Se ninguém a apresentar, você não sabe quem é esta simpática senhora. Aliás, ninguém vai saber, e ninguém sabe de nada do que está acontecendo atualmente entre a população comum da Rússia. Nem você, e a culpa não é sua. Nossa mídia hegemônica praticamente apenas traduz tudo o que vem dos EUA e do Reino Unido, e mais raramente dos países mais poderosos da Europa. Nessas bandas, ninguém está realmente preocupado sobre como vivem os russos reais do dia a dia, e não aqueles dos estereótipos (positivos e negativos) sobre a invasão criminosa de Putin à Ucrânia. O brasileiro, muito menos, portanto, ou observamos superficialmente o que aparece nos jornalões, ou, na pior das hipóteses, somos vítimas da desinformação putinista escrita diretamente em português ou traduzida diretamente do russo, em sites que falsamente tomamos por “mídia alternativa”.
Não existe meio termo, a polarização é desinformada, e mesmo uma oposição consequente à guerra, ao putinismo de modo mais geral, nutrida por uma compreensão profunda de como o bolchevismo envenenou a sociedade russa e como os anos 90 não representaram um período de “liberdade” entre “dois” autoritarismos, não temos. Ou atacamos Putin com base em princípios culturais (o alinhamento aos EUA) e pacifistas bem rasos, ou compramos cegamente seu discurso mentiroso vendo no autocrata uma espécie de possível restaurador da URSS ou, o que é mais comum, um opositor consequente ao “imperialismo estadunidense” malvadão (o que ele não é e nunca foi), que virou chave mágica pra compreensão de todos os problemas do Universo. O brasileiro quer ter razão sobre tudo sem ter informação sobre nada: mesmo o que considero a melhor mídia liberal em inglês, como Politico, The Guardian, Voice of America, BBC e NBC, sem contar as mídias públicas francesas, passam uma visão parcial e têm muitas outras coisas no mundo com que se preocupar. Além disso, quem no Brasil lê fluentemente inglês, quanto mais francês, e ainda o faz automaticamente no lugar de ficar rolando o feed de um Équis ou TikTok da vida?
As únicas mídias mais “próximas da fogueira” que consumo pra me inteirar da invasão russa e da vida dos russos, e ainda assim quase sempre em áudio ou vídeo, são as de russos exilados, geralmente de posição liberal e democrática e cuja atividade é proibida na Rússia ou o foi, ou foi bastante estorvada, a partir do 24 de Fevereiro: TV Rain, Novaya Gazeta Europe, Meduza e Radio Svoboda. Evito outros conteúdos em russo por razão de tempo e de viés mais sensível: tanto a mídia produzida pelo ou com o aval do próprio Kremlin (por razões óbvias) quanto as versões em russo dos famosos conglomerados euro-americanos, bem como os canais ucranianos em russo ou ucraniano, língua que não entendo mal. Vez ou outra eu tento trazer aqui textos ou vídeos traduzidos mais ou menos bem, sobre tópicos que as mídias brasileiras não abordam tão profundamente, ou não do modo como julgo correto, embora de forma assistemática e apressada.
Voltando ao tema, a senhora a que me referi acima é María Andréieva (Мария Андреева), esposa de um “mobilizado” (como são chamados os homens civis que vão pro abatedouro contra ou pela própria vontade) que começou devagarzinho a se organizar pela internet com outras mulheres de famílias cujos membros machos também não dão notícias, pelo menos, desde setembro de 2022, quando foi decretada a primeira “mobilização parcial”. (Pequeno parêntese pra que você não se engane: não houve nova “mobilização parcial” e nem houve uma “mobilização geral” oficialmente, mas os homens mais azarados às vezes são literalmente catados pelos alistadores até no meio da rua ou na saída de mesquitas e estações de metrô. Além disso, mesmo sem o intermédio do mafioso Ievgeni Prigozhin, a escória social e os presos têm a possibilidade de ir servir e, se voltarem vivos, ganhar um dinheiro, receber condecorações ou mesmo ter suas penas perdoadas!) Ela faz de tudo pra não parecer uma força de oposição ao governo nem incorrer nos infames artigos sobre “descrédito” e “notícias falsas” a respeito do Exército, mas o barulho que fazem e o apoio aberto ou velado que recebem já não podem ser ignorados.
Claro que Andreieva não lidera o único movimento de “esposas de mobilizados” (muitos dos quais acreditavam piamente no enganoso discurso patrioteiro de Putin), e claro que há outras iniciativas que educadamente pedem explicações sobre informações que jamais são dadas, como o paradeiro de seus entes queridos e possíveis prazos de retorno. Pedem ainda a “rotatividade” dos militares, a qual a ditadura se negou a realizar até o fim da “operação militar especial”, ou seja, entraram numa guerra sem fim e podem se acabar até o “fim” dessa guerra. Por sua estética, pelas bandeiras, formas e locais de protesto e pela injustiça cometida por um regime irrigado pelo sangue dos cidadãos, muitos estão as comparando com as Mães e Avós da Praça de Maio argentinas, e não foi por acaso que coloquei exatamente aquela foto no começo da publicação.
Seguem abaixo alguns artigos originalmente em inglês ou russo a respeito dos últimos desenvolvimentos, que devido a minha falta de tempo se limitam mais ou menos até o que pude achar por volta do dia 10 de janeiro. Mesmo assim, busquei que os textos fossem os mais recentes possíveis, no mínimo a partir de dezembro de 2023, quando o movimento começou a ganhar mais corpo. As autoras e autores dos vários artigos estão indicados na seção “Labels”. A ideia básica das reportagens continua superatual, e creio que os brasileiros deveriam começar a digeri-la o quanto antes. O episódio mais tocante foi quando a polícia, na Praça Vermelha, dissolveu há alguns dias uma das pequenas reuniões e chegou a encaminhar Andreieva pra detenção, mas um dos agentes teria gritado aos colegas: “Não toquem nessa!”, como se fossem desgastar inutilmente um futuro símbolo da resistência.
Esposas e mães de russos mobilizados fizeram piquetes individuais em Moscou e São Petersburgo exigindo o retorno dos homens do front – Mulheres russas cujos maridos ou filhos foram mobilizados e lutaram contra a Ucrânia realizaram manifestações e colocaram flores em Moscou e São Petersburgo, exigindo o regresso de seus entes queridos da guerra.
(Agência Zerkalo) As participantes da ação são mães e esposas de russos convocados pra lutar na guerra contra a Ucrânia, ativistas do movimento “Путь домой” (Put domói, O Caminho pra Casa), que defende a desmobilização. Em Moscou, as mulheres depositaram flores no Túmulo do Soldado Desconhecido e mais uma vez pediram o retorno de seus homens do front.
As participantes também realizaram piquetes em outras instituições governamentais da Federação Russa, incluindo o edifício da Administração do Presidente da Rússia. No total, cerca de 15 mulheres participaram nos protestos em Moscou.
“Nosso presidente declarou 2024 como Ano da Família, mas, provavelmente, nossas famílias, ou seja, as famílias dos mobilizados, não são cidadãos da Federação Russa. Ou já fomos anulados, descartados junto com nossos maridos. É por isso que estamos em piquete exigindo o retorno de nossos entes queridos a nossas famílias”, acrescentou Maria Andreieva, do movimento “Put domoi” de esposas mobilizadas, e disse que ficaria com o cartaz “até morrer”.
Em São Petersburgo, cinco participantes do movimento “Put domoi” depositaram flores na Chama Eterna.
Lembramos que o movimento “Put domoi” foi formado na Rússia no final de 2023. Parentes de homens convocados para a guerra bombardeiam os funcionários com pedidos pra realizar comícios e piquetes, contestar as proibições e manifestar-se contra a mobilização. Muitos também criticam ativamente o comando do Ministério da Defesa e de Vladimir Putin pessoalmente. Em resposta, as autoridades russas estão exercendo pressão constante sobre as ativistas e tentando extinguir o protesto.
As mulheres dos mobilizados russos exigem a volta de seus maridos do front
(Canal UATV) Uma nova manifestação ocorreu perto dos muros do Kremlin com as mesmas exigências: a volta dos mobilizados pra casa. As esposas dos militares russos, que foram convocados pro Exército no outono passado, estão chamando a atenção da mídia e do público pra guerra da Rússia contra a Ucrânia. Os participantes do movimento “Put domoi” estão depositando flores na Praça Vermelha pela quarta vez e falando em voz alta sobre o que realmente está acontecendo no front, relata a agência FREEDOM.
Essas mulheres se despediram de seus maridos em setembro de 2022, quando Putin anunciou a mobilização. Depois lhes foi prometido que em três meses as famílias se reuniriam. Um ano e meio depois, junto aos muros do Kremlin, as mulheres russas exigiram que seus maridos mobilizados voltassem pra casa. Antes, as autoridades tinham anunciado que os recrutas permaneceriam no front até o final da guerra.
Esposa de um mobilizado russo, Paulina já está participando da quarta manifestação. No fim de semana passado, ela não só foi à Praça Vermelha, mas também realizou um piquete solitário perto do prédio do Ministério da Defesa russo.
A esposa de um recruta russo, Maria Andreieva, também pede às autoridades russas que ouçam sua voz. Mas assim que ela e outras esposas de soldados amarraram lenços brancos, que se tornaram um símbolo da sua resistência, e se reuniram na praça, a polícia imediatamente as abordou.
“O governo de Moscou não nos permite realizar comícios, por isso criamos e organizamos um evento de colocação de flores em memória dos que tombaram na SVO [operação militar especial, na sigla em russo]. Porque nosso governo também finge que os soldados não morrem em decorrência da SVO”, disse a mulher.
Andreieva é membro do movimento “Put domoi”, que já inclui cerca de 40 mil parentes de mobilizados russos. Começaram a defender ativamente o regresso de seus maridos que foram à guerra contra a Ucrânia no final do ano passado, 2023. Depois disso, seu canal no Telegram foi marcado como de “fake news” e seus maridos no front começaram a receber ameaças.
Parentes de militares reclamam que Putin declarou 2024 como Ano da Família na Rússia, mas ao mesmo tempo está destruindo famílias com as próprias mãos, enviando homens pra lutar.
A mídia pró-governo russa continua ignorando as ações do movimento “Put domoi”. Também não há reação das autoridades. Os comícios contam com a presença de jornalistas das chamadas publicações de “agentes estrangeiros” [inoagént, em russo]. Quando questionadas se as mulheres pretendem votar em Putin, elas respondem negativamente.
“Ainda estamos analisando os candidatos. Estou olhando pros candidatos. Qualquer um, mas não Putin!”, garantiu Andreeva.
Eventos semelhantes pra colocar flores e chamar a atenção pra guerra contra a Ucrânia ocorreram em outras cidades da Federação Russa, em particular em São Petersburgo, Udmúrtia, Khakássia, Vorónezh e Káluga. As participantes do movimento já anunciaram novos comícios em todo o país. [...]
“O que nossos homens fizeram de errado com esta pátria?” O candidato presidencial Borís Nadézhdin reuniu-se com as esposas dos mobilizados – O candidato presidencial russo Boris Nadezhdin realizou uma reunião com as esposas dos mobilizados, na qual reclamaram dos problemas que seus maridos tinham no front, bem como da falta de rotatividade. Um correspondente do Vot Tak relata isso no local.
Um total de 14 mulheres compareceram à reunião; Nadezhdin as chamou de “patriotas absolutas de seu país”. “Queremos apenas que as pessoas que agora cumprem seu dever e derramam sangue sejam tratadas com humanidade. Queremos que elas simplesmente voltem”, disse o político.
“Também quero que isso [a guerra contra a Ucrânia] termine de forma simples. Desde que tudo começou, em 2022, em fevereiro, sempre fui contra a ‘operação militar especial’, acrescentou Nadezhdin.
Durante o encontro, as mulheres contaram histórias sobre como seus cônjuges mobilizados foram parar na guerra, e também reclamaram que seus maridos foram enviados pras ofensivas. Uma das mulheres chamada Antonina disse que seu marido foi mobilizado com duas úlceras e não teria permissão pra voltar pra casa, apesar dos problemas de saúde.
A esposa de um mobilizado, Maria Andreieva, que esteve presente na reunião, se perguntou “por que os prisioneiros são libertados seis meses depois de terem cumprido com suas obrigações na SVO”, e seus homens ainda estão na linha de frente.
“O que nossos homens fizeram, o que fizeram de errado com essa pátria pra estarem lá nas trincheiras? Meu marido está diretamente nas trincheiras desde fevereiro. Ele não viu nenhuma rotação. Por que diabos vocês não os mudam agora? Eu respondo: porque não há tolos que irão à guerra por ideias e objetivos tão confusos e incompreensíveis”, disse Andreieva.
No final da reunião, Nadezhdin acrescentou que estava “muito preocupado” com os maridos destas mulheres, e também acrescentou que estava “muito ofendido com o Estado”.
“O que nosso Estado e nossa propaganda faz com as pessoas que só querem de volta seus entes queridos e a paz é as acusarem de navalnistas, agentes do Departamento de Estado [dos EUA] ou do Tsipso [Centro de Operações Informativas e Psicológicas da Ucrânia], é terrível”, observou o político.
Ele também pediu aos participantes da reunião que assinassem seu pedido de participação nas eleições.
O político Boris Nadezhdin anunciou suas ambições presidenciais no final de outubro de 2023. Em 28 de dezembro, a Comissão Eleitoral Central (TsIK) permitiu que Nadezhdin coletasse assinaturas. Entre outras coisas, ele se opõe à guerra contra a Ucrânia.
Agora, como candidato de um partido não representado na Duma Estatal, Nadezhdin deve recolher 100 mil assinaturas de cidadãos de pelo menos 40 regiões do país. Elas devem ser submetidas à TsIK pra verificação até 31 de janeiro. No entanto, de acordo com fontes do site Viorstka próximas da administração presidencial, a TsIK pode agora recusar o registro de Nadezhdin porque ele se opôs pessoalmente à guerra e ao presidente Vladimir Putin, embora inicialmente Nadezhdin fosse um candidato acordado com o Kremlin, dizem interlocutores.
“Nossos rapazes no front estão se f**endo por esse poder” – Em Moscou, a esposa presa de um mobilizado não conseguiu se conter.
(Agência Dialoh.ua; com um tom de bastante desprezo mesmo pra com os anti-Putin e indisponível no Brasil, programei um VPN pra me localizar na Ucrânia) Em Moscou, as forças de segurança de Putin detiveram uma mulher russa que saiu pra protestar exigindo que os mobilizados voltem do front. O crescente protesto das esposas e mães dos mobilizados provavelmente começou a deixar o Kremlin muito nervoso.
Hoje, 13 de janeiro, as forças de segurança detiveram em Moscou uma das participantes da manifestação, que fazia piquete no Túmulo do Soldado Desconhecido. A polícia deteve Maria Andreieva, uma das lideranças e participantes ativas do movimento pelo retorno dos recrutas. Hoje, ela e suas companheiras foram protestar usando lenços brancos. Uma das russas segurava um cartaz com a inscrição: “Liberdade para os mobilizados! Tragam de volta nossos maridos e filhos!”
Apesar do protesto ter sido pacífico, as forças de segurança detiveram Andreieva. Enquanto a levavam até o carro da polícia, a mulher começou a ficar ruidosamente indignada. Ela tentou lhes provar que o piquete era permitido pela Constituição Russa. “A esposa de um mobilizado está sendo detida, cidadãos! Estão vendo? Nossos rapazes no front estão se f**endo por esse poder e ele está detendo a esposa de um mobilizado!”, gritou a russa.
Vale ressaltar que, segundo a mídia russa SOTAvision [baseada na Letônia], Andreieva não foi levada à delegacia. Durante a prisão, um policial teria corrido até seus colegas gritando: “Não toquem nessa! Não estão ouvindo? Não toquem nessa!” Depois disso, a esposa do mobilizado foi liberada.
Esse incidente demonstra o nervosismo do Kremlin diante do movimento das esposas e mães dos recrutas. As autoridades russas têm medo de usar a força contra elas, temendo uma revolta entre os mobilizados no front. Enquanto isso, o movimento está ganhando força. Suas participantes já começam a exibir slogans antiguerra, exigindo não só a libertação de seus familiares, mas também a abolição da mobilização. Mais cedo, na Federação Russa, um mobilizado foi jogado num buraco depois de apelar a Putin; também escrevemos que as esposas dos mobilizados apresentaram queixas contra Putin perto do edifício do Ministério da Defesa russo.
Na Rússia, mulheres pedem retorno de recrutados do front ucraniano
(Portal Terra, que traduziu da Agência Reuters) Maria Andreieva, cujo marido está lutando na Ucrânia há mais de um ano, também está travando uma batalha em Moscou: levá-lo de volta para casa.
Ela não está sozinha.
Um movimento crescente de mulheres russas está pedindo o retorno do front de seus maridos, filhos e irmãos que foram mobilizados após um decreto do presidente Vladimir Putin em setembro do ano passado.
Inicialmente, o movimento prometeu lealdade ao que o Kremlin chama de “operação militar especial”, mas o que elas consideram ser resposta superficial que receberam está endurecendo algumas de suas opiniões.
Desde que o marido de Andreieva foi recrutado no ano passado e levado para a Ucrânia, ele voltou apenas em dois breves intervalos para ver a esposa e a filha pequena. A mulher diz que isso é insuficiente para um soldado que está lutando em um conflito.
“Queremos que nossos homens sejam desmobilizados para que possam voltar para casa, porque achamos que por mais de um ano eles fizeram tudo o que podiam – ou até mais”, disse Andreieva, de 34 anos, à Reuters em uma entrevista em Moscou.
“Para mim, não é apenas uma luta para garantir que minha filha tenha um pai, mas também é uma luta pelo meu casamento.”
Lidar com o movimento é uma questão delicada para o Kremlin.
Moscou, que enviou dezenas de milhares de soldados para a Ucrânia em fevereiro de 2022, em guerras anteriores tolerou um número de mortos maior do que seria politicamente palatável nos países ocidentais.
Mas o crescente movimento das mulheres russas ressalta a complexidade e a desigualdade de manter tantos homens na guerra por tanto tempo, enquanto muitos outros em idade de lutar permanecem em casa.
Grupos de mães de soldados russos fizeram campanha por melhores condições para seus filhos que serviam nas forças armadas quando a União Soviética se desintegrou e, mais tarde, pelo retorno deles das guerras na região russa da Chechênia.
Ainda é muito cedo para avaliar o tamanho ou o impacto do movimento das mulheres russas em uma sociedade que, segundo as autoridades, está unida para apoiar o esforço de guerra. As mulheres na Ucrânia também têm pedido que seus homens possam voltar do front.
Questionada sobre os perigos de se manifestar na Rússia em tempos de guerra, Andreieva disse: “Quero que você entenda: não é mais assustador porque simplesmente não é mais possível suportar tudo isso. É simplesmente demais.”
A Reuters não procurou nem recebeu nenhuma informação militar ou outra informação potencialmente sensível de Andreieva. Ela pediu que seu marido não fosse identificado.
Quando Putin ordenou uma mobilização parcial de 300 mil reservistas em setembro de 2022, centenas de milhares de jovens correram para deixar a Rússia. Milhões não saíram, e alguns deles foram convocados para lutar.
Desde então, a Rússia tem recrutado centenas de milhares de soldados contratados nas províncias com a tentação de altos salários. Até o momento, a Rússia recrutou 452 mil soldados contratados este ano, ressaltando a vantagem numérica que a Rússia tem sobre a Ucrânia, de acordo com Dmitri Medvedev, o ex-presidente que agora é vice-presidente do Conselho de Segurança da Rússia.
As petições para trazer seus homens de volta quase não tiveram resposta, e o Ministério da Defesa da Rússia mal se envolveu com as mulheres, disse Andreieva.
O ministério não respondeu a um pedido de comentário da Reuters.
Protestos planejados pelas mulheres não obtiveram a aprovação das autoridades para serem realizados. As mulheres foram acusadas de serem apoiadas por dissidentes e partidos de oposição baseados no Ocidente – calúnias sem fundamento, disse Andreieva.
O canal delas no Telegram, “Put domoi”, tem 23 mil membros.
[Curiosamente, esta parte não aparece na tradução] “BOAS MENINAS”?
Duas mulheres bombardearam o deputado Vitáli Milónov no mês passado com perguntas contundentes sobre o regresso de seus homens, perfurando suas tentativas de ignorar as questões com frases sobre seu próprio patriotismo.
“Somos todos russos aqui”, interrompeu uma delas em um vídeo postado online. “Quando os mobilizados serão trocados?”
“É claro que haverá (uma mudança). Seremos vitoriosos e tudo...”, disse Milonov.
“Oh, já ouvimos tudo isso antes”, interrompeu a mulher.
Para Andreieva e outras esposas, mães e irmãs, a desigualdade do fardo da guerra é uma queixa importante. Embora restaurantes opulentos em Moscou sirvam vinhos finos e trufas durante o período festivo do Ano Novo, alguns homens estão congelando nas trincheiras do front.
“Temos 1% da população que assume todo o fardo da SVO na frente de batalha, enquanto os outros 99% se preparam para o Ano Novo e se divertem”, disse Andreieva.
“Divertir-se não é o que está reservado para nossos meninos ou nossas famílias.”
“Estamos cansadas de ser boas meninas”: esposas e mães de militares russos protestam contra Putin – Os movimentos liderados por mulheres desafiam a narrativa oficial de que são necessárias tropas mobilizadas pra guerra contra a Ucrânia
(Jornal The Guardian) Tendo como pano de fundo bétulas cobertas de neve, um grupo de mulheres usando lenços brancos se mistura à paisagem de inverno russa. Num país onde a dissidência pública é rara, sua mensagem contundente a Vladimir Putin se destaca: traga nossos homens de volta da Ucrânia.
“Queremos uma desmobilização total. Os civis não devem participar nos combates”, afirma uma das mulheres no início do discurso de nove minutos deste mês. “Somos muitas e nosso número só vai crescer.”
A mulher é Maria Andreieva, 34 anos, e é uma das líderes não oficiais de um movimento popular emergente que vem ganhando força na Rússia nas últimas semanas.
Elas são as esposas e mães de alguns dos 300 mil homens russos que foram recrutados em setembro de 2022, num período crítico pro Kremlin, que precisava então reforçar seu número de tropas depois da Ucrânia ter recapturado territórios no sul e no norte do país.
Mais de um ano depois, com seus entes queridos ainda no campo de batalha, muitas mulheres estão organizando protestos públicos e escrevendo cartas abertas questionando a narrativa oficial de que são necessárias tropas mobilizadas na guerra da Rússia contra a Ucrânia.
“Por que nossos homens que levavam uma vida pacífica teriam de ir à Ucrânia?”, diz Andreieva, que mora em Moscou. “Se nosso governo decidir atacar um país menor, deixe o Exército lutar, mas deixe nossos homens em paz.”
Andreieva diz que o movimento surgiu em setembro, depois de Andréi Kartapólov, presidente da comissão de defesa do parlamento, ter dito à imprensa que não haveria rotação de tropas na Ucrânia e que voltariam pra casa após a conclusão da operação militar especial.
A Rússia tem um histórico de protestos liderados por mulheres durante a guerra. Esposas e mães lideraram um movimento antiguerra durante a Primeira Guerra da Chechênia em 1994, que ajudou a virar a opinião pública contra o conflito e desempenhou um papel na decisão do Kremlin de parar os combates.
As mulheres estavam organizadas em grupos bem geridos, como o Comitê das Mães dos Soldados da Rússia, que tinha centenas de centros regionais em todo o país, e, o que é crucial, sua mensagem foi transmitida na televisão russa numa altura em que os meios de comunicação ainda não estavam totalmente submetidos pelo Estado.
Mas desde que Putin assumiu o poder em 1999, as autoridades russas tomaram medidas sistemáticas pra desmantelar os movimentos populares, ao mesmo tempo em que assumiram o controle das mídias independentes que lhes poderiam proporcionar uma plataforma.
Após a invasão em larga escala da Ucrânia, o Kremlin avançou ainda mais, na prática criminalizando todas as vozes antiguerra e aplicando punições severas aos russos comuns, mesmo por pequenos atos de protesto civil contra a invasão.
Andreieva se comunica com outras esposas, irmãs e mães de soldados no Telegram, uma das últimas plataformas que acolhe vozes independentes. A maior parte de seu trabalho é coordenada no canal “Put domoy”, que já acumulou mais de 35 mil membros desde que foi criado em setembro. Ela diz que não tem medo porque está farta.
“O canal é onde nos reunimos e discutimos nossos próximos passos”, diz Natalia, enfermeira de uma pequena cidade perto de Sarátov, no sul da Rússia. “Vocês percebem que há muitos mais de vocês que querem que essa guerra acabe.”
Enfrentar o movimento é um assunto delicado pro Kremlin, diz Andréi Kolésnikov, membro sênior do Carnegie Russia Eurasia Center, com sede em Moscou. “Essas esposas e mães não fazem parte do tradicional movimento liberal e urbano anti-Kremlin. Muitas delas vêm da base central de apoio de Putin.”
Kolesnikov diz que o Kremlin pode estar preocupado com o fato de que, se reprimir o grupo com muita força, isso possa provocar uma resposta maior do público.
Até agora, as autoridades optaram por não prender nem intimidar as mulheres, ordenando, em vez disso, que as mídias estatais ignorassem seus apelos, bem como rejeitando seus pedidos de autorizações de manifestação em todo o país.
Numa tentativa de responder a parte da raiva crescente, Putin falou anteriormente com mães de soldados que lutam na Ucrânia, numa reunião cuidadosamente orquestrada. Uma investigação do The Guardian mostrou que as mulheres sentadas com Putin faziam parte de um grupo escolhido a dedo de mães de soldados com ligações com as autoridades.
Andreieva, que considerou a reunião de Putin um “show político”, diz que foi oferecido dinheiro a algumas das vozes mais altas de seu grupo em troca de silêncio. “Nenhuma quantia em rublos pode trazer seu marido de volta”, diz ela.
A resposta relativamente moderada do Kremlin pode ser parcialmente explicada pela forma como as mulheres se posicionaram inicialmente. A princípio, os membros do grupo “Put domoi” disseram que não se opunham à guerra e não criticavam Putin. “Não estamos interessadas em balançar o barco e desestabilizar a situação política”, dizia o manifesto do grupo.
Mas à medida que suas exigências foram ignoradas, sua linguagem endureceu. “Estamos sendo traídas e destruídas pelos nossos”, diz uma carta recente do grupo.
Na mesma declaração, as mulheres questionam a política do Kremlin que liberta da prisão assassinos e estupradores condenados após seis meses combatendo na Ucrânia. “Nosso presidente certamente tem senso de humor”, diz o grupo ironicamente.
E quando Putin não mencionou a possibilidade de uma desmobilização durante seu discurso de fim de ano na televisão, as mulheres do “Put domoi” escreveram que ele estava agindo “em seu estilo habitual: teatralmente, mesquinho e covarde”.
Andreieva diz que dentro do movimento havia muitas opiniões diferentes sobre os combates na Ucrânia, mas como as autoridades ignoraram suas exigências, algumas mulheres mudaram sua percepção do conflito.
“Algumas ainda acreditam na propaganda estatal. Mas muitas estão mudando de opinião sobre a operação militar especial”, diz ela, acrescentando que não votaria em Putin nas eleições presidenciais do próximo ano.
Natalia diz que o tratamento dispensado ao marido a levou a questionar a narrativa oficial do Kremlin sobre a guerra na Ucrânia. “Putin primeiro mentiu pra nós que os civis nunca teriam que lutar”, diz ela. “Você começa a pensar: ele também está mentindo sobre por que estamos na Ucrânia?”
Pra Andreieva e outras esposas e mães, a desigualdade do fardo da guerra era outra queixa, com muitos dizendo que se sentiam ignorados não só pelo Kremlin, mas também pela sociedade em geral.
Desde o início do conflito, os russos adotaram em grande parte uma forma de escapismo, com as pesquisas mostrando que a maioria preferia não pensar nem acompanhar os desdobramentos no campo de batalha.
Kristina, de Vladivostok, afirma: “O país está se preparando pras férias. Todo mundo está comprando presentes e comendo caviar, enquanto nós vivemos no inferno, preocupadas com nossos maridos.”
A situação do grupo expõe algumas das opções difíceis enfrentadas pela liderança russa à medida que a guerra se aproxima de seu segundo aniversário.
Uma nova mobilização permitiria uma rotação de tropas que poderia trazer muitos dos homens pra casa, mas as pesquisas têm mostrado consistentemente que uma nova mobilização seria profundamente impopular – e poderia desencadear uma onda de ansiedade e inquietação semelhante à vista no ano passado, quando a convocação levou à maior queda na popularidade de Putin desde que ele chegou ao poder.
Kolesnikov diz: “Durante a última mobilização, o Kremlin quebrou o contrato social não escrito com os russos: vocês nos permitem lutar na Ucrânia, e em troca ficamos fora de suas vidas privadas”.
Os observadores dizem que é cedo demais pra avaliar o impacto do movimento das mulheres russas num regime que tem uma longa história de supressão bem-sucedida de vozes dissidentes.
Mas a raiva delas ressalta parte do desconforto que alguns no país sentem com relação ao conflito e prejudica a imagem retratada por Putin de uma sociedade unida por trás do esforço de guerra.
Andreieva está determinada a continuar seus protestos, mesmo que isso possa a levar à prisão. “Estamos cansadas de sermos boas meninas. Isso não nos levou a lugar nenhum.”
Defenda a independência da Ucrânia! E não aos apelos por “paz” do governo dos EUA
(The Militant, “periódico socialista” e “pelos trabalhadores”, Nova York) A resposta dos governantes dos EUA à invasão da Ucrânia por Moscou, bem como sua resposta a todos os acontecimentos em todo o mundo, sempre foi promover seus próprios interesses estratégicos econômicos, políticos e militares, e não os do povo ucraniano. Seu objetivo é impedir a escalada da guerra e não garantir a soberania da Ucrânia, o que exigiria a derrota e a retirada das forças de Moscou.
A determinação e a coragem do povo trabalhador ucraniano fizeram retroceder a sangrenta invasão do presidente russo, Vladimir Putin. Mas depois de 650 dias, à medida que o inverno chega ao país, as linhas de frente da guerra estão congeladas por enquanto. Washington está utilizando o atual impasse pra tentar pressionar o governo ucraniano a iniciar conversações com Moscou.
O tabloide alemão Bild noticiou em 24 de novembro um plano secreto divulgado por autoridades dos EUA e da Alemanha, os dois maiores fornecedores de armas a Kyiv. Mostra que os governantes das duas potências imperialistas estão conduzindo uma pressão nos bastidores pra que Kyiv permita a Moscou manter parte do território que suas forças tomaram em troca do fim do derramamento de sangue.
De acordo com o Bild, a Casa Branca e a Chancelaria estão coordenando a pressão sobre Kyiv, disponibilizando apenas armas suficientes para as forças ucranianas manterem a atual linha da frente, mas não retomarem partes da Ucrânia que Moscou ocupa atualmente. O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Vedant Patel, negou o relatório do Bild, mas outro funcionário dos EUA disse à NBC: “há uma sensação crescente de que é tarde demais e é hora de fazer um acordo”.
Qualquer acordo de compromisso imposto a Kyiv apenas vai dar a Putin tempo pra tentar consolidar sua invasão, espalhando as sementes pra novas e mais amplas guerras. A determinação de Putin em varrer a Ucrânia e seu povo do mapa permanece inalterada.
Perdas russas alimentam oposição à guerra – O Kremlin aposta na pressão exercida sobre Washington por uma longa guerra de desgaste que permitiria a Moscou sobreviver às forças ucranianas. A economia capitalista da Rússia está sendo convertida pra produção de guerra, com fábricas funcionando em turnos, 24 horas por dia.
Putin baixou um decreto em 1.º de dezembro pra arregimentar 170 mil soldados e aumentar o tamanho do Exército pra 1,3 milhão. Ele espera fazer isso sem uma mobilização aberta, o que desencadearia protestos como os do ano passado.
A população da Rússia é três vezes maior do que a da Ucrânia. As autoridades estão varrendo os migrantes da Ásia Central, invadindo mesquitas, restaurantes e mercados onde trabalham. Os detidos são levados pra postos de alistamento militar. Também aumenta a pressão sobre prisioneiros, devedores e funcionários de empresas estatais pra que se alistem.
As taxas de baixas russas se aproximam dos números surpreendentes sofridos pelo exército do tsar na 1.ª Guerra Mundial. Depois, uma média de mais de 1 100 soldados foram mortos todos os dias. Hoje, o número é de cerca de 900, com um pico de mais de 1 300 mortes em alguns dias, relata o Kyiv Post.
“Estamos abandonados”, diz um grupo de soldados russos em um vídeo divulgado em 1º de dezembro. Eles dizem que não são alimentados adequadamente, têm que fornecer seus próprios remédios e seus comandantes os enviam pro abate, deixando os feridos apodrecendo em campo.
No dia 3 de dezembro, surgiram relatos de revoltas entre as unidades de Moscou ao longo da margem do rio Dnipró, após pesadas perdas. Numa unidade, os soldados recusaram comandos pra recapturar posições de cabeça de ponte ucranianas ali e em várias ilhas, alegando que não tinham cobertura aérea e de artilharia eficaz. As tropas russas também sofreram dezenas de mortes depois de terem sido enviadas através de seus próprios campos minados sem mapas. Sua recusa a atacar se espalhou a outras unidades estacionadas ao longo do rio.
Soldados russos capturados pelas tropas ucranianas descrevem o tratamento que receberam de seus oficiais. Pavel, um ex-operador de máquinas-ferramenta da Sibéria, disse que sua companhia recebeu ordens de tomar território no nordeste da Ucrânia no início deste outono [primavera no Brasil]. “O capitão disse que cumprimos nosso objetivo. Mas como você pode dizer isso se de cada 100 homens, apenas 35 voltam? E isso foi apenas num dia.”
Protestos foram realizados em várias cidades russas no mês passado por mães e esposas de soldados, exigindo rotação de tropas.
O grupo “Put domoi” de familiares dos soldados afirma que o Kremlin prometeu que as tropas mobilizadas em setembro de 2022 voltariam pra casa após alguns meses. “As promessas se mostraram vazias. Fomos traídas”, escreveu o grupo em 27 de novembro. “O presidente declarou 2024 como o Ano da Família. É irônico, visto que as esposas choram sem os maridos, os filhos crescem sem pais e muitos já são órfãos”.
O Kremlin acusa a organização de ligações com grupos de espionagem ocidentais.
“Só vamos recuar depois que nossos homens estiverem seguros em casa. Aqui e agora estamos criando a base da solidariedade pública contra a mobilização indefinida”, respondeu “Put domoi”.
Em Moscou, no dia 7 de novembro [aniversário da Revolução Bolchevique], 20 mulheres se juntaram à margem de um comício legal do KPRF [o partido comunista] e levantaram o slogan “Não à mobilização indefinida”, antes que a polícia as levasse embora. Em Novosibirsk, as autoridades permitiram que os familiares dos soldados realizassem um protesto, mas insistiram que ele acontecesse num edifício governamental, com a maior parte da imprensa proibida de entrar.
O governo está oferecendo pagamentos maiores às famílias dos soldados, “mas apenas se ficarmos calados”, disse Maria Andreieva ao New York Times. Ela realizou um protesto individual em Moscou no mês passado, carregando uma placa que dizia “Justiça. É hora dos mobilizados voltarem pra casa.”
“As mulheres precisam dos maridos e dos filhos, não de recompensas”, disse ela.