Trago aqui dois artigos da Rádio França Internacional (RFI) muito interessantes pra entendermos o sistema político da França, que é chamado “semipresidencialista”, em que presidente e primeiro-ministro compartilham várias funções e que, por isso, se distingue do presidencialismo (Brasil, EUA etc.) e do parlamentarismo (várias monarquias ou repúblicas europeias). O primeiro se chama “Seis perguntas pra entender o regime semipresidencialista na França”, escrito por Olivier Favier e publicado em junho de 2022, época em que Emmanuel Macron foi reeleito presidente do país. O segundo se chama “Os poderes do presidente, uma história francesa”, escrito por Arnaud Jouve em abril de 2017 (antes da primeira eleição de Macron) e reeditado cinco anos depois.
Eu mesmo fiz as traduções e não vou indicar novamente o título de cada artigo, separando os dois por uma ilustração. Mantive os links apenas quando achei necessário e caso eles ainda funcionassem, e observações minhas estão entre colchetes. Nem sempre fui totalmente literal e muitas vezes adaptei o texto a meu próprio estilo ou a expressões mais naturais em português, sem com isso prejudicar o sentido. Igualmente, substituí o “presente histórico” pelo pretérito perfeito dos verbos quando possível e não mexi na divisão de parágrafos, mantendo-os mesmo se parecessem longos demais.
Estando nós no fim de julho de 2025, e não em meados de 2022, cabe lembrar que, após as eleições desse ano, Macron não conseguiu uma maioria parlamentar. Isso o impeliu a dissolver a Assembleia Nacional em 9 de junho de 2024, mas os deputados aliados, comprimidos entre uma esquerda multifacetada e a extrema-direita, se reduziram ainda mais, levando à sucessiva troca de premiês. Mesmo assim, dado o temperamento do presidente, ele não optou pela coabitação, escolheu apenas figuras mais ou menos próximas e, além de apelos à renúncia, quase provocou uma crise de regime.

Desde a instalação da 5.ª República em 1958, o presidente está no centro da vida política. Sua eleição pelo sufrágio universal em dois turnos é de longe aquela em que a abstenção é a mais baixa e segue sendo um marcador essencial da história do país, a ponto de um jurista poder ter falado dele como um “monarca republicano”. A realidade, porém, é mais complexa. Quais são seus reais poderes e responsabilidades? E, sobretudo, como eles se equilibram com os do Parlamento e do governo?
O que é a separação de poderes? As democracias representativas – nas quais os cidadãos delegam por eleição o direito de representar-lhes por um período determinado – são construídas sobre o princípio fundamental da separação dos poderes legislativos, executivos e judiciários. Teorizada na Antiguidade por Tucídides e, depois, pelo filósofo inglês John Locke, conhecemos a separação dos poderes, sobretudo, pela interpretação que dela fez Montesquieu no Espírito das leis em 1748. Ele vangloria seus méritos desta forma: “Para que não se possa abusar do poder, é preciso que, pela disposição das coisas, o poder freie o poder.” Se a 5.ª república respeita esse princípio, ela é uma das raras constituições a mencionar o Executivo antes do Legislativo. Em outras palavras, a condução da política nacional e a aplicação das leis passam na frente de sua redação, sua adoção e o controle do Executivo.
Por que se fala em regime semipresidencialista? O termo “regime semipresidencialista”, frequentemente associado à 5.ª República, é um conceito de Maurice Duverger, especialista em direito constitucional. Ele designa um regime que incorpora, ao mesmo tempo, características do regime parlamentarista e do regime presidencialista. O primeiro designa os regimes em que a separação dos poderes é flexível, ou seja, baseada no diálogo constante, especialmente entre Governo e Parlamento. Num regime presidencialista, por sua vez, essa separação é estrita: o presidente não é responsável perante o Parlamento e também não pode dissolvê-lo – esse é o regime que vigora nos EUA. A França de hoje corresponde a esse meio-termo. O chefe de Estado é eleito pelo sufrágio universal direto e tem prerrogativas próprias, mas o Governo por ele designado é responsável perante o Parlamento.
O que ocorre quando o presidente não é apoiado por uma maioria na Assembleia Nacional? Com a revisão constitucional de outubro de 2000, o mandato de sete anos foi reduzido a cinco. Portanto, essa nova duração é idêntica à de uma legislatura da Assembleia Nacional. Essa decisão foi tomada num contexto bem preciso. De fato, em 1997, Jacques Chirac dissolveu a Assembleia um ano antes dela terminar seu mandato, visando assegurar uma maioria mais ampla. Foi um erro de cálculo, pois a esquerda ganhou as eleições. O presidente teve que nomear o socialista Lionel Jospin como chefe de Governo até o fim de seu mandato, que também terminou em 2002. Assim, nesse ano, a eleição presidencial precedeu em dois meses as eleições legislativas, um cenário que terminou se reproduzindo a cada cinco anos, até que os dois mandatos, o do chefe de Estado e o da Assembleia, chegassem a seu fim. Em tal conjuntura, o presidente recém-eleito geralmente se beneficia de um estado de Graça, em outras palavras, obtém a maioria absoluta na Assembleia. Mas nem sempre é isso que ocorre.
O que acontece quando o presidente só obtém uma maioria relativa na Assembleia Nacional? Diz-se que a maioria é relativa o grupo ou os grupos que a compõem são inferiores à metade do conjunto dos deputados eleitos. Isso ocorreu duas vezes na história da 5.ª República. Em 1988, o socialista François Mitterrand foi reeleito. Ele dissolveu a Assembleia Nacional, majoritariamente de direita, mas só conseguiu 275 deputados num total de 575. Os 25 deputados comunistas, aliados de seu primeiro mandato, recusaram-se a apoiá-lo. Num discurso que se tornou célebre, François Mitterrand recusou todo alarmismo: “A partir de agora, a situação parlamentar é comparável àquelas da maior parte das democracias europeias, em que o mesmo tipo de problema se apresenta.” Pra fazer suas leis serem votadas, os sucessivos governos socialistas vão precisar encontrar alianças de circunstância a sua esquerda (com o Partido Comunista) ou à sua direita com a União do Centro. Essa política de abertura ao centro também se concretizou pela entrada no Governo de personalidades políticas de centro-direita ou vidas da sociedade civil. Na sequência das eleições legislativas de 2022, Emmanuel Macron se vê confrontado com uma situação muito parecida, diante da recusa do grupo Republicanos, a sua direita, de juntar-se a sua maioria e da coesão da oposição de esquerda reunida na NUPES [NFP desde 2024].
Quais são as prerrogativas do presidente? Como vimos, o presidente pode dissolver a Assembleia Nacional antes do fim da legislatura. Ele nomeia o Primeiro-Ministro, mas só o escolhe se contar com uma maioria na Assembleia. A seguir, ele nomeia os ministros conforme proposta do chefe de Governo. Também é a ele que incumbe demitir o premiê. Ele pode submeter um projeto de lei a um referendo e anunciar ou não que vai renunciar se o resultado do referendo for contrário a suas expectativas. Ele pode, em caso de crise grave, obter os plenos poderes conforme o artigo 16 da Constituição – na prática, esse dispositivo foi ativado uma única vez, em 1961, por um período de cinco meses. Ele nomeia três dos membros do Conselho Constitucional, bem como seu presidente. Se ele dispor de uma maioria relativa e, melhor ainda, absoluta e, portanto, de um governo alinhado a seu programa, ele inicia as reformas que vão ser decididas pelo governo e votadas pelo Parlamento. Em períodos de coabitação, seus poderes ficam reduzidos. Ele segue sendo “chefe das Forças Armadas”, mas suas prerrogativas em matéria de defesa, justiça e diplomacia são partilhadas com o chefe do Governo e os ministros encarregados dessas áreas. Ele preserva o direito de promulgar leis, assinar ordenações e decretos deliberados pelo Conselho de Ministros.
Quais são os poderes do Governo e da Assembleia Nacional? O chefe do Governo é nomeado pelo presidente da República, sendo responsável perante a Assembleia Nacional. Assim, em períodos de coabitação, a Constituição, que via de regra atua em favor do presidente, dá lugar a uma leitura mais favorável ao Primeiro-Ministro. Com efeito, o texto determina que é o Governo que “determina e conduz a política da nação”. Todas as leis, exceto as votadas por referendo, normalmente devem ser adotadas pelo Parlamento, sejam elas de iniciativa sua ou do Governo. Todavia, por uma lei de habilitação, o Parlamento pode permitir ao governo legislar por decreto pra executar seu programa. Assim, o Governo pode demandar sua confiança pra promulgar uma lei sem que ela seja votada pelo Parlamento. A partir daí, a Assembleia dispõe de 24 horas pra apresentar uma moção de censura. Finalmente, é costume do Governo apresentar uma moção de confiança à Assembleia Nacional, por uma declaração de política geral, no período que segue sua nomeação. Se, em caso de coabitação, esse procedimento é sistemático – então, ele toma uma feição de investidura –, ele pode ser evitado quando a maioria é frágil. A partir daí, é menos arriscado deixar ao Parlamento a iniciativa de uma moção de censura se ele desejar derrubar o Governo ao invés de encarar o perigo de frente. Antes de ser votada, uma moção de censura deve ser deposta por no mínimo um décimo dos deputados. A seguir, ela deve ser adotada pela maioria da Assembleia Nacional. Das 58 moções de censura discutidas desde 1958, apenas uma foi adotada. Foi em 1962, em oposição à eleição do presidente da República pelo sufrágio universal direto. Então, o General De Gaulle respondeu dissolvendo a Assembleia. Após as eleições, apoiado numa maioria reforçada, ele renomeou Georges Pompidou, seu Primeiro-Ministro.
[No fim de julho de 2024, pela modalidade apresentada, o número de moções já alcançava as 62. Conforme outra modalidade, invocada pelo próprio premiê, o número chegou a 52, tendo derrubado o governo Michel Barnier em dezembro de 2024.]

A Constituição conheceu diversas evoluções que deram ao presidente, sob a 5.ª República, um lugar primordial no funcionamento das instituições francesas, enquanto ele praticamente não passava de uma autoridade moral sob a 3.ª e a 4.ª Repúblicas. Vamos retraçar a evolução do papel do chefe do Estado através da história republicana, num momento em que a França escolhe um novo presidente.
A história começa após a Revolução de 1789, com a 1.ª República (entre setembro de 1792 e maio de 1804), oficialmente denominada República Francesa. Em 21 de setembro de 1792, os deputados da Convenção, reunidos pela primeira vez, decidiram por unanimidade abolir a monarquia na França e, assim, anunciar uma nova era de governança. Mas oficialmente, a República jamais foi proclamada. Em 22 de setembro de 1792, foi tomada a decisão de datar as atas do ano 1 da República, e em 25 de setembro de 1792 a República foi declarada una e indivisível.
A 1.ª República vai passar por três formas de governo: a Convenção Nacional (1792-1794), o Diretório (1795-1799) fundado pela constituição do ano 3, e o Consulado (1799-1804) originado do golpe de Estado de 18 de brumário [9 de novembro de 1799] e que termina com a coroação de Napoleão 1.º e a instauração do Primeiro Império. Na Constituição do ano 12, precisa-se que o governo da República é confiado a um imperador hereditário. A seguir, o uso do termo República caiu em desuso.
2.ª e 3.ª Repúblicas – A 2.ª República foi o regime político da França de 24 de fevereiro de 1848, data da proclamação provisória da República em Paris, a 2 de dezembro de 1851, com o golpe de Estado de Luís Napoleão Bonaparte. Ela foi sucedida pela Monarquia de Julho e substituída pelo Segundo Império. Essa 2.ª República, original por sua brevidade e pelo fato de ser o último regime a ser instituído como resultado de uma revolução, aplicou pela primeira vez o sufrágio universal (masculino) na França e aboliu definitivamente a escravidão nas colônias francesas.
Sob a 2.ª República, o presidente era eleito por sufrágio universal direto e tinha poderes muito importantes, embora a Constituição não regulasse as modalidades de seus poderes. Ele podia dizer que era responsável perante o povo, e isso bastava pra lhe dar certas responsabilidades. “Sufrágio universal direto e responsabilidades favoreceram a eleição de Luís Napoleão Bonaparte… e a recaída no Império. E isso deixou alguns traços quando se chegou à 3.ª República, que seria talvez a história mais imediata na evolução dos poderes do presidente da República até hoje”, resume Véronique Champeil-Desplats, professora de direito constitucional, que prossegue: “Sob a 3.ª República, o papel do presidente foi envolvido antes de tudo, essencialmente, pelo clima de espera. De fato, após a queda do Segundo Império, ainda não se sabia realmente se seria feita a opção pela República ou se haveria a volta da monarquia.”
As leis que enquadraram o poder até 1875 foram pensadas pra ser provisórias, e as três leis constitucionais de 1875, que definem o quadro da 3.ª República, foram elaboradas pra esperar, pra ver se a direção era rumo a monarquia ou a República. Por essas razões, o estatuto do Presidente era então percebido como o de uma espécie de monarca republicano. Era chamado de presidente da República, mas detinha todos os poderes das monarquias constitucionais. Então, o presidente era poderoso: podia convocar, adiar, dissolver as câmaras, ele tinha a inciativa das leis, o poder regulamentar, podia exigir uma nova deliberação, tinha o poder do indulto...
Mas as coisas vão evoluir. A grande virada da 3.ª República foi a crise de 16 de maio de 1877, com o confronto direto entre o presidente Mac Mahon, um monarquista, e a maioria republicana na Assembleia e no Senado. Essa crise institucional vai conduzir à dissolução da Câmara dos Deputados, mas foi eleita uma maioria republicana. Mac Mahon tomou ciência da nova maioria e se submeteu. Dois anos mais tarde, os republicanos ganharam o Senado, e desta vez Mac Mahon foi obrigado a renunciar, e renunciou. O que era um direito maior do presidente da República, o direito de dissolução e a possibilidade de intervir institucionalmente na vida política, vai desaparecer. Na sequência, o presidente não será mais do que uma autoridade moral. “Um inaugurador de crisântemos”, como se dirá pra zombar dos poderes agora muito limitados do presidente.
4.ª República – No fim da 2.ª Guerra Mundial, foi proposto um referendo aos franceses. Basicamente, foram feitas duas perguntas: “Você aprova o governo provisório que lhe é proposto?” e “Você consente que a Assembleia seja uma Assembleia Constituinte?”. Essa consulta vai estar na origem de uma 4.ª República que, à imagem da Terceira, vai dar ao presidente uma autoridade puramente moral.
Essa “fraqueza” do presidente sob a 3.ª República e sua incapacidade de agir perante a Alemanha foram apontadas pelo general De Gaulle quando a guerra acabou. Nesse momento de sua história, a França estava em total reflexão sobre seu futuro, e foi eleita uma Assembleia Constituinte. Mas essa Assembleia é majoritariamente de esquerda, o que desagrada ao general, que vai fazer uma espécie de contraproposta durante seu célebre discurso de Bayeux proferido em 16 de junho de 1946. Enquanto a Assembleia se orienta na direção de um reforço de seu próprio poder e de um enfraquecimento do poder do executivo, De Gaulle preconiza, inversamente, uma presidência forte, que possa governar mesmo sem ter maioria na Assembleia, ao mesmo tempo querendo manter um elo direto com o povo, sem depender do Parlamento. Mas é preciso esperar até 1958 pra que seu desejo se realize.
5.ª República – No período de abril a maio de 1958, uma sucessão de demissões e de governos postos em minoria quanto à questão da Guerra da Argélia criou situações de bloqueio e de crises. O então presidente René Coty buscou uma saída pra crise chamando o general De Gaulle, que tinha sobre a questão argelina uma imagem de neutralidade igualmente palatável aos partidários da Argélia francesa e aos favoráveis à independência. O general aceitou ser o homem providencial, o presidente do Conselho, impondo como condição a mudança de Constituição. A ideia foi aceita, ele foi empossado pela Assembleia Nacional e pediu que lhe fosse conferido, em 1.º de junho de 1958, o poder de elaborar uma nova Constituição.
A Constituição de 4 de outubro de 1958 introduziu a França numa 5.ª República. Mas ainda foi um colégio de altos políticos, de notáveis, que elegeu o presidente. De Gaulle se tornou o primeiro chefe de Estado dessa 5.ª República, com poderes reforçados pela nova Constituição. O presidente pode, por exemplo, exercer poderes sem ter o aval do governo, entre os quais a dissolução da Assembleia Nacional, a nomeação do primeiro-ministro, os poderes de crise (artigo 16 da Constituição), o recurso ao referendo etc. Mas outra etapa importante vai proteger esse poder presidencial. Como precisa Véronique Champeil-Desplats, depois da tentativa de o assassinarem em Petit-Clamart, o general teria se questionado sobre as condições de eleição do chefe de Estado. “Após o atentado de Petit-Clamart, o general De Gaulle concluiu que sem dúvida seus sucessores não herdariam sua legitimidade, e como os poderes conferidos pelo texto constitucional são importantes, era preciso que o presidente da República tivesse uma legitimidade pessoal, própria e direta […] e ele vai revisar a Constituição pra estabelecer o sufrágio universal direto”. A eleição direta do presidente pelo povo vai reforçar seu poder, dando-lhe um lugar primordial no funcionamento das instituições francesas.
Posteriormente, essa concentração do poder foi reafirmada de diversas maneiras pelos diferentes presidentes que se sucederam sob a 5.ª República. Excetuados os períodos de “coabitação”, em que coexistem um presidente da República e uma maioria política que lhe faz oposição na Assembleia Nacional (como foi o caso nos períodos 1986-1988, 1993-1995 e 1997-2002), ou a diminuição, após o referendo de 24 de setembro de 2000, da duração do mandato presidencial de sete pra cinco anos, o presidente foi se tornando cada vez mais poderoso. É a mais alta autoridade administrativa. Ele zela, usando sua arbitragem, pelo respeito à Constituição e garante o funcionamento regular dos poderes públicos e a continuidade do Estado (artigo 5.º da Constituição). Ele é o chefe das Forças Armadas, seu papel em matéria de defesa é predominante e ele tem a autoridade sobre a força de dissuasão nuclear (artigo 15), sobre a diplomacia (artigo 14) e dispõe de poderes de crise (artigo 16) destinados a salvaguardar a democracia e a restabelecer o funcionamento dos poderes públicos nos melhores prazos.
Rumo a uma 6.ª República? – Essa hiperconcentração do poder presidencial, segundo alguns, é um indício de adoecimento da democracia. Em 2017, enquanto a França escolhia seu novo presidente, vários movimentos políticos tinham expressado o desejo de uma refundação constitucional, visando a uma 6.ª República que repartisse melhor os poderes.
Existem vários projetos. Por exemplo, a 6.ª República preconizada pelo socialista Arnaud Montebourg não era aquela de Jean-Luc Mélenchon, candidato da França Insubmissa (LFI) à presidência em 2017 e, novamente, em 2022. Mas eles partilham uma mesma constatação, como explicava então Paul Allies, professor emérito de ciência política da Universidade de Montpellier e presidente da Convenção pela 6.ª República. “Nos encontramos num ciclo, ainda não interrompido, de reforço sem fim do poder do presidente da República, que pode ser qualificado como presidencialismo, mas de forma alguma como regime presidencialista ou mesmo semipresidencialista, segundo as qualificações passadas ou presentes de alguns. Não nos encontramos de forma alguma num sistema de tipo americano, em que os contrapoderes vêm limitar consideravelmente o poder presidencial, sem falar no federalismo, em que cada Estado da federação constitui um contrapeso ao poder de Washington. Assim, temos na França um sistema oposto, em que nunca terminamos de ver os poderes do presidente se concentrarem e se centralizarem na própria pessoa do presidente.”
Outros, ao contrário, avaliam que a 5.ª República resistiu bem e que uma nova carta magna não tem razão de ser, mesmo que ela possa continuar sendo retocada com o passar do tempo. Segundo esses adversários de uma 6.ª República, a Constituição atual segue sendo notavelmente uma garantia de estabilidade política numa época de incertezas. E seja como for, nenhum dos dois finalistas das eleições presidenciais francesas – Marine Le Pen e Emmanuel Macron – é adepto de uma mudança de Constituição.
