domingo, 4 de maio de 2025

A parte que me falta – contada por Jacques Lacan


Endereço curto: fishuk.cc/parte-lacan

Conheci o psicólogo paraibano Gustavo Firmino Costa, natural da e residente na cidade de Patos, em outubro de 2018, quando criei um grupo de WhatsApp pros fãs de meu antigo canal Pan-Eslavo Brasil e ele, enquanto admirador da cultura russa e da história do século 20, resolveu entrar. Das várias pessoas que conheci lá, e daquelas com quem mantive algum contato, ele foi um dos poucos com quem teci uma amizade e continuei trocando ideias e materiais, mesmo após eu ter abandonado a ideia do grupo, em meados de 2020.

Justificam essa ligação sua escrita impecável e suas reflexões rigorosas, das quais serve de prova seu blog “Psi da Massa” e cujo artigo mais recente (“A parte que me falta – contada por Jacques Lacan”) ele me autorizou a publicar aqui. De fato, embora ele tenha ficado honrado com o convite, não sei o quanto posso ajudar a divulgar e viralizar seu trabalho – mas você pode! Além disso, o texto também foi publicado num portal de Patos do qual Gustavo é colunista, mas pra fazer seu esforço decolar, recomendo que prefiram visitar seu blog pessoal!



Muitos leitores já devem conhecer o livro A parte que me falta, de Shel Silverstein. Uma bela história alegórica sobre não precisarmos preencher nossos vazios com partes que não nos pertencem. A trama apresenta uma esfera com uma parte faltante, que sai pelo mundo buscando sua completude. Ao longo da jornada, vive aventuras, conhece outros seres e constrói um caminho cheio de significado. Até que encontra a peça que a completa perfeitamente. Só então percebe que, ao girar rápido demais, já não consegue mais aproveitar as belezas e amizades que antes tanto lhe alegravam. A esfera descobre que era mais feliz enquanto buscava, enquanto lhe faltava algo.

Ao refletir sobre essa história, não pude deixar de lembrar do conceito de sujeito em Jacques Lacan. Para Lacan, o sujeito não é uno e completo em si mesmo. Ele é construído por eventos, vivências, grupos sociais, significantes. É, essencialmente, faltante: a falta é o motor do desejo. Nosso vazio, essa sensação constante de incompletude, é o que nos move. E, muitas vezes, ao conquistar aquilo que achávamos nos faltar, o vazio permanece – como na história da esfera.

Lacan se opôs ao pensamento psiquiátrico dominante de sua época, que via o sujeito como um ser completo e estático. Para ele, somos “faltantes”, “desejantes”, moldados pela linguagem, forjados pela instabilidade e pelas infinitas possibilidades de ser. A normalidade, para Lacan, não existe – é apenas uma construção social que tenta catalogar e limitar aquilo que, por natureza, é imprevisível e plural: a existência humana.

Assim como a esfera de Silverstein, Lacan nos ensina que viver é aceitar a incompletude, a instabilidade, a abertura ao novo. Que a vida acontece no movimento, no desejo, na conexão, não na perfeição ou em padrões impostos. A completude não está em ser perfeito, mas em se permitir ser – em experiências, em encontros, em humanidade.

O normal é só uma categoria. A verdadeira completude está naquilo que te faz sentir vivo.



Nenhum comentário:

Postar um comentário

Deixe suas impressões, mas não perca a gentileza nem o senso de utilidade! Tomo a liberdade de apagar comentários mentirosos, xenofóbicos, fora do tema ou cujo objetivo é me ofender pessoalmente.