segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Como pronunciar latim eclesiástico (3)


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Em fevereiro de 2018, decidi gravar em áudio todos os textos dos livros Gradus Primus e Gradus Secundus, de Paulo Rónai, traduzi-los e postar os vídeos com as ilustrações correspondentes no meu canal Eslavo (YouTube). A essa série chamei Latim Pronunciado, com minha leitura em voz alta das leituras destinadas ao ensino do idioma latino no ginásio (mais ou menos 5.º a 9.º ano atuais) e criadas por volta dos anos 50. Paulo Rónai foi linguista, tradutor, escritor e crítico literário, e nasceu na Hungria antes de se radicar no Brasil.

Uma das críticas feitas por latinistas acadêmicos a esse método é que os textos são muito artificiais e não refletem a realidade romana antiga da língua. Mas eu gosto muito dele porque pra quem não sabe nada, é uma introdução bem didática, e serve ainda muito bem como manual autodidata. Se algum de vocês tiver qualquer dúvida sobre o idioma, pode me perguntar nos comentários ao vídeo.

Como falei na sequência anterior, decidi seguir a chamada “pronúncia eclesiástica”, baseada na língua italiana e atualmente usada em larga escala (quando se usa o latim) pela Igreja Católica Romana, porque ela é mais fácil, menos artificial e não padece da condição de hipótese, igual à “pronúncia reconstituída”. Estou fazendo a série por diversão, e pra quem não sabe nada da língua latina, embora não seja um curso propriamente. O latim também foi importante pra evangelização dos eslavos, e pra elaboração cultural feita pelos santos Cirilo e Metódio, codificadores da primeira língua eslava escrita. Além disso, muitos povos eslavos (ocidentais, além de croatas e eslovenos) não vieram à influência ortodoxa de matriz grega.

Desta vez, seguem abaixo os vídeos das lições de 11 a 20 do Gradus Primus que eu já gravei. Em breve, postarei as últimas 10 lições, até chegar finalmente na lição 30. Vocês lerão também as traduções livres que eu mesmo fiz, já que elas não acompanham os livros. Algumas leituras merecem observações: o provérbio que dá título à lição 13 (“Verba volant, scripta manent”) foi usado como epígrafe da famosa carta que Michel Temer, então vice-presidente da República no Brasil, enviou a Dilma Rousseff em 2015 pra expressar sua insatisfação com o governo. Divulgada ao público sem a aprovação do remetente, foi considerada pelos petistas como uma mostra de chororô e o ponto de virada em que o político do PMDB teria “lavado as mãos” pro processo de impeachment que finalmente depôs a chefe de Estado em abril-agosto de 2016. Ironicamente, a frase final parece uma descrição límpida do caráter dos políticos no Brasil, e ainda por cima, o número da lição é 13, o mesmo do PT! Já a lição 18 parece ter uma genealogia sobre por que gostamos de UFC e MMA, e quem teve professores de história bons, também vai lembrar a política romana do “pão e circo”. Mas o cômico é o gladiador no desenho tentando matar o inimigo com um garfão de bolo de aniversário!



SOBRE OS SENHORES E OS ESCRAVOS

Os romanos ricos tinham muitos escravos.

Rufo também era o senhor (ou “dono”) de muitos escravos. Os escravos de Rufo estimavam seu senhor, porque ele era bom: dava dinheiro aos escravos aplicados, e nem sequer batia nos maus, como faziam muitos.

Os escravos dos senhores severos levavam a vida miseravelmente, muitas vezes apanhavam e passavam fome. Raramente os escravos estavam contentes com os senhores, e os senhores com os escravos.



SOBRE A ESCOLA DE ORBÍLIO PUPILO

Muitos alunos frequentavam a escola de Orbílio Pupilo. [Prestem atenção que o objeto direto terminado em “-m” está no começo da frase.] Sexto, Aulo e Lúcio eram alunos de Orbílio. Todos os dias Orbílio instruía os meninos. O professor era um homem severo. Ele dizia muitas vezes aos meninos:

– Não aprendemos pra escola, mas pra vida, garotos!

O professor não gostava dos maus alunos e os castigava com frequência. Por isso, os alunos preguiçosos chamavam o professor de “Orbílio Espancador”.



AS PALAVRAS VOAM, OS ESCRITOS FICAM

Quinto Horácio Flaco frequenta a escola de Orbílio. O pequeno menino obedece aos preceitos do professor e sempre estuda com diligência. Quinto serve de exemplo aos colegas. O professor dá de presente um livro ao bom aluno. Flaco um dia será um grande poeta.

Orbílio frequentemente dita belos provérbios aos alunos. Os meninos copiam os provérbios, porque “as palavras voam, os escritos ficam”. Eis o primeiro provérbio:

“O dinheiro não sacia, mas irrita o avarento” [notem de novo como avarum, objeto direto, está no início da frase].



OS MENINOS NO JARDIM DE RUFO

Os meninos estão visitando o jardim de Rufo com o professor. Que bonito é o jardim! Por todo o canto, rosas vermelhas exalam perfume, narcisos amarelos riem, lírios brancos deleitam os olhos. Alegres, os meninos pulam, cantam, jogam bola, correm, decoram a estátua do deus dos jardins com coroas.



OS MENINOS NO FÓRUM

– Se vocês forem aplicados, meninos, – diz Orbílio – amanhã vamos visitar o Fórum. Lá vocês vão ver os belos templos dos grandes deuses. Também vou mostrar a vocês a Cúria, onde os senadores se reúnem. No Fórum, vocês vão ouvir os advogados.

Agora vou ditar a vocês a sentença de hoje:

“Hoje eu, amanhã você.”

Aulo, amanhã você vai recitar a sentença; você, por outro lado, Sexto, vai explicá-la.



SOBRE A SAÚDE E A DOENÇA

Lúcio, filho de Rufo e de Lucrécia, está doente. A doença do filho preocupa muito a mãe. O pai chama o médico. O médico aplica um remédio ao doente e diz:

– Coragem, Lúcio! Se você tomar o remédio, amanhã vai estar bom.

O pai também encoraja o filho.

– Não é nada, meu filho! – diz Rufo. – “A dor do espírito é mais grave do que a dor do corpo.”

As palavras do pai muito encorajam Lúcio.



SOBRE AS PROFISSÕES

Na cidade de Roma encontramos muitas profissões.

O padeiro faz pão, o alfaiate roupas, o sapateiro calçados. Os professores ensinam os meninos, os médicos curam os doentes, os marinheiros percorrem os mares e os soldados combatem.

“O marinheiro fala de ventos, o lavrador de touros.
O soldado conta feridas, o pastor ovelhas.”



SOBRE OS JOGOS CIRCENSES

O velho povo de Roma sempre exigia “pão e circo”. Os edis muitas vezes promoviam jogos para o povo. As lutas atrozes dos gladiadores no circo agradavam muito ao povo cruel.

Os homens violentos, quando desciam à arena, assim saudavam César:

“Ave, César, os que vão morrer te saúdam.” Os espectadores decidiam sobre a morte dos vencidos virando o polegar.



SOBRE A IDADE DE OURO

A primeira idade (era) da Terra foi a de ouro (áurea). Os homens então cultivavam o direito sem leis, desconheciam as guerras, os exércitos, as espadas e os clarins, e viviam sem usar soldados. O castigo e o medo eram ausentes. A primavera era eterna.



NA ESCOLA DE ORBÍLIO PUPILO

Professor: – Ontem lemos sobre a idade de ouro. Agora vou ensinar uma coisa nova. Todo o dia vocês aprendem alguma coisa; como dizia o famoso Apeles: “Nenhum dia sem uma linha.” Portanto, copiem a sentença do poeta Publílio Siro: “A prática de todas as coisas é o melhor professor.” Aulo, leia e explique a sentença.

Aulo, que estava brincando com Sexto, cala-se.

Professor: – Cuidado, Aulo! Se você brincar na escola, vou castigá-lo. Diz um sábio muito bem: “Os olhos são cegos se o espírito faz outras coisas.”