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quarta-feira, 5 de junho de 2024

Como pronunciar latim eclesiástico (6)


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Finalmente, depois de mais de três anos de pausa (fevereiro de 2021), volto a publicar minhas leituras de textos em latim! Só pra relembrar: em fevereiro de 2018, decidi gravar em áudio e publicar no antigo canal Pan-Eslavo Brasil, em forma de vídeo montado com as ilustrações correspondentes, todos os textos dos livros Gradus Primus e Gradus Secundus, de Paulo Rónai. Além da tradução literal livre na descrição, minha locução trazia em voz alta as leituras destinadas ao ensino do idioma latino no ginásio (mais ou menos 5.º a 9.º ano atuais) e criadas por volta da década de 1950. Paulo Rónai foi linguista, tradutor, escritor e crítico literário, e nasceu na Hungria antes de se radicar no Brasil.

Uma das críticas feitas por latinistas acadêmicos a esse método é que os textos são muito artificiais e não refletem a realidade romana antiga da língua. Mas eu gostava muito dele porque pra quem não sabe nada, é uma introdução bem didática, e serve ainda muito bem como manual autodidata. Aqui na página, eu sempre publicava as leituras de 10 em 10, e a última publicação da coleção trouxe os textos lidos das lições 1 a 10 do Gradus Secundus, mas eu já tinha carregado no canal as leituras até a lição 16. Acontece que nesse meio-tempo, houve a derrubada do Pan-Eslavo Brasil em agosto de 2021, a mudança completa da página pra outra conta do Google, o exame de qualificação do doutorado, a defesa da tese e muitas outras coisas que “pediram” pra ser publicadas antes aqui... Apenas agora gravei e montei os quatro vídeos restantes, por isso seu design está um pouco diferente, em especial pela ausência de alusões (agora inúteis) ao YouTube!

Como eu disse nas outras publicações com leituras do Gradus Primus e do Gradus Secundus, decidi seguir a chamada “pronúncia eclesiástica”, baseada na língua italiana e hoje usada em larga escala (quando se emprega o latim) pela Igreja Católica Romana, porque ela é a mais simples, menos artificial e não padece da condição de hipótese, tal como a “pronúncia reconstituída”. Comecei esta série no YouTube por diversão, e pra quem não sabe nada da língua latina, embora não seja propriamente um curso. O latim também pesou pra evangelização dos eslavos e pra elaboração cultural feita pelos santos Cirilo e Metódio, codificadores da primeira língua eslava escrita. Além disso, muitos povos eslavos (ocidentais, além de croatas e eslovenos) não caíram sob a influência ortodoxa de matriz grega.

Seguem abaixo os vídeos das lições 11 a 20 do Gradus Secundus já gravadas (de 11 a 16, ainda em 2021). Você pode ler também as traduções livres que eu mesmo fiz, já que elas não acompanham os livros. Até a lição 16, as traduções vieram nas descrições dos vídeos no YouTube, quando eu ainda estudava o livro e o conhecimento estava “fresco” em minha mente. Pros outros vídeos, seria (e será no futuro) difícil e demorado eu mesmo traduzir sozinho, porém, achei uma playlist no canal do prof. Húdson Canuto com aulas baseadas justamente nos dois manuais de Rónai, nas quais ele lê os textos em voz alta, os traduz oralmente e explica a gramática. Claro que a tradução é vagarosa, ele não a dá pronta de uma só vez e considero sua locução bastante monótona, mas pelo menos pra esta publicação, foi uma mão na roda pra que, com minhas próprias adaptações, eu pudesse enfim desengavetar o rascunho!

Queria fazer apenas duas observações: logo no primeiro vídeo, cometi o pequeno deslize de, ao invés de pronunciar ignosco em ignosco libenter como “inhósko”, que é a forma correta, pronunciei “inhócho”. E no vídeo “Os primeiros cônsules”, minha única discórdia pra com o autor é logo no começo, eu não escreveria iam (já), mas jam, igual nos escritos católicos medievais e modernos, por ser semiconsoante:


ORBÍLIO INTERROGA SEUS ALUNOS

ORB. – Vocês estudaram a lição, meninos?

ALUNOS – Estudamos, professor.

ORB. – Quantos reis os romanos tiveram, Sexto?

SEXTO – Sete.

ORB. – Por quanto tempo (no total) eles reinaram?

SEX. – Duzentos e quarenta e três anos.

ORB. – Quem foi o primeiro rei de Roma?

SEX. – O primeiro rei de Roma foi Rômulo.

ORB. – Ótima resposta. De quem Rômulo era filho, Aulo?

AULO – Da vestal Rea Sílvia e do deus Marte.

ORB. – Ele tinha um irmão?

AUL. – Tinha, de fato gêmeo, Remo.

ORB. – A quem Amúlio levou os gêmeos?

AUL. – A um escravo.

ORB. – Por quê?

AUL. – Para que ele os matasse.

ORB. – Onde o escravo abandonou os pequeninos?

AUL. – Na beira do rio.

ORB. – Como a loba cuidou dos pequeninos?

AUL. - Alimentando-os com leite.

ORB. – Você também é um menino diligente. Agora me responda diretamente você, Lúcio. Numa reinou depois de quem?

LÚCIO – Depois de Rômulo e antes de Tulo.

ORB. – Quem sucedeu a Tulo?

LUC. – Anco Márcio.

ORB. – E a este?

LUC. – Tarquínio, o Soberbo.

ORB. – Você pensa dessa forma, Quinto?

QUINTO – De forma alguma, professor. O sucessor de Anco era Tarquínio Prisco.

LUC. – Isso mesmo. Confundi os dois Tarquínios. Perdoe pelo erro, professor.

ORB. – Claro que perdoo, Lúcio: “errar é humano”.


(SOBRE) OS ESTUDOS DAS MENINAS

Júlia, Lívia e Sílvia são levadas pela escrava Drusila para a casa de Semprônia, para que elas retomem os estudos com a professora. A professora é saudada afavelmente pelas alunas.

MENINAS – Olá, professora!

SEMPR. – Olá, meninas! Como vão?

MENINAS – Muito bem, professora. E a senhora [lit. “tu/você mesma”], como vai?

SEMPR. – Muito bem. Senti muita falta de vocês nessas férias. O que vocês querem aprender hoje?

LÍVIA – Dite provérbios para nós.

SEMPR. – Aqui estão quatro entre os mais belos:

Os amigos certos são discernidos nas horas (lit. “coisa”) incertas.

Devemos ser (ou “nos deixar ser”) advertidos de boa vontade pelos amigos.

A verdadeira virtude é exibida pelos atos.

O outro lado (lit. “A outra parte”) também deve ser ouvido.

Os provérbios são explicados pela professora e são copiados nas tábuas pelas alunas com estilete.


(SOBRE) OS PRIMEIROS CÔNSULES

ORBÍLIO – Já vimos como os romanos expulsaram Tarquínio, o sétimo e último rei. Então, em vez de apenas um rei, foram eleitos dois cônsules pela razão que, se um deles fosse mau, seria reprimido pelo outro. Mas aos cônsules foi dado o reinado de um ano.

QUINTO – Por que não durável, professor?

ORB. – Foi decidido que eles não tivessem um reinado maior do que um ano só para que não se tornassem arrogantes demais com a longa duração do poder, mas sempre fossem corteses. Portanto, foram cônsules no primeiro ano Lúcio Júnio Bruto e Tarquínio Colatino.


(SOBRE) AS GUERRAS QUE O REI EXPULSO CONDUZIU CONTRA ROMA

QUINTO – O rei expulso de Roma aceitou a ofensa com o espírito resignado?

ORBÍLIO – De forma alguma. Pelo contrário, conduziu guerras contra Roma para que tivesse o reinado restabelecido. Na primeira batalha o cônsul Bruto e Arunte, filho de Tarquínio, mataram um ao outro; porém, os romanos saíram vencedores dessa batalha, e Tarquínio vencido. Também no segundo ano Tarquínio conduziu uma guerra à pátria com a ajuda de Porsena, rei dos etruscos, e quase capturou Roma; mas também então saiu derrotado.

SEXTO – Assim finalmente a república (livre) pôde pôr as discórdias de lado.

ORB. – Ainda não. O rei expulso não descansou até sua morte. No nono ano um enorme exército foi reunido por seu genro para vingar a ofensa ao sogro. Porém, as tropas foram novamente vencidas pela virtude dos cidadãos.

SEX. – E como Tarquínio Soberbo terminou sua vida?

ORB. – Ele se transferiu para Cumas e nessa cidade logo morreu consumido pela velhice e pela aflição.


SOBRE O RESPEITO PARA COM OS IDOSOS

Enquanto Semprônia ensinava as alunas em casa, uma velha entrou para visitá-la. Escrevendo a lição, as meninas não se levantaram. Pouco depois a velha foi embora e Semprônia narrou esta história às meninas:

Lacedemônia [i.e. Esparta] era um domicílio honradíssimo para os idosos. Em nenhum outro lugar a velhice era mais venerada. Um dia, em Atenas, certo velho entrou num teatro; na grande plateia nenhum dos seus cidadãos cedeu-lhe o lugar. Então o velho se aproximou de embaixadores espartanos que estavam sentados em certo lugar. Todos eles se levantaram e o receberam para que se sentasse. Quando a plateia toda aplaudiu fortemente os embaixadores, um deles disse: “Os atenienses sabem o que é certo, mas não querem fazê-lo”.

As meninas ficaram muito perturbadas com a história da professora.

– Entendi a história, professora – disse Lívia. – Agimos mal. Perdoe o erro. Daqui em diante sempre demonstraremos respeito à velhice [i.e. aos idosos].


SOBRE CORIOLANO

ORBÍLIO – Vocês já conhecem a história dos sete reis e da república. Se desejam saber mais alguma coisa, perguntem.

SEXTO – Já ouvi muitas vezes o nome de Coriolano. Explique-nos, professor, quem foi ele e que coisas realizou.

ORB. – Caio Márcio Coriolano, general romano que havia capturado Coríolos, a cidade dos volscos, foi expulso injustamente de Roma. Irritado, ele se dirigiu aos próprios volscos e aceitou a ajuda deles para se vingar da ofensa.

Coriolano venceu os romanos muitas vezes. Recusou-se a receber os embaixadores romanos que foram enviados para oferecer a paz. Ele estava – algo terrível de dizer – prestes a sitiar a pátria, quando sua mãe e sua esposa saíram de Roma ao seu encontro.

Vencido pelo choro e pela súplica das mulheres, Coriolano afastou seu exército. E este foi o segundo general depois de Tarquínio que se voltou contra sua pátria.


(SOBRE) MÚCIO CÉVOLA (Primeira parte)

LÚCIO – Professor, recentemente o senhor falou sobre Coriolano, um inimigo de sua pátria. Peço que hoje fale sobre algum homem ilustre que a amasse.

ORBÍLIO – Pedido correto, Lúcio. Os exemplos dos homens fortes despertam os ânimos dos jovens com o amor pela glória. Por isso vou lhes contar agora um caso do tipo que vocês estão pedindo, digno de admiração e meditação.

Vocês já ouviram o nome de Porsena, rei dos etruscos e companheiro de Tarquínio Soberbo, o qual o povo expulsara de Roma. Porsena atormentava nossa cidade com uma grave e constante guerra. Suportando-a com dificuldade, o jovem nobre Múcio, cingido com a espada, entrou secretamente no acampamento militar do rei. Após tentar em vão matar o rei, que estava fazendo sacrifícios ao altar, foi subjugado pelos soldados que ameaçaram o torturar.


(SOBRE) MÚCIO CÉVOLA (Segunda parte)

SEXTO – As ameaças de Porsena atemorizaram Múcio?

ORBÍLIO – De forma alguma. Ele não escondeu dos soldados a razão de sua vinda; pelo contrário, mostrou a todos com admirável paciência o quanto desprezava as torturas. De fato, detestando sua mão direita, por não poder se valer de seu serviço para assassinar o rei, colocou-a dentro de um braseiro e aguentou as queimaduras.

A paciência de Múcio também obrigou o próprio Porsena, que tinha se esquecido do perigo, a transformar sua vingança em admiração.

– Múcio – diz ele –, volte para junto dos seus e lhes diga isto: “O rei devolveu a vida a mim, que queria atentar contra a dele.”


(SOBRE) RÉGULO (Primeira parte)

AULO – O que aconteceu depois com Múcio?

ORBÍLIO – Viajando para Roma, parecia mais triste pela saúde de Porsena do que alegre pela sua própria. Mas os cidadãos, admirando sua virtude, lhe deram um cognome [Cévola, no caso] de glória eterna. O que vocês acham desse exemplo de virtude?

QUINTO – A paciência do jovem nos comove à máxima admiração.

ORB. – Admirando e imitando tais exemplos, vocês vão servir à pátria.

LÚCIO – Mas diga, professor, Roma teve outros homens parecidos com Múcio?

ORB. – Teve, muitos até. Ouçam o feito do insigne Régulo. Sendo já célebre o nome da cidade de Roma, eclodiu a guerra púnica contra os africanos [i.e. cartagineses]. Essa guerra foi longuíssima e de futuro duvidoso. Com o auxílio dos espartanos, os exércitos africanos venceram e capturaram parte do exército romano, incluindo o imperador Régulo.

Porém, dois anos depois, Metelo, outro general romano, derrotou os africanos na Sicília e vingou a derrota [de Régulo]. Então, os cartagineses pediram a Régulo, a quem tinham capturado, que viajasse até Roma, obtivesse a paz junto aos romanos e fizesse a troca de prisioneiros.


(SOBRE) RÉGULO (Segunda parte)

LÚCIO – O general romano poderia executar ordens de inimigos?

ORBÍLIO – Espere um pouco e você já vai ver se agiu como um enviado dos púnicos [i.e. cartagineses] ou um cidadão romano.

Tendo chegado a Roma, Régulo foi levado ao Senado. Evitando o abraço da esposa [lit. “Afastando a esposa do abraço”], persuadiu os cidadãos a não fazerem a paz com os cartagineses.

– Prostrados por muitas desgraças – disse ele –, eles não têm nenhuma esperança. Eu, por Hércules, um único velho, não valho tanto para que seja trocado, junto com uns poucos romanos que estão presos comigo, por tantos milhares de prisioneiros.

Seguindo o conselho de Régulo, nenhum romano recebeu os africanos que pediam a paz. Os cidadãos fracassaram em reter Régulo em Roma. Ele voltou à África e morreu sob todo tipo de tortura.


terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

Como pronunciar latim eclesiástico (5)


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Em fevereiro de 2018, decidi gravar em áudio todos os textos dos livros Gradus Primus e Gradus Secundus, de Paulo Rónai, traduzi-los e montar os vídeos com as ilustrações correspondentes. Minha locução traz em voz alta as leituras destinadas ao ensino do idioma latino no ginásio (mais ou menos 5.º a 9.º ano atuais) e criadas por volta dos anos 50. Paulo Rónai foi linguista, tradutor, escritor e crítico literário, e nasceu na Hungria antes de se radicar no Brasil.

Uma das críticas feitas por latinistas acadêmicos a esse método é que os textos são muito artificiais e não refletem a realidade romana antiga da língua. Mas eu gosto muito dele porque pra quem não sabe nada, é uma introdução bem didática, e serve ainda muito bem como manual autodidata.

Como eu disse na primeira, segunda e terceira partes da série, com o livro Gradus Primus, decidi seguir a chamada “pronúncia eclesiástica”, baseada na língua italiana e hoje usada em larga escala (quando se emprega o latim) pela Igreja Católica Romana, porque ela é a mais simples, menos artificial e não padece da condição de hipótese, tal como a “pronúncia reconstituída”. Estou fazendo esta série por diversão, e pra quem não sabe nada da língua latina, embora não seja propriamente um curso. O latim também pesou pra evangelização dos eslavos, e pra elaboração cultural feita pelos santos Cirilo e Metódio, codificadores da primeira língua eslava escrita. Além disso, muitos povos eslavos (ocidentais, além de croatas e eslovenos) não vieram à influência ortodoxa de matriz grega.

Seguem abaixo os vídeos das lições de 1 a 10 do Gradus Secundus que eu já tinha gravado. No correr do tempo, vou continuar narrando os textos de Gradus Secundus, e a cada 10 lições vou fazendo postagens aqui na página. Vocês lerão também as traduções livres que eu mesmo fiz, já que elas não acompanham os livros:


OS MENINOS DE NOVO NA ESCOLA

Depois das férias escolares, os alunos se reúnem de novo na escola. Orbílio Pupilo entra. Os meninos se levantam e saúdam afavelmente o professor:

MENINOS – Bom dia, professor!

ORBÍLIO – Bom dia, meninos! Está começando hoje um novo ano letivo. Advirto-os para que frequentem assiduamente a escola, sempre estejam atentos às minhas palavras e aprendam as lições. Por acaso estão todos aqui, Lúcio?

LÚCIO – Estamos todos presentes, menos Sexto.

ORBÍLIO – Por que Sexto está ausente?

QUINTO – Ficou em casa cuidando da mãe doente.

ORBÍLIO – Espero que em breve sua mãe se recupere e nosso Sexto apareça novamente entre vocês.

AULO – O que vamos aprender com o senhor este ano, professor?

ORBÍLIO – Vamos ler e aprender a história de Roma.

AULO – O estudo da história vai nos agradar muito.

ORBÍLIO – Sábias palavras, Aulo: vai agradar e instruir. Como ensina o provérbio, a história é a mestra da vida.


(SOBRE) A MORTE DE CLÁUDIA

Poucos dias depois, Orbílio ouve dos alunos sobre a morte de Cláudia, esposa de Tito e mãe de Sexto. Afligido pelo luto, o marido pede ao professor do filho que redija uma inscrição para o sepulcro. Orbílio escreve estes versos ao amigo triste:

Estrangeiro, o que digo é pouco: pare e leia tudo.
Este é o sepulcro não belo de uma bela mulher.
Seus pais a chamaram de Cláudia.
Ela amou seu marido de (todo) coração.
Criou dois filhos: destes, um
Ela deixou na terra, o outro colocou sob a terra.
Cuidou da casa, fez a lã. Terminei. Vá embora.


(SOBRE) O CONSOLO DA SABEDORIA

Muitos amigos da família (lit. “da casa”) compareceram ao enterro de Cláudia. Após o enterro, a dor do viúvo é aliviada pelos consolos (ou “consolações”) dos amigos.

– Erga o ânimo (lit. “espírito”), meu Tito! – diz um dos amigos. – Certamente você perdeu uma ótima esposa. Mas o mesmo fim espera por todos: “a morte é certa, a hora é incerta.”

Os colegas de Sexto também vieram.

– Fique de ânimo forte, amigo – diz Quinto a Sexto. – Modere sua dor. “A paciência torna mais leve tudo o que é impiedade corrigir.” Venere a memória de sua mãe vivendo honestamente.


SOBRE RÔMULO E REMO

No dia seguinte, encontramos os alunos novamente na escola, ouvindo as palavras do professor.

– Eis as coisas admiráveis – começa Orbílio – que os historiadores [rerum scriptores] narram sobre o início de Roma [Urbs, i.e. “a Cidade”]:

As vestais, guardiãs do templo de Vesta, eram proibidas de se casar. Mas a vestal Rea Sílvia teve dois filhos, Rômulo e Remo, cujo pai era o deus Marte. O cruel tio paterno Amúlio levou os gêmeos a um escravo para que ele os matasse. Mas o escravo, mais bondoso do que (seu) senhor, abandonou os meninos na beira de um rio. Pouco depois uma loba chegou ao rio. A fera não somente não matou os pequeninos, mas (também os) alimentou com leite, até que Fáustulo, um pobre pastor do rei, os encontrasse e levasse à (sua) esposa.


RÔMULO FUNDA A CIDADE (ROMA)

– Vejam agora – continua Orbílio – quão pequenos foram os princípios de uma cidade tão grande.

Os gêmeos cresciam na casa paupérrima de Fáustulo. Os jovens viviam de roubos entre os pastores. Na idade de dezoito anos, Rômulo começou a construir uma pequena cidade no monte Palatino. Remo escarneceu das exíguas muralhas da nova cidade. “Essas suas muralhas”, diz ele, “certamente serão de grande ajuda aos seus cidadãos!” Irritado com as palavras do irmão, Rômulo matou Remo. Depois ele fundou a cidade à qual chamou de Roma, a partir de seu próprio nome.

No início, a grande cidade era mais humilde do que do que uma aldeia paupérrima.


SOBRE O RAPTO DAS SABINAS
(literalmente “Sobre as sabinas raptadas”)

QUINTO – Mas diga-nos, professor, como uma pequena cidade se transformou numa grande metrópole.

ORBÍLIO – Rômulo acolheu muitos homens da vizinhança (lit. “dos vizinhos”) na cidade.

LÚCIO – Somente homens?

ORB. – Boa pergunta (lit. “Você pergunta corretamente”): faltavam mulheres para o rei e o povo. Por isso Rômulo convidou para jogos os sabinos, vizinhos da cidade, e raptou as filhas deles.

AULO – Como os sabinos suportaram a ofensa?

ORB. – Irados, moveram uma guerra a Rômulo.

AULO – Quem venceu a guerra (lit. “na guerra”)?

ORB. – Os romanos. Mas pouco depois, os vencedores fizeram as pazes com os vencidos.


(SOBRE) OS PRIMEIROS SUCESSORES DE RÔMULO

ORBÍLIO – Chego agora aos primeiros sucessores de Rômulo.

Após a morte deste, o cidadão Numa Pompílio foi nomeado rei. De fato, Numa não promoveu nenhuma guerra, mas não foi menos útil à cidade do que Rômulo. Pois ele não somente estabeleceu as leis e os costumes aos romanos, mas também dividiu o ano em doze meses e organizou muitíssimas cerimônias e templos.

Tulo Hostílio sucedeu a Numa Pompílio. Ele retomou as guerras; venceu os albanos, subjugou os veientes pela guerra e uniu o monte Célio à cidade, assim ampliando Roma. No ano 32 de seu reinado, um raio o fulminou no palácio real.


(SOBRE) ANCO MÁRCIO E TARQUÍNIO PRISCO

LÚCIO – Quem sucedeu a Tulo Hostílio, professor?

ORBÍLIO – Anco Márcio, neto de Numa que combateu o Lácio, anexou o monte Aventino e o Janículo à cidade; além disso, fundou a cidade de Óstia sobre o mar. No vigésimo quarto ano de reinado, morreu de uma doença.

SEXTO – Quem recebeu o reino depois de Anco?

ORB. – Tarquínio Prisco. Ele duplicou o número de senadores, construiu um circo em Roma [“Romae”: genitivo com função locativa] e organizou os jogos romanos, que permanecem em nossa memória. Também venceu os sabinos e anexou não poucas terras ao território da cidade de Roma. Fez muros e esgotos; iniciou o Capitólio. No trigésimo ano de reinado, os filhos de Anco mataram o rei.


(SOBRE) O REINO DE SÉRVIO TÚLIO

QUINTO – Quem tomou o império a seu cargo após Tarquínio? Acaso foram os filhos de Anco, que o mataram?

ORBÍLIO – De forma alguma; o sucessor de Tarquínio Prisco foi seu genro, Sérvio Túlio. Ele também submeteu os sabinos; anexou três montes, o Quirinal, o Viminal e o Esquilino, a Roma; trouxe fossos em volta dos muros. Ordenou o primeiro de todos os censos, que até então era desconhecido no globo terrestre. Sob ele, Roma teve oitenta e três mil cidadãos romanos, incluindo os que estavam nos campos. No quadragésimo quarto ano de reinado, pereceu por um crime de seu genro Tarquínio, o Soberbo.


SOBRE O ÚLTIMO DOS REIS DE ROMA
(ou “O último rei de Roma”)

AULO – Tarquínio, o Soberbo, obteve o império por meio de um crime?

ORBÍLIO – Obteve, mas como vocês verão, depois ele sofreu um castigo.

O primeiro povo que ele venceu foram os volscos, que viviam perto de Roma; submeteu a cidade de Gábios; fez as pazes com os etruscos; concluiu a construção do templo de Júpiter no Capitólio. Enquanto sitiava Árdea, Bruto, ele próprio também cunhado de Tarquínio, atiçou o povo e arrebatou o império a Tarquínio. Logo o exército, que sitiava a cidade de Árdea com o próprio rei, abandonou-o. Enquanto o rei voltava, o povo não o deixou entrar em Roma. Sete reis reinaram em Roma durante duzentos e quarenta e três anos.


quinta-feira, 11 de abril de 2019

Como pronunciar latim eclesiástico (4)


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Em fevereiro de 2018, decidi gravar em áudio todos os textos dos livros Gradus Primus e Gradus Secundus, de Paulo Rónai, traduzi-los e postar os vídeos com as ilustrações correspondentes. A essa série chamei Latim Pronunciado, com minha leitura em voz alta das leituras destinadas ao ensino do idioma latino no ginásio (mais ou menos 5.º a 9.º ano atuais) e criadas por volta dos anos 50. Paulo Rónai foi linguista, tradutor, escritor e crítico literário, e nasceu na Hungria antes de se radicar no Brasil.

Uma das críticas feitas por latinistas acadêmicos a esse método é que os textos são muito artificiais e não refletem a realidade romana antiga da língua. Mas eu gosto muito dele porque pra quem não sabe nada, é uma introdução bem didática, e serve ainda muito bem como manual autodidata. Se algum de vocês tiver qualquer dúvida sobre o idioma, pode me perguntar nos comentários ao vídeo.

Como eu disse na primeira e na segunda partes da série, optei por seguir a chamada “pronúncia eclesiástica”, baseada na língua italiana e hoje usada em larga escala (quando se emprega o latim) pela Igreja Católica Romana, porque ela é a mais simples, menos artificial e não padece da condição de hipótese, tal como a “pronúncia reconstituída”. Estou fazendo esta série por diversão, e pra quem não sabe nada da língua latina, embora não seja propriamente um curso. O latim também foi importante pra evangelização dos eslavos, e pra elaboração cultural feita pelos santos Cirilo e Metódio, codificadores da primeira língua eslava escrita. Além disso, muitos povos eslavos (ocidentais, além de croatas e eslovenos) não vieram à influência ortodoxa de matriz grega.

Seguem abaixo os vídeos das lições de 21 a 30 do Gradus Primus que eu já tinha gravado, encerrando assim esse primeiro volume da série. Em algum tempo, vou começar a narrar no canal os textos de Gradus Secundus, e a cada 10 lições vou fazendo postagens aqui na página. Vocês lerão também as traduções livres que eu mesmo fiz, já que elas não acompanham os livros:


CONSELHOS ÚTEIS DE UM PAI PARA O FILHO

Suplique a Deus. Ame seus pais. Combata pela pátria. Ande com os bons para que você mesmo seja bom. Cumprimente de boa vontade, para que também o cumprimentem de boa vontade. Conserve suas coisas. Aprenda para saber. Evite os jogos de dados [= de azar], para que você permaneça um homem honrado. Medite sempre o provérbio: “Como para viver, e não vivo para comer.”


SOBRE O DILÚVIO

Os crimes do gênero humano irritavam Júpiter. Em vão os homens pediam para que ele perdoasse; ele mandou o dilúvio à Terra. Os rios precipitavam-se pelos campos abertos e destruíam as casas. As ondas eram tão altas que não havia nenhuma distinção entre o mar e a terra.


SOBRE DEUCALIÃO E PIRRA

O dilúvio devastou tudo.

Quando as águas baixaram, de todos os seres humanos da Terra sobreviveram apenas um homem, Deucalião, e apenas uma mulher, Pirra, ambos velhíssimos. Querendo renovar os povos da Terra, Deucalião consultou o oráculo de Têmis. A deusa deu esta resposta:

“Joguem atrás das costas os ossos da grande mãe.”


SOBRE OS NOVOS SERES HUMANOS
(ou SOBRE A NOVA HUMANIDADE)

Deucalião e Pirra, que não entenderam o oráculo, meditavam longamente no espírito. Finalmente o marido disse a Pirra:

– Agora entendi o oráculo. A grande mãe é a Terra. Os ossos da mãe, portanto, são as pedras.

Então o marido e a esposa jogaram pedras atrás das costas. Logo as pedras tomaram a forma humana.


SOBRE A AMIZADE E OS AMIGOS

– Arranjem amigos para si – dizia Orbílio aos discípulos. – Sem amizade a vida seria triste. Se vocês escolherem bem os amigos, terão companheiros nas adversidades. De fato, Publílio Siro escreveu acertadamente: “As coisas favoráveis atraem os amigos, e as tristes os põem à prova.”

Os discípulos de Orbílio meditavam as palavras de Publílio. Mas vocês [leitores] sempre meditem a sentença do poeta Ovídio Naso:

“Enquanto você for feliz, vai contar muitos amigos; se os tempos forem nebulosos, ficará sozinho.”

Nos dois templos da ilustração está escrito: “Hic hábitat infelícitas” (Aqui mora o azar) e “Hic hábitat felícitas” (Aqui mora a sorte).


A ARTE DE VIVER BEM

Orbílio aos discípulos: – Vocês desejam viver bem? Não ignorem estes preceitos de Publílio Siro, meninos.

Primeiro: “Advirta os amigos em segredo, mas elogie-os em público.”

Segundo: “Tenha paz com os homens e guerra com os vícios.”

Terceiro: “Nunca acuse nem elogie ninguém apressadamente.”


SOBRE A ARTE DE DÉDALO

O rei Minos [de Creta] isolou Dédalo com seu filho Ícaro na ilha de Creta. Se Dédalo não tivesse inventado uma arte admirável, ele ficaria para sempre na escravidão. Mas o artesão colocou em ordem penas na forma de asas e as ligou com cera.


DITOS ESPIRITUOSOS/CHISTOSOS
(ou literamente “Coisas ditas de forma espirituosa”)

Orbílio aos discípulos: – Agora vou ditar a vocês novas sentenças de Publílio, todas agudas e bonitas.

“O esquecimento é o remédio para as ofensas.”

“A vida e a fama de um homem caminham lado a lado.”

“Receie o que o dia lhe concede: ele rapidamente vem o roubar.”

“Ao deliberarmos, a oportunidade frequentemente morre.”


ADVERTÊNCIAS DE DÉDALO AO FILHO

Dédalo ajustou as asas para si e para o filho. Então ele advertiu o filho com duras palavras, para que ele não voasse alto.

– Meu Ícaro, disse, seja prudente! Evite ficar próximo do Sol!

Mas Ícaro, desejoso de voar, não atendeu às advertências do pai. Porém, o menino depois se arrependeu de ter desprezado as advertências e não ter obedecido ao pai.


SOBRE A MORTE DE ÍCARO

Todos os que viam a corrida dos homens voadores ficaram maravilhados. Mas o menino, alegrando-se com o voo audacioso, dirigiu um caminho tão alto que os raios do Sol amoleceram a cera. Ícaro caiu no mar. Seu pai se arrependeu de ter inventado a arte de voar.

Assim pereceu o audacioso menino; mas sabemos que a memória de Ícaro nunca haverá de perecer.


segunda-feira, 21 de janeiro de 2019

Como pronunciar latim eclesiástico (3)


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Em fevereiro de 2018, decidi gravar em áudio todos os textos dos livros Gradus Primus e Gradus Secundus, de Paulo Rónai, traduzi-los e postar os vídeos com as ilustrações correspondentes. A essa série chamei Latim Pronunciado, com minha leitura em voz alta das leituras destinadas ao ensino do idioma latino no ginásio (mais ou menos 5.º a 9.º ano atuais) e criadas por volta dos anos 50. Paulo Rónai foi linguista, tradutor, escritor e crítico literário, e nasceu na Hungria antes de se radicar no Brasil.

Uma das críticas feitas por latinistas acadêmicos a esse método é que os textos são muito artificiais e não refletem a realidade romana antiga da língua. Mas eu gosto muito dele porque pra quem não sabe nada, é uma introdução bem didática, e serve ainda muito bem como manual autodidata. Se algum de vocês tiver qualquer dúvida sobre o idioma, pode me perguntar nos comentários ao vídeo.

Como falei na sequência anterior, decidi seguir a chamada “pronúncia eclesiástica”, baseada na língua italiana e atualmente usada em larga escala (quando se usa o latim) pela Igreja Católica Romana, porque ela é mais fácil, menos artificial e não padece da condição de hipótese, igual à “pronúncia reconstituída”. Estou fazendo a série por diversão, e pra quem não sabe nada da língua latina, embora não seja um curso propriamente. O latim também foi importante pra evangelização dos eslavos, e pra elaboração cultural feita pelos santos Cirilo e Metódio, codificadores da primeira língua eslava escrita. Além disso, muitos povos eslavos (ocidentais, além de croatas e eslovenos) não vieram à influência ortodoxa de matriz grega.

Desta vez, seguem abaixo os vídeos das lições de 11 a 20 do Gradus Primus que eu já gravei. Em breve, postarei as últimas 10 lições, até chegar finalmente na lição 30. Vocês lerão também as traduções livres que eu mesmo fiz, já que elas não acompanham os livros. Algumas leituras merecem observações: o provérbio que dá título à lição 13 (“Verba volant, scripta manent”) foi usado como epígrafe da famosa carta que Michel Temer, então vice-presidente da República no Brasil, enviou a Dilma Rousseff em 2015 pra expressar sua insatisfação com o governo. Divulgada ao público sem a aprovação do remetente, foi considerada pelos petistas como uma mostra de chororô e o ponto de virada em que o político do PMDB teria “lavado as mãos” pro processo de impeachment que finalmente depôs a chefe de Estado em abril-agosto de 2016. Ironicamente, a frase final parece uma descrição límpida do caráter dos políticos no Brasil, e ainda por cima, o número da lição é 13, o mesmo do PT! Já a lição 18 parece ter uma genealogia sobre por que gostamos de UFC e MMA, e quem teve professores de história bons, também vai lembrar a política romana do “pão e circo”. Mas o cômico é o gladiador no desenho tentando matar o inimigo com um garfão de bolo de aniversário!


SOBRE OS SENHORES E OS ESCRAVOS

Os romanos ricos tinham muitos escravos.

Rufo também era o senhor (ou “dono”) de muitos escravos. Os escravos de Rufo estimavam seu senhor, porque ele era bom: dava dinheiro aos escravos aplicados, e nem sequer batia nos maus, como faziam muitos.

Os escravos dos senhores severos levavam a vida miseravelmente, muitas vezes apanhavam e passavam fome. Raramente os escravos estavam contentes com os senhores, e os senhores com os escravos.


SOBRE A ESCOLA DE ORBÍLIO PUPILO

Muitos alunos frequentavam a escola de Orbílio Pupilo. [Prestem atenção que o objeto direto terminado em “-m” está no começo da frase.] Sexto, Aulo e Lúcio eram alunos de Orbílio. Todos os dias Orbílio instruía os meninos. O professor era um homem severo. Ele dizia muitas vezes aos meninos:

– Não aprendemos pra escola, mas pra vida, garotos!

O professor não gostava dos maus alunos e os castigava com frequência. Por isso, os alunos preguiçosos chamavam o professor de “Orbílio Espancador”.


AS PALAVRAS VOAM, OS ESCRITOS FICAM

Quinto Horácio Flaco frequenta a escola de Orbílio. O pequeno menino obedece aos preceitos do professor e sempre estuda com diligência. Quinto serve de exemplo aos colegas. O professor dá de presente um livro ao bom aluno. Flaco um dia será um grande poeta.

Orbílio frequentemente dita belos provérbios aos alunos. Os meninos copiam os provérbios, porque “as palavras voam, os escritos ficam”. Eis o primeiro provérbio:

“O dinheiro não sacia, mas irrita o avarento” [notem de novo como avarum, objeto direto, está no início da frase].


OS MENINOS NO JARDIM DE RUFO

Os meninos estão visitando o jardim de Rufo com o professor. Que bonito é o jardim! Por todo o canto, rosas vermelhas exalam perfume, narcisos amarelos riem, lírios brancos deleitam os olhos. Alegres, os meninos pulam, cantam, jogam bola, correm, decoram a estátua do deus dos jardins com coroas.


OS MENINOS NO FÓRUM

– Se vocês forem aplicados, meninos, – diz Orbílio – amanhã vamos visitar o Fórum. Lá vocês vão ver os belos templos dos grandes deuses. Também vou mostrar a vocês a Cúria, onde os senadores se reúnem. No Fórum, vocês vão ouvir os advogados.

Agora vou ditar a vocês a sentença de hoje:

“Hoje eu, amanhã você.”

Aulo, amanhã você vai recitar a sentença; você, por outro lado, Sexto, vai explicá-la.


SOBRE A SAÚDE E A DOENÇA

Lúcio, filho de Rufo e de Lucrécia, está doente. A doença do filho preocupa muito a mãe. O pai chama o médico. O médico aplica um remédio ao doente e diz:

– Coragem, Lúcio! Se você tomar o remédio, amanhã vai estar bom.

O pai também encoraja o filho.

– Não é nada, meu filho! – diz Rufo. – “A dor do espírito é mais grave do que a dor do corpo.”

As palavras do pai muito encorajam Lúcio.


SOBRE AS PROFISSÕES

Na cidade de Roma encontramos muitas profissões.

O padeiro faz pão, o alfaiate roupas, o sapateiro calçados. Os professores ensinam os meninos, os médicos curam os doentes, os marinheiros percorrem os mares e os soldados combatem.

“O marinheiro fala de ventos, o lavrador de touros.
O soldado conta feridas, o pastor ovelhas.”


SOBRE OS JOGOS CIRCENSES

O velho povo de Roma sempre exigia “pão e circo”. Os edis muitas vezes promoviam jogos para o povo. As lutas atrozes dos gladiadores no circo agradavam muito ao povo cruel.

Os homens violentos, quando desciam à arena, assim saudavam César:

“Ave, César, os que vão morrer te saúdam.” Os espectadores decidiam sobre a morte dos vencidos virando o polegar.


SOBRE A IDADE DE OURO

A primeira idade (era) da Terra foi a de ouro (áurea). Os homens então cultivavam o direito sem leis, desconheciam as guerras, os exércitos, as espadas e os clarins, e viviam sem usar soldados. O castigo e o medo eram ausentes. A primavera era eterna.


NA ESCOLA DE ORBÍLIO PUPILO

Professor: – Ontem lemos sobre a idade de ouro. Agora vou ensinar uma coisa nova. Todo o dia vocês aprendem alguma coisa; como dizia o famoso Apeles: “Nenhum dia sem uma linha.” Portanto, copiem a sentença do poeta Publílio Siro: “A prática de todas as coisas é o melhor professor.” Aulo, leia e explique a sentença.

Aulo, que estava brincando com Sexto, cala-se.

Professor: – Cuidado, Aulo! Se você brincar na escola, vou castigá-lo. Diz um sábio muito bem: “Os olhos são cegos se o espírito faz outras coisas.”


domingo, 8 de julho de 2018

Como pronunciar latim eclesiástico (2)


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Uns meses atrás, eu decidi gravar em áudio todos os textos dos livros Gradus Primus e Gradus Secundus, de Paulo Rónai, traduzi-los e postar os vídeos com as ilustrações correspondentes no meu canal do YouTube. A essa série chamei Latim Pronunciado, com minha leitura em voz alta das leituras destinadas ao ensino de latim no ginásio (mais ou menos 5.º a 9.º ano atuais) e criadas por volta dos anos 50. Paulo Rónai foi linguista, tradutor, escritor e crítico literário, e nasceu na Hungria antes de se radicar no Brasil.

Uma das críticas feitas por latinistas acadêmicos a esse método é que os textos são muito artificiais e não refletem a realidade romana antiga da língua. Mas eu gosto muito dele porque pra quem não sabe nada, é uma introdução bem didática, e serve ainda muito bem como manual autodidata. Se algum de vocês tiver qualquer dúvida sobre o idioma, pode me perguntar nos comentários ao vídeo.

Como eu disse na postagem anterior, optei por seguir a chamada “pronúncia eclesiástica”, baseada na língua italiana e atualmente usada em larga escala (quando se usa o latim) pela Igreja Católica Romana, porque ela é a mais fácil, menos artificial e não padece da condição de hipótese, tal como a “pronúncia reconstituída”. Estou fazendo esta série por diversão, e pra quem não sabe nada da língua latina, embora não seja propriamente um curso. O latim também foi importante pra evangelização dos eslavos, e pra elaboração cultural feita pelos santos Cirilo e Metódio, codificadores da primeira língua eslava escrita. Além disso, muitos povos eslavos (ocidentais, além de croatas e eslovenos) não vieram à influência ortodoxa de matriz grega.

Seguem abaixo os vídeos das lições de 1 a 10 do Gradus Primus que eu já tinha gravado. Em breve, postarei as outras 10 lições, e depois mais 10, até chegar na lição 30. Vocês lerão também as traduções livres que eu mesmo fiz, já que elas não acompanham os livros:


A MENINA CANTA

A menina canta (ou “está cantando”). A professora educa. A águia voa.

As meninas cantam. As professoras educam. As águias voam.

A aluna pula (A discípula salta). O poeta recita. O agricultor trabalha.

As rãs nadam. As rainhas reinam. Os marinheiros navegam.


A PROFESSORA E AS ALUNAS

Semprônia é professora. Lívia é aluna. As alunas são aplicadas. Júlia e Sílvia também são alunas. Uma boa aluna é sempre aplicada. A professora educa (ensina), as meninas trabalham: Lívia canta, Júlia recita, Sílvia pula. As más alunas não trabalham. A professora é severa.

Conversação:

– Semprônia: Você é aplicada, Lívia?

– Lívia: Sou.

– Semprônia: Vocês são aplicadas, meninas?

– Alunas: Somos.


A SENHORA E AS ESCRAVAS

Lucrécia manda (ordena). Ana, Drusila e Lucila obedecem. Lucrécia é uma senhora. Ana, Drusila e Lucila são escravas.

As escravas gostam da (estimam a) senhora. Hoje Lucrécia aguarda convidados (comensais). Por isso, as escravas estão atentas. Ana prepara o jantar, Lucila decora (orna) a mesa, Drusila vigia (guarda) a porta. A senhora gosta das (estima as) escravas.


A ESCOLA DE SEMPRÔNIA

A escola de Semprônia é famosa. As alunas de Semprônia amam a professora. As alunas aplicadas frequentam assiduamente a escola. A professora muitas vezes narra (conta) fábulas. As fábulas dos poetas agradam às (deleitam as) alunas.

Conversação:

– Lucrécia: Sílvia, você gosta da escola de Semprônia?

– Sílvia: Amo muito.

– Lucrécia: E vocês, meninas, gostam da professora?

– Lívia: Nós também gostamos tanto da professora quanto da escola.

– Lucrécia: Não é uma professora rígida (severa)?

– Júlia: É severa, mas justa.


AS ALUNAS APLICADAS E AS PREGUIÇOSAS

A professora dita sentenças dos poetas às meninas. Depois, as aulas aplicadas recitam as sentenças à professora. As alunas preguiçosas ignoram as sentenças. A professora elogia as aplicadas e castiga as preguiçosas. Semprônia dá (está dando) uma boneca a Sílvia, porque ela trabalha (está trabalhando) assiduamente. As alunas saúdam Semprônia afavelmente.


(AS) DUAS AMIGAS

Sílvia é amiga de Júlia. As amigas sempre estão juntas; juntas trabalham, cantam, riem, jogam (brincam com a) bola. Júlia ama muito a (sua) amiga: Sílvia se alegra muito com a amizade de Júlia. Hoje as amigas estão decorando (ornando) os altares das deusas com rosas.


A PROFESSORA ADVERTE AS MENINAS

Lívia, cale-se! Júlia, trabalhe! Sílvia, seja boa e aplicada! Alunas, frequentem assiduamente a escola, sejam aplicadas, obedeçam às professoras! Deem-me as tabuinhas! Recitem a fábula! Meninas, reguem as plantas com água! Amem os poetas, meditem a história da pátria!

Perto do final do texto, notem a palavra aquā com o mácron (sinal longo) no segundo “a”: ele está aí a diferenciando da palavra aqua com o último “a” curto, que está no nominativo singular. No texto, com a última vogal longa, ela está no ablativo singular, ou seja, não significa simplesmente “(a) água”, mas “com água”, “por meio da água”. Notem também o pronome oblíquo mihi (para mim, a mim, me), dativo de ego (eu), sendo pronunciado “míqui”, e não “mírri” ou “míi”.


A PROFESSORA LÊ SENTENÇAS PARA AS MENINAS

Semprônia está lendo as belas sentenças dos poetas para as meninas. As meninas copiam e aprendem as sentenças. Eis as sentenças:

1. Não aprendemos para a escola, mas para a vida.

2. A história é a mestra da vida.

3. A águia não captura moscas.

4. É melhor receber do que cometer uma ofensa (É melhor ser ofendido do que ofender).

As sentenças dos poetas agradam às meninas.




(Não pude deixar de me lembrar desta cena do célebre filme Sociedade dos Poetas Mortos, com uma curta cena de uma aula chatérrima de latim com a declinação da palavra agricola, rs.)

A VIDA DOS AGRICULTORES

Os agricultores sempre vivem ao ar livre. Dormem pouco e se levantam cedo. Aram a terra e regam as plantas com água. Ouvem os passarinhos e se alegram com a sombra das árvores. A laboriosidade dos agricultores nutre a pátria. Os poetas louvam a vida dos agricultores.


SOBRE A ARANHA E A MOSCA

A aranha mora sobre a janela. Ela tece uma teia e espera o jantar.

Da rua, uma pequena mosca entra voando pela janela. Enquanto examina (ou “Ao examinar”) o belo tecido, subitamente cai na teia.

A aranha acorre e agarra o inseto curioso.

Por causa da imprudência, a mosca perde a vida.