segunda-feira, 12 de maio de 2025

Faça sua bomba atômica em casa


Endereço curto: fishuk.cc/atomica

O nome humorístico desta publicação esconde a simples transcrição de uma palestra que foi proferida na Escola Viverde em 11 de maio de 2005, quando eu estava no último ano do ensino médio, por Cristiano R. Paes, então professor do Instituto de Física da USP. Ele foi convidado por nossa então professora de Física, Viviane, também formada na USP, de cujo nome completo não me lembro e que não completou o ano letivo com a gente, embora dominasse muito a matéria. Eu tive a iniciativa espontânea e pessoal de transcrever à mão a maior parte da palestra enquanto Cristiano falava, digitar uma primeira versão e dá-la pra correção da Viviane, resultando na versão final que você lê hoje, incluindo os desenhos à mão.

Eu digitalizei os papéis originais e guardei em formato PDF, mas demoraria muito tempo pra redigitar tudo. Por isso, mais uma vez resolvi testar a eficácia desta preciosa ferramenta online gratuita de recodificação OCR, agora não pra transformar imagem em TXT, mas PDF em Word. E ficou bastante bom, tendo eu apenas que reparar alguns detalhes, dada a situação gráfica mais complexa desse arquivo! Os desenhos, óbvio, reproduzi em print e fiz arquivos novos, e finalmente vem a público o texto intitulado “Enriquecimento do urânio – conceito e problemas”, mais um trabalho de escola reproduzido aqui.

Sobre a charge de Chico Caruso que traz o falecido Enéas Carneiro como candidato à presidência pelo extinto PRONA em 1998, ela se refere a sua proposta, extremamente achincalhada na época, de criar uma bomba atômica tupiniquim. Como veremos na palestra, e admitindo a remota hipótese de vitória do cardiologista, essa iniciativa teria sido de difícil realização devido a nossa escassa tecnologia e às pressões internacionais. Relendo o texto, também me arrepiei como a questão das sanções foi exatamente o que aconteceu nos últimos anos com o Irã pela mesma razão, embora eu não saiba se Cristiano tivesse esse exemplo em mente.

Chico também tinha a particularidade de ser um puxa-saco de FHC, pois todas as suas charges da época são favoráveis ao tucano e ácidas com qualquer outro partido. No início do primeiro governo Lula, por exemplo, me recordo que o insuspeitíssimo Jornal Nacional exibia curtas vinhetas animadas suas – o que não durou muito tempo –, sempre zoando nosso primeiro presidente de origem operária. Mas voltando ao assunto, seguem algumas dicas caso você queira realizar em casa o sonho de Enéas, com a carinhosa aprovação de minha “ex-prô”, rs:



Há núcleos de átomos de alguns elementos que podem sofrer fissão, ou seja, dividir-se, originando núcleos de outros elementos. Esse processo libera uma enorme quantidade de energia, que era a energia usada para manter unidos os elementos do núcleo. Essa energia é usada para diversos fins, desde a geração de energia elétrica até a fabricação de bombas, corno veremos mais adiante. Alguns núcleos são físseis (ou seja, têm tendência a sofrer fissão) e outros não, como, por exemplo, o U235 (ou seja, urânio com número de massa, que é a soma do número de prótons com o número de nêutrons, 235), físsil, e seu isótopo (isótopos são variantes de átomos de um mesmo elemento, mas com números de massa diferentes), U238, não-físsil. A representação da reação de fissão de um núcleo de U235 é a seguinte:

U235 + n → Ba141 + Kr92 + 3n

p = próton
n = nêutron

Ou seja, um nêutron é adicionado a um núcleo de U235, de massa atômica (soma das massas dos prótons e dos nêutrons) 235, sendo suficiente para desestabilizá-lo e promover a sua fissão, resultando em um átomo de bário com número de massa 141 e massa atômica 141,56 u (unidade de massa atômica), em um átomo de criptônio com número de massa 92 e massa atômica 92,36 u e em três nêutrons, que serão adicionados a outros três núcleos de U235 do material, que também sofrerão fissão, iniciando, assim, uma reação em cadeia. Essa reação em cadeia será a base da geração de energia para usinas, bombas, submarinos etc., possuindo um potencial energético de 1010 kJ/mol (quilojoules por mol).



Em uma bomba nuclear de fissão (também chamada de bomba A), ou seja, que utiliza a energia liberada nas fissões para promover uma enorme destruição, há uma quantidade mínima de urânio, chamada de massa crítica, compactada ao extremo, assim atingido um volume crítico; essas “propriedades críticas” são necessárias para disparar a reação em cadeia, de modo que ela não possa mais ser controlada após seu início. Em reatores nucleares, usados em usinas, navios, submarinos etc., a energia das fissões e a energia cinética dos nêutrons disparados são usadas para aquecer a água que é transformada em vapor, propício para mover turbinas.

Porém, quando encontramos o urânio puro na natureza, a porcentagem de U235 é de apenas 0,7%, enquanto a de U238 é de 99,2%; pode-se dizer ainda que em 500 kg de minério, temos 1 kg de metal, sendo que 99% ainda é composto por U238. Por isso, para que se possa aumentar a porcentagem de U235, existe um processo chamado de enriquecimento do urânio. Para que se possa enriquecer 1 kg de urânio a uma porcentagem de 3,5% de U235, são necessários 2 300 kWh de energia. Em processos físseis, também pode ser usado Pu239, que, apesar de não necessitar de enriquecimento, é mais caro e mais difícil de se encontrar na natureza. Para o uso em reatores, o urânio deve estar enriquecido em pelo menos 3%, enquanto que para fins bélicos, a porcentagem sobe para 70%, sendo que a bomba A exige quase 100%.

O enriquecimento mais comum é o executado em centrífugas que giram a 60 mil rpm, feitas com fibras de carbono, muitas vezes substituindo ligas de aço, pois apresentam alta resistência mecânica e são bastante leves. O Japão é um significativo produtor desse tipo de máquina. O urânio é colocado no centro, dentro da qual é adicionado flúor, formando com o outro elemento o gás hexafluoreto de urânio (UF6), que é forçado a entrar em rotação. Neste processo, por densidade, o U238, que é mais pesado, concentra-se nos cantos da centrífuga, fazendo com que o U235 concentre-se no meio. Este é retirado e, mais tarde, transformado em dióxido de urânio (UO2) em pó, posteriormente transformado em pastilhas, então utilizadas em reatores. Já o U238 ainda restante é transferido a outras centrífugas, para que possa ser novamente enriquecido. Para a obtenção de 2 kg de U235 com enriquecimento de 3,5%, é necessária uma passagem de 8 horas por 16 centrífugas.



Das centrífugas comuns diferenciam-se as ultracentrífugas, que possuem mancais magnéticos de grande aerodinâmica e bom balanceamento. Seu grande comprimento e sua grande velocidade de rotação reforçam e otimizam o enriquecimento.

O Brasil começou seu programa nuclear na década de 1970, importando tecnologia alemã, fundando em 1974 a usina de Angra 1, que só começou a funcionar 24 anos depois, mas com uma produção ínfima de energia. Hoje a tecnologia dessa usina já está obsoleta em relação à de outros países, o que levanta uma questão importante sobre o fato de o Brasil estar sempre na “retaguarda” tecnológica, transformando o que os outros países não precisam mais em produto de importação. Mesmo assim, a discussão sobre a construção de Angra 3 ainda está em voga, com interesses e protestos de várias organizações governamentais e ONGs. Alguns franceses têm especial interesse em sua construção, pois a eles foi vendido o antigo grupo alemão que nos forneceu essa tecnologia. Quanto ao enriquecimento de urânio, inicialmente, o Brasil importava o urânio enriquecido, mas hoje o próprio pais começa a dominar essa tecnologia, gerando polêmicas entre os países mais desenvolvidos, especialmente os EUA, não pelo fato de o Brasil poder estar planejando às escondidas a construção de armas nucleares (o pais assinou, em 1990, o Tratado Internacional de Não Proliferação Nuclear), mas por simples disputas comerciais no mercado internacional por um maior pedaço na venda de urânio enriquecido. Os principais grupos internacionais comerciantes de urânio enriquecido são:

  • Cogema/Eurodif (França; vendia ao Brasil);
  • Ministério de Energia Atômica da Rússia;
  • Urenco (Reino Unido, Holanda e Alemanha; vendia ao Brasil);
  • Chinese Nuclear Energy Industry Co. (China);
  • JNFL (Japão).

Por aqui, os principais detentores dessa tecnologia são:

  • Centro Tecnológico da Marinha;
  • Centro Tecnológico da Aeronáutica;
  • Institutos de pesquisa de diversas faculdades, como o Instituto de Química da Unicamp.

Se por acaso um Presidente da República brasileiro determinasse a construção de uma bomba nuclear, ele não teria poder para fazê-lo, nem teríamos tecnologia suficientemente independente, pois apesar de termos pessoal capacitado conhecedor do processo de montagem dos artefatos, nosso enriquecimento de urânio não chega à porcentagem necessária para o uso em armas, somente em material destinado a reatores.

Outro grande fator de polêmica entre o Brasil e outros países é nossa insistência em esconder de técnicos e fiscais estrangeiros nossa tecnologia de enriquecimento de urânio. Isso ocorre porque se por um acaso descobre-se que está sendo enriquecida uma porcentagem de urânio acima da permitida, corremos o risco de sofrer várias limitações, como boicotes comerciais promovidos por outros países ou instituições, ou até mesmo por causa do medo de algumas pessoas de que outros países copiem nossa tecnologia e nos “passem a perna”.

Em meio a tantos problemas diplomáticos, à ínfima porcentagem de energia distribuída pelas nossas usinas e à riqueza de recursos naturais que poderiam ser mais bem utilizados, fica uma pergunta: será que compensa ao Brasil o uso da energia nuclear, principalmente em seu atual estado de desenvolvimento? Uma provável resposta é não. Segundo Cristiano, teria sido melhor que o dinheiro investido nos programas nucleares até hoje fosse utilizado em melhoras na distribuição de energia através de métodos já existentes e que tanto precisam de uma séria revisão.

Principalmente em meio a constantes ondas e ameaças de apagões que atingem várias regiões do Brasil de uma só vez...


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