante todo o ciclo: rígido, mas humorado, em grande parte devo a ele, assim como a minha professora de História, Flávia, a opção pela graduação que segui.

Ao discorrer sobre as mulheres e o mercado de trabalho, e depois sobre a exclusão racial no Brasil, algumas ideias e mesmo o vocabulário parecem bastante bizarros diante da atual pesquisa de ponta. Porém, reconheça que pra um moleque de 17 anos cheio de banha e espinhas, soa até mais palatável que o discurso de alguns parlamentares “patriotas” e “pró-família” de hoje... Não alterei as palavras, mas apenas atualizei a ortografia e troquei algumas expressões que, de fato, seriam erradas numa correção de nível avançado. Desta vez, o original escaneado estava digitado, por isso, consegui usar esta ferramenta online gratuita pra recodificar o texto e poupar tempo e lesões pra trazer essas belezas proceis:


Com as revoluções sociais das últimas décadas, cujo estopim se deu nos anos 1960 e 1970, a mulher obteve várias conquistas, entre elas o direito de ter o próprio trabalho, com salário autônomo e fora do ambiente doméstico. Porém, sofreu problemas quase piores do que aqueles enfrentados pelos homens, o que teve como consequência a queda da taxa de fecundidade feminina.

Legalmente, os direitos de homens e mulheres foram igualados [sic], o que propiciou à mulher abocanhar um bom pedaço do mercado de trabalho antes ocupado por homens, mas os preconceitos continuaram, e as exigências para a manutenção do emprego se tornaram mais rígidas. Ainda se supõe que os homens são superiores em sua produção devido à sua menor sensibilidade e à ausência de ciclos naturais dentro do qual elas estão inseridas, que podem causar várias alterações comportamentais e de saúde. Além disso, a necessidade de dedicação aos filhos também levaria à queda no rendimento, já que, com os cuidados à prole, o tempo ao trabalho se reduziria: compare-se ao celibato católico, cujo pretexto é o de fazer o sacerdote mais preocupado com os afazeres da Igreja. Por esses fatores de uma suposta “inferioridade”, os salários das mulheres também são reduzidos, e o seu desemprego, ao contrário, sofre crescimento, ou seja, somado aos problemas econômicos enfrentados pelos homens que tanto lutam por bons emprego e salário, está a própria condição de ser mulher. Para reduzir os efeitos do preconceito e da difícil vida social, as mulheres estão optando por ter menos filhos do que o tradicional ou não ter nenhum, a fim de igualar sua condição à dos homens, que não possuem o costume de dedicar boa parte de seu tempo aos afazeres domésticos. Isso acabou causando uma queda significativa na taxa de fecundidade feminina, concretizando uma das características da sociedade capitalista ocidental, em cuja dinâmica a figura feminina passa a se inserir: poucos filhos, a fim de conter despesas e de ganhar mais tempo para a profissionalização e para a especialização.

Costumes arraigados na tradição não mudam totalmente o perfil de uma sociedade, mas influem bastante no principal agente modelador, que é a política socioeconômica, sendo esta a principal transformadora de dados que revelam a face do brasileiro do início do século 21.


Apesar de o povo brasileiro ser de um tipo que constituiu sua cultura por meio da mistura de elementos europeus (brancos), africanos (negros) e ameríndios, os índices socioeconômicos continuam favoráveis àqueles descendentes dos colonizadores, enquanto aos outros, inclusive aos mestiços, seja de que raças tiverem se originado, resta ser componentes de números relativos à exclusão e à falta de oportunidades. Essa situação já vem de muitos séculos, e o transcorrer da História só favoreceu a continuidade desse processo.

Os negros e os índios sofreram uma “integração forçada” à nova nação por meio de sua escravização e submissão ao branco português. A eles restava praticar sua cultura, devido a proibições, disfarçada por panos europeus. Aos negros, foi proibido praticar suas religiões, o que os fez usar santos da Igreja Católica em seus rituais, e aos índios (e a toda a população branca), falar a língua geral (tupi adaptado), que acabou influenciando o idioma português brasileiro no vocabulário e no jeito de falar: assim se formou a cultura genuinamente brasileira. Mesmo a visão das raças não brancas como inferiores colaborou para o quadro da miscigenação: os senhores de engenho, mesmo que a elite se recusasse a se misturar com os negros, na falta de mulheres, mantinham consigo mulheres negras e tinham filhos mulatos com ela, que acabavam sendo entregues a outrem, e, mesmo entre os pobres, apesar de o racismo não predominar com tanta força, dominando a ideia de superioridade europeia, as negras preferiam ter filhos com brancos em sucessivas gerações para que ocorresse o gradual “branqueamento” da população, tal como expresso no famoso quadro A redenção de Cã. Porém, com a abolição da escravatura, mesmo que todos os negros passassem a ser homens livres, eles e boa parte dos mestiços acabaram entregues a um destino incerto, pois não receberam qualquer tipo de auxílio que os ajudasse a obter por conta própria uma vida digna de qualquer cidadão, e isso acabou gerando sua pobreza, que teve como consequência a indigência e a falta de acesso à educação de qualidade, por sua vez necessária para a obtenção de um bom emprego. O quadro se agravou com a vinda dos imigrantes europeus e asiáticos para o Brasil: além de ocuparem postos que poderiam ser ocupados pelos negros, mas não o foram por falta de especialização e favorecimento estatal, eles trouxeram o sentimento de xenofobia, que considerava inferior qualquer cultura que não fosse a europeia, gerando ideias de inferioridade de africanos e ameríndios e a discriminação presente mesmo nas mais “inocentes” piadas e colóquios diários.

O Brasil, no que tange ao “visível” e ao “audível”, ou seja, o fenótipo das pessoas, o jeito de falar, o vocabulário, a culinária, os costumes etc., é um país plural, mas com relação ao “invisível”, ou seja, as ideias sobre uma raça ou outra, os preconceitos, a igualdade de oportunidades etc., nota-se que é preciso uma cura para esse mal, que é difícil de ser extirpado porque está na raiz da formação nacional, ou seja, o brasileiro foi criado para ver o índio e o negro como pessoas inferiores e dignas [sic] de ser escravizadas.


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