Por Erick Fishuk
Sentiram falta da postagem do último domingo? Sentiram falta da postagem que sempre chega duas vezes por semana, às 10 da manhã? Pois é, não estou deixando de cumprir meu compromisso com vocês, mas reconheço que desta vez cheguei um tanto atrasado. É que ontem realizei várias atividades intelectuais, e acabei deixando pra escrever a postagem apenas à noite, só hoje conseguindo concluir.
Mas o que há agora de tão especial, que a postagem teve de ser adiada? Na verdade, diante de tanta coisa que tenho tido pra fazer nas últimas semanas, deixei pra escrever o texto de ontem no próprio dia, ao invés de já deixar coisas programadas pra irem saindo em datas e horas exatas. Não, não se trata do Dia das Mães, embora eu o tenha passado de forma muito especial em casa, com mamãe e vovó. Trata-se se algo que eu achei jamais poder atingir em alguma iniciativa com blog: a postagem número duzentos, o que diante de tantos blogs consagrados no Brasil, desde os de militância política e conteúdo intelectual até os de besteirol ou fofocas, pode parecer pouco. Mas pra mim, é muito, bom demais! E vou explicar por quê.
Por isso, na postagem de hoje, queria reservar o espaço pra falar um pouco sobre minha vida com as traduções, minhas iniciativas passadas com blogs e a trajetória com este Traduções de Erick Fishuk, comparando as expectativas iniciais e o que finalmente realizei na prática. Não quero deixar este texto tão longo, formal ou denso quanto o de esperanto, mas não posso evitar o tom memorialístico, que é, aliás, uma das inovações recentes na minha vida intelectual. Estou achando interessante refletir sobre minhas atividades cultural-produtivas passadas, pra retomar dominando aquilo por que já passei e deixando uma lembrança mais ou menos fixada pro meu futuro, ou pros do futuro.
Fazer um blog era uma forma muito corrente de expressarmos opiniões ou compartilharmos fotos e outros arquivos quando as redes sociais ainda não tinham se alastrado. Isso foi mais ou menos até o começo desta década, quando ativistas e pensadores em geral ainda tinham tutano e articulação pra expor de forma desenvolvida e aceitável os produtos de suas reflexões. Até hoje, quem se aventura nessa seara continua recorrendo, sobretudo, ao Blogger (que ainda conserva os endereços com a forma “Blogspot”) e ao Wordpress, cada um com vantagens específicas. Existem outros serviços, mas são pouco divulgados. Não vou citar blogs e blogueiros, pois eles já são muito conhecidos. Mas o blog ainda é um meio mais fácil, sólido e seguro de postar textos e material didático-cultural quando se quer fazê-lo de forma sistemática e duradoura, e muitos seguem recorrendo a essa ferramenta. E o mais interessante é que, com os meios de financiamento criados pelas grandes empresas de informática, blogueiro passou a ser uma profissão absolutamente viável. Alguma similaridade com youtuber não pode ser vista logo de cara?
Pois é. Não quero dizer que o “vil metal dinheiro” começou a corromper as inocentes intenções e relações mantidas nesse meio de comunicação. Mas a ascensão das redes sociais, e inclusive a transformação do YouTube numa espécie de rede social, com sua vinculação ao esdrúxulo Google+, mudou radicalmente a forma de se expressarem opiniões, e especialmente de se reagir a elas. Hoje, com uma simples conta no Facebook, adicionando milhares de amigos ou entrando em inúmeros grupos (e por vezes interagindo com diversas páginas, ou até criando a sua própria), podemos dar a conhecer nossas mínimas pérolas de sabedoria, de modo imediato, gratuito e folgado, potencialmente ao mundo inteiro. Escrevemos menos (em tamanho de cada texto), somos às vezes mais lidos, reagimos de modo impulsivo a opiniões contrárias, e assim estamos mais vulneráveis a ofensas, desagrados e mal-entendidos. Nem falo nada do Twitter, que hoje considero (talvez não sem engano) um simulacro da potência que era no início da década: o egotismo de cada um não cabia em 140 caracteres. Mas a praticidade nem sempre incorreu em qualidade, e mesmo a articulação entre suportes antigos e mídias recentes não é dominada pela maioria no grau em que deveria ser.
Como eu disse, ainda se fazem blogs, ainda existem blogueiros, mas as massas preferem a popularização do pitaco, a interação acelerada e alheia às consequências colaterais que ela pode ocasionar. E esse novo modo de se expressar, aliado à inovação das plataformas de mídia na internet, deu origem justamente ao mito do youtuber, ou seja, de que qualquer pessoa pode filmar a si mesma, falar com propriedade fingida sobre qualquer assunto, ter milhares ou milhões de visualizações no mundo todo e de quebra ganhar dinheiro com isso, pelo recurso à monetização. E como essa democratização é justamente um mito, a queda na qualidade do conteúdo dos vlogs (outro termo que hoje parece em desuso, assim como “vlogueiro”), concentrados sob o monopólio quase total do YouTube, foi abissal. Quanto aos que adotaram uma abordagem mais midiática e mercadológica, a esperança de que superassem a televisão se esvaneceu, e eles se tornaram apenas um espectro seu, piorado, sem nenhum acréscimo pra aproximar as pessoas e proporcionar-lhes mais conhecimento (pelo contrário, não raro lhes inculcando preconceitos mastigados e opondo-as umas às outras). As exceções são fantásticas (e um dos mais admiráveis exemplos é o canal da graduanda em História Débora Aladim), mas raras e marginalizadas.
Minha primeira experiência com um blog foi em junho de 2009, quando criei o Pensadores Libertos e adicionei como coautor meu colega da graduação em História na Unicamp, Ricardo Amarante. Na verdade, quase colegas, porque eu era da turma 2006, e ele da turma 2008. Eu ainda tenho todos os textos guardados em backup, que não são muitos, e com muito carinho tenho também a única contribuição do Ricardo, chamada “Liberdade de cada um”, com uma epígrafe do hoje Nobel de Literatura Bob Dylan. Muitas coisas eu acabei republicando neste blog ou em outros blogs nesse ínterim, mas a maioria foi retirada de circulação e continua guardada comigo até hoje. O foco não eram as traduções ou problemas linguísticos, que na época eu dominava mal, além de estar no meio do meu aprendizado de idiomas. Eu estava começando a abandonar o catolicismo, a fazer intensas leituras filosóficas e estava digerindo as aulas teóricas mais problematizadoras do ano anterior de faculdade. Além disso, começava a me interessar pelo chamado “movimento neoateísta” e gostava muito de atualidades políticas, por isso muitas postagens foram feitas pra comentar esses temas, num tempo em que o Orkut ainda permitia pouca interatividade, em que quase ninguém no Brasil tinha Facebook (eu criaria minha primeira conta apenas em setembro) – e ele mesmo ainda era meio jurássico – e em que eu mesmo queria expor minha opinião ao mundo. Nesse momento importante de cristalização das minhas convicções pessoais e minhas propensões intelectuais, felizmente não comecei por YouTube e Facebook, como os jovens de hoje, e isso me permitiu um considerável ganho de articulação, conhecimento e gosto pela pesquisa!
Eu não tinha uma frequência regular de postagem, publicava quando algum assunto me interessava ou dava vontade de criticar, e talvez o mais interessante dessa iniciativa tenha sido o caráter artesanal, espontâneo, sem regularidade, ao contrário do que estou fazendo com este blog. Propaganda, era manual mesmo, de copia-e-cola em diversos grupos do Orkut, com pouco risco de ser bloqueado devido à prática de spam, mas o mais interessante é que essa divulgação me proporcionou importantes amigos na própria Unicamp, com quem mantive contato por muito tempo. Outro detalhe importante, que já devo ter mencionado em ocasião anterior, é que o Pensadores Libertos foi o primeiro lugar em que publiquei as traduções escritas do Hino Nacional da URSS e do Hino Nacional da Federação Russa, que respectivamente seriam as bases da minha primeira e terceira legendagens no canal O Eslavo no YouTube. Também traduzi e publiquei aí o texto que legendaria o segundo vídeo do canal, o hino soviético usado no tempo de Stalin. Os três poemas tiveram o texto corrigido por meu professor de russo na Unicamp, Nivaldo dos Santos. Eu iria terminar a iniciação científica em julho de 2009, então estava com tempo pra ficar “blogando” (como se dizia naquele tempo...) por uns bons momentos. Mas com algumas preocupações acadêmicas e pessoais, tive uma crise de ansiedade em novembro e passei a postar um pouco menos, embora por vezes uma nova publicação fosse meu consolo, e em 2010 eu faria matérias decisivas de russo e de estágio de licenciatura, devendo concentrar-me nas obrigações universitárias. Foi por isso que, talvez por volta do meio do ano, decidi apagar o blog, não sem antes salvar todos os textos, que por vezes releio com algum riso, encerrando uma decisiva experiência intermediária entre o Sites Sobre Idiomas – SSI, que eu tinha fechado em 2009 após mantê-lo por sete anos, e obtendo, assim, razoável habilidade crítica e um bom manejo dos mecanismos do Blogger.
Pouca gente sabe, mas nos primeiros meses de 2011 eu mantive no mesmo serviço do Google um blog bem efêmero, que chamei Reflexões em foco: não vejo a hora de aplicar esse título a uma nova iniciativa... Mas seu conteúdo era bastante substancial, pois na época eu escrevi muitos textos reflexivos instigantes, a maioria de apenas uma página no Word, e vários deles eu publiquei aí. Também os publicava com o saudoso recurso das notas no Facebook (quando não se faziam “textões” como postagem regular), e muita gente gostava (falando nos comentários, e não apenas clicando no joinha) e opinava amigavelmente, mas a rede social não era algo que eu ainda usasse com frequência. A única vantagem é que, no começo, os contatos eram muito mais cheios de qualidade, e a “orkutização”, como eu brincava na época, só começaria em 2012, com a popularização do site entre os brasileiros; já no começo de 2011, nem eu mais usava muito o Orkut. Muitos, claro, eu publicava no novo blog, mas não usava muitos recursos de divulgação; aliás, vários eram reproduzidos ainda numa antiga conta minha do Recanto das Letras, que me proporcionava vários feedbacks interessantes. O engraçado é que eu não interligava muito o blog com meu recém-criado canal no YouTube (novembro de 2010), então chamado “Pan-Eslavo Brasil”, e que no meio do segundo semestre de 2015 passou a se chamar “Pan-Eslavo” e, desde o começo de 2017, “O Eslavo”. Eu não conhecia muito bem as técnicas de postagem de vídeos no Blogger, e ainda não tinha experiência em traduções, legendando apenas canções russas mais simples, que tinham o texto impresso disponível online e eram bem curtas.
Mas acho mais oportuno falar sobre o canal O Eslavo em paralelo com minha nova iniciativa blogueira iniciada em janeiro de 2012: o Materialismo – Filosofia, que continua ativo até hoje, embora eu não poste mais nada desde o finzinho de 2014. Desde 2009, eu travava contato no Orkut com o professor de Filosofia e mestrando na mesma disciplina na Unicamp, Giuliano Tommasini Casagrande, por meio da comunidade “Materialismo” que ele tinha criado na rede social. Ele professava abertamente o ateísmo, que ele identificava com o materialismo filosófico, e escrevia na comunidade textos muito interessantes sobre o assunto, que me instruíram muito a respeito. Com nossa amizade virtual solidificada, sugeri-lhe que criássemos o blog com o nome citado, destinado especialmente aos textos teóricos dele, e ele aceitou. Eu estava retomando meu interesse pela filosofia, especialmente pelo ateísmo, após aquela leva de textos teóricos mais discretos que tinha escrito na primeira metade de 2011. Então, além dos textos do Giuliano, que eu corrigia formalmente e adaptava ao modelo HTML, às vezes eu mesmo publicava coisas minhas, reflexões pessoais ou sobre religião, muitos dos textos de 2011 republicados e revisados. Como base pro que sei atualmente sobre blogs, o Materialismo.net (comprei o domínio em junho de 2012) foi muito mais importante do que qualquer iniciativa anterior, e além disso me proporcionou fazer a publicação e divulgação de minhas primeiras traduções textuais de substância, tanto apenas escritas quanto as destinadas depois à legendagem. Foi aí, aliás, que postei pela primeira vez os textos de discursos mais longos, acompanhados dos próprios vídeos legendados. Na segunda metade de 2011, sem nenhum suporte próprio, eu cheguei a postar algumas reflexões pessoais no site “Irreligiosos”, assim como num dos blogs da Sociedade Racionalista, no qual eu fiz também minhas primeiras postagens do poema “Religião e vida” e do artigo “Socialismo e religião”, de Vladimir Lenin.
Várias das traduções que postei no Materialismo – Filosofia, eu tirei daí e coloquei neste blog, mas no começo as postagens eram bastante frequentes, sem nenhuma regulagem, e talvez essa intensidade foi o que depois desgastou o site. Claro, o Facebook foi um meio oportuno e eficiente de divulgação, com os vários grupos em que eu tinha entrado e com os muitos “amigos” que podiam ver minha linha do tempo. E não só eu, mas também o Brasil inteiro estava começando a usá-lo com mais frequência, o que o tornou literalmente uma aldeia global. No quesito ateísmo, minhas brigas não eram tão intensas quanto a respeito da história do comunismo no século 20, mas felizmente não fiz da rede social a plataforma privilegiada de minha produção cultural. Porém, gradualmente, e à medida que eu me preparava pra entrar no mestrado em História Social da Unicamp, fui perdendo meu interesse pelo ateísmo como ideologia e como expressão cultural-ideológica (e mais ainda pelo assim chamado “neoateísmo”, o qual, hoje eu diria infelizmente, foi “saindo de moda” numa década de crescente obscurantismo), embora eu jamais voltasse a ter qualquer crença ou prática religiosa. Ao mesmo tempo, meu interesse pela história da URSS ia aumentando, eu melhorava meu conhecimento de russo e francês, começava a fazer cada vez mais traduções e legendagens a partir dessas línguas e, portanto, minha produção reflexiva ia minguando, e no início de 2014 eu já alimentava a ideia de fazer um blog separado pras traduções e legendagens. Laico e sem qualquer profissão ideológica explícita. Pensei também em inaugurar blogs sobre outros temas, como a história do PCB, mas tive de abandonar por causa da falta de tempo. O máximo que consegui foi inaugurar este blog em 1.º de agosto de 2014, quando eu começava o segundo semestre de meu mestrado e suas novas e instigantes matérias, já revelando na primeira postagem de inauguração minhas inspiradas intenções – confesso que mais tarde eu editei o texto conforme vicissitudes posteriores, mas nada que lhe tirasse a essência. Em 2014, fiz apenas três postagens no Materialismo – Filosofia, as últimas, e muita coisa de lá eu apaguei, conforme mudava algumas convicções, ou transferi pra este blog, sobretudo minhas traduções.
Começava uma nova fase da minha vida intelectual, a atual e certamente a mais importante, e ao mesmo tempo, meu canal no YouTube ia crescendo gradualmente. As primeiras postagens deste blog, como vocês podem ver, foram mesmo de textos apenas escritos, mas aos poucos fui postando também os vídeos legendados, especialmente os mais antigos, e o novo suporte fornecido também favorecia a divulgação do conjunto no Facebook. Durante os anos, fui aperfeiçoando as habilidades em HTML e design que eu tinha adquirido com o Materialismo – Filosofia e fui aprendendo muito mais coisas, e após diversas reformas e correções, o Traduções de Erick Fishuk chegou a esta forma final que vocês veem agora. Justamente pensando em não desgastar logo o blog, decidi postar apenas uma vez por semana, todo domingo, e a partir de maio de 2016, essa frequência passou a ser bissemanal, duas vezes por semana, toda quarta e domingo. Mas o mais importante é que, desde o começo, ele já foi pensado com a articulação com o canal O Eslavo, e as primeiras postagens foram muitos textos que basearam legendagens, mas estavam guardados em formato Word. Aos poucos, sempre que fazia uma nova legendagem, também postava o texto original, e quase sempre a tradução, no blog, além da descrição feita no vídeo do YouTube. Como vocês podem ver, em geral essa descrição também tem o link pra postagem equivalente no blog, acompanhado da indicação “Leia também a versão escrita”. E pensando nisso foi que reformulei a maioria das descrições no site de vídeos, pra que ficassem parecidas com o que eu postava aqui, e também passei a escrever as descrições dos vídeos sempre pensando na futura publicação blogueira. No começo de 2015, O Eslavo tinha pouco mais de 1300 inscritos, e no momento em que escrevo, tem 4926: parece ínfimo ante os grandes fenômenos do YouTube que surgiram nestes anos, mas dada minha dedicação necessária à pós-graduação e a marginalização das iniciativas culturais na grande mídia, acho que fiz um bom trabalho, considerando ainda que em 26 de junho de 2016, os inscritos ainda eram apenas 2800.
Devo lembrar, claro, que até julho de 2015, me vali muito do Facebook pra divulgar vídeos e postagens, mostrando em grupos, em páginas alheias ou na minha própria linha do tempo, mais raramente apresentando em mensagens privadas a certas personalidades. Na primeira metade de 2014, cheguei até a ter na rede social uma página do “Pan-Eslavo Brasil”, que muitas pessoas curtiram e gostavam. Mas em julho de 2015, quando decidi deletar minha conta, apostei em carregamentos mais frequentes de vídeos, pra deixar o canal bem movimentado e, portanto, visível. Deu certo, e a grande massa dos atuais 190 vídeos do meu canal foi carregada a partir de agosto de 2015. O único problema é que eu não soube delimitar muito bem o tempo pra pesquisas do mestrado e pra traduções e legendagens, e acredito que por causa de alguns deslizes, eu fiquei um pouco mais apertado pra escrever a dissertação final do que desejava. Mas não me arrependo nem um pouco, e hoje considero essas duas obras as maiores realizações intelectuais de minha vida, e meus xodós mais queridos, depois, claro da minha mãe, minha avó e minha namorada, hehehe. (Claro que também amo a pesquisa acadêmica, mas a vejo antes como um trabalho do que como o espaço de uma redundância chamada “cultivo cultural”...) Meu blog e meu canal são as principais ferramentas pra praticar os idiomas que já sei e o estímulo pra aprender novos, além de atiçarem uma curiosidade inquiridora que me inspira até mesmo no doutorado. De fato, com a vida acadêmica mais estável e planejada (comecei o doutorado em março agora), pude lidar com mais calma com esses dois “xodós”, pra poder inovar sempre mais e buscar coisas de interesse crescente.
Também me intrigo que, aparentemente, O Eslavo e Traduções de Erick Fishuk sejam muito inovadores em proposta, embora eu ainda duvide de sua contribuição qualitativa. Muito tenho a fazer, e muito mais interessantes e encantadoras são as legendagens e traduções que tenho em vista. Mas parece que, sem querer, inaugurei dois conceitos na internet cultural que sempre foram praticados esporadicamente, mas jamais de forma sistemática e integrada como eu faço: traduções históricas e canal de legendagens. No primeiro caso, obviamente tradutores profissionais ou militantes loucos por um bico sempre verteram documentos ou discursos famosos pra publicação em livros, mas creio que fui o primeiro a fazer isso seguidamente, e como principal foco de minha atuação tradutória. Há de fato tradutores profissionais com formação em História, como a querida Denise Bottmann, mas ela realmente traduz historiografia, enquanto eu realmente não pretendo levar tradução e legendagem como ocupações principais em detrimento da de pesquisador e professor universitário (embora os calejados no ramo detestem essa história de fazer isso “como bico”...), embora eu queira continuar vertendo mais e mais material histórico. Contudo, acredito que meu blog seja um dos poucos espaços online onde é possível achar, por exemplo, grande quantidade de textos e vídeos soviéticos traduzidos em português, como é o caso da coleção completa dos discursos de Lenin gravados em disco. Desde 2011, com efeito, meu objetivo não foi tanto ajudar a mim mesmo com as traduções, embora eu tivesse aprendido muito nessa jornada, mas a outros pesquisadores brasileiros e lusófonos com os mesmos interesses temáticos do que eu.
Quanto ao “canal de legendagens” que realmente é O Eslavo, desde o começo minha intenção foi realmente postar vídeos legendados e encher meu canal com eles, e centralmente com eles, e não, por exemplo, com gravações minhas falando alguma coisa, como já estava virando moda em 2010. Fui inconscientemente dizendo às pessoas que tinha um “canal de legendagens”, com essa ideia implícita de que não se tratava, como também se dizia então, de um vlog, isto é, de um blog em vídeo, mas o considerando um canal como todos os outros (aliás, no início, o conceito mais amplo de “canal” ainda não tinha totalmente suplantado o mais restrito de vlog). Quando escrevi no final de 2015 a uma professora aposentada da Unicamp que eu tinha um “canal de legendagens” e ela me perguntou: “O que é um canal de legendagens?”, foi então que me toquei da considerável peculiaridade de meu projeto, embora talvez a dúvida pudesse com alguma razão ser atribuída a lapsos cognitivos da acadêmica. À medida que O Eslavo ia crescendo e se enchendo de vídeos, a esmagadora maioria sendo legendagens de canções e discursos históricos (embora só agora eu tenha decidido dar videoaulas, e ainda assim apenas por voz), percebi esse diferencial diante de outros canais e passei a me orgulhar dele. Claro que outros canais também faziam, e fazem, legendagens esporádicas, principalmente de filmes comuns e material político-militante, mas por enquanto isso ainda parece uma atitude ocasional, não orgânica à própria criação do canal. Sou um dos únicos a me dedicar quase exclusivamente à legendagem, e outra notável exceção é o canal Tradutores de Direita, que é impulsionado, todavia, por uma ampla equipe voluntária, postando muitos vídeos diários, enquanto minha empreitada, devo dizer, continua artesanal, esporádica e não orgânica (embora muito imbricada) à minha profissão. Além disso, nos diferenciamos pelo modo como tratamos graficamente o material a ser legendado, pelo próprio estilo de legendar e pelo caráter apartidário de meu trabalho: embora eu tenha convicções pessoais que coincidem em apenas poucos pontos com os Tradutores de Direita, e eu muitas vezes as insira subliminarmente nas legendagens ou nas descrições dos vídeos, minha paixão é movida pela curiosidade linguística e cultural (e também pela minha ascendência ucraniana), mesmo diante de minha frequente lida com o comunismo, o qual, reitero, eu não professo nominalmente. Quem sabe até outras iniciativas isoladas não tenham se inspirado na minha, e até mesmo os direitistas, cujo canal foi criado em agosto de 2012, tenham começado a reagir às muitas coisas que eu já tinha postado no fim de 2011 e na primeira metade de 2012? Posso estar delirando nesse caso, mas pelo menos uma garota já deve ter se inspirado em mim e fundou no começo de 2016 o que ela diz ser um canal de “canções e marchas históricas”: é o Cantus Fidei, que se baseia essencialmente em montagens feitas no Movie Maker e infelizmente está parado há alguns meses. No final daquele ano, ela até sugeriu uma parceria entre nossos canais, e faço sua propaganda ativa, enquanto ela colocou um link pro Eslavo no canal dela. Mas por causa de algumas vicissitudes pessoais e estudantis, ela não consegue se empenhar tão regularmente quanto eu, mas espero que sua sementinha cresça!
Fui obrigado, inevitavelmente, a falar muito do meu canal no YouTube, enquanto o assunto principal desta postagem número 200 do Traduções de Erick Fishuk deveria ser meu próprio blog. Mas desde o início, este está umbilicalmente articulado ao Eslavo, e ambos fazem parte de um velho sonho meu mais amplo, que é o de fornecer o máximo de material histórico, principalmente de viés político e cultural, traduzido em português ao público leigo ou acadêmico interessado. Traduzir é criar pontes, é apresentar novos mundos, é conectar tempos, lugares e pessoas. E também acredito que ampliar o conhecimento, seu e dos outros, é suprimir angústias e preconceitos que levam a choques inevitáveis entre posições contrastantes, no mais das vezes desinformadas. A fruição estética e a evocação de uma lembrança passada também não podem ser negligenciadas. Sempre pensei em tudo isso enquanto criava, preenchia, ampliava e reformava meu canal no YouTube e meu blog no Blogger, e fico muito feliz que o retorno tenha sido imensamente positivo. As pessoas se felicitam demais por finalmente descobrirem o significado de uma música ou discurso, e se alegram ao descobrir cada vez mais sobre culturas que admiram, como a russa e a ucraniana, ou eslava em geral, como muitos mencionam. Claro que o prazer também é muito meu em estar exercendo uma atividade “manual”, aprender sempre mais com as pesquisas e ver seu trabalho pronto e funcionando. Mas realmente maravilhoso é proporcionar com tudo isso alegria e saber a tantos mais.
Infelizmente, ao contrário do que eu pretendia, o texto ficou longo e denso, mas pelo menos não tão formal. Como eu disse no começo, parece mesmo interessante refletir sobre minhas atividades cultural-produtivas passadas, algo aparentemente inusitado quando se trata de iniciativas online, e não lembranças laborais ou partidárias típicas de senhores que gostam de escrever memórias e autobiografias. Mas confesso que espero serem essas as sementes de resultados bem mais amplos, que quero ver frutificarem ao longo da minha vida, a ser ainda longa diante dos quase apenas 30 anos que já percorri. Como um balanço pessoal e bem localizado do que já fiz até agora, posso dizer com satisfação que valeu a pena, pelo menos perto do lixo que a internet nos oferece, a despeito do quão revolucionárias possam ser as atuais tecnologias. E que continue a valer a pena como base do que vier por aí!
Bragança Paulista, 14-15 de maio de 2017