domingo, 20 de julho de 2025

Carta de Brandão a Dimitrov (1942)


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Direto dos arquivos de meu backup, hoje temos uma carta do comunista brasileiro Octavio Brandão escrita em russo pro búlgaro Georgi Dimitrov, secretário-geral da Comintern (um cargo basicamente simbólico àquela altura), em 1942. Agradeço à equipe do Arquivo Egdard Leuenroth da Unicamp, que me permitiu reproduzir e publicar o texto. A história do alagoano Brandão, a quem já aludi várias vezes nesta página, é uma epopeia à parte que ainda está esperando por seu biógrafo, mas, na sequência da recente “vibe” de ter voltado a meu tema de pesquisa do doutorado, cabe distingui-lo claramente da figura de Luiz Carlos Prestes. Desta vez, remeto diretamente a minha tese de doutorado, na qual tentei confrontar as experiências de várias figuras do PCB, com posições, “conversões” e origens de classe diferentes, mostrando que a figura do “comunista típico” não deve ser tomada de forma homogênea e genérica.

Ao contrário de Prestes, que se tornou capitão do Exército, aderiu ao comunismo em 1930 e entrou no partido “de paraquedas” imposto pela Comintern, Brandão foi anarquista, entrou no PCB antes do fim de 1922, fez parte da formulação da linha política, participou dos contatos internacionais e foi expulso da cúpula na onda de “stalinização” em 1929-30. Contudo, com o golpe de Estado passado à história como “Revolução de 30”, ambos foram viver com suas famílias na URSS em 1931, e enquanto o gaúcho voltou clandestino em 1935 só pra ficar preso até 1945, o alagoano ficou até 1946, esperando que a poeira política baixasse no Brasil. Apesar dos contatos mútuos, a diferença de posição era clara: Prestes aproveitou sua formação de engenheiro pra ajudar na “construção do socialismo” (literal e metafórica), e Brandão, farmacêutico de profissão, foi relegado a posições burocráticas menores no aparelho da Comintern, sem qualquer influência na linha política, cuidando da difusão de informações ao exterior.

Libertado, Prestes foi eleito senador e obteve a secretaria-geral do PCB, enquanto Brandão, com seus bicos de jornalista e escritor, nunca mais voltou a cargos na direção interna, foi ignorado enquanto teórico e militante e sofreu necessidades financeiras. Dimitrov, que alcançou celebridade mundial ao se livrar da condenação pelos nazistas no fim de 1933, lutou por uma orientação claramente antifascista, mas não foi totalmente ouvido por um Stalin ocupado com sua razão de Estado. A partir dos grandes expurgos de 1936-38, a Comintern foi desmantelada e só servia como símbolo, enquanto Dimitrov, salvo do redemoinho, manteve seu posto decorativo, além do controle sobre os quadros restantes, entre os quais Brandão, que lhe dedicava grande respeito e lhe pediu licença pra retornar à pátria – aparentemente, não tendo sido atendido.

Eu já tinha feito a tradução do russo há um tempo, mas ao publicar, coloquei umas poucas notas explicativas entre colchetes. Como não tive tempo de fazer novas revisões, me responsabilizo por eventuais erros ou imprecisões. Qualquer observação é bem-vinda, bastando escolher um dos canais de comunicação que apresento no menu à direita da página.



Moscou, 6 de setembro de 1942

Caro camarada Dimitrov!

Gostaria de pedir que me recebesse para discutirmos algumas questões políticas estreitamente ligadas aos presentes acontecimentos no Brasil.

Estou na expectativa de falar hoje sobre essas mesmas questões com a cam. Dolores [Ibárruri, dirigente espanhola].

Passaram-se mais de onze anos desde que o governo Vargas me expulsou de minha pátria; mas conforme o telegrama que recebi hoje, o governo já anunciou a anistia aos exilados políticos expulsos do país.

Nessas condições, caro camarada Dimitrov, minha função está na minha pátria, para lutar junto com meu povo!

Para mim é impossível – política e moralmente – permanecer longe do Brasil, assistindo de fora aos presentes acontecimentos lá desenrolados.

Por isso peço-lhe fortemente que me autorize a partir imediatamente, com minha filha Sattva, para o Brasil – passando por Nova York, Londres ou por qualquer outro percurso.

Penso que para a Comintern e o Governo Soviético não será difícil obter duas passagens – para mim e para Sattva – para um avião que faça o trajeto entre Moscou, Londres e Nova York.

Se for impossível conseguir as passagens de avião, peço que enviem a mim e minha filha por qualquer outro meio de transporte que seja.

Sattva já possui alguma base política e cultural, ela é uma ativa militante e será muito útil para o Partido Comunista e para meu trabalho político e literário.

Peço-lhe também que permita às três irmãs do camarada Prestes (Heloísa, Lúcia e Clotilde) e à minha filha Vólia partirem imediatamente de Ufá para Moscou.

Vólia poderia permanecer em Moscou, realizar um trabalho útil para o Brasil na InoRadio [destinada ao exterior] ou na Comintern e ao mesmo tempo continuar seus estudos universitários.

Finalmente, gostaria de pedir-lhe fortemente que autorize as três irmãs do camarada Prestes a partirem para o Brasil.


Caro camarada Dimitrov!


Já faz mais de onze anos que dia após dia espero ardentemente pela hora de voltar à minha pátria. Essa hora chegou!

Como camarada e líder, entenderá os pensamentos e sentimentos que estão agora me inquietando e me obrigaram a escrever-lhe.

Ciente de seu habitual cuidado com as pessoas, fico no aguardo de sua decisão.

Saudações comunistas,

OCTAVIO BRANDÃO


     – Comintern
Novoie zdanie, sala 60
tel. 30.