Há alguns anos achei o vídeo abaixo no canal de um tal Antonio Roberto Vigne, mas só agora tive tempo de fazer uma publicação a respeito, rs. Publicado no YouTube em 2017, diz na descrição que está filmando o guardião do Templo Positivista do Estado do Rio Grande do Sul, o músico Érlon Jacques, que toca alguns hinos da Igreja Positivista (“Filosofia”, segundo Antonio) no órgão do “Templo da Religião da Humanidade”. Convidando os internautas a visitar o local, ele continua: “As prédicas dominicais são discussões filosóficas da proposta de Comte, algo extremamente interessante, pois é um culto coletivo, algo que não se vê facilmente e que merece apreciação social.”
O encontro de senhores e alguns moços parece bem simpático, mas as letras que o músico canta (ambas de sua autoria, suponho), destinadas a formar um futuro hinário positivista, poderiam muito bem ser executadas numa hipotética Igreja Ateísta do Reino de Dawkins! Ou falei cedo demais? Pois a se julgar por um artigo de 2023, o ex-popstar do “movimento neoateísta” da virada das décadas de 2000 e 2010 não renegou o ceticismo, mas aceita hoje o título de “cristão cultural”. Só pra dizer que, se tivesse de escolher entre Yeshua e Maomé, não hesitaria no coming out de sua islamofobia...
No século 19, os adeptos do positivismo de Auguste Comte (pelo menos da vertente chamada “religiosa”) criaram algo chamado “Igreja Positivista”, em que fazem uma espécie de missa, mas “cultuando” a Ciência, a Humanidade e outras coisas prosaicas que eles elevam a uma duvidosa categoria sacra. Enquanto filosofia, o positivismo no Brasil influenciou bastante o movimento republicano, sobretudo os militares, na virada dos séculos 19 e 20, e em cidades como o Rio de Janeiro ainda existem tais “templos”, abertos e funcionando.
Falo aqui em tom de zoeira, não só porque tudo o que cai em minha mão vira meme, mas também porque acho essa história de “religião positivista” uma baita bobeira e perda de tempo. Quem não crê em nada (mais exatamente, quem não crê em forças sobrenaturais), não precisa ficar cultuando nada e vai achar outras formas pra preencher o tempo, em especial pra se aperfeiçoar! Me lembrei desse vídeo ao ser instigado por um artigo de opinião bem aguado, publicado na Folha em 5 de maio por um tal Juliano Spyer, dizendo que “a religião está de volta”, já que, pro “lamento” de ateus e agnósticos, eles não conseguiram a trocar por nada.
Aproveitando a deixa de uma senhora que respondeu dizendo que céticos “não precisam distribuir panfletos nem encher templos”, acrescento que religião não é pra ser “substituída”, mas desmentida, mais exatamente no que tem de crenças errôneas, prejudiciais e concorrentes com o conhecimento científico ou mesmo o simples bom senso. Já os acréscimos pra arte e pra música são outra questão...
Os dois primeiros hinos, que transcrevi abaixo, dispensam explicações. O terceiro é uma homenagem à Liga da Defesa Nacional, entidade patrioteira criada em 1916 em meio ao fogo na periquita causado pela 1.ª Guerra Mundial e que teve o ufanista Olavo Bilac como um dos fundadores. A Liga continua ativa, sobretudo no Rio de Janeiro, e é basicamente ligada ao Exército e movida por um bando de milico reformado com saudades do “tempo em que se cantava o Hino Nacional nas escolas”. Nesta dissertação de mestrado, Tiago Siqueira de Oliveira aborda a história da Liga de maneira crítica.
A quarta canção é a faixa Positivismo, gravada pelo decomposto Noel Rosa. Ao final, o gaudério de lenço no pescoço empunha sua viola e repete o segundo hino, com poucas mudanças, mas numa versão cuja caracterização você pode escolher entre “Chico Mineiro” e “Odair José”, rs. Vários de seus trechos parecem uma involuntária descrição certeira da chamada “geração Z”... Enjoy it:
Livres de Deus
O vício do trabalho
[Dá pra substituir Deus por medo
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Adorava uma deusa de verdade
Se existisse consciência
Não estaria recebendo agora
Adorava uma deusa de verdade
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Um século de glória
Liga nosso Brasil
Um século de glória
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Dawkins “matando Deus”, segundo o próprio autor da montagem, rs.
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