domingo, 11 de maio de 2025

V. Kará-Murzá em francês (14/4/2025)


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Na manhã de 14 de abril de 2025, o político e historiador russo Vladímir Kará-Murzá concedeu uma entrevista em francês à Rádio França Internacional (RFI) pra falar de sua oposição à ditadura de Vladimir Putin, sua prisão na Rússia e sua vida no exílio. Abaixo você pode assistir à íntegra de sua conversa com o jornalista Arnaud Pontus no canal oficial, e achei o conteúdo tão importante que decidi, mesmo sem autorização, traduzir pro português e colocar aqui. No portal da RFI em português também há uma versão reduzida do programa, mas não a usei pra fins de comparação

Usei o programa Microsoft Clipchamp do Windows 11 pra tirar do vídeo uma primeira versão da transcrição usando a tecnologia IA, depois comparei o resultado com o áudio e finalmente traduzi com o Google a versão corrigida, tendo revisado manualmente o resultado. Sendo um grande intelectual, Kará-Murzá é fluente em francês, mas tive que tirar alguns cacoetes orais mais repetitivos e corrigir a gramática. Não sendo o francês minha língua materna, meu trabalho pode não estar perfeito, mas espero que possa ter contribuído a quem se interessa pelo assunto:


Olá, Vladimir Kará-Murzá!

Olá, muito obrigado pelo convite.

Obrigado por estar na RFI hoje. Três anos atrás, em abril de 2022, você foi preso e condenado a 25 anos de prisão por alta traição. A Justiça russa o acusava de criticar a invasão da Ucrânia. Você foi libertado em agosto passado na maior troca de prisioneiros com o Ocidente desde o fim da guerra fria. Como você está hoje, oito meses após sua libertação?

Às vezes ainda parece que estou assistindo a um filme, porque, para dizer a verdade, eu tinha certeza absoluta de que morreria naquela prisão na Sibéria. Essa troca em agosto passado foi um milagre e, de fato, foi a primeira troca desde 1986, que libertou não apenas os reféns, os cidadãos ocidentais que estavam nas prisões russas, mas também os prisioneiros políticos russos. E isso, para mim, foi uma mensagem muito importante, muito clara e muito forte dos países ocidentais, especialmente dos EUA e da Alemanha. E o sinal foi que eles entendem muito bem que os verdadeiros criminosos estão no Kremlin. São as pessoas que começaram a guerra na Ucrânia. Não éramos nós, que estávamos presos porque nos manifestamos contra essa guerra. E também foi uma mensagem muito forte de solidariedade dos países ocidentais com todas essas pessoas na Rússia. Há milhões de pessoas na Rússia hoje que são contra esta guerra, que são contra o regime autoritário de Vladimir Putin, e é muito importante que o mundo livre tenha se expressado assim.

Hoje, Vladimir Kará-Murzá, a guerra continua na Ucrânia. As negociações de cessar-fogo ainda não foram bem-sucedidas. Você deseja esse cessar-fogo?

Quero que essa guerra termine o mais rápido possível, porque centenas de milhares de vidas humanas já foram perdidas por causa dessa agressão, por causa dessa guerra criminosa travada pelo regime autoritário de Vladimir Putin.

Mas para que a guerra termine, Putin deve querer que ela termine. Vladimir Putin quer paz?

Não, claro que ele não quer paz. E é preciso dizer que você usou a expressão “cessar-fogo”, que está absolutamente correta. Não podemos dizer “paz”, porque não haverá paz enquanto Vladimir Putin permanecer no poder.

Ou seja, não pode haver paz total e verdadeira enquanto Vladimir Putin estiver no poder?

No longo prazo, a única maneira de garantir paz, estabilidade e segurança no continente europeu é ter uma Rússia democrática, uma Rússia que respeite as leis, os direitos e as liberdades de nossos próprios cidadãos e que também respeite as fronteiras de seus vizinhos e as normas de comportamento civilizado do mundo. Porque na Rússia, a repressão interna e a agressão externa sempre andam de mãos dadas, portanto, não haverá paz enquanto Putin permanecer no poder. Mas um cessar-fogo é possível.

Então você também diz que qualquer acordo de cessar-fogo deve incluir a libertação de todos os prisioneiros de guerra.

Absolutamente. Para mim, isso é o mais importante, porque no momento estamos vendo essas negociações entre representantes do governo Trump nos EUA e o regime de Putin na Rússia. E eles falam sobre minerais, sobre o retorno de empresas americanas para a Rússia, sobre os ativos congelados, não sei o quê, falam sobre dinheiro o tempo todo. E, de fato, os dois enviados, o sr. Witkoff do lado americano e o sr. Dmitriev do lado russo, são pessoas que dedicaram suas vidas ao dinheiro e não têm nenhuma relação com a diplomacia. E por isso, é ainda mais importante que a Europa, a União Europeia avancem essa questão, como você disse, da libertação de todos os reféns, de todos os prisioneiros dessa guerra. Porque há centenas de milhares de vidas humanas que já foram perdidas e não podemos recuperá-las. Mas ainda é possível salvar dezenas de milhares de vidas humanas, pessoas que são reféns e prisioneiras desta guerra. Estou falando, é claro, dos prisioneiros de guerra de ambos os lados, mas isso é coberto pela 3.ª Convenção de Genebra, portanto, está fora de debate. Falo também dos milhares de reféns civis ucranianos que foram deportados à força para a Rússia.

Principalmente crianças.

Falo também dos milhares de crianças ucranianas que foram sequestradas. De fato, se dissermos a verdade na Rússia ou nos territórios ocupados pela Rússia, e isso é muito importante, também estou falando dos presos políticos russos, os cidadãos russos, meus concidadãos que hoje estão presos porque se manifestaram contra essa guerra de agressão, que foi o que aconteceu comigo. Mas agora, enquanto estou falando com você, há, segundo as organizações de defesa dos direitos humanos, mais de 1 500 presos políticos na Rússia. O maior grupo entre eles são os russos que se manifestaram contra essa guerra criminosa. E para muitos deles, como por exemplo Aleksei Gorinov ou Maria Ponomarenko e muitos outros, não é apenas uma questão de cativeiro, não é apenas uma questão de prisão ilegal, mas também uma questão de vida ou morte, e essas pessoas devem ser salvas.

Vladimir Kará-Murzá, você nos diz que os enviados russos e americanos só falam de dinheiro. Você acha que a abordagem do presidente Trump é a correta? Você entende essa lógica?

Acredito que a política do atual governo dos EUA é vergonhosa, é completamente contraproducente, porque de fato é uma política de reaproximação, de normalização das relações com Vladimir Putin. E eu gostaria de lembrar a todos que Vladimir Putin, antes de tudo, não é um presidente legítimo. Ele está no poder há 25 anos, embora haja um limite constitucional de dois mandatos na Rússia, e ele encontrou truques pseudolegais para contornar esse limite constitucional. E devemos lembrar também que no ano passado, em 2024, o Parlamento Europeu e a Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa aprovaram resoluções reconhecendo Vladimir Putin pelo que ele é: um usurpador ilegítimo. Mas ele é mais do que isso. É também um assassino. É um homicida. Porque foi sob seu comando que os dois principais líderes da oposição democrática russa, Boris Nemtsov e Aleksei Navalny, foram assassinados. É sob seu comando que pessoas morrem todos os dias na Ucrânia, incluindo crianças recentemente na cidade de Krivoi Rog [ucr. Kryvy Rih]. Em todos esses 25 anos em que Vladimir Putin permanece no poder, ele mata, mata, mata, mata, ele mata dentro da Rússia, ele mata fora da Rússia. E é importante lembrar a todos os dirigentes ocidentais, especialmente aos americanos, que querem normalizar as relações com Vladimir Putin, devolver a Vladimir Putin essa legitimidade que ele não merece e apertar a mão de Vladimir Putin mais uma vez, é importante lembrá-los de que é uma mão coberta de sangue.

Você tem medo de que, seguindo os passos de Donald Trump, alguns considerem que Vladimir Putin tenha novamente se tornado frequentável?

Mas estamos vendo isso. Se observarmos o que o sr. Trump fez nos últimos dois meses desde que retornou à Casa Branca. Ele convidou Vladimir Putin para se juntar novamente ao G8. Os EUA votaram na ONU contra a Ucrânia e junto com a Rússia, Belarus e Coreia do Norte. Como lembramos, os Estados Unidos suspenderam a ajuda e a assistência militar à Ucrânia, o que causou centenas de mortes no país. E então vemos também, se falamos de ações práticas, que o governo Trump destruiu completamente a infraestrutura internacional de assistência à democracia e aos direitos humanos. E agora o governo Trump está destruindo o sistema de mídias americanas que disseminavam informações objetivas não apenas para os russos, mas também para os cubanos, os iranianos, os chineses, para milhões e milhões de pessoas ao redor do mundo que atualmente vivem sob regimes autoritários.

Você dizia agora mesmo que seu objetivo é alcançar uma Rússia democrática. Em uma sociedade tão isolada como a russa de hoje, com propaganda onipresente, como a oposição pode difundir sua mensagem?

Na verdade, para mim, uma das principais razões para a queda do regime comunista foi o fato de que esse regime, no início da década de 1990, já havia sido deslegitimado aos olhos de grande parte da população graças aos programas de rádio que eram transmitidos pelos países ocidentais e eram ouvidos por milhões e milhões de pessoas na União Soviética e em outros países comunistas. E, de fato, foram as mesmas pessoas que ouviam, digamos, a Rádio Liberdade na década de 1970 que saíram às barricadas em agosto de 1991, durante nossa revolução democrática na Rússia. Se era possível fazer isso com a tecnologia da década de 1970, certamente é possível agora. Agora existe a internet. Sim, há muita censura online sob o regime de Putin, mas existem VPNs e outras maneiras de driblar essa censura. O problema é que muitas vezes vemos que o Ocidente, as empresas e governos ocidentais, em vez de ajudar os cidadãos russos a terem essa verdade, essa informação objetiva, os vemos ajudando o regime de Putin a censurar essa informação, por exemplo...

São cúmplices, de fato.

Com certeza são cúmplices. Nestes últimos meses, por exemplo, a tão conhecida empresa americana Apple removeu mais de 50 sistemas VPN, o sistema que ajuda as pessoas a driblarem a censura, a pedido do regime de Putin. Não foi o regime de Putin que fez isso, foi a Apple. E como acabei de lhe dizer, agora o governo Trump está destruindo o sistema de mídias internacionais. E há alguns dias, a chefe do principal canal de propaganda da Rússia, Russia Today, Margarita Simonian, estava na TV, muito feliz com as ações do governo americano. Ela disse que, infelizmente, nunca conseguimos acabar com essas mídias. Mas agora são os próprios Estados Unidos da América que estão o fazendo.

Estão o fazendo. Onde está a alternativa democrática na Rússia, Vladimir Kará-Murzá?

Há milhões e milhões de pessoas na Rússia que são contra essa guerra, que são contra esse regime, que querem que a Rússia seja um país normal, civilizado, europeu, democrático. Vimos, por exemplo, no ano passado, durante o teatro que foram nossas “eleições presidenciais” entre aspas. Quando foi...

Uma farsa, você quer dizer, era uma encenação?

Bem, eram apenas Putin e alguns palhaços que ele havia selecionado. Mas, ao mesmo tempo, havia um candidato, um advogado, ex-deputado do Parlamento russo, chamado Boris Nadezhdin, que anunciou sua candidatura à presidência russa como um candidato antiguerra. Ele disse que era contra a guerra na Ucrânia. E a reação do público foi completamente incrível. De repente, vimos filas por toda a Rússia, enormes filas de pessoas querendo assinar as petições para registrar esse candidato. Na época, eu estava na prisão e recebia muitas cartas de toda a Rússia, e quase todas eram sobre essas filas enormes, pessoas votando com os pés, por assim dizer, no candidato antiguerra. Porque a propaganda putinista quer que todos acreditem que todos os russos apoiam a guerra e todos os russos apoiam o regime. Mas você sabe que eles podem fraudar eleições, o que eles fazem, eles podem fraudar pesquisas, o que eles fazem. Mas não há nada que eles possam fazer com as imagens das milhares e milhares de pessoas em toda a Rússia que acreditam em um futuro democrático e pacífico.

Então há uma sede por democracia na Rússia e além?

Há muitas pessoas que querem mudanças. Há muitas pessoas que querem que este regime finalmente perca o poder. E não tenho dúvidas, não apenas como político, mas também, sobretudo, como historiador, de que chegará o dia em que a Rússia será um país normal, civilizado e democrático, e nesse dia, finalmente poderemos ter uma Europa livre, integral e em paz.

Vladimir Kará-Murzá, como eu disse no início da conversa, você foi libertado em agosto passado, depois de passar dois anos e três meses na prisão. Como você conseguiu aguentar todo esse tempo, incluindo 11 meses na solitária?

Absolutamente. De fato, segundo o direito internacional, mais de 15 dias de solitária são oficialmente considerados uma forma de tortura. E nunca entendi o porquê, mas agora entendo muito bem, porque quando você fica o tempo todo nessa pequena cela, quatro paredes, uma janelinha com grades de metal, você está sozinho o tempo todo. Você não pode falar com ninguém, você não fala em lugar nenhum. Você não pode fazer nada, porque, por exemplo, até para escrever, eles te dão papel e caneta apenas por uma hora e meia por dia, e depois eles te tomam. E também eu era proibido de ligar para minha esposa e meus filhos, eu não podia contatá-los por telefone. Essa é uma velha prática soviética, quando o regime quer punir não apenas os opositores políticos, mas também suas famílias. E é... vou ser honesto com você, é muito difícil, em circunstâncias como essa, manter a cabeça fria. É muito importante ocupar a mente com algo importante, preencher o cérebro, se preferir, preencher o tempo também. E então, fiquei estudando espanhol, eu tinha um livro que eu lia o tempo todo, da manhã até a noite, eu estava estudando espanhol. E obviamente nunca pensei que iria usá-lo, porque, como eu já disse, não achava que seria libertado. Mas depois do milagre dessa troca, no ano passado, algumas semanas atrás, eu estava em Madri para encontros e reuniões com deputados espanhóis. Consegui praticar e aparentemente agora consigo falar espanhol.

Então, falar também espanhol?

Sim, até mesmo o tempo na prisão pode ser empregado em algo prático.

Com o que se parece sua vida hoje? Com a de um exilado? Você se sente livre?

Eu me sentia livre mesmo na prisão, porque nunca fui privado de minhas convicções, de meus princípios. Eles podem te aprisionar fisicamente, mas não podem parar seu espírito. E agora é um pouco louco, porque o problema é que eu não tive realmente uma transição entre o isolamento em uma prisão siberiana e a vida atual, quando estou, não sei, em quatro ou cinco países diferentes a cada semana, é um pouco louco, para ser sincero. Mas há tantas coisas para fazer, há tantos problemas para discutir, porque, como eu já disse, há mais de 1 500 presos políticos na Rússia e, para muitos deles, é literalmente uma questão de sobrevivência. E devemos fazer tudo o que pudermos para libertar essas pessoas cujo único “crime” entre aspas é o fato de não terem se calado diante das atrocidades cometidas pelo regime de Vladimir Putin.

E você se sente ameaçado, observado, mesmo estando fora da Rússia?

Não penso nisso, porque é um caminho para a paranoia, e não é o caminho que quero seguir. Eu sei que estou certo, sei que o que estou fazendo é correto e sei que estou do lado certo da história. Também sei que o que nossos colegas da oposição democrática russa estão fazendo é importante, e vou continuar o fazendo apesar de tudo.

Muito obrigado, Vladimir Kará-Murzá, por ter vindo à RFI.

Obrigado, é um prazer.

E tenha um bom dia.



sábado, 10 de maio de 2025

Trabalho, gênero e raça (2005)


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Prosseguindo com produções de meu ensino médio (2003-2005) que ainda julgo serem interessantes, trago hoje dois textos dissertativos que resultaram de atividades indicadas pela mesma apostila de Geografia então em uso e, devido às temáticas interligadas, publicados ao mesmo tempo. O primeiro se chama “A difícil condição das trabalhadoras” (30 de setembro de 2005) e o segundo, “Preto por fora, branco por dentro” – sim, isso mesmo que você leu (18 de outubro de 2005). Sempre sou grato ao José Augusto, o “Zé”, que nos acompanhou durante todo o ciclo: rígido, mas humorado, em grande parte devo a ele, assim como a minha professora de História, Flávia, a opção pela graduação que segui.

Ao discorrer sobre as mulheres e o mercado de trabalho, e depois sobre a exclusão racial no Brasil, algumas ideias e mesmo o vocabulário parecem bastante bizarros diante da atual pesquisa de ponta. Porém, reconheça que pra um moleque de 17 anos cheio de banha e espinhas, soa até mais palatável que o discurso de alguns parlamentares “patriotas” e “pró-família” de hoje... Não alterei as palavras, mas apenas atualizei a ortografia e troquei algumas expressões que, de fato, seriam erradas numa correção de nível avançado. Desta vez, o original escaneado estava digitado, por isso, consegui usar esta ferramenta online gratuita pra recodificar o texto e poupar tempo e lesões pra trazer essas belezas proceis:


Com as revoluções sociais das últimas décadas, cujo estopim se deu nos anos 1960 e 1970, a mulher obteve várias conquistas, entre elas o direito de ter o próprio trabalho, com salário autônomo e fora do ambiente doméstico. Porém, sofreu problemas quase piores do que aqueles enfrentados pelos homens, o que teve como consequência a queda da taxa de fecundidade feminina.

Legalmente, os direitos de homens e mulheres foram igualados [sic], o que propiciou à mulher abocanhar um bom pedaço do mercado de trabalho antes ocupado por homens, mas os preconceitos continuaram, e as exigências para a manutenção do emprego se tornaram mais rígidas. Ainda se supõe que os homens são superiores em sua produção devido à sua menor sensibilidade e à ausência de ciclos naturais dentro do qual elas estão inseridas, que podem causar várias alterações comportamentais e de saúde. Além disso, a necessidade de dedicação aos filhos também levaria à queda no rendimento, já que, com os cuidados à prole, o tempo ao trabalho se reduziria: compare-se ao celibato católico, cujo pretexto é o de fazer o sacerdote mais preocupado com os afazeres da Igreja. Por esses fatores de uma suposta “inferioridade”, os salários das mulheres também são reduzidos, e o seu desemprego, ao contrário, sofre crescimento, ou seja, somado aos problemas econômicos enfrentados pelos homens que tanto lutam por bons emprego e salário, está a própria condição de ser mulher. Para reduzir os efeitos do preconceito e da difícil vida social, as mulheres estão optando por ter menos filhos do que o tradicional ou não ter nenhum, a fim de igualar sua condição à dos homens, que não possuem o costume de dedicar boa parte de seu tempo aos afazeres domésticos. Isso acabou causando uma queda significativa na taxa de fecundidade feminina, concretizando uma das características da sociedade capitalista ocidental, em cuja dinâmica a figura feminina passa a se inserir: poucos filhos, a fim de conter despesas e de ganhar mais tempo para a profissionalização e para a especialização.

Costumes arraigados na tradição não mudam totalmente o perfil de uma sociedade, mas influem bastante no principal agente modelador, que é a política socioeconômica, sendo esta a principal transformadora de dados que revelam a face do brasileiro do início do século 21.


Apesar de o povo brasileiro ser de um tipo que constituiu sua cultura por meio da mistura de elementos europeus (brancos), africanos (negros) e ameríndios, os índices socioeconômicos continuam favoráveis àqueles descendentes dos colonizadores, enquanto aos outros, inclusive aos mestiços, seja de que raças tiverem se originado, resta ser componentes de números relativos à exclusão e à falta de oportunidades. Essa situação já vem de muitos séculos, e o transcorrer da História só favoreceu a continuidade desse processo.

Os negros e os índios sofreram uma “integração forçada” à nova nação por meio de sua escravização e submissão ao branco português. A eles restava praticar sua cultura, devido a proibições, disfarçada por panos europeus. Aos negros, foi proibido praticar suas religiões, o que os fez usar santos da Igreja Católica em seus rituais, e aos índios (e a toda a população branca), falar a língua geral (tupi adaptado), que acabou influenciando o idioma português brasileiro no vocabulário e no jeito de falar: assim se formou a cultura genuinamente brasileira. Mesmo a visão das raças não brancas como inferiores colaborou para o quadro da miscigenação: os senhores de engenho, mesmo que a elite se recusasse a se misturar com os negros, na falta de mulheres, mantinham consigo mulheres negras e tinham filhos mulatos com ela, que acabavam sendo entregues a outrem, e, mesmo entre os pobres, apesar de o racismo não predominar com tanta força, dominando a ideia de superioridade europeia, as negras preferiam ter filhos com brancos em sucessivas gerações para que ocorresse o gradual “branqueamento” da população, tal como expresso no famoso quadro A redenção de Cã. Porém, com a abolição da escravatura, mesmo que todos os negros passassem a ser homens livres, eles e boa parte dos mestiços acabaram entregues a um destino incerto, pois não receberam qualquer tipo de auxílio que os ajudasse a obter por conta própria uma vida digna de qualquer cidadão, e isso acabou gerando sua pobreza, que teve como consequência a indigência e a falta de acesso à educação de qualidade, por sua vez necessária para a obtenção de um bom emprego. O quadro se agravou com a vinda dos imigrantes europeus e asiáticos para o Brasil: além de ocuparem postos que poderiam ser ocupados pelos negros, mas não o foram por falta de especialização e favorecimento estatal, eles trouxeram o sentimento de xenofobia, que considerava inferior qualquer cultura que não fosse a europeia, gerando ideias de inferioridade de africanos e ameríndios e a discriminação presente mesmo nas mais “inocentes” piadas e colóquios diários.

O Brasil, no que tange ao “visível” e ao “audível”, ou seja, o fenótipo das pessoas, o jeito de falar, o vocabulário, a culinária, os costumes etc., é um país plural, mas com relação ao “invisível”, ou seja, as ideias sobre uma raça ou outra, os preconceitos, a igualdade de oportunidades etc., nota-se que é preciso uma cura para esse mal, que é difícil de ser extirpado porque está na raiz da formação nacional, ou seja, o brasileiro foi criado para ver o índio e o negro como pessoas inferiores e dignas [sic] de ser escravizadas.


sexta-feira, 9 de maio de 2025

Antonio Benatti e escrita da história


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Este foi um fichamento que fiz pra matéria de Teoria da História III, ministrada na graduação da Unicamp pela querida Margareth Rago e datada de 27 de março de 2008. Por causa dela, todo mundo se assombrou com o genericamente chamado “pós-modernismo” e as reflexões “explosivas” de Michel Foucault, rs. Eu fichei o artigo de Antonio Paulo Benatti, intitulado “História, Ciência, Escritura e Política” e publicado na coletânea Narrar o passado, repensar a história (org. Margareth Rago e Renato Aloizio de Oliveira Gimenes; Campinas, UNICAMP, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, 2000, p. 63-103), volume 2 da Coleção Ideias. Sem a possibilidade de remeter ao texto original, espero que aproveitem este conteúdo, cuja ortografia foi atualizada:



1. Ao analisar as teses e dissertações acadêmicas e livros com orientação científica, nota-se a “feiura” das ciências humanas advinda da oposição acadêmica à escrita literária, o que gera exclusões injustas. Na distinção de Barthes entre escritores (linguagem como meio e fim e como palco e alvo de perguntas) e escreventes (linguagem como instrumento e meio de fornecer respostas), os historiadores seriam escreventes, o que é fruto de uma “cultura cientificista” que culminou no século 19, na busca de dar estatuto científico à história. Com a crise dos modelos que sustentavam essa ideia, retornaram questões como o estatuto do discurso histórico, a neutralidade, a natureza do documento e o “retorno da narrativa” na escrita de uma história sem “dogmáticas cientificistas”. Mas como sua “cientificização” afastou-lhe a narrativa? (p. 63-66).

2. A oposição entre “fábula” e “história” começou com Heródoto e passou por Aristóteles, marcando o “ideal de conhecimento da historiografia ocidental”. Ela continuou com Voltaire, que tentou racionalizar a escrita da história, que por dever narrar o verdadeiro, exige o uso de documentos e arquivos e o afastamento dos elementos da fábula, e inovou com a “ideia de cientificidade para a história”, a ser construída com o mesmo “método universal da razão” usado na natureza. Assim, a “vontade de verdade” iluminista agravou o afastamento da narrativa, mas talvez essa pretensão científica já se encontrava no Renascimento (p. 66-68).

O Ensaio sobre os Costumes (Voltaire, 1756) reflete a ideia da racionalidade como caminho ao conhecimento e a história como o percurso em direção a ela, não se recusando de imediato a narrativa, mas iniciando-se a separação entre o verdadeiro e o belo, que originou a “consciência histórica moderna”. No século 18, mudam as concepções de “arte”, produtora de efeitos estéticos na qual é posta a literatura, e de “ciências”, baseadas no “exame crítico da documentação” ou na “busca de ‘leis’ do mundo humano” e nas quais é encaixada a história. Recusada a fábula, a narrativa é afastada da historiografia dos séculos 19 e 20 e separam-se o texto histórico e o chamado hoje de “literário” (p. 68-70).

3. Ranke apaixonou-se pela “beleza” dos fatos sem “invenção e fabulação”, pensando, como outros historiadores do século 19, que a subjetividade tirava a qualidade do relato fadado a ser concorde aos “fatos”, o que passava uma ilusória “relação imediata com o passado”. O historicismo alemão impôs o rigor dos métodos científicos de uma história livre do imaginário e sua extensão às “ciências auxiliares”, o que levou vários discípulos a desprezar a boa escrita e, no caso dos norte-americanos, sofrer críticas de Webb, para quem eles postulavam uma verdade “feita tão feia que ninguém duvide de sua virgindade”. O romantismo do começo do século 19, mesmo longe do racionalismo, contribuiu à crítica histórica que cientificizava a disciplina, o que prova uma continuidade entre os séculos 18 e 19 (p. 70-73).

4. A Introdução aos Estudos Históricos (1898), de Langlois e Seignobos, modelo que influenciou várias gerações de historiadores, ataca, em prol da “exposição científica” dos fatos, a “bela escrita” e, como retrocessos, o subjetivismo de Michelet e o “renascimento literário” romântico. A história, em meados do século 19, teria passado de gênero literário a ciência, exigindo dos historiadores não visar ser lidos nem “reviver o passado”, mas aumentar o “patrimônio científico da humanidade”. Assim, baseados em uma crítica documental científica, em provas e longe da literatura, os historiadores deveriam descrever os fatos em ordem cronológica tal como aconteceram, por uma linguagem livre de paixão e imaginação para não se afrouxar o rigor científico, visando a “neutralidade” e a “objetividade” (p. 73-76).

5. No século 20, os historiadores marxistas e os ligados à Escola dos Annales criticaram a “ingenuidade epistemológica da história fatual”, mas ainda rejeitavam a escrita literária. Os segundos, por muito tempo, viram a história como uma “semiciência” que deveria rejeitar a “rotina erudita” e o “empirismo”, posição que incentivou uma renovação guiada pela recusa do “dogmatismo científico” e traduzida especialmente no aperfeiçoamento da pesquisa, na nova visão sobre o documento e na interdisciplinaridade. Eles opõem, à “história-narrativa”, a “história-problema”, mais próxima da ciência, sendo aquela ruim pela proximidade com o jornalismo e pela ênfase no “tempo curto”, na “ação de seres excepcionais” e nos fatos “sem humanidade”. A história dos Annales na longa ou longuíssima duração, voltada a “processos anônimos e coletivos” e “mais quantitativa, serial e largamente matematizada”, eclipsou o acontecimento e recusou a ação “meramente descritiva e literária” (p. 76-79).

Os marxistas criticaram a história narrativa por ligar-se às concepções históricas das classes dominantes e não dar conta das “leis dos processos dialéticos da história” nem da complexidade da luta de classes que a move. A história marxista, a única “científica”, deveria buscar o porquê visando à transformação da realidade ao transpor os limites universitários e escolares. Mas essa historiografia fez-se muito acadêmica e hermética, sendo sectária ao tentar atingir as pessoas comuns (p. 79-81).

No século 19, para uma história científica, elaboraram-se métodos de crítica, modelos, teorias e leis, e excluiu-se a literatura até a década de 1980 devido a uma “ordem do discurso” excludente. A “inspeção rigorosa das fontes”, a “crítica dos documentos” e a interdisciplinaridade teriam abrigado das fábulas e da literatura a história da modernidade. Mas deixar em segundo plano a “estrutura narrativa” e aplicar métodos científicos semelhantes aos das ciências naturais não afastou a história da ficção, pois mesmo sem se pensar na forma, é impossível nunca se preocupar com ela (p. 81-82).

6. Notou-se o retorno da narrativa (não linear e fatual, mas ligada ao conteúdo e ao método) na história, devido ao ocaso dos grandes modelos explicativos, o aumento do público leitor e a recusa da pura quantificação de dados, mas, aceso o debate entre prós e contras, pode-se dizer que não foi um simples “retorno”, mas um reconhecimento, pois, com a “crise da ideia de ciência”, viu-se que todo saber produz sentido e tem caráter retórico. A modernidade não reconheceu o retórico na argumentação científica, depois descoberto como “presença generalizada de relações de poder em todos os tipos de interações” (p. 82-84).

A narração escrita é inerente à história e foi camuflada para lhe dar caráter científico, mas o sujeito neutro e objetivo é uma produção histórica, portanto a ideia de história como ciência também o é. Deixou as melhores obras quem escapou da dicotomia “forma versus conteúdo”, que trouxe prejuízos à historiografia, provando que os dois são inseparáveis e insubordináveis entre si. Hoje, a historiografia soma retórica e estilo aos procedimentos científicos e não se preocupa com o subjetivismo (p. 84-86).

7. Na discussão acadêmica sobre o conteúdo e a forma, o “caráter narrativo, retórico e poiético de todo o discurso”, constaram-se a crise epistemológica, o retorno da literatura e o fim do apego ao objetivismo na história, após um século de cientificismo. Mas a crítica à história-ciência é bem anterior, pois Anatole France qualificou o fato histórico como escolhido pelo historiador, o que exige sua imaginação, sendo a história uma arte ou, para Saramago, uma farsa, pois montada por “leitura baseada na bagagem social e individual” e predominantemente masculina, tendo sido diferente se escrita pelas mulheres e excluídos (p. 86-89).

A crítica pós-moderna da verdade histórica e da racionalidade ocidental denunciou a história como eurocêntrica, “masculina, branca, adulta e heterossexual” e extintora das diferenças, não se negando que o passado existiu, mas que se pode ter dele um conhecimento exato. Valorizar a ciência sobre a arte como forma de conhecimento é algo cultural e histórico que “não é alheio às relações de poder intra e entre sociedades”. Buscar a objetividade histórica liga-se à literatura realista do século 19, unida à teoria de que o texto reflete a realidade, quando, na verdade, ele mesmo é produtor de significado, e hoje a diferença entre “real” e “imaginário” na história é problemática, pois nada garante que os documentos sejam “elementos pré-textuais, empíricos”. Os “pré-conceitos” do historiador intervêm no documento, que é um “vestígio textualizado do passado” e não, como a linguagem, “a matéria bruta do discurso histórico” (p. 89-91).

8. Em especial marxistas acusaram de modismo, “irracionalismo” e mantenedora da ordem capitalista a desconstrução dos temas tradicionais feita pela nova historiografia, cujos adeptos se distanciariam do compromisso social e da “totalidade da Grande História”, submissos ao mercado editorial e à mídia. Essa reação autoritária e excludente refere-se à lógica binária da divisão entre marxistas e não marxistas, esquecendo que se preocupar com a forma é repensar o que são poder e política e politizar a linguagem e a forma que ela assume no discurso acadêmico (p. 92-93).

Os pós-modernos abalaram a “crença ingênua na ciência”, as “metanarrativas emancipatórias” e a noção comum de política, ao supor que o poder não está em um centro, mas em todos os lugares, difuso, inclusive, na linguagem. As análises de historiadores sobre a linguagem muito se atêm ao seu conteúdo, e não à sua forma, não servindo de “metalinguagem”, pois politizar o discurso é ver o poder na linguagem, poder que não é unitário, monolítico, mas difuso nos “mecanismos de intercâmbio social” (p. 93-94).

Na produção histórica, reservada a uma “elite cultural”, o poder está no uso de um jargão próprio e nas práticas que constroem o conjunto de textos “verdadeiramente históricos”. A palavra “história” designa, entre outras coisas, a narração feita pelos historiadores, que, poderosos por serem “sacerdotes da memória”, não deixam de ser subjetivos, mas cegados à questão da linguagem e dos poderes (p. 95-96).

Mesmo com a volta da “bela escrita” à história, o prazer estético não deve ser seu fim, mesmo não sendo dispensável, pois se deve problematizar a linguagem para se criticar a noção de verdade. É preciso notar “o aspecto político de toda escritura” para se debater a “questão da narrativa histórica”, pois a crítica da aliança do discurso da história com os poderes não deve ser feita na busca da “posição político-ideológica do autor” só no conteúdo, mas também na forma, que por vezes é inversa a ele. Chamam-se os “novos narrativistas” de desengajados, mas não são despolitizados, pois “escrever é comprometer-se”. A história, que tem sua razão de ser nas perguntas feitas pelo presente ao passado, refletiu as mudanças na sociedade contemporânea e pode driblar a influência do saber-poder na subjetividade dos historiadores por meio da escritura que cria “acontecimentos na linguagem” (p. 96-99).

9. Os novos historiadores criticaram, como os literatos, a escrita esotérica e pretendem tornar seu discurso mais aberto, sem tirar-lhe sua capacidade analítica, a um público maior e culto que pode satisfazer-se com ele e acompanhar os progressos da área. A busca pela verdade é uma construção histórica que atende demandas que não são mais as de hoje, quando se deve superar a “separação entre forma e conteúdo”, sem se ver isso como regra devido à particularidade dos textos, que não representam verdades absolutas. A história, pelo prazer e contra o poder, deve deixar as “identidades universais” e centrar-se nas diferenças, sem largar os problemas postos pelo presente, conquistando o público culto, e não a academia (p. 99-102).

No Brasil, deve-se e quer-se ampliar o público leitor, afastando a idéia de que fora da academia todos são “burros” e assumindo que “para escrever [...] é preciso pelo menos dois”, sem escrever em uma linguagem que se suponha “de todos”, mas lidar com a diversidade dentro do idioma mantendo a qualidade do conteúdo. A literatura e outros experimentos de escrita ajudam a lidar melhor com a descontinuidade e a desconstrução da história atual, garantindo-lhe vitalidade (p. 102-103).



quinta-feira, 8 de maio de 2025

História como processo cíclico (2005)


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Prosseguindo com os textos de meu ensino médio (2003-2005) que ainda julgo serem interessantes, trago hoje uma redação da aula de Português, intitulada “Os ciclos da história” e datada de 20 de junho de 2005, e uma atividade de Geografia, intitulada “Soluções políticas” e datada de 9 de setembro de 2005. Minha professora Graça Moraes Hosokawa, grande pesquisadora da língua portuguesa, infelizmente só nos deu aula nesse último ano, mas José Augusto, o “Zé”, nos acompanhou com Geografia durante todo o ciclo. Rígido, mas humorado, em grande parte devo a ele, assim como a minha professora de História, Flávia, minha opção pela graduação que segui.

Publiquei estes dois textos juntos porque, apesar das matérias diferentes, seus temas são bem afins, o que se deve à abordagem interdisciplinar adotada por minha escola. Eles são bem peculiares em vários aspectos, a começar pelas estranhas crenças que eu professava: a de que a história é “cíclica” (concepção herdada de vários povos não europeus e de nossa mentalidade pré-científica) e a de que o regime socioeconômico ideal seria uma espécie de “socialismo” estatista e centralizador, mas sem a “necessidade da ditadura” ou “de se chegar ao comunismo” (influência da leitura do artigo Por que o socialismo? de Einstein). Alguns pontos são obscuros ou tão curiosos que decidi indicar meu assombro entre colchetes, como fiz na publicação anterior.

Confesso: minha “esquerdização” não começou na faculdade, e sim no último ano de escola, quando eu me reivindicava “socialista democrático” (mas não social-democrata, vai entender...), aceitava a estrela vermelha como meu símbolo político (mesmo criticando o PT e só votando nele em 2010!) e simpatizava com o Marechal Tito. Na verdade, minha simpatia era pelo PSOL, formado no ano anterior, porque eu me considerava “à esquerda do PT”, mas rejeitava ideias de revolução violenta. Ou seja, já entrei um tanto “amaciado” na universidade, e só “de decepção em decepção” que fui modulando minhas próprias visões, um dos motivos pelos quais, embora tivesse amigos do PSOL e do PSTU, nunca militei ativamente, rs.

Não alterei as palavras, mas apenas atualizei a ortografia e troquei algumas expressões que, de fato, seriam erradas numa correção de nível avançado. Como você pode ver, eu trouxe também a “primeira versão” da redação de Português, que foi vastamente enxugada e reformulada, mas também acabei fazendo trocas na versão final, onde a própria Graça marcou com caneta vermelha, assim “atrasando” em 20 anos o polimento definitivo do texto...






A história do mundo é uma roda que gira na razão constante entre o espaço e o tempo, em um movimento cíclico de alternâncias que tem como combustível a ânsia dos homens de mudar o mundo.

Povos revezam-se no domínio do mundo e ditam as regras sobre como viver. Seus projetos nem sempre coincidem com a ideia do bem comum, gerando também muitas desigualdades. Guerras entre os povos não faltaram, principalmente pela hegemonia global, nem movimentos sociais e artísticos por novas visões de mundo, nem pessoas que lutaram pela mudança da situação, sejam sozinhas ou em conjunto, seja pela igualdade ou por benefícios próprios, provando que as mudanças podem ser feitas com ambição e obstinação. Também foram presenciados ciclos e planos econômicos e a alternância de moedas, tanto no Brasil quanto no exterior, tanto em épocas prósperas quanto em crises financeiras.

Não há História sem tempo e sem espaço. O homem, ao desenvolver sua inteligência, começou a contar o tempo, possuindo referenciais, como o nascimento de Cristo, e eras como a nossa Idade Contemporânea. O tempo multiplicou o espaço e este dividiu o tempo. As civilizações de todos os tempos fracionaram seus feitos em diversas épocas e usaram-nos para contar suas heroicas trajetórias.

O mundo e a História giram. Como crianças brincando de mãos dadas, rodamos e nos movimentamos para sermos alguém na imensidão de nossa trajetória pelo planeta.


É de espantar que não só o Brasil, mas também países desenvolvidos sofram com a descrença nos políticos. Além disso, a política econômica neoliberal atiça essa onda de indiferença, pois há uma fome por poder e posses ilimitadas.

Assim, podemos refletir sobre o que ocorreu com o capitalismo e com os governos liberais nas primeiras décadas do século 20: após a grande crise, houve também uma descrença generalizada no sistema vigente, que levou à ascensão de regimes socialistas ou, no caso da Europa pós-2.ª Guerra, social-democratas. Enquanto o capitalismo levou séculos para perceber seus erros, o socialismo (agora referindo-se a sistemas de filosofia semelhante) desapareceu mais rapidamente, logo percebendo seus erros e tendo a chance de se arrepender [?].

O neoliberalismo volta a vigorar, com a chance de melhorar, porém não o fez e oprime de modo mais cruel o trabalhador, só que mais pelo lado financeiro. Portanto, como em um ciclo, podemos prever que o socialismo, ou governos semelhantes, voltará totalmente modificado, apenas com limitação das grandes propriedades e a centralização do Estado, sem a necessidade da ditadura e sem a obrigação de se chegar ao comunismo.


quarta-feira, 7 de maio de 2025

Redações do ensino médio (2005)


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Prosseguindo com os textos de meu ensino médio (2003-2005) que ainda julgo serem interessantes, trago hoje duas redações da aula sobre essa atividade do vestibular: “A graça da vida”, datada de 14 de outubro de 2005, e “Entre o aprender e o decorar”, datada de 28 de setembro de 2005. Naquele ano, meu professor não era o Silvano, mas Graça Moraes Hosokawa, grande pesquisadora da língua portuguesa com quem tive a honra de conviver, infelizmente, apenas na última “série”. Inclusive, o primeiro título é um “gracejo” com o prenome dela, rs.

Sem querer desmerecer o Silvano, a abordagem da Graça era muito mais profissional, a começar pelo fato de nos ter trazido as questões de vestibular mostradas abaixo, que serviram de “chamada” pra gente escrever. Veja também que as correções foram bem mais sutis e que, se a segunda entre as duas notas indicadas em cada papel era a pontuação máxima, eu nunca atingia o topo – apesar, claro, dos belos elogios escritos no rodapé de cada um! Além disso, tive vários professores “top” nesse último ano, e lamento não só o atraso com que chegaram, mas também eu não ter extraído da experiência deles mais do que poderia.

Hoje já trouxe logo duas, pois sendo cada redação pequena demais, não ia ter “Graça” lançar o conteúdo “a conta-gotas”. Não alterei as palavras, mas apenas atualizei a ortografia e troquei algumas expressões que, de fato, seriam erradas numa correção de nível avançado (como “através de”, um indicador espacial, quando o correto seria “por meio de”). Também acabei fazendo trocas onde a própria Graça marcou com caneta vermelha, assim “atrasando” em 20 anos o polimento dos textos, rs.




Comprovou-se cientificamente que o bom humor faz bem ao coração, mas a ciência é desnecessária para mostrar que ele é benéfico na vida das pessoas, o que é feito pela vivência cotidiana, a maior escola de todas.

O humor é um cartão de visita pessoal, ajudando ou atrapalhando nas primeiras impressões. Pessoas de temperamento aberto, que não apresentam aparência carrancuda ou extremamente séria, ganham mais simpatia e confiança. Se ao longo de uma convivência passam o tipo de humor que faz rir e descontrair, elas reforçam com os outros os mais diversos tipos de laços e aumentam seu círculo de relacionamentos, obtendo, assim, numerosas vantagens materiais e sociais.

O prazer gerado pelo riso causa uma sensação de bem-estar que melhora a autoestima das pessoas e lhes dá mais ânimo e forças para encarar as mais diversas situações, inclusive as mais difíceis, porém sem apagar o respeito que uma certa ocasião exige, em especial uma tragédia. No que resta, ironizar pode ser a saída para que se fique menos chocado com fatos corriqueiros, como a corrupção. É essa ironia que caracteriza o bom humor do brasileiro, que sempre satiriza diversos empecilhos ao desenvolvimento do país.

“Estar de bem com a vida” exige uma boa dose de descontração a fim de melhorar a saúde, a vida social, a imagem perante as pessoas e a força diante dos problemas.




É comum o uso de procedimentos associativos para a recordação de fórmulas ou outros conceitos, em especial no meio escolar, no qual são também chamados “macetes”. Esse é um método interessante, mas nem sempre preferível se o desejo é o aprendizado permanente.

Em provas e em outras ocasiões, alunos precisam lembrar-se de ferramentas necessárias à execução das tarefas de modo rápido e fácil, daí a utilidade de recursos mnemônicos, que aliás sempre estiveram presentes na história das civilizações mais antigas. Elas usavam formas e cores para a alusão de ideias de acordo com suas técnicas e seu conhecimento de mundo, deixando uma ferramenta adaptada aos dias de hoje, quando as informações precisam ser processadas em grande quantidade e da forma mais veloz possível.

Porém, o uso inconsciente de conceitos lembrados por meio de “macetes”, além do desconhecimento sobre seu sentido ou origem, não pode ser considerado aprendizado. Ele se afirma quando a pessoa, por meio do uso constante do conhecimento adquirido, fixa sua estrutura em suas lembranças [sua memória?]. No caso de alunos, o meio mais eficaz para que isso aconteça é a prática de exercícios sobre determinada matéria, transformando o conceito em um elemento provido de sentido.

Usar o caminho da memorização forçada ou da fixação pelo uso depende do que melhor for adequado a uma pessoa ou do contexto no qual ela está inserida, como o sistema de ensino, por exemplo.


terça-feira, 6 de maio de 2025

A descoberta do prazer (2003/2004)


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Vou começar uma fase em que estou “exumando” algumas redações e poesias da época de meu ensino médio (2003-2005), não meramente pra “encher linguiça” com trabalho de escola, mas porque são textos até que bem completos e revelam um pouco mais da “história de meu eu”, pra quem se interessa por ela. (E sabe que tem coisas com as quais até este quase quarentão fica impressionado?...) Quem me acompanha há muito, sabe que já publiquei coisas desses anos, e na verdade o material é volumoso, só não tendo ainda vindo a lume porque dei prioridade a outros projetos.

A primeira pérola é uma redação chamada “A descoberta do prazer”, que tendo sido corrigida por Silvano, então meu professor de Português, deve ser de 2003 ou, mais provavelmente, 2004, devido à desenvoltura com que discorri sobre o tema. Apesar do nome pomposo, trata-se de simples dissertação sobre o hábito de “ficar”, que ainda estava começando a se tornar comum entre os adolescentes e gerava arrepios em pais e pedagogos. Então, tratava-se apenas de beijo, mas como hoje há diversos significados, se é que esse termo ainda esteja em uso, me abstenho de outros comentários...

Como é de praxe em tal gênero, eu só descrevo e não julgo, mas um inquisidor moderno poderia atribuir à “doutrinação comunista” a presença dos muitos assuntos relativos a sexualidade, comportamento etc. Mesmo assim, certamente você vai rir do jeito erudito demais com que trato a questão, resultante, sobretudo, do fato principal que norteava então minha vida: eu mesmo ainda era “B.V.”, rs. (E curiosamente, a redação não tomou um tom de crítica, lamento ou testamento de ex-estudante prestes a cometer um tiroteio contra os coleguinhas!)

Embora o arquivo escaneado marque a nota dois, ela significou a nota máxima (veja que quase não há correções), pois as atividades de redação iam acumulando pontos até darem um máximo (acho que dez, obviamente), em algum momento, resultante da soma de outros textos. Não alterei o conteúdo, mas apenas atualizei a ortografia e troquei algumas expressões que, de fato, seriam erradas numa correção de nível avançado (como “em relação a” introduzindo um tópico e “onde” indicando conceitos).



Os últimos anos vivenciaram uma mudança do comportamento juvenil na questão das descobertas corporais interpessoais: a “ficação”, durante a qual dois adolescentes trocam beijos e carícias como se fossem namorados, mesmo que não se conheçam ou não mantenham laços amorosos. Hoje, essa prática, que se tornou tão comum entre os jovens, é objeto de estudo de psicólogos e outros especialistas, que tentam compreender a essência desse fenômeno.

Segundo os próprios garotos e garotas, “ficar” é apenas beijar sem compromisso, sem a necessidade de se estabelecer laços de união amorosos mais firmes e duradouros, um modo prazeroso de se conhecer uma pessoa antes da decisão pelo namoro, além de uma boa oportunidade de aprender a “arte do carinho” e adquirir experiências para futuramente dar uma boa impressão ao companheiro. Alguns jovens se aproveitam desse costume não só para conhecer alguém melhor, mas para adquirir prazer, chegando até mesmo a “ficar” com várias pessoas seguidas em, por exemplo, uma festa (“balada”); mas há outros bem conservadores que se abstêm do “beijar por beijar” e mantêm a convicção de que apenas o namoro é adequado para os atos da “ficação”, realizados após uma verdadeira atração entre o casal. Além disso, há as diferenças entre os mais diversos grupos de jovens com relação tanto às condições necessárias para a conquista, ao conceito de “ficar” e ao que acontece na hora do beijo, quanto à aceitação da pessoa dentro desse grupo, com embasamento em suas experiências amorosas: para alguns, uma pessoa “B.V.” (“boca virgem”, aquela que ainda não beijou) tem mais possibilidades de ser excluída, “isolada”.

Não faltam hipóteses para o surgimento do fenômeno da “ficação”. Uma delas seria a liberação sexual iniciada na década de 1960, que começou a divulgar no Ocidente ideias libertárias quanto a certos tabus antigos: divórcio, homossexualidade, escolha do(a) parceiro(a), uso de preservativos, sexo com finalidade de obter prazer etc.; a “ficação” seria mais um capítulo dessa liberação, ao dar a possibilidade dos jovens trocarem beijos sem compromisso. Pode-se ainda lembrar da chamada “banalização do sexo”, que está chegando ao ápice na atualidade, quando estão sendo quebrados os limites entre o erotismo e a pornografia, que se tornou a prática dominante: não se busca mais a beleza e o sentimento amoroso, que se tornou um “instrumento de opressão” para a sociedade capitalista, mas apenas o prazer, para serem aliviados alguns males da apressada vida moderna.

Qualquer que seja a hipótese, a “ficação” é um reflexo da simplicidade à qual chegou nossa sociedade, que hoje procura não mais se prender a padrões e a laços amorosos, mas descobrir as coisas boas da vida sem mergulhar em utopias sentimentais, sendo isso uma coisa boa ou ruim dependendo da pessoa e da cultura na qual ela está inserida.





segunda-feira, 5 de maio de 2025

Verbos ucranianos com significado


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Infelizmente, tive de deixar o curso remoto de ucraniano oferecido pela Unicentro, PR, pra me dedicar a outros projetos mais prementes – inclusive esta página, como você pode ver, agora monetizada, rs. Gostei muito da professora, dos colegas e do material oferecido, parte do qual salvei pra mim mesmo e outra parte já publiquei aqui, incluindo uma canção contra a invasão ruSSa. Fiz também alguns resumos e recursos de consulta pra uso pessoal e coletivo, entre os quais esta lista de verbos com os aspectos imperfeito e (se fosse o caso) perfeito, mas sem a indicação de serem da primeira ou da segunda conjugação, como estava na lista original. Espero que, mesmo assim, ele seja útil pra quem estuda esta belíssima língua.

Esclarecimentos pra consulta:

  • Os acentos agudos indicando a sílaba tônica estão presentes pra fins meramente didáticos. Algumas formas verbais que aceitam dois acentos diferentes (mas não simultâneos!) estão marcadas com dois diacríticos.
  • Os verbos imperfeitos estão marcados com “imp.” e os verbos perfeitos, com “perf.”. Os verbos sem marcação devem ser considerados imperfeitos, quase todos não podendo ser perfeitos devido ao próprio significado.
  • Alguns verbos perfeitos não são o exato equivalente de seus pares imperfeitos em significado, mas podem indicar um matiz como “fazer por um tempo”, “começar/pôr-se a fazer” etc.
  • A marca “refl.” indica um significado exclusivo pra forma reflexiva, diferente daquela dando meramente um sentido realmente reflexivo à forma transitiva.
  • As principais irregularidades estão indicadas entre parênteses e em geral indicam o paradigma básico de como o resto do mesmo tempo deve ser conjugado. Os tempos em que isso se aplica estão separados por ponto-e-vírgula: no caso do presente imperfeito ou do futuro perfeito, indicam-se a primeira e a segunda pessoas do singular (excepcionalmente, a terceira do plural); no caso do passado, o masculino e o feminino singulares; e no caso do imperativo, somente a segunda pessoa do singular. A marcação “imper.” indica um imperativo a não ser confundido com um passado.
  • Os verbos marcados com “frequente, multidirecional” (que geralmente só têm a forma imperfeita) ou com “único, unidirecional” têm muito mais matizes do que apenas esses indicados e seu uso deve ser aprendido separadamente.


бажа́ти imp., побажа́ти perf. = desejar

ба́чити imp., поба́чити perf. = ver (chegar à vista)

бі́гати = correr (frequente, multidirecional)

бі́гти (біжу́, біжи́ш; біг, бі́гла) = correr (único, unidirecional)

бра́ти (беру́, бере́ш) imp., взя́ти (візьму́, ві́зьмеш) perf. = pegar, tomar

вари́ти imp., звари́ти perf. = cozinhar, ferver

вече́ряти imp., повече́ряти perf. = jantar

вибача́ти imp., ви́бачити perf. = desculpar

вимика́ти imp., ви́мкнути perf. = apagar, desligar

відві́дувати imp., відві́дати perf. = visitar, frequentar

відкрива́ти imp., відкри́ти (відкри́ю, відкри́єш) perf. = abrir

відповіда́ти imp., відпові́сти́ (відпові́м, відповіси́) perf. = responder

відпочива́ти imp., відпочи́ти (відпочи́ну, відпочи́неш) perf. = descansar

віта́ти imp., привіта́ти perf. = parabenizar, dar boas-vindas

вмивати(ся) imp., вми́ти(ся) (вми́ю, вми́єш) perf. = lavar(-se), refl. tomar banho

вмика́ти imp., ввімкну́ти perf. = acender, ligar

вмира́ти imp., вме́рти (вмру, вмреш) perf. = morrer

встава́ти imp., вста́ти (вста́ну, вста́неш) perf. = levantar-se

вчи́ти (вчу, вчиш) = estudar

говори́ти imp., сказа́ти (скажу́, ска́жеш) perf. = falar

готува́ти(ся) imp., приготува́ти(ся) perf. = preparar(-se), refl. cozinhar

гра́ти imp., зігра́ти perf. = tocar, brincar, jogar

гуля́ти imp., погуля́ти perf. = passear

дава́ти imp., да́ти (дам, даси́, даду́ть) perf. = dar

дарува́ти imp., подарува́ти perf. = doar, presentear, dar de presente

диви́тися imp., подиви́тися perf. = olhar (seguir ou mirar com a vista)

друкува́ти imp., надрукува́ти perf. = imprimir, digitar

жи́ти (живу́, живе́ш) = viver, morar, habitar

забува́ти imp., забу́ти (забу́ду, забу́деш) perf. = esquecer

займа́ти(ся) imp., зайня́ти(ся) (займу́, займе́ш) perf. = ocupar(-se de), refl. lidar com, estudar

закі́нчувати(ся) imp., закі́нчи́ти(ся) (закі́нчу́, зкі́нчи́ш) perf. = terminar, expirar, resultar (em)

замовля́ти imp., замо́вити perf. = pedir, reservar, encomendar

запо́внювати imp., запо́внити perf. = encher

запро́шувати imp., запроси́ти (запрошу́, запро́сиш) perf. = convidar

заробля́ти imp., зароби́ти (зароблю́, заро́биш) perf. = lucrar, ganhar

зачиня́ти imp., зачини́ти (зачиню́, зачи́ниш) perf. = fechar

зна́ти imp., зазна́ти perf. = saber, conhecer

іти́ (іду́, іде́ш; ішо́в, ішла́) imp., піти́ (піду́, пі́деш) perf. = ir ou vir a pé/andando (único, unidirecional)

ї́здити (ї́жджу, ї́здиш) = ir ou vir de veículo (frequente, multidirecional)

ї́хати (ї́ду, ї́деш; їдь) imp., пої́хати perf. = ir ou vir de veículo (único, unidirecional)

каза́ти imp., сказа́ти perf. = dizer

кла́сти (кладу́, кладе́ш; клав, кла́ла) imp., покла́сти perf. = colocar deitado

ко́штува́ти = custar, ter um preço

купува́ти imp., купи́ти (куплю́, ку́пиш) perf. = comprar

лежа́ти (лежу́, лежи́ш) = estar deitado

леті́ти (лечу́, лети́ш) imp., полеті́ти perf. = voar ou andar de avião (único, unidirecional)

лікува́ти = tratar, curar, medicar

літа́ти = voar ou andar de avião (frequente, multidirecional)

люби́ти (люблю́, лю́биш) = amar, gostar de

малюва́ти imp., помалюва́ти/намалюва́ти perf. = pintar, desenhar

ми́ти (ми́ю, ми́єш) imp., поми́ти perf. = lavar, limpar (pessoas)

назива́ти(ся) imp., назва́ти(ся) (наз(о)ву́, наз(о)ве́ш) perf. = chamar(-se), refl. ter por nome

не́сти (несу́, несе́ш; ніс, несла́) imp., поне́сти perf. = vestir/levar no corpo, levar ou trazer algo a pé (único, unidirecional)

носи́ти (носу́, но́сиш) imp., поноси́ти perf. = vestir/levar no corpo, levar ou trazer algo a pé (frequente, multidirecional)

обі́дати imp., пообі́дати perf. = almoçar

одру́жувати(ся) imp., одружи́ти(ся) (одружу́, одру́жиш) perf. = casar(-se)

одяга́ти(ся) imp., одягти́(ся) /одягну́ти(ся) (одягну́, одя́гнеш; одя́г, одягла́) perf. = vestir(-se)

опи́сувати imp., описа́ти (опишу́, опи́шеш) perf. = descrever

переклада́ти imp., перекла́сти (перекладу́, перекладе́ш; перекла́в, перекла́ла) perf. = traduzir

писа́ти (пишу́, пи́шеш) imp., написа́ти perf. = escrever

пита́ти imp., спита́ти perf. = perguntar

пи́ти (п’ю, п’єш) imp., ви́пити/попи́ти perf. = beber

пла́вати imp., попла́вати perf. = nadar, navegar, flutuar (frequente, multidirecional)

плати́ти (плачу́, пла́тиш) imp., заплати́ти perf. = pagar

пливти́/плисти́ (пливу́, пливе́ш; плив, плила́; пливи́) imp., поплисти́ perf. = nadar, navegar, flutuar (único, unidirecional)

поверта́ти(ся) imp., поверну́ти(ся) (поверну́, пове́рнеш) perf. = virar(-se), devolver, refl. voltar, retornar

подорожува́ти = viajar

почина́ти imp., поча́ти (почну́, почне́ш) perf. = começar, iniciar

почува́ти(ся) = sentir(-se), refl. ser sentido

поя́снювати imp., поясни́ти (поясню́, поя́сниш) perf. = explicar

пра́ти (перу́, пере́ш; пери́) imp., ви́прати perf. = lavar roupas

працюва́ти = trabalhar

прибира́ти imp., прибра́ти (приберу́, прибере́ш; прибери́) perf. = arrumar, limpar, faxinar, decorar

продава́ти imp., прода́ти (прода́м, продаси́, продаду́ть) perf. = vender

рахува́ти imp., порахува́ти perf. = calcular, contar

роби́ти (роблю́, ро́биш) imp., зроби́ти perf. = fazer

розмовля́ти = conversar

розповіда́ти imp., порозповіда́ти perf. = contar, narrar

розумі́ти imp., зрозумі́ти perf. = entender, compreender

святкува́ти imp., відсвяткува́ти perf. = celebrar, comemorar, festejar

сиді́ти (сиджу́, сиди́ш) = estar ou ficar sentado

слу́хати imp., послу́хати perf. = escutar (seguir com a audição)

смія́тися (смію́ся, сміє́шся; смі́йся) imp., засмія́тися/розсмія́тися perf. = rir, dar risada

сні́дати imp., посні́дати perf. = tomar café da manhã

спа́ти (сплю, спиш; спи) imp., поспа́ти perf. = dormir

співа́ти imp., поспіва́ти perf. = cantar

ста́вити (ста́влю, ста́виш; imper. став) imp., поста́вити perf. = colocar de/em pé

стоя́ти (стою́, стої́ш; стій) = estar ou ficar de pé

танцюва́ти = dançar

фотографува́ти imp., сфотографува́ти perf. = fotografar, tirar fotos

ходи́ти (ходжу́, хо́диш) = ir ou vir a pé/andando (frequente, multidirecional)

хоті́ти (хо́чу, хо́чеш; хоти́) = querer

ціка́вити(ся) (ціка́влю, ціка́виш; imper. ціка́в) = interessar(-se)

цілува́ти(ся) imp., поцілува́ти(ся) perf. = beijar(-se), refl. beijar um ao outro

чека́ти imp., почека́ти/зачека́ти perf. = esperar, aguardar

чи́стити (чи́щу, чи́стиш; чисть) imp., почи́стити perf. = limpar

чита́ти imp., прочита́ти perf. = ler

чу́ти imp., почу́ти perf. = ouvir (chegar à audição), sentir, cheirar

шука́ти imp., нашука́ти perf. = procurar, buscar



domingo, 4 de maio de 2025

A parte que me falta – contada por Jacques Lacan


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Conheci o psicólogo paraibano Gustavo Firmino Costa, natural da e residente na cidade de Patos, em outubro de 2018, quando criei um grupo de WhatsApp pros fãs de meu antigo canal Pan-Eslavo Brasil e ele, enquanto admirador da cultura russa e da história do século 20, resolveu entrar. Das várias pessoas que conheci lá, e daquelas com quem mantive algum contato, ele foi um dos poucos com quem teci uma amizade e continuei trocando ideias e materiais, mesmo após eu ter abandonado a ideia do grupo, em meados de 2020.

Justificam essa ligação sua escrita impecável e suas reflexões rigorosas, das quais serve de prova seu blog “Psi da Massa” e cujo artigo mais recente (“A parte que me falta – contada por Jacques Lacan”) ele me autorizou a publicar aqui. De fato, embora ele tenha ficado honrado com o convite, não sei o quanto posso ajudar a divulgar e viralizar seu trabalho – mas você pode! Além disso, o texto também foi publicado num portal de Patos do qual Gustavo é colunista, mas pra fazer seu esforço decolar, recomendo que prefiram visitar seu blog pessoal!



Muitos leitores já devem conhecer o livro A parte que me falta, de Shel Silverstein. Uma bela história alegórica sobre não precisarmos preencher nossos vazios com partes que não nos pertencem. A trama apresenta uma esfera com uma parte faltante, que sai pelo mundo buscando sua completude. Ao longo da jornada, vive aventuras, conhece outros seres e constrói um caminho cheio de significado. Até que encontra a peça que a completa perfeitamente. Só então percebe que, ao girar rápido demais, já não consegue mais aproveitar as belezas e amizades que antes tanto lhe alegravam. A esfera descobre que era mais feliz enquanto buscava, enquanto lhe faltava algo.

Ao refletir sobre essa história, não pude deixar de lembrar do conceito de sujeito em Jacques Lacan. Para Lacan, o sujeito não é uno e completo em si mesmo. Ele é construído por eventos, vivências, grupos sociais, significantes. É, essencialmente, faltante: a falta é o motor do desejo. Nosso vazio, essa sensação constante de incompletude, é o que nos move. E, muitas vezes, ao conquistar aquilo que achávamos nos faltar, o vazio permanece – como na história da esfera.

Lacan se opôs ao pensamento psiquiátrico dominante de sua época, que via o sujeito como um ser completo e estático. Para ele, somos “faltantes”, “desejantes”, moldados pela linguagem, forjados pela instabilidade e pelas infinitas possibilidades de ser. A normalidade, para Lacan, não existe – é apenas uma construção social que tenta catalogar e limitar aquilo que, por natureza, é imprevisível e plural: a existência humana.

Assim como a esfera de Silverstein, Lacan nos ensina que viver é aceitar a incompletude, a instabilidade, a abertura ao novo. Que a vida acontece no movimento, no desejo, na conexão, não na perfeição ou em padrões impostos. A completude não está em ser perfeito, mas em se permitir ser – em experiências, em encontros, em humanidade.

O normal é só uma categoria. A verdadeira completude está naquilo que te faz sentir vivo.



sábado, 3 de maio de 2025

Vladimir Kara-Mourza (RFI, 14/4/2025)


Lien raccourci : fishuk.cc/karamurza-rfi


Le matin du 14 avril 2025, le politicien et historien russe Vladimir Kara-Mourza a concédé une interview à la Radio France Internationale (RFI) pour parler de son opposition à la dictature de Vladimir Poutine, sa prison en Russie et sa vie dans l’exil. Ci-dessus on peut regarder l’intégralité de son entretien avec Arnaud Pontus sur la chaine officielle, mais j’ai trouvé son contenu si important que j’ai décidé, même sans autorisation, d’en publier la transcription.

J’ai utilisé le logiciel Microsoft Clipchamp pour Windows 11 à fin d’extraire de la vidéo une première version des sous-titres par IA, après j’ai confronté le résultat avec l’audio et enfin j’ai finalisé la rédaction finale du texte. Kara-Mourza parle couramment le français, mais j’ai dû supprimer les traits les plus répétitifs d’oralité et corriger la grammaire. Comme le français n’est pas aussi ma langue maternelle, mon travail peut ne pas être parfait, mais j’espère avoir fait une contribution à ceux qui étudient « la langue de Molière » ou qui, par n’importe quelle raison, préfèrent avoir le texte écrit :


Bonjour, Vladimir Kara-Mourza !

Bonjour, merci beaucoup pour l’invitation.

Merci à vous d’être sur RFI aujourd’hui. Il y a trois ans, en avril 2022, vous avez été arrêté puis condamné à 25 ans de prison pour haute trahison. La justice russe vous reprochait d’avoir critiqué l’invasion de l’Ukraine. Vous avez été libéré en aout dernier lors du plus grand échange de prisonniers avec l’Ouest depuis la fin de la guerre froide. Comment allez-vous aujourd’hui, huit mois après votre libération ?

Ça me semble parfois encore que je regarde un film, parce que, à dire la vérité, j’étais absolument sûr que j’allais mourir dans cette prison en Sibérie. Cet échange en aout dernier, c’était un miracle, et en fait c’était le premier échange depuis 1986, qui a libéré non seulement les otages, les citoyens occidentaux qui étaient dans les prisons russes, mais aussi les prisonniers politiques russes. Et ça, pour moi, c’était un message très important, très clair et très fort des pays occidentaux, surtout les États-Unis et l’Allemagne. Et le signal était qu’ils comprennent très bien que les vrais criminels sont au Kremlin. Ce sont les gens qui ont commencé la guerre en Ukraine. Ce n’était pas nous qui étions en prison, parce qu’on nous avait exprimé contre cette guerre. Et c’était aussi un message très fort de solidarité de la part des pays occidentaux avec tous ces gens en Russie. Il y a des millions de gens en Russie aujourd’hui qui sont contre cette guerre, qui sont contre le régime autoritaire de Vladimir Poutine et c’est très important que le monde libre s’est exprimé comme ça

Aujourd’hui, Vladimir Kara-Mourza, la guerre continue en Ukraine. Les discussions pour un cessez-le-feu n’ont toujours pas abouti. Est-ce que vous le souhaitez, ce cessez-le-feu ?

Je veux que cette guerre se termine le plus vite possible, parce qu’il y a déjà des centaines de milliers de vies humaines qui sont perdues à cause de cette agression, à cause de cette guerre criminelle menée par le régime autoritaire de Vladimir Poutine.

Mais pour que la guerre s’arrête, il faut que Poutine le veuille. Est-ce que Vladimir Poutine veut la paix ?

Non, bien sûr qu’il ne veut pas la paix. Et il faut dire que vous avez utilisé la phrase « cessez-le-feu », ça c’est absolument correct. On ne peut pas dire « la paix », parce qu’il n’y aura pas de paix pendant que Vladimir Poutine reste au pouvoir.

C’est à dire, il ne peut pas y avoir de paix totale et véritable tant que Vladimir Poutine est au pouvoir ?

À long terme, la seule façon d’assurer la paix, la stabilité et la sécurité sur le continent européen, à long terme, c’est d’avoir une Russie démocratique, une Russie qui va respecter les lois, les droits et les libertés de nos propres citoyens, et aussi qui va respecter les frontières de ses voisins et les normes du comportement civilisé dans le monde. Parce qu’en Russie, la répression à l’intérieur et l’agression à l’extérieur vont toujours ensemble, donc il n’y aura pas de paix pendant que Poutine reste au pouvoir. Mais le cessez-le-feu est possible.

Alors, vous dites aussi que tout accord de cessez-le-feu doit prévoir la libération de tous les prisonniers de guerre.

Absolument ça. Pour moi, ça c’est le plus important, parce que pour l’instant on voit ces négociations entre les représentants de l’administration Trump aux États-Unis et le régime de Poutine en Russie. Et ils parlent de minéraux, ils parlent du retour des compagnies américaines en Russie, ils parlent des avoirs gelés, je ne sais pas de quoi, ils parlent tout le temps d’argent. Et en fait, les deux envoyés, Monsieur Witkoff du côté américaine et Monsieur Dmitriev du côté russe, ce sont des gens qui ont dédié leurs vies à l’argent, n’ont rien à faire avec la diplomatie. Et donc, pour ça c’est même plus important que l’Europe, l’Union européenne pose cette question, comme vous avez dit, de la libération de tous les otages, de tous les captifs de cette guerre. Parce qu’il y a des centaines de milliers de vies humaines qui ont été déjà perdues et on ne peut pas les faire retourner. Mais c’est possible encore de sauver les dizaines de milliers de vies humaines, des gens qui sont des otages et des captifs de cette guerre. Je parle, bien sûr, des prisonniers de guerre des deux côtés, mais ça c’est prévu par la 3e Convention de Genève, donc ça c’est hors question. Je parle aussi des milliers d’otages civils ukrainiens qui ont été forcément déportés en Russie

Notamment les enfants.

Je parle aussi des milliers d’enfants ukrainiens qui ont été kidnappés. En fait, si on dit la vérité en Russie ou dans les territoires occupés par la Russie et, ça c’est très important, je parle aussi des prisonniers politiques russes, les citoyens russes, mes concitoyens qui sont en prison aujourd’hui parce qu’ils se sont exprimés contre cette guerre d’agression, ce qui est arrivé à moi. Mais maintenant, pendant qu’on parle avec vous, il y a, selon les organisations de défense des droits humains, il y a plus de 1 500 prisonniers politiques en Russie. La catégorie la plus nombreuse parmi eux, ce sont les Russes qui se sont exprimés contre cette guerre criminelle. Et pour beaucoup d’entre eux, comme par exemple Alexeï Gorinov ou Maria Ponomarenko et beaucoup d’autres, ce n’est pas seulement une question de captivité, ce n’est pas seulement une question d’emprisonnement illégal, mais c’est aussi une question de vie ou mort, et il faut sauver ces gens-là.

Vladimir Kara-Mourza, vous nous dites, les émissaires russes et américains ne parlent que d’argent. Est-ce que la méthode qu’applique le président Trump vous semble être la bonne ? Est-ce que vous comprenez cette logique ?

Je crois que la politique de l’administration actuelle des États-Unis est honteuse, elle est complètement contre-productive, parce qu’en fait c’est une politique de rapprochement, de normalisation des relations avec Vladimir Poutine. Et je voudrais rappeler à tout le monde que Vladimir Poutine, d’abord, il n’est pas un président légitime. Il reste au pouvoir depuis 25 ans, même s’il y a une limite constitutionnelle en Russie de deux termes, il a trouvé des trucs pseudo-légales pour contourner cette limite constitutionnelle. Et il faut rappeler aussi que l’année dernière, en 2024, le Parlement européen et l’Assemblée parlementaire du Conseil de l’Europe ont passé des résolutions reconnaissant Vladimir Poutine pour ce qu’il est : un usurpateur illégitime. Mais il est plus que ça. Il est aussi un assassin. Il est un meurtrier. Parce que c’est sous son commandement que les deux chefs principaux de l’opposition démocratique russe, Boris Nemtsov et Alexeï Navalny, ont été assassinés. C’est sous son commandement qu’il y a des gens qui meurent chaque jour en Ukraine, y compris des enfants récemment à la ville de Krivoï Rog [ukr. Kryvy Rih]. Pendant tous les 25 ans que Vladimir Poutine reste au pouvoir, il tue, il tue, il tue, il tue, il tue à l’intérieur de la Russie, il tue en dehors de la Russie. Et c’est important de rappeler tous ces dirigeants occidentaux, surtout américains, qui veulent normaliser les relations avec Vladimir Poutine, qui veulent rendre cette légitimité à Vladimir Poutine qu’il ne mérite pas et qui veulent encore une fois serrer la main de Vladimir Poutine, c’est important de les rappeler que c’est une main couverte de sang.

Vous craignez que, dans le sillage de Donald Trump, certains considèrent que Vladimir Poutine est redevenu fréquentable ?

Mais on le voit. Si on regarde ce que Monsieur Trump a fait dans ces derniers deux mois, depuis qu’il est retourné à la Maison Blanche. Il a invité Vladimir Poutine à rejoindre le G8. L’Amérique a voté à l’ONU contre l’Ukraine, avec la Russie, avec la Biélorussie, avec la Corée du Nord. Comme on se souvient, les États-Unis ont suspendu l’aide, l’assistance militaire à l’Ukraine, ce qui a causé des centaines de morts en Ukraine. Et puis on voit aussi, si on parle des actions pratiques, l’administration Trump a totalement détruit l’infrastructure internationale de l’assistance pour la démocratie et les droits humains. Et maintenant l’administration Trump est en train de détruire le système des médias américains qui diffusait l’information objective non seulement pour les Russes, mais aussi pour des Cubains, pour des Iraniens, pour des Chinois, pour des millions et des millions de gens autour du monde qui vivent actuellement sous des régimes autoritaires.

Vous le disiez tout à l’heure, l’objectif, votre objectif, c’est d’arriver à une Russie démocratique. Dans une société qui est aussi verrouillée que la Russie aujourd’hui, avec une propagande qui est omniprésente, comment est-ce que l’opposition peut diffuser son message ?

En fait, pour moi, l’une des raisons principales de la chute du régime communiste était le fait que ce régime, au début des années 90, avait déjà été délégitimisé aux yeux d’une large partie de la population grâce aux programmes de radio qui étaient diffusés par les pays occidentaux et qui étaient écoutés par des millions et des millions de gens en Union soviétique et dans d’autres pays communistes. Et en fait, c’étaient les mêmes gens qui écoutaient, disons, à la Radio Liberté dans les années 70 qui sont allés aux barricades en aout 1991 pendant notre révolution démocratique en Russie. Si c’était possible de faire ça avec les technologies des 1970, c’est surement possible de le faire maintenant. Maintenant il y a l’internet. Oui, il y a une grande censure de l’internet sous le régime de Poutine, mais il y a des VPN, il y a d’autres moyens pour contourner cette censure. Le problème, c’est qu’on voit très souvent que l’Occident, les entreprises occidentales et les gouvernements occidentaux, au lieu d’aider les citoyens russes à avoir cette vérité, à avoir cette information objective, on voit les compagnies occidentales aider le régime de Poutine à censurer cette information, par exemple...

Sont complices, en fait.

Absolument, elles sont complices. Dans quelques derniers mois, par exemple, la très connue compagnie américaine Apple a enlevé plus de 50 systèmes de VPN, le système qui aide les gens à contourner la censure, à la demande du régime de Poutine. Ce n’était pas le régime de Poutine qui l’a fait, c’était Apple. Et comme je viens de vous dire, maintenant l’administration Trump est en train de détruire le système des médias internationaux. Et il y a quelques jours, la cheffe de la chaine principale de propagande russe Russia Today, Margarita Simonian, était sur la télé très heureuse des actions de l’administration américaine. Elle a dit que nous, malheureusement, nous n’avons jamais pu en finir avec ces médias. Mais maintenant, c’est les États-Unis d’Amérique qui le font eux-mêmes.

Ils le font. Où est l’alternative démocratique en Russie, Vladimir Kara-Mourza ?

Il y a des millions et des millions de gens en Russie qui sont contre cette guerre, qui sont contre ce régime, qui veulent que la Russie soit un pays normal, civilisé, européen, démocratique. On a vu par exemple, l’année dernière, pendant le théâtre qu’étaient nos « élections présidentielles », entre guillemets. Quand c’était...

Mascarade, vous voulez dire, c’était du cinéma ?

Enfin, c’était juste Poutine et quelques clowns qu’il avait sélectionnés. Mais, en même temps, il y avait un candidat, un avocat, un ex-député du Parlement russe, il s’appelle Boris Nadejdine, qui a annoncé sa candidature à la présidence russe comme un candidat anti-guerre. Il a dit qu’il était contre la guerre en Ukraine. Et la réaction publique était complètement incroyable. Tout d’un coup, on a vu partout en Russie les files d’attente, les queues énormes, des gens qui voulaient signer les pétitions pour faire registrer ce candidat. J’étais en prison à l’époque et je recevais beaucoup de lettres de toute la Russie et presque chaque lettre était à propos de ces queues énormes, des gens qui votaient avec leurs pieds, si vous voulez, pour le candidat anti-guerre. Parce que la propagande poutinienne veut que tout le monde croie que tous les Russes soutiennent la guerre, tous les Russes soutiennent le régime. Mais vous savez qu’ils peuvent falsifier les élections, ce qu’ils font, ils peuvent falsifier les sondages, ce qu’ils font. Mais il n’y a rien qu’ils puissent faire avec les images des milliers et des milliers de gens partout en Russie qui croient en un avenir démocratique et paisible.

Donc il y a une soif démocratique en Russie et au-delà ?

Il y a beaucoup de gens qui veulent des changements. Il y a beaucoup de gens qui veulent que ce régime finalement perde le pouvoir. Et j’ai aucun doute, non seulement comme un homme politique, mais surtout aussi comme un historien, que le jour viendra quand la Russie sera un pays normal, civilisé et démocratique, et ce jour-là, on pourra finalement avoir une Europe qui sera libre, entière et en paix.

Vladimir Kara-Mourza, je le disais au début de l’entretien, vous avez été libéré en aout dernier après avoir passé deux ans et trois mois en prison. Comment avez-vous fait pour tenir tout ce temps, dont 11 mois à l’isolement ?

Absolument. En fait, selon la loi internationale, l’isolement de plus de 15 jours est officiellement considéré comme une forme de torture. Et je n’avais jamais compris pourquoi, mais maintenant je comprends très bien, parce que, quand tu restes tout le temps dans cette petite cellule, quatre murs, une petite fenêtre avec des barreaux métalliques, tu es seul tout le temps. Tu ne peux pas parler à personne, tu ne parlais nulle part. Tu ne peux rien faire, parce que, par exemple, même pour écrire, ils te donnent papier et stylo seulement pour une heure et demie pendant chaque jour, puis ils te les prennent. Et aussi, c’était interdit pour moi d’appeler à ma femme, d’appeler à mes enfants, je ne pouvais pas les contacter par téléphone. Ça, c’est une vieille pratique soviétique : quand le régime veut punir non seulement les opposants politiques, mais aussi leurs familles. Et c’est... je vais être honnête avec vous, c’est très difficile, dans des circonstances comme ça, de garder la tête. Il est très important de remplir la tête avec quelque chose d’important, de remplir le cerveau, si vous voulez, remplir le temps aussi. Et donc, moi, j’apprenais l’espagnol, j’avais un livre que je lisais tout le temps, du matin au soir, j’apprenais l’espagnol. Et évidemment je ne pensais jamais que j’allais l’utiliser, parce que, comme j’ai déjà dit, je ne croyais pas que je vais sortir. Mais après ce miracle de cet échange, l’année dernière, il y a quelques semaines, j’étais à Madrid pour des rencontres, pour des réunions avec des députés espagnols. Je pouvais pratiquer et apparemment maintenant je peux parler l’espagnol.

Donc aussi parler espagnol ?

Oui, même le temps en prison peut être utilisé pour quelque chose pratique.

À quoi ressemble votre vie aujourd’hui ? C’est celle d’un exilé ? Est-ce que vous vous sentez libre ?

Je me sentais libre même en prison, parce que je restais toujours avec mes convictions, je restais toujours avec mes principes. Ils peuvent te mettre en prison physiquement, mais ils ne peuvent pas arrêter ton esprit. Et maintenant, c’est un peu fou, parce que le problème, c’est que je n’ai vraiment pas eu de transition entre l’isolement dans une prison sibérienne et la vie de maintenant, quand je suis, je ne sais pas, dans quatre ou cinq pays différents chaque semaine, c’est un peu fou, à dire la vérité. Mais il y a tellement de choses à faire, il y a tellement de problèmes à discuter, parce que, comme j’ai déjà dit, il y a plus de 1 500 prisonniers politiques en Russie et pour beaucoup d’eux, c’est la question de survivre littéralement. Et il faut faire tout ce qu’on peut pour libérer ces gens-là dont le seul « crime », entre guillemets, c’est le fait qu’ils ne sont pas restés silencieux en face des atrocités commises par le régime de Vladimir Poutine.

Et est-ce que vous vous sentez menacé, observé, tout en étant en dehors de la Russie ?

Je n’y pense pas, parce que c’est une route vers la paranoïa, et ce n’est pas la route que je veux prendre. Je sais que j’ai raison, je sais que ce que je fais est correct et je sais que je suis du bon côté de l’histoire. Je sais aussi que ce que font nos collègues dans l’opposition démocratique russe, c’est important et je vais continuer à le faire malgré tout.

Merci beaucoup, Vladimir Kara-Mourza, d’être venu sur RFI.

Merci à vous, c’est un plaisir.

Et bonne journée.



sexta-feira, 2 de maio de 2025

Igreja Católica Apostólica Brasileira


Endereço curto: fishuk.cc/icab-papa

Poucos sabem, mas a Terra de Santa Cruz engendrou em 1945 um “cisma” do papado romano, chamado “Igreja Católica Apostólica Brasileira” (ICAB). Ela foi obra de um bispo de esquerda, que achava o Vaticano muito reacionário e (que novidade!) criticava sua intransigência em ignorar nossa realidade. Roteiro conhecido, ele foi excomungado e “virou santo” após falecer, mas curiosamente a ICAB não tem cardeais, como a “ICAR”, e sim um conselho superior de bispos que preside a denominação. Há poucas diferenças nos rituais e ornamentos em relação a Roma, cujo “bispo” eles não chamam de papa e cuja autoridade eles (óbvio, né?) não reconhecem, mas sua presença já se estende pra fora de nossas fronteiras. Uma busca rápida na zinternetx dá várias referências em sites e redes sociais.

Queria destacar apenas esta matéria do Diário do Grande ABC, datada de 10 de março de 2013, exatamente perto da posse do agora finado Jorge Bergoglio, passado à história como Papa Francisco. Focado numa paróquia em Santo André, o artigo já dá bastantes informações básicas sobre a história e a doutrina, suficientes pra uma apresentação rápida. Dois de seus maiores “atrativos” saltam aos olhos: a abolição do celibato sacerdotal e o casamento religioso de divorciados, o que pra um descrente como eu é algo absolutamente irrelevante. Outro “atrativo” é o batismo de filhos de mães solo ou de casais não unidos no papel, embora ele nunca tivesse sido negado, até onde eu saiba, pelos católicos, e que o próprio Francisco tenha mesmo estimulado essa prática, criticando quem a rejeita e citando a necessidade de “não negar sacramentos a quem deseja” e “acolher pessoas já excluídas em outros âmbitos”. Importante: essa página está marcada como “Doutrina da Fé”, ou seja, praticamente o Tribunal da Inquisição!

Se essa proibição pelo menos era “tácita”, isto é, padrecos recalcados que recusavam tais batismos, ela em todo caso ficou na mentalidade do povo, que sempre achou que era impossível batizar seus filhos “não planejados” ou “de pais solteiros”. Meus próprios pais não eram casados e, salvo engano, a Paróquia de Santa Luzia em Guarulhos, SP, onde minha mãe e meus padrinhos me batizaram, era da ICAB, informação que não consegui confirmar por meio de buscas no Google. Inclusive, contatei no Instagram o perfil oficial da igreja e alguns padres que se reivindicam dela pra obter alguma confirmação a respeito, mas jamais obtive retorno. Seja como for, pra todos os efeitos fui católico romano depois, em Bragança Paulista: primeira comunhão, eucaristia e outras formalidades (não sou crismado) jamais negadas, e talvez até pudesse casar “de véu e grinalda” (o que jamais pretendo, aliás, rs) sem levantar suspeitas. Como sempre diz minha mãe: “É tudo a mesma coisa, o que importa é a fé da gente...”

Uns meses atrás, cheguei a ler coisas sobre a ICAB na rede, mas fiquei particularmente pensando sobre como reagiram à passagem do argentino a quem chamam simplesmente “bispo de Roma”. Você sabe que está página sebenta é feita por curiosos, pra curiosos, portanto, a xeretagem daquela histórica segunda-feira me trouxe até esta publicação no perfil pessoal do Facebook pertencente a Dom Antonio Rodrigues, que se descreve como “bispo diocesano de Barra de São João, RJ, da Igreja Católica Apostólica Brasileira”.

Mesmo sem autorização, achei interessante a republicar aqui, pois levanta muitas inquietações que perpassaram o próprio papado de Bergoglio e ainda coligam os progressistas. Descontada a redação por vezes sofrível, que corrigi enquanto tentava mexer o menos possível no original, segue a íntegra do “textão”, mais três comentários de contatos, igualmente revisados, que achei representarem as tendências mais visíveis na atualidade:


NASCEU PARA A VIDA ETERNA O BISPO DE ROMA, PAPA PARA OS SEUS

O Bispo de Roma, Francisco se destacou em muitos campos: sociais, políticos, ambientais, doutrinários e ecumênicos.

Quero frisar o último tema: ecumenismo; este foi o Papa que, enquanto chefe de sua instituição, mais se destacou na busca do diálogo, sobretudo com as grandes religiões, de forma destacada com o islamismo [sic]. Não é surpreendente que tenha sido com o islamismo, afinal, este é o grupo religioso que mais entraves [sic] tem com os cristãos mundo afora e impõe muitas perseguições nos mais diversos países onde são maioria. Nestes locais, os cristãos e parte destes católicos romanos sofrem muito, portanto, a [há?] política necessária de um diálogo, pois sendo minoria, há que ser mais humilde...

No entanto, é lamentável que nos países em que são maioria, como no Brasil, [em] todo clero romano, desde o episcopado até os diáconos, COM RARÍSSIMAS EXCEÇÕES, as práticas e discursos ecumênicos apregoados pelo agora falecido Papa são apenas LETRAS VERBORRÁGICAS.

No Brasil, o clero romano, em sua maioria, é alheio ao ecumenismo, muitos são medievais em seus pensamentos, outros se travestem de ecumênicos, sobretudo, nos organismos como o CONIC [Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil], onde exercem poder, tal como o poder exercido este ano para vetar a entrada da ICAB, dizendo que se a ICAB fosse aceita, eles sairiam. Resultado? O CONIC cedeu à pressão, afinal, os romanos provêm a maior cota financeira de manutenção daquela instituição.

A mentira do diálogo no Brasil é vergonhosamente visível. A tal semana de oração pelos cristãos em muitas, mas muitas paróquias no Brasil, nem acontece.

Lamentavelmente a mensagem deste papa não pegou no clero romano. Existem amizades pessoais entre clero romano e clero nacional, mas algo quase ao estilo das catacumbas, pois o medo de uma relação pública e a possível punição por esta amizade amedrontam o baixo clero romano. Deus sabe que a mensagem ecumênica deste papa NÃO CHEGOU AO BRASIL, pelo menos com as igrejas de tradição católica ou ortodoxas independentes. E onde chegou, com as igrejas chamadas canônicas e protestantes tradicionais, não passa de verdadeiro teatro, pois lá na base, nos seminários, o ecumenismo NÃO É ENSINADO E MUITO MENOS VIVIDO.

Enquanto Bispo católico brasileiro, lastimo a morte deste homem, que sim, muito lutou para que a “cara” romana mudasse, mas não mudou. Rezaremos, sim, por sua alma, embora para os romanos nossa oração não tenha validade alguma. Ainda assim, vamos oferecer nossas orações, com a sincera esperança de que Deus o tenha em sua guarda e proveja à igreja de Roma um novo Papa verdadeiramente católico e sobretudo com horizontes de unidade sem opressão e que tenha coragem de IMPOR o ecumenismo verdadeiro, sem medo de disciplinar os que apenas fazem teatros ecumênicos.

A análise dura, não é sobre quem tentou ser coerente, mas sobre quem acena sim com a cabeça, mas vira as costas e age como se nada tivesse ouvido.

Nesta diocese de Barra de São João – RJ celebraremos, junto da Missa de São Jorge no próximo dia 23/04, por seu descanso eterno.


+Dom Antonio Duarte Santos Rodrigues
Diocesano de Barra de São João RJ.


Padre Wagner Neto: Se no Brasil o senhor acha que o clero romano parou na Idade Média, no que tange ecumenismo, cá na Europa, Portugal e Espanha, eles estão nas cruzadas contra os hereges e, atenção, TODOS que estão fora da Igreja Católica são considerados SEITAS HERÉTICAS... O ecumenismo que Francisco pregoava simplesmente foi distorcido por caras e bocas tortas da maioria do clero romano... Não esqueças que na JMJ [Jornada Mundial da Juventude] DE LISBOA, o finado Papa citou que a Igreja deveria acolher TODOS 102 VEZES... daí pergunto-vos: onde está este acolhimento? No vazio do limbo, infelizmente...

Padre Luiz Bergara (Ortodoxia de Rito Ocidental): Excelência, bom dia. Peço a vossa benção e Deus o abençoe. Retirei a minha marcação de sua publicação. O Sr. Jorge Mario Bergoglio foi um dos maiores promotores do relativismo, do sincretismo religioso e do falso ecumenismo, ou seja, de uma religião totalmente estranha aos tempos apostólicos. Do ponto de vista administrativo, os próprios Sacerdotes Romanos dizem da confusão que foi feita por ele. Enquanto homem, esperamos que ele tenha tido tempo do arrependimento dos seus atos e da conversão sincera, pois enquanto há vida há esperança e sempre devemos lutar pela salvação das almas.

Marlon Misko: Pois é, hoje é um dia de ver e ler muita hipocrisia de católicos romanos sobretudo, que desejavam o mal e a morte do Papa, que o chamavam de comunista por seguir o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo, que esnobavam, enfim, desde grande homem e Papa Francisco. Hoje lastimam e se fazem de comovidos por sua morte, escrevem longos textos e tudo mais, não são nem um terço ecumênicos, as palavras de Francisco entravam num ouvido e saiam pelo outro, como diz o ditado popular. Enfim, Deus conhece o coração de todos!!! Que o bom Deus o receba em seu Reino Eterno!


Muitos acharam esta montagem de mau gosto, porque pensavam que se estava zoando com a morte do papa, rs. Mas na verdade, ela representa muitos mais a aura tóxica do atual vice-presidente dos EUA, que se diz “católico conservador”, embora seu embarque no trumpismo após críticas virulentas revele bem sobre o caráter do sujeito...