terça-feira, 30 de janeiro de 2024

God Made Trump (E Deus criou Trump)


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Quando achamos que o bolsotrumpismo já chegou a seus limites de ridículo e de idolatria cega, a conta do ex-presidente dos EUA na rede Truth Social (ou seja, dele mesmo) postou um vídeo de pouco mais de dois minutos, intitulado God Made Trump, literalmente “Deus fez Trump”, mas que na referência ao livro bíblico do Gênesis ficaria melhor “Deus criou Trump”. O sentido é o mesmo, ou seja, de que a galinha ruiva teria sido enviada pelo altíssimo com uma espécie de missão divina pra fazer tudo o que é descrito pelo narrador. Sabemos que esse lance de “monarquia de direito divino” é coisa do Antigo Regime e que os últimos a insistirem nesse tipo de governo literalmente “perderam a cabeça”. Mas quem não se lembra que até no dia de Nossa Senhora de Aparecida, malucos uniformizados e alcoolizados foram alvoroçar o santuário enquanto apontavam pra canecas de cerveja com a cara do Bolsonaro, dizendo “Meu deus tá aqui!”?

Julgo ter sido nosso cúmulo de decadência moral e intelectual. Mas voltando ao Norte, muitos compatriotas também acharam a montagem ridícula e assustadora, fazendo essa associação de uma figura tão caricata e truculenta com uma missão celeste. Mas a linguagem simplória, a referência ao cotidiano popular comum (uma falsa identificação do chefe com seus seguidores), o enredo improvável e as referências bíblicas são exatamente o grosso do repertório mental do trumpista médio. E levando em conta que sua vida psíquica se limita à realidade paralela construída no mundo digital, o impacto pode ser, sim, enorme, ao contrário do que nós, que nos achamos vacinados e instruídos, pensamos do alto de nossas torres de marfim.

Pra piorar, nem se trata de um texto original, e sim da paródia completa de um discurso do celebérrimo radialista americano Paul Harvey (1918-2009) chamado So God Made a Farmer (Então Deus criou um fazendeiro), dado na convenção de 1978 da FFA (Futuros Fazendeiros da América), uma organização juvenil que visa educar pro trabalho e valores do mundo agrícola. Publicado em livro pela primeira vez em 1986, tem uma temática não estranha ao mundo trumpista, que é a idealização do mundo rural e a religiosidade cotidiana, mas a “nova versão” vem inserida num imaginário conspiracionista e negador da realidade. O fato do vídeo ter sido publicado exatamente no aniversário da invasão do Capitólio, 6 de janeiro, torna a coisa ainda mais medonha.

Fora da Bolha do Donald (a Truth Social), a pérola também foi publicada num canal do YouTube que afirma lançar “notícias alternativas” (imagine quais...), bem como num perfil do Équis que reproduz exatamente as trumpadas diárias e no perfil de Marjorie Taylor Greene, deputada federal “MAGA” pelo estado da Geórgia. Este youtuber evangélico brasileiro fez um vídeo de 18 minutos comentando a propaganda como “idolatria humana”, e aos 6 min 44 seg (isto é, no segundo 404) ele exibe o vídeo, mas com as legendas automáticas da plataforma que são bastante imprecisas. Por curiosidade, também incorporei abaixo esse trecho. E de todas as transcrições mais ou menos completas que achei, nenhuma delas corresponde exatamente ao áudio, então fui “caçando” de cada uma o que batia; aí se incluem os artigos de um site chamado Mediaite e das agências Daily Kos e The Independent.

Criando minha própria transcrição que publiquei abaixo e a comparando com o áudio original, joguei no Google Tradutor e fiz diversas correções no resultado, que também segue abaixo. Ontem me dei conta que podia comparar com alguma possível tradução do So God Made a Farmer, e esse pode ser um trabalho futuro meu ou de algum herói que tenha mais tempo e paciência. Mas como meu objetivo é essencialmente informativo, fique com o resultado já alcançado; sugestões provisórias são muito bem-vindas:




E em 14 de junho de 1946, Deus olhou para Seu Paraíso planejado e disse: “Preciso de um zelador”. Então Deus criou Trump.

Deus disse: “Preciso de alguém disposto a acordar antes do amanhecer, consertar este país, trabalhar o dia todo, combater os marxistas, jantar, depois ir ao Salão Oval e ficar até depois da meia-noite em uma reunião dos chefes de Estado.” Então Deus criou Trump.

“Preciso de alguém com braços fortes o bastante para sacudir o Estado Profundo, mas também gentil o bastante para ajudar no nascimento de seu próprio neto. Alguém para irritar e domar o rabugento Fórum Econômico Mundial, voltar para casa com fome, ter que esperar a primeira-dama terminar de almoçar com as amigas, depois dizer às senhoras para ficarem seguras e voltarem logo. E ser sincero.” Então Deus nos deu Trump.

“Preciso de alguém que saiba forjar um machado, mas empunhar uma espada, que teve a coragem de pisar na Coreia do Norte, que possa ganhar dinheiro com o alcatrão da areia, transformar líquido em ouro, que entenda a diferença entre tarifas e inflação, que vai terminar sua semana de 40 horas até terça-feira ao meio-dia, mas depois dedicar mais 72 horas.” Então Deus criou Trump.

Deus precisava de alguém disposto a entrar na toca das víboras, desmentir as notícias falsas vindas de suas línguas tão afiadas quanto a de uma serpente – o veneno das víboras está em seus lábios –, mas ainda assim pará-las. Então Deus criou Trump.

Deus disse: “Preciso de alguém que seja forte e corajoso, que não tenha medo ou pavor dos lobos quando eles atacarem. Um homem que cuide do rebanho. Um pastor para a humanidade que nunca a deixará nem a abandonará. Preciso do trabalhador mais diligente para seguir o caminho e permanecer forte na fé e conhecer a crença em Deus e no país. Alguém que esteja disposto a escavar, trazer de volta a indústria e os empregos americanos, cultivar as terras, proteger nossas fronteiras, construir nossas forças armadas, combater o sistema o dia todo e terminar uma árdua semana de trabalho indo à igreja no domingo.”

E então seu filho mais velho se vira e diz: “Pai, vamos tornar a América grande novamente. Pai, vamos reconstruir um país que seja novamente invejado pelo mundo.” Então Deus criou Trump.


And on June 14th [fourteenth], 1946 [nineteen forty-six], God looked down on His planned Paradise, and said: ‘I need a caretaker.’ So God gave us Trump.

God said: ‘I need somebody willing to get up before dawn, fix this country, work all day, fight the Marxists, eat supper, then go to the Oval Office and stay past midnight at a meeting of the heads of State.’ So God made Trump.

‘I need somebody with arms strong enough to rustle the Deep State and yet gentle enough to deliver his own grandchild. Somebody to ruffle the feathers, tame cantankerous World Economic Forum, come home hungry, have to wait until the First Lady is done with lunch with friends, then tell the ladies to be sure and come back real soon. And mean it.’ So God gave us Trump.

‘I need somebody who can shape an ax, but wield a sword, who had the courage to step foot in North Korea, who can make money from the tar of the sand, turn liquid to gold, who understands the difference between tariffs and inflation, will finish his 40-hour [forty-hour] week by Tuesday noon, but then put in another 72 [seventy-two] hours.’ So God made Trump.

God had to have somebody willing to go into the den of vipers, call out the fake news for their tongues as sharp as a serpent’s – the poison of vipers is on their lips –, and yet stop. So God made Trump.

God said: ‘I need somebody who will be strong and courageous, who will not be afraid or terrified of the wolves when they attack. A man who cares for the flock. A shepherd to mankind who won’t ever leave nor forsake them. I need the most diligent worker to follow the path and remain strong in faith, and know the belief of God and country. Somebody who’s willing to drill, bring back manufacturing and American jobs, farm the lands, secure our borders, build our military, fight the system all day, and finish a hard week’s work by attending church on Sunday.’

And then his oldest son turns and says: ‘Dad, let’s make America great again. Dad, let’s build back a country to be the envy of the world again.’ So God made Trump.



Trilha sonora indicada pra esta publicação:




domingo, 28 de janeiro de 2024

Vladimir Putin vs. Bragança Paulista


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Vladimir Putin vai “concorrer” às “eleições” presidenciais de março de 2024 na Rússia como candidato “independente”, mas não é nenhum mistério que o partido Rússia Unida, criado pra ser o aglutinador do putinismo e de suas bases políticas, eleitorais e militantes, não está meramente o “apoiando”, mas segue como a principal graxa que lubrifica as engrenagens da ditadura. Pra isso mesmo, visando manter as aparências de formalidade, o congresso desse partido apoiou oficialmente a “candidatura” de Putin, sob a batuta do ex-American Boy e atual profeta do apocalipse nuclear, Dmitri “Eu Odeio os Ocidentais” Medvedev. E não foi nada menos no site oficial do Kremlin que foi publicado o vídeo e o texto do discurso em que o ditador aceitava e agradecia pelo “apoio” recebido.

Mesmo dentro da Rússia, e entre as mídias de oposição exiladas ou não, uma frase no meio desse lenga-lenga chamou muito a atenção: Putin dizia que a Rússia, ao contrário de “alguns países”, não podia “entregar sua soberania em troca de uma linguiça”. Aqui devo especificar que se trata da palavra “kolbasá”, ou seja, uma palavra genérica pra embutidos de carne, geralmente de porco, que abrangem uma vasta gama de produtos, como linguiças, salsichas (que da forma como conhecemos no Brasil, geralmente em conserva, são chamadas em russo “sosíska”), chouriços e salames, além das várias salsichas que são conhecidas entre as comunidades alemãs. Em todo caso, o uso ficou engraçado, porque segundo o relato da história brasileira, por exemplo, os portugueses teriam “comprado” os nativos com espelhos e outras quinquilharias, mas por que alguém usaria uma linguiça como moeda de troca? (Tá, eu confesso, eu venderia o Brasil por uma feijoada ou um joelho de porco bem preparado, rs!)

Brincadeiras à parte, houve interpretações associando a “linguiça” justamente a um objeto sem valor, uma ninharia, e se não me engano essa foi a leitura do jornalista Kiríll Martýnov. Na verdade, se trata de mais uma das bravatas de Putin, pois não só a infraestrutura pública do país está caindo aos pedaços, como provam os recentes problemas com o aquecimento das casas, como também a China assedia cada vez mais economicamente a Rússia, enquanto se vê obrigada a comprar armas de párias como Irã e Coreia do Norte pra continuar o genocídio na Ucrânia. Além disso, quem acompanha a invasão desde o começo, sabe que o ditador usa o pretexto de que Zelensky teria se vendido à OTAN e aos EUA, portanto Kyiv não passaria de uma “colônia de Washington”. Bem, em vista do que vimos o que acontecia com as populações locais quando o “Mundo Russo” (Rússki mir) chegava até elas, imagino que iam preferir ter como patrão até mesmo aquele Tio Sam das garatujas infantis do Latuff...

A cidade onde moro, Bragança Paulista, é conhecida como a capital nacional da linguiça calabresa, e inclusive recomendo a visita à Famosa, de meu vizinho Luiz Américo, uma das produtoras que fica do ladinho de meu condomínio, além do já conhecido Bar do Rosário. Como bragantino de adoção e em defesa de meus concidadãos, não posso deixar de considerar uma falta de respeito do ditador paranoico ao chamar de “ninharia” esse valioso produto: se ele continuar com desprezo, invado Moscou com toda torcida do Red Bull pra conduzir uma “operação alimentar especial”, rs. Eu baixei o vídeo do site presidencial (basta clicar com o botão direito nele e escolher a opção “Salvar vídeo como”...), cortei o trecho sem legendar e eu mesmo traduzi o parágrafo do texto que estava disponível, mas neste vídeo do YouTube você também já pode ver o trecho separado, embora com muitos logotipos poluidores:


Enfim, tudo o que é secundário, supérfluo, o que nos divide, deve ser deixado de lado. E obviamente devemos e vamos tomar sozinhos todas as decisões, sem pitacos alheios vindos do exterior. A Rússia não pode, como alguns países, entregar sua soberania em troca de uma linguiça e se tornar o satélite de alguém. Devemos nos lembrar, nunca nos esquecer e estipular a nossos filhos: ou a Rússia será uma potência soberana e autossuficiente, ou não existirá de todo. Isso é uma coisa muito importante que sempre deve estar em nossas mentes e em nossos corações. Por isso, obviamente nós mesmos definiremos e construiremos nosso futuro. E essa é a concepção de mundo de um Estado soberano, a base para uma autêntica consolidação civil e para um trabalho conjunto.

А значит, всё второстепенное, лишнее, то, что нас разъединяет, нужно отбросить в сторону. И конечно, все решения мы должны и будем принимать только сами, без чужих подсказок из-за рубежа. Россия не может, как некоторые страны, в обмен на колбасу отдать свой суверенитет и стать чьим-то сателлитом. Мы должны помнить и никогда не забывать и детям нашим наказать: Россия или будет суверенной, самодостаточной державой, или её вообще не будет. Это очень важная вещь, которая всегда должна быть у нас в голове и в сердце. Поэтому, конечно, мы сами будем определять и созидать своё будущее. Это и есть суверенное государственное мировоззрение, основа для подлинной гражданской консолидации, для совместной работы.



Foi isso que fez Angela Merkel aceitar a abertura do Nord Stream 1...

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Condorito (animação chilena, anos 80)


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Criado em 1949 pelo cartunista chileno René Ríos Boettiger (1911-2000), mais conhecido como “Pepo”, o personagem Condorito é o mais famoso dos quadrinhos do Chile, assim como a Mafalda pra Argentina e a Mônica pro Brasil, e já foi publicado em vários países da América Latina e nos EUA. Representado por um condor (condor-dos-andes) antropomorfo, carrega traços de caráter geralmente associados ao homem sul-americano: hábitos e vestimenta simples, jeito leve de levar a vida, humor sutil, astúcia, improviso pra resolver problemas e as mais inusitadas situações vividas no cotidiano. Segundo Pepo, a ideia da criação veio após assistir à animação da Disney Saludos Amigos (1946), em que os célebres personagens viajam por toda a América do Sul, pois achou que o Chile estava mal representado. O condor, afinal, é considerado uma ave-símbolo da região, e além de estar do lado direito do brasão do país, também aparece em outros brasões modernos ou históricos sul-americanos, sobretudo andinos.

Duas de suas marcas mais famosas são o salto pra trás de personagens com a onomatopeia “Plop!”, quando a história termina com a realização da piada, ou a frase “Exijo uma explicação!” dita pelo condor quando seus planos não dão certo. Condorito e as histórias incluindo outros personagens constantes, como seu sobrinho Coné (na verdade uma versão infantil do próprio Condorito), apareceram em tiras de várias publicações periódicas e em revistas próprias, e já nos primeiros anos de expansão do sucesso a equipe de desenhistas teve de aumentar. Mas como desenho animado, não houve grandes iniciativas, sendo a mais bem-sucedida a série de desenhos curtos, de menos de um minuto, que seguem abaixo, produzidos na década de 1980 em coprodução do Canal 13 com a TVE espanhola. Infelizmente, nunca foram transmitidos no Brasil, o que seria bem prático, pois os personagens não falam e há apenas efeitos sonoros relacionados à história e uma música de fundo, tornando-os adequados a quaisquer tipos de crianças, ao estilo da Augusta e do Zeno húngaros.

Aqui, certamente poucos conhecem o Condorito, a não ser que tenham alguma idade: no Brasil, só foram publicadas 12 edições de suas revistas pela Rio Gráfica na década de 1980 e oito edições pela Maltese entre 1991 e 1992. Fora isso, não há referências culturais brasileiras ao Condorito, como há a outros personagens estrangeiros, como a Mafalda, o Garfield e o Snoopy: só quem tem bastante convivência com a cultura chilena vai o conhecer. Somente em 2017 foi lançado em espanhol o longa em 3D Condorito: o Filme, que apareceu, entre vários outros países, em 2018 no Brasil e no Reino Unido, no qual curiosamente recebeu o título de Space Chicken, rs. Acho que minha primeira e única referência na infância foi um dos “gibis” de tamanho grande, que minha mãe me deu em 1993 ou 1994 (provavelmente uma edição da Maltese) e que manuseei tanto que até ficou sem capa! Mas eram historinhas bem legais, e tinham exatamente essa característica de se ambientar num universo adulto, ao contrário da Turma da Mônica e do Menino Maluquinho (Ziraldo), ou seja, as piadas tinham alguma malícia, mas nada que fosse chulo ou grotesco. A gente chamaria hoje de “humor inteligente”...

Como comprovam algumas edições mais recentes que não são montagens, reproduzidas por páginas não oficiais de brasileiros e chilenos, as histórias de Condorito estão bem mais adultas e um pouco mais “politicamente incorretas”, com constantes apelos à sensualidade feminina. Mas abaixo reproduzi apenas as vinhetas oitentistas, a maior parte delas extraída deste canal pessoal que reproduziu a coleção completa, com a (má) qualidade da época, sob o título “Condorito animado clásico”. Mas o canal oficial dos produtores atuais do Condorito também contém playlists com versões remasterizadas sem as aberturas e encerramentos originais (às quais dei preferência pra publicação) e às vezes com os títulos modificados; eu listei os vídeos com os títulos dos anos 80. Há alguns anos eles também lançaram novas historinhas em versão 3D, que decidi não republicar aqui por não serem ainda uma raridade. Bom divertimento!


Abertura (versão 1):


Abertura (versão 2):


Práctica:


Refinamiento:


Justicia:


Guerra:


Tacto:


Desastre:


Alfombra (Tapete):


Emergencia:


Lógica:


Contaminación:


Esfuerzo:


Accidente:


Cuchillos (Facas):


Caza mayor (Caça superior):


Astronautas:


Egoísta:


Ténis:


Precavido:


Bestia (Animal selvagem):


Jinete (Cavaleiro):


Ayudante:


Los bomberos:


Valiente:


Buenas noches:


Larga vida (Vida longa):


La sopa:


Persecución:


Trabajador:


Allá voy (Lá vou eu):


El patrón:


Bien jugado:


El circo:


¡Buaaah! :


Bazar:


Afortunado (Sortudo):


Inútil:


Mayordomo (Mordomo):


Rapuncel:


Desinformados:


Supercondor:


Perdido:


La huida (A fuga):


Trofeo:


Milagro:


Caída libre (Queda livre):


Sorpresa:


¡Graaauuf! :


Molestoso (Irritante):


Flechazo (Flechada de Cupido):


Vaso de agua (Copo d’água):


Superstición:


Gran escape:


Spaghetti:


¡Bang! :


Tren:


Ánimo:


Astuto:


Piloto:


Náufragos:


¡Gooool! :


Distraído:


Descuido:


El tesoro:


Mineros:


Genial:


Recuerdo (Lembrança):


Competidores:


Caja de sorpresas (Caixa de surpresas):


Exigente:


Encerramento:


quarta-feira, 24 de janeiro de 2024

Oração à Santa Rússia imperialista


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Em setembro de 2022, o padre de festa junina patriarca Cirilo, primaz da Igreja Ortodoxa Russa, lançou uma nova oração que deveria ser rezada por todos os clérigos que conduzissem uma missa conforme seu culto. Ela se chama “Молитва о Святой Руси” (Molítva o Sviatói Rusí), a “Oração à Santa Rus”, lembrando que Rus, como já escrevi aqui muitas vezes, historicamente se refere a uma confederação medieval entre principados eslavos orientais, que grosso modo dariam origem aos atuais povos russo, belarusso (e não bielorrusso!) e ucraniano (e russino, pra quem o distingue dos ucranianos). Essa confederação, cuja cidade predominante era Kyiv, foi dissolvida em meados do século 13 pelas invasões mongóis, mas não vêm agora ao caso a complexa formação do Império Russo, a relação dos belarussos e ucranianos com os dominadores russos e as influências polonesas, lituanas e austríacas sobre belarussos e ucranianos, de um lado, e orientais sobre os russos, de outro. Em todo caso, os futuros soberanos de Moscou se apropriariam do termo “Rus” como se fossem seus únicos continuadores, tanto que o termo “Rússia”, que passou a designar o império proclamado em 1721 por Pedro 1.º, o Grande, é um decalque direto da palavra grega bizantina Rossía, que meramente designava aquela Confederação da Rus.

Certa vez, um velho intelectual russo me contou por e-mail que “Rus” nada mais é do que o nome “histórico” ou “antigo” da Rússia. Em todo caso, o discurso religioso oficial, sobretudo quando impregnado do expansionismo imperialista ressuscitado por Putin e abençoado por Cirilo, que assumiu o posto em 2009, se alinhou cegamente ao Kremlin e calou todas as vozes dissidentes dentro da ortodoxia russa, usa o termo “Rus” exatamente como uma espécie de legitimação de sua primazia espiritual sobre todos os súditos do antigo tsarismo, inclusive ucranianos e belarussos (em Belarus, mais de 83% aderem a algum tipo de ortodoxia oriental, enquanto quase 8% da população são irreligiosos). Como você vai ver abaixo, está até incluído no título ostentado por Cirilo, e embora muitos o traduzam por “Rússia”, vou deixar aqui sem tradução por precisão e justiça históricas. Eu mesmo sempre traduzi o “Rus” do hino nacional soviético como “Mãe-Rússia” por comodidade e desconhecimento, mas admito que a questão é muito mais complexa, sobretudo quando sabemos que Stalin se reaproximou da Igreja durante a invasão alemã.

Ocorre que alguns padres ortodoxos ou estão substituindo palavras dessa oração, como “vitória” por “paz”, ou simplesmente se recusando a rezá-la, pois faz menções abertas à guerra de rapina que Putin está promovendo na Ucrânia e certamente gostaria de realizar em outros países vizinhos. Deixo que você julgue por sua leitura. Mas de fato, existe dentro da Igreja Ortodoxa Russa uma grande oposição velada à invasão, ainda mais que Cirilo praticamente a transformou numa espécie de jihad própria, com alusões à ida dos soldados mortos ao Paraíso, à “limpeza” dos “homossexuais” da Ucrânia e ao combate ao “Ocidente” de forma geral. Vários casos de rebaixamento hierárquico ou de processos de expulsão estão sendo relatados em toda a Rússia, portanto decidi pesquisar sobre o que trata o tal texto.

Percebi que infelizmente a oração, como foi publicada na página oficial do Patriarcado de Moscou, está escrita na língua litúrgica eslavônia, com uma ortografia mais modernizada, e não consegui traduzir de jeito nenhum. Por um feliz acaso, descobri que a tradução publicada pela Unisinos de um artigo publicado por dehonianos da Itália contém o texto integral, e foi a partir dele que fiz a versão aqui presente. Apenas fiz pequenas correções comparando com a versão italiana e adaptando ao estilo brasileiro da liturgia católica (“vós” ao invés de “tu” ou “você” ao se dirigir a Deus, Jesus, Maria etc.), pelo menos dentro do qual fui criado. Também redividi os parágrafos conforme a proclamação original e incluí a breve introdução desta no site russo. Seguem minha redação em português e, a título de comparação, o texto eslavônio:


O Santíssimo Patriarca de Moscou e de Toda a Rus, Cirilo, durante a Liturgia Divina realizada em 25 de setembro de 2022 no Eremitério [skit] de Aleksandr Nevski próximo a Peredélkino, invocou uma oração à Santa Rus.

Senhor Deus da força, Deus de nossa salvação, olhai com misericórdia para vosso humilde servo, ouvi e tende piedade de nós. Aqueles que lutam contra a Santa Rus esperam dividir e destruir nosso povo.

Levantai-vos, ó Deus, para ajudar vosso povo e dar-nos a vitória com vosso poder.

Vinde a vossos filhos fiéis, defensores da unidade da Igreja Russa, fortalecei-os no espírito do amor fraterno e livrai-os dos perigos. Impedi aqueles que jogam a sorte sobre vossa veste, obscurecendo as mentes e endurecendo os corações, que ameaçam a Igreja do Deus Vivo. Arruinai seus planos.

Pela graça de vosso poder, guiai-nos para todo o bem e enriquecei nossa sabedoria!

Confirmai os soldados e todos os defensores de nossa Pátria em vossos mandamentos. Enviai-lhes a força do Espírito, salvai-os da morte, das feridas e do cativeiro!

Quantos estão desprovidos de abrigo e no exílio, hospedai-os nas casas, alimentai os famintos, fortalecei e curai os enfermos e os sofredores, dai boa esperança e conforto aos que estão confusos e aflitos!

Concedei, ó Deus, o perdão dos pecados a todos os caídos destes dias, mortos por feridas ou doenças. Concedei-lhes o descanso abençoado!

Aumentai nossa fé em vós que sois esperança e amor, garanti a paz e a unidade de todos os países da Santa Rus. Renovai em vosso povo o amor recíproco, confessando a vós, Deus Único na Trindade Gloriosa, a uma só voz e com um só coração. Vós sois intercessão, vitória e salvação para aqueles que confiam em vós e nós elevamos a glória a vós, ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo, agora e sempre pelos séculos dos séculos. Amém.


Святейший Патриарх Московский и всея Руси Кирилл за Божественной литургией, совершенной 25 сентября 2022 года в Александро-Невском скиту близ Переделкина, вознес молитву о Святой Руси.

Господи Боже сил, Боже спасения нашего, призри в милости на смиренныя рабы Твоя, услыши и помилуй нас: се бо брани хотящия ополчишася на Святую Русь, чающе разделити и погубити единый народ ея.

Возстани, Боже, в помощь людем Твоим и подаждь нам силою Твоею победу.

Верным чадам Твоим, о единстве Русския Церкви ревнующим, поспешествуй, в духе братолюбия укрепи их и от бед избави. Запрети раздирающим во омрачении умов и ожесточении сердец ризу Твою яже есть Церковь Живаго Бога, и замыслы их ниспровергни.

Благодатию Твоею власти предержащия ко всякому благу настави и мудростию обогати!

Воины и вся защитники Отечества нашего в заповедех Твоих утверди, крепость духа им низпосли, от смерти, ран и пленения сохрани!

Лишенныя крова и в изгнании сущия в домы введи, алчущия напитай, недугующия и страждущия укрепи и исцели, в смятении и печали сущим надежду благую и утешение подаждь!

Всем же во дни сия убиенным и от ран и болезней скончавшимся прощение грехов даруй и блаженное упокоение сотвори!

Исполни нас яже в Тя веры, надежды и любве, возстави паки во всех странах Святой Руси мир и единомыслие, друг ко другу любовь обнови в людях Твоих, яко да единеми усты и единем сердцем исповемыся Тебе, Единому Богу в Троице славимому. Ты бо еси заступление, и победа, и спасение уповающим на Тя и Тебе славу возсылаем, Отцу и Сыну и Святому Духу, ныне и присно, и во веки веков. Аминь.



“Deus abençoe a chachina racista o rolê!”

segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

O inglês do novo premiê da França


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No último dia 9 de janeiro, Emmanuel Macron demitiu a primeira-ministra francesa Élisabeth Borne, considerada uma das mais impopulares da história (embora fosse apenas a segunda mulher a assumir o posto), e colocou em seu lugar Gabriel Attal, aliado do presidente desde que ele lançou seu movimento pra concorrer à presidência em 2017 e considerado parte de seu entorno mais fiel. Mais importante, é o mais jovem premiê a assumir na história republicana da França (o mais jovem da história foi Louis 4.º Henri de Bourbon-Condé, nobre que ainda durante o Antigo Regime assumiu aos 31 anos o cargo de “primeiro-ministro” ou “principal ministro”, que era essencialmente um conselheiro oficioso do rei absolutista) e o primeiro chefe de governo a se declarar abertamente homoafetivo. O cargo de “chefe de governo” na França, quando existia, já teve vários nomes, origens e atribuições ao longo da história, sendo chamado de “presidente do Conselho de Ministros” na maior parte dos séculos 19 e 20 (neste último, em grande parte sob um regime parlamentar) e recebeu o nome atual em 1958, quando Charles de Gaulle obrou pela implementação do semipresidencialismo.

Assim como Éric Zemmour (que se pode localizar, porém, à extrema-direita no espectro político), é descendente de judeus do Magrebe, região do norte da África outrora também colonizada pela França, mas também conta em sua família com ascendência grega ortodoxa de Odesa e de nobres franceses. E assim como Macron, ingressou no Partido Socialista em 2006, mas ao contrário do futuro chefe, que logo se desfiliaria em 2009 (mesmo depois integrando o governo socialista de François Hollande), aí se manteve até 2016, quando se desfiliou visando se juntar ao novo partido de Macron, então chamado “Em Marcha!”. Formado em Administração Pública, estudou Direito sem concluir o curso e atuou por muitos anos no teatro, mas desde cedo se envolveu nos bastidores da política. Sua ascensão é considerada fulminante: conselheiro municipal (mais ou menos nosso vereador) em 2014, deputado pela primeira vez em 2017, primeira secretaria de Estado em 2020, primeiro ministério em 2022 e finalmente ministro da Educação em 2023, sucedendo ao historiador Pap Ndiaye, de quem muito se esperava, mas que não deixou marca nenhuma.

Em pouco menos de seis meses no cargo, Attal teve sua imagem projetada nacionalmente numa época difícil pra lida com assuntos societários na escola, como o uso por alunos de vestimentas associadas ao islã, o combate ao bullying e ao cyberbullying juvenis e a experimentação da volta dos uniformes únicos nas escolas. Nenhuma dessas medidas trouxe avanços concretos, mas o ajudaram a se tornar um dos políticos mais populares entre os franceses e facilitaram o caminho pra que Macron o colocasse no lugar da desgastada Borne. Sua origem abastada e a formação em ciências humanas, sua iniciação como centro-esquerda, mas com marcada atuação de direita identitária, a idade com que ocupou cargos importantes e a rápida escalada de funções – bem como, de forma pejorativa, sua aparente recusa a fazer sombra ao presidente – o fizeram ser chamado de “bebê Macron”, com potencial pra uma futura eleição presidencial.

Segundo consta em seu LinkedIn, que pesquisei há alguns dias, Attal teria um domínio indefinido (não é citado nenhum nível) de inglês e italiano, embora ao procurar uma possível entrevista ou discurso em inglês (o que é muito feito com aspirantes ou estreantes na grande política francesa), não achei quase nada, exceto por este curto trecho de uma entrevista, no primeiro aniversário da invasão de Putin à Ucrânia, concedida a Symone Sanders-Townsend no canal americano MSNBC. Então encarregado das contas públicas como uma espécie de “subministro”, segundo o Facebook da Embaixada da França nos EUA, que publicou o trecho no dia 28 de fevereiro de 2023, Attal explica que a unidade vista durante a agressão russa não tinha como cessar. No Équis, ele foi muito elogiado por seu domínio do idioma; há uma versão de qualidade mais alta na conta da própria Symone.

Antes da própria tradução, apenas um desvio pra tratar de outro assunto muito caro às fofocas brasileiras: religião. Segundo um site que traz notícias de judeus ao redor do mundo, Gabriel Attal não seria “alheio à transcendência”, mas também não praticaria nenhuma religião específica, embora fosse batizado e criado na cristandade ortodoxa russa de sua mãe. Por sua vez, seu pai muito o ajudou a forjar sua identidade parcialmente no judaísmo, pois lhe dizia que mesmo não sendo dessa religião, poderia sofrer antissemitismo devido ao sobrenome, comum entre os muitos judeus tunisianos e argelinos vivendo na França. Isso explica por que Attal e Éric Zemmour são judeus, embora seus nomes possam soar árabes. O pai de Élisabeth Borne também era um judeu sobrevivente do Holocausto, que viria a se suicidar anos depois.

Vamos ao que interessa. Eu mesmo transcrevi e traduzi, mas eu acho que essa senhora fala tão truncado que não poderia ter feito a transcrição sem as closed captions que estavam disponíveis no Équis dela, mesmo que elas mesmas ainda tivessem de ser levemente corrigidas; a fala do Attal é bem mais fácil:


One year ago, Vladimir Putin was still, I think, seriously underestimating Ukraine’s response, and frankly the strenght of the European Union, the strenght of NATO. One year later, we are here, the war’s still raging, but folks seem united in support of Ukraine. Can we, though, expect that united front to continue? Because there are cracks.

Of course. This unity will continue, because what is at stake is so much more than Ukraine’s security, it’s the whole European Union’s sovereignty and the world’s stability, and also our common values of freedom and democracy. And I think a year after the invasion began, we can say that Russia went through three major failures. First, the failure on the battlefield, the initial invasion plan was defeated by the heroic Ukrainian resistance. Second failure is the failure to rally all the countries in an anti-Western union, Russia is more isolated than ever. And the third failure is the faliure to foresee the consequences of this choice. Russia is getting weaker and weaker every day, and more isolated every day. We just saw two major European countries, Sweden and Finland, eager to join NATO as soon as possible. So I believe that Vladimir Putin didn’t foresee all of that when he decided to try to invade Ukraine.


Há um ano, penso que Vladimir Putin ainda estava seriamente subestimando a reação da Ucrânia e, sinceramente, a força da União Europeia, a força da OTAN. Um ano depois, estamos aqui, a guerra continua cruelmente, mas as pessoas parecem unidas no apoio à Ucrânia. Podemos, no entanto, esperar que essa frente unida continue? Porque existem fissuras.

Claro que sim. Essa unidade vai continuar, porque o que está em jogo é bem mais do que a segurança da Ucrânia, é a soberania de toda a União Europeia e a estabilidade do mundo, bem como nossos valores comuns de liberdade e democracia. E penso que um ano após o início da invasão, podemos dizer que a Rússia sofreu três grandes fracassos. Primeiro, o fracasso no campo de batalha, o plano inicial de invasão foi derrotado pela heroica resistência ucraniana. O segundo fracasso é o fracasso em juntar todos os países numa união antiocidental, a Rússia está mais isolada do que nunca. E o terceiro fracasso é a falha em prever as consequências dessa escolha. A Rússia está ficando a cada dia mais fraca, a cada dia mais isolada. Acabamos de ver dois grandes países europeus, a Suécia e a Finlândia, ansiosos por aderir à OTAN o mais rápido possível. Portanto, acredito que Vladimir Putin não previu tudo isso quando decidiu tentar invadir a Ucrânia.


Pensou que tinha acabado? Se enganou! Este vídeo foi recentemente resgatado pela própria agência INA, que fez uma reportagem entrevistando Gabriel Attal aos 9 anos de idade, em 1998, quando ele fazia aulas de teatro na própria escola em que estudava (alguma nova semelhança do “bebê Macron” com um certo espantalho por aí? Rs) e já lidava com clássicos complexos da literatura francesa. Foi um milagre, mas consegui incorporar aqui o vídeo original usando o código de programação da página!


sábado, 20 de janeiro de 2024

Uma nova política linguística (c. 2007)


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/linguas-ue

Esses dias, por curiosidade, eu estava buscando meu nome civil no Google pra ver se achava alguma coisa desconhecida relativa a mim, sobretudo menções indevidas e citações processuais. Felizmente, achei apenas duas únicas mais fora do comum, mas que me trazem boas lembranças. A primeira foi uma publicação de 2009 num blog abandonado, com todo o material que eu mantive online até aquele ano no antigo SSI – Sites Sobre Idiomas, primeira ferramenta digital pela qual fiz amigos virtuais, antes mesmo do Orkut! Era essencialmente um grande catálogo, único em português na época, reunindo links pra todos os sites ensinando idiomas que eu conhecia então. Hoje, com YouTube, Duolingo e livros digitais pra baixar gratuitamente, até parece uma piada, rs. Mas até hoje mantenho um backup desse site e, quando tiver oportunidade, também vou republicar aqui a lista atualizada!

A segunda ocorrência se referia a esta edição de fins de 2008 da revista cultural e quadrimestral da Associação Paulista de Esperanto, La Lampiro (O Pirilampo), cujo PDF achei muito por acaso e que baixei pra guardar comigo. Ela contém um texto assinado por mim, usando a forma “Erick Fiszuk” no sobrenome, intitulado “Uma nova política lingüística: problemas e solução” (sim, com trema no u mesmo, como era de praxe até 2009...) e que cita como fonte um site sobre esperanto que também mantive por alguns anos, até o início da graduação em História. Realmente não me lembro se alguém conversou comigo pedindo autorização pra copiar o artigo, mas se conversou, devo ter consentido, e se não foi autorizado, atualmente nem me importo mais, rs:

http://fiszuk.sites.uol.com.br/linguistica.htm

Ao consultar a página na ferramenta que arquiva publicações antigas da internet, quão grande não foi minha surpresa ao descobrir que todo o site ainda estava arquivado (inclusive com a versão em esperanto que eu mesmo redigi) pra consulta, inclusive o referido texto, além da data de fundação da página (15 de janeiro de 2005, de que eu sequer também lembrava) e da última atualização (11 de dezembro de 2007)! Esta última data provavelmente está correta, pois além de ser período de férias, em 2008 eu já estava bem menos envolvido com o idioma do que no passado – a graduação passou a tomar bem mais tempo, e em agosto eu começaria minha pesquisa de iniciação científica – e a última captura automática mais fiel data de 16 de dezembro de 2008. O único grande problema é que a maioria dos artigos, quase todos com os originais em português e as versões (raramente originais) em esperanto, não tem data, portanto, dadas a época de publicação em La Lampiro e a data da última atualização de meu site, 2007 é uma aproximação bem grosseira.

Quem me acompanha há anos, sabe que boa parte desse material, sobretudo as versões de canções famosas, a maioria delas a partir do português, foi sendo relançada aqui na página ao longo dos anos. Porém, fiquei muito feliz por ter redescoberto o backup desse antigo site, porque, por alguma razão misteriosa, nem tudo ficou guardado, e algumas canções traduzidas que num primeiro momento eu não quis publicar, mas que depois fiquei com vontade, eu tinha apagado... Então, não se admire se, embora eu não seja mais o apóstolo do esperanto de antigamente, começarem a aparecer muitos textos antigos meus em ou sobre esperanto, rs! Outra curiosidade: até uma certa época, o referido endereço-raiz do finado UOL Sites era usado justamente pro velho SSI, que anos depois eu transferi pro Geocities, também extinto subitamente. Se você vir, por exemplo, a primeira captura do site datada do distante 6 de maio de 2003 (eu só tinha 15 anos!), vai achar uma das versões mais arcaicas do SSI: fundo verde, títulos amarelos ou laranja e texto dourado... Eu tirei o SSI do ar e parei com o trabalho (embora a maldita web tenha arquivado cópias) em meados de 2009, enquanto cancelei a assinatura dos serviços do UOL em fins de 2011.

Seguem, pois, sem nenhuma alteração, o artigo em português, que achei na revista paulista, e em esperanto, que achei nesse backup público. Apenas atualizei a ortografia em português, e quanto ao conteúdo, realmente há “idéias” que não professo mais, há outras que estão desatualizadas e outras cuja veracidade simplesmente carece de verificação. Mesmo assim, e mesmo sendo hoje muito mais entusiasta do aprendizado de múltiplos idiomas do que no passado, não penso que o argumento possa ser totalmente invalidado: não é totalmente inviável que, de uma hora pra outra, a União Europeia adotasse o esperanto (ou a interlíngua da IALA, por que não?) como única língua de trabalho, com muito mais benefícios do que prejuízos.



O mundo está sendo surpreendido pela nova política linguística da União Europeia, segundo a qual seus habitantes serão estimulados a aprender mais de dois idiomas além de suas línguas maternas para se comunicar com o máximo possível de seus “conterrâneos”. Seu pretexto é que o falante poderá conhecer mais culturas minoritárias, que serão preservadas, e que isso seria uma alternativa à adoção de apenas um idioma natural ou, pasmem, de um idioma artificial criado especialmente para esse fim. Desta forma, nenhum europeu ficaria excluído linguisticamente da política do continente, podendo ser ouvido em seu próprio idioma.

O que quero frisar aqui não é o enorme custo que essa política teria se aplicada, sobre o que já se falou muito, possuindo até uma defesa por parte da União Europeia, segundo a qual ela custará apenas cerca de 2 euros anuais por habitante: forma elegante de mascarar um enorme desperdício de dinheiro. Meu objetivo vai mais além e mentaliza a seguinte situação: e se a União Europeia tornar-se a próxima superpotência, após um suposto colapso dos Estados Unidos, o que pode não ser impossível neste século? Qual será a nova política linguística a ser imposta ao mundo?

Durante o domínio de um só país, é fácil dizer que todas as pessoas são obrigadas a aprender o idioma desse país; obrigadas, e não estimuladas, pois a vida praticamente se torna impossível sem um conhecimento mínimo desse idioma, que impregna a mídia, a cultura, o mercado de trabalho etc. de todos os países desenvolvidos ou em desenvolvimento. O inglês teve duas chances de ser a língua internacional: nas supremacias britânica e americana. Quem estuda bem os problemas linguísticos ou convive com idiomas durante boa parte do tempo sabe do prejuízo cultural de tal situação ao mundo e conhece as injustiças contra quem não domina o falar desses países. Porém, a Europa não é uma terra de uma, mas de várias línguas (ao menos teoricamente). E a situação com certeza se complicará quando o bloco se projetar mundialmente: qual idioma escolher para falar com os “gigantes”?

A própria União Europeia não está equilibrada no referido quesito, pois ela ainda não possui instrumentos que a façam entender todos os idiomas de seu território, quanto mais do mundo inteiro. Se a política poliglota for aplicada a todos os terráqueos, o caos estará formado. Três fatores nos mostram que é muito mais difícil a uma pessoa de um país não europeu se aplicar a essa política e esta é mais complexa ainda do que a atual imposição linguística. Primeiro, o próprio fato de uma pessoa aprender vários idiomas toma muito mais tempo e energia do que o aprendizado de apenas um ou dois. Segundo, muitos idiomas são complicadíssimos a outras pessoas do mundo, como o grego, que usa outro alfabeto (sim, vários deles pelo mundo, como o árabe e o hindi, também não usam o nosso, mas seus falantes já estão mais familiarizados a ele e teriam mais trabalho para memorizar um novo), ou as línguas eslavas, de gramáticas muito difíceis e características muito peculiares, aos quais o não europeu levaria muito tempo para se adaptar. Terceiro, muitos desses idiomas são pouco difundidos pelo mundo, possuindo poucas escolas fora da Europa, de modo que seria muito caro aprendê-los, ainda mais em conjunto. É claro que a internet facilita as coisas, mas viagens, livros de leitura etc., que ajudariam no seu domínio pleno, pedem dinheiro, de modo que o ensino à distância só ajudaria em parte. E quarto, analisando os fatores citados, seria muito difícil que tal política fosse implementada em um planeta onde a maioria dos países são pobres e boa parte de sua população ou é analfabeta, ou não domina a forma culta de sua própria língua, provavelmente pela ineficácia dos sistemas de ensino de seus países.

Comunicar-se com a União Europeia ficaria mais fácil para habitantes de países que já falam um de seus idiomas, como um angolano, um sul-africano, um panamenho ou um haitiano. Porém, seria muito complexo a alguém que não fala nenhum deles, pois além de ter a necessidade de saber idiomas que não correspondem à sua realidade (muitos coreanos preferem o chinês ou o japonês ao inglês), deverá escolher apenas um deles para expressar suas ideias, o que implica em favorecer apenas uma cultura ou país em detrimento dos demais. Obviamente se a pessoa falar vários idiomas ela poderá se comunicar com muito mais europeus, mas a escolha seria crucial na hora de enviar um documento aos escritórios centrais da União Europeia ou até mesmo no momento de um possível discurso no Parlamento Europeu. Se o indivíduo fala um desses idiomas como segunda língua, ele optará por usá-lo por maior praticidade, e provavelmente ele é o inglês, o francês ou o espanhol. E assim, essas três categorias de pessoas ajudarão a formar uma oligarquia de apenas alguns idiomas dominantes no mundo, o que não cumprirá a profecia da União Europeia de democratizar o uso de idiomas menos falados, como o polonês, húngaro, o sueco e o finlandês, nem de evitar a morte ou o esquecimento de idiomas minoritários, como o catalão, o gaélico e o feroês, pois as pessoas de fora da Europa não se importarão em aprendê-los e, por isso, eles também não terão utilidade aos europeus.

Adotar um idioma planejado especialmente para o fim de ser uma língua-ponte dentro da União Europeia ou mesmo em todo o mundo tem várias vantagens, e o esperanto é o melhor candidato. O tempo, o custo e as energias gastos para seu aprendizado são baixos, o que pode ser comprovado até para um asiático, pois muitos chineses, coreanos e japoneses estão optando por aprender também o esperanto: o tempo é curto porque sua gramática é simples e rapidamente memoriável, o custo diminui justamente por causa do tempo e dos baixos preços a que são vendidos esses materiais, e as energias são menores porque se gasta menos dinheiro e força mental. A suposta “inadequação de palavras artificiais para fins práticos, em especial jurídicos”, pregada pela União Europeia, é uma mentira, pois o esperanto é um idioma usado em livros (inúmeras riquezas da literatura mundial já foram traduzidas), poemas, rádios, periódicos, congressos, conversas diárias e até mesmo entre casais que resolvem ensinar o esperanto a seus filhos como seu primeiro idioma; um idioma despreparado não poderia cumprir tantas funções. E mais: um idioma neutro não pertence a ninguém nem a cultura alguma, e por isso não favorece ninguém em especial, nem cultural, nem monetariamente; o próprio Zamenhof, criador do esperanto, absteve-se de todos os direitos autorais e lideranças sobre sua criação.

Provavelmente já aprendemos muitas lições com o domínio unilíngue e estaremos mais preparados para uma provável supremacia chinesa ou japonesa na política e na economia, o que poderá fazer a maioria aderir a um idioma planejado, principalmente devido à dificuldade que seus idiomas apresentam aos ocidentais e a outros povos da Ásia. Mas talvez a nova política linguística seja realmente implementada antes que conheçamos a verdade, pois parece que contra cada problema novo que surge, seja no âmbito ecológico, cultural ou social, nunca nos prevenimos antes que ele se torne realidade.

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La mondo estas surprizata de la nova lingva politiko de Eŭropa Unio, laŭ kio ĝiaj geloĝantoj estos instigataj lerni pli ol du lingvojn krom iliajn gepatrajn lingvojn por komunikiĝi kun kiel eble plej da iliaj “samteranoj”. Ĝia preteksto estas tio, ke la parolanto povos koni pli malplimultaj kulturoj, kiuj estos konservitaj, kaj ke tio estus alternativo al la adopto de nur unu natura lingvo aŭ, surpriziĝu, de unu nenatura lingvo kreita speciale por tiu celo. Tiel, neniu geeŭropano restus lingve ekskludita el la politiko de la kontinento, povonta esti aŭdata en sia propra lingvo.

Tion, kion mi volas ĉi tie reliefigi, ne estas la grandega kosto, kiun tiu politiko pagus, se ĝi estus aplikata, pri kiu oni jam multe parolis, havanta eĉ defendargumenton ĉe Eŭropa Unio, laŭ kiu ĝi kostos nur ĉirkaŭ 2 eŭrojn jare po loĝanto: eleganta maniero maski grandegan monan malŝparon. Mia celo iras transe kaj imagas la jenan situacion: kaj se la Eŭropa Unio iĝos la venonta superpotenco, post supoza kolapso de Usono, kio povas ne esti neebla ĉi-jarcente? Kiu estos la nova lingva politiko altrudota al la mondo?

Dum la unulanda superrego, estas facile diri, ke ĉiuj personoj estas devigataj lerni la lingvon de tiu lando; devigataj, kaj ne instigataj, ĉar la vivo praktike iĝas neebla sen malpleja kono pri tiu lingvo, kiu impregnas la komunikilaron, la kulturon, la labormerkaton ktp. de ĉiuj disvolvigitaj aŭ disvolvigataj landoj. La angla lingvo havis du ŝancojn esti la internacia lingvo: dum la ĉefecoj brita kaj usona. Kiu bone studas la lingvajn problemojn aŭ kunvivas kun lingvoj dum granda parto el la tempo scias la kulturan malgajnon de tia situacio al la mondo kaj konas la maljustecojn al kiu ne regas la parolaĵojn de tiuj landoj. Tamen, Eŭropo ne estas tero de unu, sed pluraj lingvoj (almenaŭ teorie). Kaj la situacio certe malsimpliĝos kiam la bloko projekciiĝi tutmonde: kiun lingvon oni devas elekti por paroli al la “gigantoj”?

La Eŭropa Unio mem ne estas ekvilibrata rilate al ĉi tiu temo, ĉar ĝi ankoraŭ ne havas ilojn, kiuj igas ĝin kompreni ĉiujn lingvojn de sia teritorio, do malpli tiujn de la tuta mondo. Se la multlingva politiko estos aplikata al ĉiuj terplanedanoj, la kaoso estos estigita. Tri faktoroj montras al ni, ke estas multe pli malfacile al persono el neeŭropa lando aliĝi al ĉi tiu politiko, kaj ĉi tiu estas multe pli malsimpla ol la nuna lingva altrudado. Unue, la propra fakto, ke kiam persono lernas plurajn lingvojn tio okupas mute pli da tempo kaj energio ol la lernado de nur unu aŭ du. Due, multaj lingvoj estas malsimplegaj al aliaj personoj de la mondo, ekz. la greka, kiu uzas alian alfabeton (jes, pluraj el ili tra la mondo, ekz. la araba kaj la hinda, ankaŭ ne uzas la nian, sed iliaj geparolantoj jam estas pli alkutimigitaj al ĝi kaj devus klopodi pli por enmensigi unu novan), aŭ la slavaj lingvoj, kiuj havas gramatikojn malfacilegajn kaj karakterizerojn tre proprajn, al kiuj la neeŭropano elspezus multe da tempo por adaptiĝi. Trie, multaj el tiuj lingvoj estas malmulte disvastigitaj tra la mondo, pri kiuj ekzistas malmultaj lernejoj ekster Eŭropo, tiamaniere ke estus tre multekosta lerni ilin, do multe pli lerni plurajn el ili. Kompreneble la Interreto faciligas la aferojn, sed vojaĝoj, legolibroj ktp, kiuj helpus plene sciregi ilin, petas monon, tiamaniere ke la distancmaniera lernado nur helpus parte. Kaj kvare, analizitaj la suprajn faktorojn estus tre malfacile, ke tia politiko estus praktikigata en planedo, kie la plimulto el la landoj estas malriĉaj kaj granda parto el ilia loĝantaro aŭ havas analfabetojn (nelegpovulojn), aŭ ne regas la kleran varianton de sia propra lingvo, eble pro la malefiko de la lernosistemojn de iliaj landoj.

Komunikiĝi kun la Eŭropa Unio estus pli facile por loĝantoj de landoj, kiuj jam parolas unu el ĝiaj lingvoj, ekz. angolano, sud-afrikano, panamiano aŭ haitiano. Tamen, estus tre malfacile al iu, kiu ne parolas neniun el ili, ĉar krom ol havi la bezonon scipovi lingvojn, kiuj ne respondas al sia ĉiutaga realeco (multaj gekoreoj pliŝatas la ĉinan ol la anglan), ŝ/li devos elekti nur kelkajn el ili por esprimi siajn ideojn, kio implicas favori nur unu kulturon aŭ landon malfavore al la aliaj. Evidente, se la persono parolas plurajn lingvojn ŝ/li povas komunikiĝi kun multe pli da geeŭropanoj, sed la elekto estus kruca je la momento sendi dokumenton al la centralaj oficejoj de Eŭropa Unio aŭ eĉ je la momento de ebla alparolo en la Eŭropa Parlamento. Se la ulo parolas unu el tiuj lingvoj kiel duan lingvon, ŝ/li decidos uzi ĝin pro pli granda praktikeco, kaj eble ĝi estas la angla, la franca aŭ la hispana. Kaj tiel, tiuj tri kategorioj da personoj helpos estigi oligarkion (regado de malmultaj) de nur kelkaj regantaj lingvoj en la mondo, kio ne plenumos la profetaĵojn de la Eŭropa Unio demokratiigi la uzon de lingvoj malpli parolataj, ekz. la pola, la hungara, la sveda kaj la finna, nek eviti la morton aŭ la foregeson de malplimultaj lingvoj, ekz. la kataluna, la gaela kaj la feroa, ĉar la ekstereŭropanoj ne gravigos lerni ilin kaj, tial, ili ankaŭ ne utilos por la geeŭropanoj.

Adoti planlingvon speciale por esti pontlingvo ene de Eŭropa Unio aŭ eĉ en la tuta mondo estas avantaĝoplena, kaj Esperanto estas la plej bona kandidato. La elspezotaj tempo, kosto kaj energioj por ĝia lernado estas malgrandaj, kio povas esti observe pruvata eĉ rilate al aziano, ĉar multaj ĉinoj, koreoj kaj japanoj nun decidas lerni ankaŭ Esperanton: la tempo estas malgranda ĉar ĝia gramatiko estas simpla kaj rapide enmensigebla, la kosto malgrandiĝas ĝuste pro la tempo kaj la malgrandaj prezoj por kiuj tiuj materialoj estas vendataj, kaj la energioj estas malpli grandaj ĉar oni elpezas malpli da mono kaj mensa forto. La supozata “neadekvateco de nenaturaj vortoj por praktikaj celoj, ĉefe juraj”, predikata de la Eŭropa Unio, estas malvero, ĉar Esperanto estas lingvo uzata en libroj (nenombreblaj riĉaĵoj de la monda literaturo jam estis tradukitaj), poemoj, radistacioj, gazetoj, kongresoj, ĉiutagaj babiloj kaj eĉ inter geedzoj, kiuj decidis instrui Esperanton al siaj gefiloj kiel ilian unuan lingvon; senprepara lingvo ne povus plenumi tiom da funkcioj. Kaj pli: neŭtrala lingvo apartenas al neniu persono aŭ kulturo, kaj tial speciale favoras neniun, ĉu kulture, ĉu mone; Zamenhof mem, kreinto de Esperanto, detenis sin de ĉiuj rajtoj aŭtoraj kaj ĉefpozicioj sur sia kreaĵo.

Eble ni jam lernis multajn lecionojn pro la unulingva superrego kaj ni estos pli preparitaj por ebla ĉinia aŭ japania ĉefeco sur la politiko kaj la ekonomio. kio povus igi la plimulton aliĝi al planlingvo, precipe pro la malfacileco, kiujn iliaj lingvoj prezentas al la geokcidentanoj kaj aliaj popoloj de Azio. Sed verŝajne la nova lingva politiko vere estos praktikigita antaŭ ol ni ekkonos la veron, ĉar ŝajnas, ke kontraŭ ĉiu nova problemo, kiu aperas, ĉu en la natureca, kultura aŭ socia spaco, ni neniam antaŭzorgas antaŭ ol ĝi realiĝas.



quinta-feira, 18 de janeiro de 2024

A próxima presidente da Rússia


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/andreieva

Se ninguém a apresentar, você não sabe quem é esta simpática senhora. Aliás, ninguém vai saber, e ninguém sabe de nada do que está acontecendo atualmente entre a população comum da Rússia. Nem você, e a culpa não é sua. Nossa mídia hegemônica praticamente apenas traduz tudo o que vem dos EUA e do Reino Unido, e mais raramente dos países mais poderosos da Europa. Nessas bandas, ninguém está realmente preocupado sobre como vivem os russos reais do dia a dia, e não aqueles dos estereótipos (positivos e negativos) sobre a invasão criminosa de Putin à Ucrânia. O brasileiro, muito menos, portanto, ou observamos superficialmente o que aparece nos jornalões, ou, na pior das hipóteses, somos vítimas da desinformação putinista escrita diretamente em português ou traduzida diretamente do russo, em sites que falsamente tomamos por “mídia alternativa”.

Não existe meio termo, a polarização é desinformada, e mesmo uma oposição consequente à guerra, ao putinismo de modo mais geral, nutrida por uma compreensão profunda de como o bolchevismo envenenou a sociedade russa e como os anos 90 não representaram um período de “liberdade” entre “dois” autoritarismos, não temos. Ou atacamos Putin com base em princípios culturais (o alinhamento aos EUA) e pacifistas bem rasos, ou compramos cegamente seu discurso mentiroso vendo no autocrata uma espécie de possível restaurador da URSS ou, o que é mais comum, um opositor consequente ao “imperialismo estadunidense” malvadão (o que ele não é e nunca foi), que virou chave mágica pra compreensão de todos os problemas do Universo. O brasileiro quer ter razão sobre tudo sem ter informação sobre nada: mesmo o que considero a melhor mídia liberal em inglês, como Politico, The Guardian, Voice of America, BBC e NBC, sem contar as mídias públicas francesas, passam uma visão parcial e têm muitas outras coisas no mundo com que se preocupar. Além disso, quem no Brasil lê fluentemente inglês, quanto mais francês, e ainda o faz automaticamente no lugar de ficar rolando o feed de um Équis ou TikTok da vida?

As únicas mídias mais “próximas da fogueira” que consumo pra me inteirar da invasão russa e da vida dos russos, e ainda assim quase sempre em áudio ou vídeo, são as de russos exilados, geralmente de posição liberal e democrática e cuja atividade é proibida na Rússia ou o foi, ou foi bastante estorvada, a partir do 24 de Fevereiro: TV Rain, Novaya Gazeta Europe, Meduza e Radio Svoboda. Evito outros conteúdos em russo por razão de tempo e de viés mais sensível: tanto a mídia produzida pelo ou com o aval do próprio Kremlin (por razões óbvias) quanto as versões em russo dos famosos conglomerados euro-americanos, bem como os canais ucranianos em russo ou ucraniano, língua que não entendo mal. Vez ou outra eu tento trazer aqui textos ou vídeos traduzidos mais ou menos bem, sobre tópicos que as mídias brasileiras não abordam tão profundamente, ou não do modo como julgo correto, embora de forma assistemática e apressada.

Voltando ao tema, a senhora a que me referi acima é María Andréieva (Мария Андреева), esposa de um “mobilizado” (como são chamados os homens civis que vão pro abatedouro contra ou pela própria vontade) que começou devagarzinho a se organizar pela internet com outras mulheres de famílias cujos membros machos também não dão notícias, pelo menos, desde setembro de 2022, quando foi decretada a primeira “mobilização parcial”. (Pequeno parêntese pra que você não se engane: não houve nova “mobilização parcial” e nem houve uma “mobilização geral” oficialmente, mas os homens mais azarados às vezes são literalmente catados pelos alistadores até no meio da rua ou na saída de mesquitas e estações de metrô. Além disso, mesmo sem o intermédio do mafioso Ievgeni Prigozhin, a escória social e os presos têm a possibilidade de ir servir e, se voltarem vivos, ganhar um dinheiro, receber condecorações ou mesmo ter suas penas perdoadas!) Ela faz de tudo pra não parecer uma força de oposição ao governo nem incorrer nos infames artigos sobre “descrédito” e “notícias falsas” a respeito do Exército, mas o barulho que fazem e o apoio aberto ou velado que recebem já não podem ser ignorados.

Claro que Andreieva não lidera o único movimento de “esposas de mobilizados” (muitos dos quais acreditavam piamente no enganoso discurso patrioteiro de Putin), e claro que há outras iniciativas que educadamente pedem explicações sobre informações que jamais são dadas, como o paradeiro de seus entes queridos e possíveis prazos de retorno. Pedem ainda a “rotatividade” dos militares, a qual a ditadura se negou a realizar até o fim da “operação militar especial”, ou seja, entraram numa guerra sem fim e podem se acabar até o “fim” dessa guerra. Por sua estética, pelas bandeiras, formas e locais de protesto e pela injustiça cometida por um regime irrigado pelo sangue dos cidadãos, muitos estão as comparando com as Mães e Avós da Praça de Maio argentinas, e não foi por acaso que coloquei exatamente aquela foto no começo da publicação.

Seguem abaixo alguns artigos originalmente em inglês ou russo a respeito dos últimos desenvolvimentos, que devido a minha falta de tempo se limitam mais ou menos até o que pude achar por volta do dia 10 de janeiro. Mesmo assim, busquei que os textos fossem os mais recentes possíveis, no mínimo a partir de dezembro de 2023, quando o movimento começou a ganhar mais corpo. As autoras e autores dos vários artigos estão indicados na seção “Labels”. A ideia básica das reportagens continua superatual, e creio que os brasileiros deveriam começar a digeri-la o quanto antes. O episódio mais tocante foi quando a polícia, na Praça Vermelha, dissolveu há alguns dias uma das pequenas reuniões e chegou a encaminhar Andreieva pra detenção, mas um dos agentes teria gritado aos colegas: “Não toquem nessa!”, como se fossem desgastar inutilmente um futuro símbolo da resistência.



Esposas e mães de russos mobilizados fizeram piquetes individuais em Moscou e São Petersburgo exigindo o retorno dos homens do front Mulheres russas cujos maridos ou filhos foram mobilizados e lutaram contra a Ucrânia realizaram manifestações e colocaram flores em Moscou e São Petersburgo, exigindo o regresso de seus entes queridos da guerra.

(Agência Zerkalo) As participantes da ação são mães e esposas de russos convocados pra lutar na guerra contra a Ucrânia, ativistas do movimento “Путь домой” (Put domói, O Caminho pra Casa), que defende a desmobilização. Em Moscou, as mulheres depositaram flores no Túmulo do Soldado Desconhecido e mais uma vez pediram o retorno de seus homens do front.

As participantes também realizaram piquetes em outras instituições governamentais da Federação Russa, incluindo o edifício da Administração do Presidente da Rússia. No total, cerca de 15 mulheres participaram nos protestos em Moscou.

“Nosso presidente declarou 2024 como Ano da Família, mas, provavelmente, nossas famílias, ou seja, as famílias dos mobilizados, não são cidadãos da Federação Russa. Ou já fomos anulados, descartados junto com nossos maridos. É por isso que estamos em piquete exigindo o retorno de nossos entes queridos a nossas famílias”, acrescentou Maria Andreieva, do movimento “Put domoi” de esposas mobilizadas, e disse que ficaria com o cartaz “até morrer”.

Em São Petersburgo, cinco participantes do movimento “Put domoi” depositaram flores na Chama Eterna.

Lembramos que o movimento “Put domoi” foi formado na Rússia no final de 2023. Parentes de homens convocados para a guerra bombardeiam os funcionários com pedidos pra realizar comícios e piquetes, contestar as proibições e manifestar-se contra a mobilização. Muitos também criticam ativamente o comando do Ministério da Defesa e de Vladimir Putin pessoalmente. Em resposta, as autoridades russas estão exercendo pressão constante sobre as ativistas e tentando extinguir o protesto.


As mulheres dos mobilizados russos exigem a volta de seus maridos do front

(Canal UATV) Uma nova manifestação ocorreu perto dos muros do Kremlin com as mesmas exigências: a volta dos mobilizados pra casa. As esposas dos militares russos, que foram convocados pro Exército no outono passado, estão chamando a atenção da mídia e do público pra guerra da Rússia contra a Ucrânia. Os participantes do movimento “Put domoi” estão depositando flores na Praça Vermelha pela quarta vez e falando em voz alta sobre o que realmente está acontecendo no front, relata a agência FREEDOM.

Essas mulheres se despediram de seus maridos em setembro de 2022, quando Putin anunciou a mobilização. Depois lhes foi prometido que em três meses as famílias se reuniriam. Um ano e meio depois, junto aos muros do Kremlin, as mulheres russas exigiram que seus maridos mobilizados voltassem pra casa. Antes, as autoridades tinham anunciado que os recrutas permaneceriam no front até o final da guerra.

Esposa de um mobilizado russo, Paulina já está participando da quarta manifestação. No fim de semana passado, ela não só foi à Praça Vermelha, mas também realizou um piquete solitário perto do prédio do Ministério da Defesa russo.

A esposa de um recruta russo, Maria Andreieva, também pede às autoridades russas que ouçam sua voz. Mas assim que ela e outras esposas de soldados amarraram lenços brancos, que se tornaram um símbolo da sua resistência, e se reuniram na praça, a polícia imediatamente as abordou.

“O governo de Moscou não nos permite realizar comícios, por isso criamos e organizamos um evento de colocação de flores em memória dos que tombaram na SVO [operação militar especial, na sigla em russo]. Porque nosso governo também finge que os soldados não morrem em decorrência da SVO”, disse a mulher.

Andreieva é membro do movimento “Put domoi”, que já inclui cerca de 40 mil parentes de mobilizados russos. Começaram a defender ativamente o regresso de seus maridos que foram à guerra contra a Ucrânia no final do ano passado, 2023. Depois disso, seu canal no Telegram foi marcado como de “fake news” e seus maridos no front começaram a receber ameaças.

Parentes de militares reclamam que Putin declarou 2024 como Ano da Família na Rússia, mas ao mesmo tempo está destruindo famílias com as próprias mãos, enviando homens pra lutar.

A mídia pró-governo russa continua ignorando as ações do movimento “Put domoi”. Também não há reação das autoridades. Os comícios contam com a presença de jornalistas das chamadas publicações de “agentes estrangeiros” [inoagént, em russo]. Quando questionadas se as mulheres pretendem votar em Putin, elas respondem negativamente.

“Ainda estamos analisando os candidatos. Estou olhando pros candidatos. Qualquer um, mas não Putin!”, garantiu Andreeva.

Eventos semelhantes pra colocar flores e chamar a atenção pra guerra contra a Ucrânia ocorreram em outras cidades da Federação Russa, em particular em São Petersburgo, Udmúrtia, Khakássia, Vorónezh e Káluga. As participantes do movimento já anunciaram novos comícios em todo o país. [...]


“O que nossos homens fizeram de errado com esta pátria?” O candidato presidencial Borís Nadézhdin reuniu-se com as esposas dos mobilizados – O candidato presidencial russo Boris Nadezhdin realizou uma reunião com as esposas dos mobilizados, na qual reclamaram dos problemas que seus maridos tinham no front, bem como da falta de rotatividade. Um correspondente do Vot Tak relata isso no local.

Um total de 14 mulheres compareceram à reunião; Nadezhdin as chamou de “patriotas absolutas de seu país”. “Queremos apenas que as pessoas que agora cumprem seu dever e derramam sangue sejam tratadas com humanidade. Queremos que elas simplesmente voltem”, disse o político.

“Também quero que isso [a guerra contra a Ucrânia] termine de forma simples. Desde que tudo começou, em 2022, em fevereiro, sempre fui contra a ‘operação militar especial’, acrescentou Nadezhdin.

Durante o encontro, as mulheres contaram histórias sobre como seus cônjuges mobilizados foram parar na guerra, e também reclamaram que seus maridos foram enviados pras ofensivas. Uma das mulheres chamada Antonina disse que seu marido foi mobilizado com duas úlceras e não teria permissão pra voltar pra casa, apesar dos problemas de saúde.

A esposa de um mobilizado, Maria Andreieva, que esteve presente na reunião, se perguntou “por que os prisioneiros são libertados seis meses depois de terem cumprido com suas obrigações na SVO”, e seus homens ainda estão na linha de frente.

“O que nossos homens fizeram, o que fizeram de errado com essa pátria pra estarem lá nas trincheiras? Meu marido está diretamente nas trincheiras desde fevereiro. Ele não viu nenhuma rotação. Por que diabos vocês não os mudam agora? Eu respondo: porque não há tolos que irão à guerra por ideias e objetivos tão confusos e incompreensíveis”, disse Andreieva.

No final da reunião, Nadezhdin acrescentou que estava “muito preocupado” com os maridos destas mulheres, e também acrescentou que estava “muito ofendido com o Estado”.

“O que nosso Estado e nossa propaganda faz com as pessoas que só querem de volta seus entes queridos e a paz é as acusarem de navalnistas, agentes do Departamento de Estado [dos EUA] ou do Tsipso [Centro de Operações Informativas e Psicológicas da Ucrânia], é terrível”, observou o político.

Ele também pediu aos participantes da reunião que assinassem seu pedido de participação nas eleições.

O político Boris Nadezhdin anunciou suas ambições presidenciais no final de outubro de 2023. Em 28 de dezembro, a Comissão Eleitoral Central (TsIK) permitiu que Nadezhdin coletasse assinaturas. Entre outras coisas, ele se opõe à guerra contra a Ucrânia.

Agora, como candidato de um partido não representado na Duma Estatal, Nadezhdin deve recolher 100 mil assinaturas de cidadãos de pelo menos 40 regiões do país. Elas devem ser submetidas à TsIK pra verificação até 31 de janeiro. No entanto, de acordo com fontes do site Viorstka próximas da administração presidencial, a TsIK pode agora recusar o registro de Nadezhdin porque ele se opôs pessoalmente à guerra e ao presidente Vladimir Putin, embora inicialmente Nadezhdin fosse um candidato acordado com o Kremlin, dizem interlocutores.


“Nossos rapazes no front estão se f**endo por esse poder” – Em Moscou, a esposa presa de um mobilizado não conseguiu se conter.

(Agência Dialoh.ua; com um tom de bastante desprezo mesmo pra com os anti-Putin e indisponível no Brasil, programei um VPN pra me localizar na Ucrânia) Em Moscou, as forças de segurança de Putin detiveram uma mulher russa que saiu pra protestar exigindo que os mobilizados voltem do front. O crescente protesto das esposas e mães dos mobilizados provavelmente começou a deixar o Kremlin muito nervoso.

Hoje, 13 de janeiro, as forças de segurança detiveram em Moscou uma das participantes da manifestação, que fazia piquete no Túmulo do Soldado Desconhecido. A polícia deteve Maria Andreieva, uma das lideranças e participantes ativas do movimento pelo retorno dos recrutas. Hoje, ela e suas companheiras foram protestar usando lenços brancos. Uma das russas segurava um cartaz com a inscrição: “Liberdade para os mobilizados! Tragam de volta nossos maridos e filhos!”

Apesar do protesto ter sido pacífico, as forças de segurança detiveram Andreieva. Enquanto a levavam até o carro da polícia, a mulher começou a ficar ruidosamente indignada. Ela tentou lhes provar que o piquete era permitido pela Constituição Russa. “A esposa de um mobilizado está sendo detida, cidadãos! Estão vendo? Nossos rapazes no front estão se f**endo por esse poder e ele está detendo a esposa de um mobilizado!”, gritou a russa.

Vale ressaltar que, segundo a mídia russa SOTAvision [baseada na Letônia], Andreieva não foi levada à delegacia. Durante a prisão, um policial teria corrido até seus colegas gritando: “Não toquem nessa! Não estão ouvindo? Não toquem nessa!” Depois disso, a esposa do mobilizado foi liberada.

Esse incidente demonstra o nervosismo do Kremlin diante do movimento das esposas e mães dos recrutas. As autoridades russas têm medo de usar a força contra elas, temendo uma revolta entre os mobilizados no front. Enquanto isso, o movimento está ganhando força. Suas participantes já começam a exibir slogans antiguerra, exigindo não só a libertação de seus familiares, mas também a abolição da mobilização. Mais cedo, na Federação Russa, um mobilizado foi jogado num buraco depois de apelar a Putin; também escrevemos que as esposas dos mobilizados apresentaram queixas contra Putin perto do edifício do Ministério da Defesa russo.


Na Rússia, mulheres pedem retorno de recrutados do front ucraniano

(Portal Terra, que traduziu da Agência Reuters) Maria Andreieva, cujo marido está lutando na Ucrânia há mais de um ano, também está travando uma batalha em Moscou: levá-lo de volta para casa.

Ela não está sozinha.

Um movimento crescente de mulheres russas está pedindo o retorno do front de seus maridos, filhos e irmãos que foram mobilizados após um decreto do presidente Vladimir Putin em setembro do ano passado.

Inicialmente, o movimento prometeu lealdade ao que o Kremlin chama de “operação militar especial”, mas o que elas consideram ser resposta superficial que receberam está endurecendo algumas de suas opiniões.

Desde que o marido de Andreieva foi recrutado no ano passado e levado para a Ucrânia, ele voltou apenas em dois breves intervalos para ver a esposa e a filha pequena. A mulher diz que isso é insuficiente para um soldado que está lutando em um conflito.

“Queremos que nossos homens sejam desmobilizados para que possam voltar para casa, porque achamos que por mais de um ano eles fizeram tudo o que podiam – ou até mais”, disse Andreieva, de 34 anos, à Reuters em uma entrevista em Moscou.

“Para mim, não é apenas uma luta para garantir que minha filha tenha um pai, mas também é uma luta pelo meu casamento.”

Lidar com o movimento é uma questão delicada para o Kremlin.

Moscou, que enviou dezenas de milhares de soldados para a Ucrânia em fevereiro de 2022, em guerras anteriores tolerou um número de mortos maior do que seria politicamente palatável nos países ocidentais.

Mas o crescente movimento das mulheres russas ressalta a complexidade e a desigualdade de manter tantos homens na guerra por tanto tempo, enquanto muitos outros em idade de lutar permanecem em casa.

Grupos de mães de soldados russos fizeram campanha por melhores condições para seus filhos que serviam nas forças armadas quando a União Soviética se desintegrou e, mais tarde, pelo retorno deles das guerras na região russa da Chechênia.

Ainda é muito cedo para avaliar o tamanho ou o impacto do movimento das mulheres russas em uma sociedade que, segundo as autoridades, está unida para apoiar o esforço de guerra. As mulheres na Ucrânia também têm pedido que seus homens possam voltar do front.

Questionada sobre os perigos de se manifestar na Rússia em tempos de guerra, Andreieva disse: “Quero que você entenda: não é mais assustador porque simplesmente não é mais possível suportar tudo isso. É simplesmente demais.”

A Reuters não procurou nem recebeu nenhuma informação militar ou outra informação potencialmente sensível de Andreieva. Ela pediu que seu marido não fosse identificado.

Quando Putin ordenou uma mobilização parcial de 300 mil reservistas em setembro de 2022, centenas de milhares de jovens correram para deixar a Rússia. Milhões não saíram, e alguns deles foram convocados para lutar.

Desde então, a Rússia tem recrutado centenas de milhares de soldados contratados nas províncias com a tentação de altos salários. Até o momento, a Rússia recrutou 452 mil soldados contratados este ano, ressaltando a vantagem numérica que a Rússia tem sobre a Ucrânia, de acordo com Dmitri Medvedev, o ex-presidente que agora é vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia.

As petições para trazer seus homens de volta quase não tiveram resposta, e o Ministério da Defesa da Rússia mal se envolveu com as mulheres, disse Andreieva.

O ministério não respondeu a um pedido de comentário da Reuters.

Protestos planejados pelas mulheres não obtiveram a aprovação das autoridades para serem realizados. As mulheres foram acusadas de serem apoiadas por dissidentes e partidos de oposição baseados no Ocidente – calúnias sem fundamento, disse Andreieva.

O canal delas no Telegram, “Put domoi”, tem 23 mil membros.

[Curiosamente, esta parte não aparece na tradução] “BOAS MENINAS”?

Duas mulheres bombardearam o deputado Vitáli Milónov no mês passado com perguntas contundentes sobre o regresso de seus homens, perfurando suas tentativas de ignorar as questões com frases sobre seu próprio patriotismo.

“Somos todos russos aqui”, interrompeu uma delas em um vídeo postado online. “Quando os mobilizados serão trocados?”

“É claro que haverá (uma mudança). Seremos vitoriosos e tudo...”, disse Milonov.

“Oh, já ouvimos tudo isso antes”, interrompeu a mulher.

Para Andreieva e outras esposas, mães e irmãs, a desigualdade do fardo da guerra é uma queixa importante. Embora restaurantes opulentos em Moscou sirvam vinhos finos e trufas durante o período festivo do Ano Novo, alguns homens estão congelando nas trincheiras do front.

“Temos 1% da população que assume todo o fardo da SVO na frente de batalha, enquanto os outros 99% se preparam para o Ano Novo e se divertem”, disse Andreieva.

“Divertir-se não é o que está reservado para nossos meninos ou nossas famílias.”


“Estamos cansadas de ser boas meninas”: esposas e mães de militares russos protestam contra Putin – Os movimentos liderados por mulheres desafiam a narrativa oficial de que são necessárias tropas mobilizadas pra guerra contra a Ucrânia

(Jornal The Guardian) Tendo como pano de fundo bétulas cobertas de neve, um grupo de mulheres usando lenços brancos se mistura à paisagem de inverno russa. Num país onde a dissidência pública é rara, sua mensagem contundente a Vladimir Putin se destaca: traga nossos homens de volta da Ucrânia.

“Queremos uma desmobilização total. Os civis não devem participar nos combates”, afirma uma das mulheres no início do discurso de nove minutos deste mês. “Somos muitas e nosso número só vai crescer.”

A mulher é Maria Andreieva, 34 anos, e é uma das líderes não oficiais de um movimento popular emergente que vem ganhando força na Rússia nas últimas semanas.

Elas são as esposas e mães de alguns dos 300 mil homens russos que foram recrutados em setembro de 2022, num período crítico pro Kremlin, que precisava então reforçar seu número de tropas depois da Ucrânia ter recapturado territórios no sul e no norte do país.

Mais de um ano depois, com seus entes queridos ainda no campo de batalha, muitas mulheres estão organizando protestos públicos e escrevendo cartas abertas questionando a narrativa oficial de que são necessárias tropas mobilizadas na guerra da Rússia contra a Ucrânia.

“Por que nossos homens que levavam uma vida pacífica teriam de ir à Ucrânia?”, diz Andreieva, que mora em Moscou. “Se nosso governo decidir atacar um país menor, deixe o Exército lutar, mas deixe nossos homens em paz.”

Andreieva diz que o movimento surgiu em setembro, depois de Andréi Kartapólov, presidente da comissão de defesa do parlamento, ter dito à imprensa que não haveria rotação de tropas na Ucrânia e que voltariam pra casa após a conclusão da operação militar especial.

A Rússia tem um histórico de protestos liderados por mulheres durante a guerra. Esposas e mães lideraram um movimento antiguerra durante a Primeira Guerra da Chechênia em 1994, que ajudou a virar a opinião pública contra o conflito e desempenhou um papel na decisão do Kremlin de parar os combates.

As mulheres estavam organizadas em grupos bem geridos, como o Comitê das Mães dos Soldados da Rússia, que tinha centenas de centros regionais em todo o país, e, o que é crucial, sua mensagem foi transmitida na televisão russa numa altura em que os meios de comunicação ainda não estavam totalmente submetidos pelo Estado.

Mas desde que Putin assumiu o poder em 1999, as autoridades russas tomaram medidas sistemáticas pra desmantelar os movimentos populares, ao mesmo tempo em que assumiram o controle das mídias independentes que lhes poderiam proporcionar uma plataforma.

Após a invasão em larga escala da Ucrânia, o Kremlin avançou ainda mais, na prática criminalizando todas as vozes antiguerra e aplicando punições severas aos russos comuns, mesmo por pequenos atos de protesto civil contra a invasão.

Andreieva se comunica com outras esposas, irmãs e mães de soldados no Telegram, uma das últimas plataformas que acolhe vozes independentes. A maior parte de seu trabalho é coordenada no canal “Put domoy”, que já acumulou mais de 35 mil membros desde que foi criado em setembro. Ela diz que não tem medo porque está farta.

“O canal é onde nos reunimos e discutimos nossos próximos passos”, diz Natalia, enfermeira de uma pequena cidade perto de Sarátov, no sul da Rússia. “Vocês percebem que há muitos mais de vocês que querem que essa guerra acabe.”

Enfrentar o movimento é um assunto delicado pro Kremlin, diz Andréi Kolésnikov, membro sênior do Carnegie Russia Eurasia Center, com sede em Moscou. “Essas esposas e mães não fazem parte do tradicional movimento liberal e urbano anti-Kremlin. Muitas delas vêm da base central de apoio de Putin.”

Kolesnikov diz que o Kremlin pode estar preocupado com o fato de que, se reprimir o grupo com muita força, isso possa provocar uma resposta maior do público.

Até agora, as autoridades optaram por não prender nem intimidar as mulheres, ordenando, em vez disso, que as mídias estatais ignorassem seus apelos, bem como rejeitando seus pedidos de autorizações de manifestação em todo o país.

Numa tentativa de responder a parte da raiva crescente, Putin falou anteriormente com mães de soldados que lutam na Ucrânia, numa reunião cuidadosamente orquestrada. Uma investigação do The Guardian mostrou que as mulheres sentadas com Putin faziam parte de um grupo escolhido a dedo de mães de soldados com ligações com as autoridades.

Andreieva, que considerou a reunião de Putin um “show político”, diz que foi oferecido dinheiro a algumas das vozes mais altas de seu grupo em troca de silêncio. “Nenhuma quantia em rublos pode trazer seu marido de volta”, diz ela.

A resposta relativamente moderada do Kremlin pode ser parcialmente explicada pela forma como as mulheres se posicionaram inicialmente. A princípio, os membros do grupo “Put domoi” disseram que não se opunham à guerra e não criticavam Putin. “Não estamos interessadas em balançar o barco e desestabilizar a situação política”, dizia o manifesto do grupo.

Mas à medida que suas exigências foram ignoradas, sua linguagem endureceu. “Estamos sendo traídas e destruídas pelos nossos”, diz uma carta recente do grupo.

Na mesma declaração, as mulheres questionam a política do Kremlin que liberta da prisão assassinos e estupradores condenados após seis meses combatendo na Ucrânia. “Nosso presidente certamente tem senso de humor”, diz o grupo ironicamente.

E quando Putin não mencionou a possibilidade de uma desmobilização durante seu discurso de fim de ano na televisão, as mulheres do “Put domoi” escreveram que ele estava agindo “em seu estilo habitual: teatralmente, mesquinho e covarde”.

Andreieva diz que dentro do movimento havia muitas opiniões diferentes sobre os combates na Ucrânia, mas como as autoridades ignoraram suas exigências, algumas mulheres mudaram sua percepção do conflito.

“Algumas ainda acreditam na propaganda estatal. Mas muitas estão mudando de opinião sobre a operação militar especial”, diz ela, acrescentando que não votaria em Putin nas eleições presidenciais do próximo ano.

Natalia diz que o tratamento dispensado ao marido a levou a questionar a narrativa oficial do Kremlin sobre a guerra na Ucrânia. “Putin primeiro mentiu pra nós que os civis nunca teriam que lutar”, diz ela. “Você começa a pensar: ele também está mentindo sobre por que estamos na Ucrânia?”

Pra Andreieva e outras esposas e mães, a desigualdade do fardo da guerra era outra queixa, com muitos dizendo que se sentiam ignorados não só pelo Kremlin, mas também pela sociedade em geral.

Desde o início do conflito, os russos adotaram em grande parte uma forma de escapismo, com as pesquisas mostrando que a maioria preferia não pensar nem acompanhar os desdobramentos no campo de batalha.

Kristina, de Vladivostok, afirma: “O país está se preparando pras férias. Todo mundo está comprando presentes e comendo caviar, enquanto nós vivemos no inferno, preocupadas com nossos maridos.”

A situação do grupo expõe algumas das opções difíceis enfrentadas pela liderança russa à medida que a guerra se aproxima de seu segundo aniversário.

Uma nova mobilização permitiria uma rotação de tropas que poderia trazer muitos dos homens pra casa, mas as pesquisas têm mostrado consistentemente que uma nova mobilização seria profundamente impopular – e poderia desencadear uma onda de ansiedade e inquietação semelhante à vista no ano passado, quando a convocação levou à maior queda na popularidade de Putin desde que ele chegou ao poder.

Kolesnikov diz: “Durante a última mobilização, o Kremlin quebrou o contrato social não escrito com os russos: vocês nos permitem lutar na Ucrânia, e em troca ficamos fora de suas vidas privadas”.

Os observadores dizem que é cedo demais pra avaliar o impacto do movimento das mulheres russas num regime que tem uma longa história de supressão bem-sucedida de vozes dissidentes.

Mas a raiva delas ressalta parte do desconforto que alguns no país sentem com relação ao conflito e prejudica a imagem retratada por Putin de uma sociedade unida por trás do esforço de guerra.

Andreieva está determinada a continuar seus protestos, mesmo que isso possa a levar à prisão. “Estamos cansadas de sermos boas meninas. Isso não nos levou a lugar nenhum.”



Defenda a independência da Ucrânia! E não aos apelos por “paz” do governo dos EUA

(The Militant, “periódico socialista” e “pelos trabalhadores”, Nova York) A resposta dos governantes dos EUA à invasão da Ucrânia por Moscou, bem como sua resposta a todos os acontecimentos em todo o mundo, sempre foi promover seus próprios interesses estratégicos econômicos, políticos e militares, e não os do povo ucraniano. Seu objetivo é impedir a escalada da guerra e não garantir a soberania da Ucrânia, o que exigiria a derrota e a retirada das forças de Moscou.

A determinação e a coragem do povo trabalhador ucraniano fizeram retroceder a sangrenta invasão do presidente russo, Vladimir Putin. Mas depois de 650 dias, à medida que o inverno chega ao país, as linhas de frente da guerra estão congeladas por enquanto. Washington está utilizando o atual impasse pra tentar pressionar o governo ucraniano a iniciar conversações com Moscou.

O tabloide alemão Bild noticiou em 24 de novembro um plano secreto divulgado por autoridades dos EUA e da Alemanha, os dois maiores fornecedores de armas a Kyiv. Mostra que os governantes das duas potências imperialistas estão conduzindo uma pressão nos bastidores pra que Kyiv permita a Moscou manter parte do território que suas forças tomaram em troca do fim do derramamento de sangue.

De acordo com o Bild, a Casa Branca e a Chancelaria estão coordenando a pressão sobre Kyiv, disponibilizando apenas armas suficientes para as forças ucranianas manterem a atual linha da frente, mas não retomarem partes da Ucrânia que Moscou ocupa atualmente. O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Vedant Patel, negou o relatório do Bild, mas outro funcionário dos EUA disse à NBC: “há uma sensação crescente de que é tarde demais e é hora de fazer um acordo”.

Qualquer acordo de compromisso imposto a Kyiv apenas vai dar a Putin tempo pra tentar consolidar sua invasão, espalhando as sementes pra novas e mais amplas guerras. A determinação de Putin em varrer a Ucrânia e seu povo do mapa permanece inalterada.

Perdas russas alimentam oposição à guerra – O Kremlin aposta na pressão exercida sobre Washington por uma longa guerra de desgaste que permitiria a Moscou sobreviver às forças ucranianas. A economia capitalista da Rússia está sendo convertida pra produção de guerra, com fábricas funcionando em turnos, 24 horas por dia.

Putin baixou um decreto em 1.º de dezembro pra arregimentar 170 mil soldados e aumentar o tamanho do Exército pra 1,3 milhão. Ele espera fazer isso sem uma mobilização aberta, o que desencadearia protestos como os do ano passado.

A população da Rússia é três vezes maior do que a da Ucrânia. As autoridades estão varrendo os migrantes da Ásia Central, invadindo mesquitas, restaurantes e mercados onde trabalham. Os detidos são levados pra postos de alistamento militar. Também aumenta a pressão sobre prisioneiros, devedores e funcionários de empresas estatais pra que se alistem.

As taxas de baixas russas se aproximam dos números surpreendentes sofridos pelo exército do tsar na 1.ª Guerra Mundial. Depois, uma média de mais de 1 100 soldados foram mortos todos os dias. Hoje, o número é de cerca de 900, com um pico de mais de 1 300 mortes em alguns dias, relata o Kyiv Post.

“Estamos abandonados”, diz um grupo de soldados russos em um vídeo divulgado em 1º de dezembro. Eles dizem que não são alimentados adequadamente, têm que fornecer seus próprios remédios e seus comandantes os enviam pro abate, deixando os feridos apodrecendo em campo.

No dia 3 de dezembro, surgiram relatos de revoltas entre as unidades de Moscou ao longo da margem do rio Dnipró, após pesadas perdas. Numa unidade, os soldados recusaram comandos pra recapturar posições de cabeça de ponte ucranianas ali e em várias ilhas, alegando que não tinham cobertura aérea e de artilharia eficaz. As tropas russas também sofreram dezenas de mortes depois de terem sido enviadas através de seus próprios campos minados sem mapas. Sua recusa a atacar se espalhou a outras unidades estacionadas ao longo do rio.

Soldados russos capturados pelas tropas ucranianas descrevem o tratamento que receberam de seus oficiais. Pavel, um ex-operador de máquinas-ferramenta da Sibéria, disse que sua companhia recebeu ordens de tomar território no nordeste da Ucrânia no início deste outono [primavera no Brasil]. “O capitão disse que cumprimos nosso objetivo. Mas como você pode dizer isso se de cada 100 homens, apenas 35 voltam? E isso foi apenas num dia.”

Protestos foram realizados em várias cidades russas no mês passado por mães e esposas de soldados, exigindo rotação de tropas.

O grupo “Put domoi” de familiares dos soldados afirma que o Kremlin prometeu que as tropas mobilizadas em setembro de 2022 voltariam pra casa após alguns meses. “As promessas se mostraram vazias. Fomos traídas”, escreveu o grupo em 27 de novembro. “O presidente declarou 2024 como o Ano da Família. É irônico, visto que as esposas choram sem os maridos, os filhos crescem sem pais e muitos já são órfãos”.

O Kremlin acusa a organização de ligações com grupos de espionagem ocidentais.

“Só vamos recuar depois que nossos homens estiverem seguros em casa. Aqui e agora estamos criando a base da solidariedade pública contra a mobilização indefinida”, respondeu “Put domoi”.

Em Moscou, no dia 7 de novembro [aniversário da Revolução Bolchevique], 20 mulheres se juntaram à margem de um comício legal do KPRF [o partido comunista] e levantaram o slogan “Não à mobilização indefinida”, antes que a polícia as levasse embora. Em Novosibirsk, as autoridades permitiram que os familiares dos soldados realizassem um protesto, mas insistiram que ele acontecesse num edifício governamental, com a maior parte da imprensa proibida de entrar.

O governo está oferecendo pagamentos maiores às famílias dos soldados, “mas apenas se ficarmos calados”, disse Maria Andreieva ao New York Times. Ela realizou um protesto individual em Moscou no mês passado, carregando uma placa que dizia “Justiça. É hora dos mobilizados voltarem pra casa.”

“As mulheres precisam dos maridos e dos filhos, não de recompensas”, disse ela.



Mulheres chechenas e mães de soldados russos marcham pacificamente até a vila de Samashki, no oeste da Chechênia, em abril de 1995.