terça-feira, 30 de janeiro de 2024

God Made Trump (E Deus criou Trump)


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/trump-deus


Quando achamos que o bolsotrumpismo já chegou a seus limites de ridículo e de idolatria cega, a conta do ex-presidente dos EUA na rede Truth Social (ou seja, dele mesmo) postou um vídeo de pouco mais de dois minutos, intitulado God Made Trump, literalmente “Deus fez Trump”, mas que na referência ao livro bíblico do Gênesis ficaria melhor “Deus criou Trump”. O sentido é o mesmo, ou seja, de que a galinha ruiva teria sido enviada pelo altíssimo com uma espécie de missão divina pra fazer tudo o que é descrito pelo narrador. Sabemos que esse lance de “monarquia de direito divino” é coisa do Antigo Regime e que os últimos a insistirem nesse tipo de governo literalmente “perderam a cabeça”. Mas quem não se lembra que até no dia de Nossa Senhora de Aparecida, malucos uniformizados e alcoolizados foram alvoroçar o santuário enquanto apontavam pra canecas de cerveja com a cara do Bolsonaro, dizendo “Meu deus tá aqui!”?

Julgo ter sido nosso cúmulo de decadência moral e intelectual. Mas voltando ao Norte, muitos compatriotas também acharam a montagem ridícula e assustadora, fazendo essa associação de uma figura tão caricata e truculenta com uma missão celeste. Mas a linguagem simplória, a referência ao cotidiano popular comum (uma falsa identificação do chefe com seus seguidores), o enredo improvável e as referências bíblicas são exatamente o grosso do repertório mental do trumpista médio. E levando em conta que sua vida psíquica se limita à realidade paralela construída no mundo digital, o impacto pode ser, sim, enorme, ao contrário do que nós, que nos achamos vacinados e instruídos, pensamos do alto de nossas torres de marfim.

Pra piorar, nem se trata de um texto original, e sim da paródia completa de um discurso do celebérrimo radialista americano Paul Harvey (1918-2009) chamado So God Made a Farmer (Então Deus criou um fazendeiro), dado na convenção de 1978 da FFA (Futuros Fazendeiros da América), uma organização juvenil que visa educar pro trabalho e valores do mundo agrícola. Publicado em livro pela primeira vez em 1986, tem uma temática não estranha ao mundo trumpista, que é a idealização do mundo rural e a religiosidade cotidiana, mas a “nova versão” vem inserida num imaginário conspiracionista e negador da realidade. O fato do vídeo ter sido publicado exatamente no aniversário da invasão do Capitólio, 6 de janeiro, torna a coisa ainda mais medonha.

Fora da Bolha do Donald (a Truth Social), a pérola também foi publicada num canal do YouTube que afirma lançar “notícias alternativas” (imagine quais...), bem como num perfil do Équis que reproduz exatamente as trumpadas diárias e no perfil de Marjorie Taylor Greene, deputada federal “MAGA” pelo estado da Geórgia. Este youtuber evangélico brasileiro fez um vídeo de 18 minutos comentando a propaganda como “idolatria humana”, e aos 6 min 44 seg (isto é, no segundo 404) ele exibe o vídeo, mas com as legendas automáticas da plataforma que são bastante imprecisas. Por curiosidade, também incorporei abaixo esse trecho. E de todas as transcrições mais ou menos completas que achei, nenhuma delas corresponde exatamente ao áudio, então fui “caçando” de cada uma o que batia; aí se incluem os artigos de um site chamado Mediaite e das agências Daily Kos e The Independent.

Criando minha própria transcrição que publiquei abaixo e a comparando com o áudio original, joguei no Google Tradutor e fiz diversas correções no resultado, que também segue abaixo. Ontem me dei conta que podia comparar com alguma possível tradução do So God Made a Farmer, e esse pode ser um trabalho futuro meu ou de algum herói que tenha mais tempo e paciência. Mas como meu objetivo é essencialmente informativo, fique com o resultado já alcançado; sugestões provisórias são muito bem-vindas:




E em 14 de junho de 1946, Deus olhou para Seu Paraíso planejado e disse: “Preciso de um zelador”. Então Deus criou Trump.

Deus disse: “Preciso de alguém disposto a acordar antes do amanhecer, consertar este país, trabalhar o dia todo, combater os marxistas, jantar, depois ir ao Salão Oval e ficar até depois da meia-noite em uma reunião dos chefes de Estado.” Então Deus criou Trump.

“Preciso de alguém com braços fortes o bastante para sacudir o Estado Profundo, mas também gentil o bastante para ajudar no nascimento de seu próprio neto. Alguém para irritar e domar o rabugento Fórum Econômico Mundial, voltar para casa com fome, ter que esperar a primeira-dama terminar de almoçar com as amigas, depois dizer às senhoras para ficarem seguras e voltarem logo. E ser sincero.” Então Deus nos deu Trump.

“Preciso de alguém que saiba forjar um machado, mas empunhar uma espada, que teve a coragem de pisar na Coreia do Norte, que possa ganhar dinheiro com o alcatrão da areia, transformar líquido em ouro, que entenda a diferença entre tarifas e inflação, que vai terminar sua semana de 40 horas até terça-feira ao meio-dia, mas depois dedicar mais 72 horas.” Então Deus criou Trump.

Deus precisava de alguém disposto a entrar na toca das víboras, desmentir as notícias falsas vindas de suas línguas tão afiadas quanto a de uma serpente – o veneno das víboras está em seus lábios –, mas ainda assim pará-las. Então Deus criou Trump.

Deus disse: “Preciso de alguém que seja forte e corajoso, que não tenha medo ou pavor dos lobos quando eles atacarem. Um homem que cuide do rebanho. Um pastor para a humanidade que nunca a deixará nem a abandonará. Preciso do trabalhador mais diligente para seguir o caminho e permanecer forte na fé e conhecer a crença em Deus e no país. Alguém que esteja disposto a escavar, trazer de volta a indústria e os empregos americanos, cultivar as terras, proteger nossas fronteiras, construir nossas forças armadas, combater o sistema o dia todo e terminar uma árdua semana de trabalho indo à igreja no domingo.”

E então seu filho mais velho se vira e diz: “Pai, vamos tornar a América grande novamente. Pai, vamos reconstruir um país que seja novamente invejado pelo mundo.” Então Deus criou Trump.


And on June 14th [fourteenth], 1946 [nineteen forty-six], God looked down on His planned Paradise, and said: ‘I need a caretaker.’ So God gave us Trump.

God said: ‘I need somebody willing to get up before dawn, fix this country, work all day, fight the Marxists, eat supper, then go to the Oval Office and stay past midnight at a meeting of the heads of State.’ So God made Trump.

‘I need somebody with arms strong enough to rustle the Deep State and yet gentle enough to deliver his own grandchild. Somebody to ruffle the feathers, tame cantankerous World Economic Forum, come home hungry, have to wait until the First Lady is done with lunch with friends, then tell the ladies to be sure and come back real soon. And mean it.’ So God gave us Trump.

‘I need somebody who can shape an ax, but wield a sword, who had the courage to step foot in North Korea, who can make money from the tar of the sand, turn liquid to gold, who understands the difference between tariffs and inflation, will finish his 40-hour [forty-hour] week by Tuesday noon, but then put in another 72 [seventy-two] hours.’ So God made Trump.

God had to have somebody willing to go into the den of vipers, call out the fake news for their tongues as sharp as a serpent’s – the poison of vipers is on their lips –, and yet stop. So God made Trump.

God said: ‘I need somebody who will be strong and courageous, who will not be afraid or terrified of the wolves when they attack. A man who cares for the flock. A shepherd to mankind who won’t ever leave nor forsake them. I need the most diligent worker to follow the path and remain strong in faith, and know the belief of God and country. Somebody who’s willing to drill, bring back manufacturing and American jobs, farm the lands, secure our borders, build our military, fight the system all day, and finish a hard week’s work by attending church on Sunday.’

And then his oldest son turns and says: ‘Dad, let’s make America great again. Dad, let’s build back a country to be the envy of the world again.’ So God made Trump.



Trilha sonora indicada pra esta publicação: