domingo, 27 de setembro de 2015

Chant des partisans + Hino da França


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Este vídeo é um trecho da tradicional parada francesa em comemoração à queda da Bastilha, conduzida nos Champs-Élysées em 14 de julho de 2015, na presença do presidente François Hollande, do primeiro-ministro Manuel Valls e do presidente do México, convidado de honra, Enrique Peña Nieto. O Coral do Exército Francês executa Le Chant des partisans (A canção dos guerrilheiros), hino da Resistência Francesa contra os nazistas, e La Marseillase (A Marselhesa), hino nacional da França.

A Marselhesa era antes um Canto de guerra para o Exército do Reno composto por Claude Joseph Rouget de Lisle em 1792 durante a guerra entre França e Áustria. Foi decretada “canto nacional” em 1795, abandonada em 1804, retomada em 1830 e tornada hino nacional em 1879, com uma “versão oficial” efetivada em 1887. Le Chant des partisans foi composto primeiro em russo pela emigrada Anna Marly em 1941 e recebeu letra em francês dos resistentes Joseph Kessel e Maurice Druon em 1943. Nesse ano, uma gravação chegou clandestina à França ocupada, expandiu-se com o epíteto de “Marselhesa da Resistência” e continuou popular após a guerra.

Há muitas variantes das letras das duas canções, mas A Marselhesa eu tirei da Wikipédia em francês, e Le Chant des partisans eu tirei desta página. Este eu mesmo traduzi, cotejando com as versões em espanhol, esperanto e russo da Wikipédia, e da Marselhesa eu dispunha das traduções da Wikipédia e a do livro Francês urgente para brasileiros, de Angela F. Perricone Pastura. A partir delas, cheguei à minha própria versão, cotejando ainda com as das Wikipédias em inglês, espanhol, italiano, catalão, esperanto e galego.

No Chant des partisans usei linguagem moderna, mas na Marselhesa mantive “tu”, “vós” e presente simples ao invés do presente contínuo. Recorri também a textos que explicavam em parte Le Chant des partisans (“Poésie engagé”) e A Marselhesa (“La Marseillaise expliquée aux cons” – aqui; “Au-delà du sens politique et historique, que signifient au juste les paroles de notre hymne national ?” – aqui). O polêmico “sang impur” (sangue impuro), considerado racista, entendi como “sangue plebeu” (não azul/puro), e não “sangue estrangeiro”.

O desfile completo de cujo vídeo eu tirei o trecho pode ser visto no canal do Ministério da Defesa francês. A Marselhesa é executada, além de seu refrão, nas estrofes 1 e 6, mais empregadas em eventos oficiais, embora a letra completa tenha 7 estrofes. A banda e o coral formam o desenho da Cruz de Lorena, símbolo europeu famoso adotado pela Resistência Francesa e popular entre os gaullistas. O vídeo legendado está no meu canal O Eslavo no YouTube, e depois estão as letras das duas canções em francês e em português:




Le Chant des partisans

Ami, entends-tu
Le vol noir des corbeaux
Sur nos plaines ?
Ami, entends-tu
Les cris sourds du pays
Qu’on enchaîne ?
Ohé ! partisans,
Ouvriers et paysans,
C’est l’alarme !
Ce soir l’ennemi
Connaîtra le prix du sang
Et des larmes !

Montez de la mine,
Descendez des collines,
Camarades !
Sortez de la paille
Les fusils, la mitraille,
Les grenades...
Ohé ! les tueurs,
A la balle et au couteau,
Tuez vite !
Ohé ! saboteur,
Attention à ton fardeau :
Dynamite !

C’est nous qui brisons
Les barreaux des prisons
Pour nos frères,
La haine à nos trousses
Et la faim qui nous pousse,
La misère...
Il y a des pays
Ou les gens au creux de lits
Font des rêves ;
Ici, nous, vois-tu,
Nous on marche et nous on tue,
Nous on crève.

Ici chacun sait
Ce qu’il veut, ce qui’il fait
Quand il passe...
Ami, si tu tombes
Un ami sort de l’ombre
A ta place.
Demain du sang noir
Séchera au grand soleil
Sur les routes.
Sifflez, compagnons,
Dans la nuit la Liberté
Nous écoute...

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Amigo, ouve o voo nefasto dos corvos sobre nossas planícies?
Amigo, ouve os gritos abafados do país que acorrentam?
Ei, guerrilheiros, operários e camponeses, é o alarme!
Esta noite o inimigo pagará por nosso sangue e lágrimas!

Subam da mina, desçam das colinas, camaradas!
Tirem das palhas os fuzis, a metralha, as granadas...
Ei, matem logo os assassinos na bala e na faca!
Ei, sabotador, cuidado com a dinamite que carrega!

Nós quebramos as grades das prisões para nossos irmãos,
Com o ódio nos perseguindo, a fome pressionando, a miséria...
Há lugares em que as pessoas sonham acamadas;
Aqui, está vendo, nós marchamos, matamos, morremos.

Todos que vêm aqui sabem o que querem e fazem...
Amigo, se você perece, um amigo sai da sombra ao seu lugar.
Amanhã sangue impuro secará ao sol sobre as estradas.
Assobiem, companheiros, na noite a Liberdade nos escuta...





La Marseillaise

1. Allons enfants de la Patrie,
Le jour de gloire est arrivé !
Contre nous de la tyrannie
L’étendard sanglant est levé,
L’étendard sanglant est levé,
Entendez-vous dans les campagnes
Mugir ces féroces soldats ?
Ils viennent jusque dans vos bras
Égorger vos fils, vos compagnes !

Refrain :
Aux armes, citoyens,
Formez vos bataillons,
Marchez, marchez !
Qu’un sang impur
Abreuve nos sillons !
Aux armes, citoyens,
Formons nos bataillons,
Marchons, marchons !
Qu’un sang impur
Abreuve nos sillons !

2. Amour sacré de la Patrie,
Conduis, soutiens nos bras vengeurs,
Liberté, Liberté chérie,
Combats avec tes défenseurs !
Combats avec tes défenseurs !
Sous nos drapeaux que la victoire
Accoure à tes mâles accents,
Que tes ennemis expirants
Voient ton triomphe et notre gloire !

(Refrain)

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1. Vamos, filhos da Pátria,
O dia da Glória chegou!
A bandeira sangrenta da tirania
É desfraldada contra nós,
É desfraldada contra nós,
Vós ouvis nos campos
Mugir esses soldados ariscos?
Eles vêm a vossos lares para
Degolar vossos filhos e mulheres!

Refrão:
Às armas, cidadãos,
Formai vossos batalhões,
Marchai, marchai!
Que um sangue plebeu
Regue nossos campos!
Às armas, cidadãos,
Formemos nossos batalhões,
Marchemos, marchemos!
Que um sangue plebeu
Regue nossos campos!

2. Amor sagrado pela Pátria,
Guia e apoia nossos braços vingadores,
Liberdade, querida Liberdade,
Combate com teus defensores!
Combate com teus defensores!
Sob nossas bandeiras, que a vitória
Acorra a teus brados viris,
Que teus inimigos agonizantes
Vejam teu triunfo e nossa glória!

(Refrão)




domingo, 20 de setembro de 2015

Hino da Iugoslávia socialista


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Esta é a legendagem da versão em servo-croata do hino pan-eslavista Ei, eslavos, originalmente composto no século 19 e empregado como hino da República Socialista Federativa da Iugoslávia entre 1943 e 1991 (de onde ele é mais conhecido), e posteriormente da República Federal da Iugoslávia e de sua sucessora Sérvia e Montenegro até 2006. Desde então, mesmo sobrevivendo na cultura popular, Ei, eslavos não é mais o hino de nenhum país.

Em 1834, ainda no Império Austro-Húngaro, o eslovaco Samuel Tomášik compôs a canção Hej, Slováci (Ei, eslovacos), que ele logo alterou para incluir todos os eslavos e torná-la um hino do então existente movimento pan-eslavista. A canção é baseada na Mazurek Dąbrowskiego (Mazurca de Dąbrowski), atual hino da Polônia, cujo tempo, porém, é mais rápido.

No futuro território iugoslavo, a canção foi traduzida pelo croata Dragutin Rakovac, ativista do “movimento ilírio” de meados do século 19 de impulso à cultura croata. A canção havia sido renomeada como Hej, Iliri (Ei, ilírios) e depois se tornou Ei, eslavos novamente. Em servo-croata, era chamada Hej, Slaveni ou Hej, Sloveni. Com a queda da monarquia iugoslava após a 2.ª Guerra Mundial, seu hino foi abandonado e substituído em 1943 por Ei, eslavos pelo governo de resistência e, depois, comunista, mas sem caráter oficial.

O hino só foi constitucionalizado em 1988, e a federação socialista logo ia se desintegrar em 1991-92, mas ele continuou a ser usado no que restou da Iugoslávia. Em 2003, o país passou a se chamar Sérvia e Montenegro, mas não houve um acordo sobre a adoção de um novo hino, e Ei, eslavos só foi abandonado em 2006, quando Sérvia e Montenegro se tornaram dois países independentes, com seus próprios hinos.

Eu traduzi a partir da versão que a Wikipédia em russo dizia ser em “servo-croata”, a qual não tem diferenças relevantes com as que são chamadas de “sérvio” e “croata”. O hino possui versões poéticas em todas as línguas eslavas, mas não as utilizei para ajudar a traduzir o que se tornou o hino da Iugoslávia. Utilizei traduções literais “rough” em inglês e russo, e parte de uma em italiano, mas a palavra final sempre era dada pelo dicionário das línguas sérvia e croata. Extraí as informações históricas do verbete “Hey, Slavs” da Wikipédia em inglês.

Logo abaixo, duas versões do áudio legendado no meu canal O Eslavo no YouTube: uma apenas em português, com fotos de época, e outra com a bandeira nacional, e os textos em servo-croata (alfabeto latino) e português. Em seguida, os textos em servo-croata (alfabetos latino e cirílico) e em português:





Hej Slaveni, jošte živi
Reč naših dedova,
Dok za narod srce bije
Njihovih sinova.

Živi, živi duh slavenski
Živeće vekov’ma
Zalud preti ponor pakla,
Zalud vatra groma.
Zalud preti ponor pakla,
Zalud vatra groma.

Nek se sada i nad nama
Burom sve raznese
Stena puca, dub se lama,
Zemlja nek se trese.

Mi stojimo postojano
Kano klisurine,
Proklet bio izdajica
Svoje domovine!
Proklet bio izdajica
Svoje domovine!

Хеј Славени, јоште живи
Реч наших дедова,
Док за народ срце бије
Њихових синова.

Живи, живи дух славенски
Живеће веков’ма
Залуд прети понор пакла,
Залуд ватра грома.
Залуд прети понор пакла,
Залуд ватра грома.

Нек се сада и над нама
Буром све разнесе
Стена пуца, дуб се лама,
Земља нек се тресе.

Ми стојимо постојано
Кано клисурине,
Проклет био издајица
Своје домовине!
Проклет био издајица
Своје домовине!

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Ei, eslavos, a palavra de nossos avós ainda viverá
Enquanto o coração dos filhos deles bater pela nação.
O espírito eslavo vive, vive e viverá para sempre,
O abismo do inferno e o fogo do relâmpago o ameaçam em vão.
O abismo do inferno e o fogo do relâmpago o ameaçam em vão.

Pode o vento Bora dissipar agora tudo sobre nós
E a rocha estalar, o carvalho se quebrar e a terra tremer
Que continuaremos erguidos como os penhascos.
Maldito seja quem trair sua própria pátria!
Maldito seja quem trair sua própria pátria!




domingo, 13 de setembro de 2015

A tarefa sagrada do Exército Vermelho


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Este é o segundo dos raros discursos que pronunciou no início da Revolução de Outubro Leon Trotsky (nascido Lev Davidovich Bronstein), líder social-democrata ucraniano que se aliou aos bolcheviques em 1917 e se tornou fundador e chefe do Exército Vermelho, vencedor da Guerra Civil Russa contra os opositores de Lenin e garante da consolidação do poder comunista na futura URSS. Aparentemente, no período inicial da Revolução Russa, só existem dois discursos gravados por ele, a despeito de seu papel ainda enorme no regime, tendo sido o primeiro, de 1919, sobre as repúblicas soviéticas, já postado aqui no blog. Trotsky filmou outros discursos em inglês e francês no período tardio de sua vida, e pretendo postá-los legendados em breve.

Trotsky conta a história de um velho tártaro que o havia visitado para agradecer pela expulsão de tropas cossacas antibolcheviques da região em que morava, alegando que eles cometiam abusos e extorsões supostamente evitados pelos comunistas. A partir desse exemplo, o líder procura orgulhoso definir um caráter de classes à guerra civil em curso, postando os “brancos” ao lado de uma burguesia assassina e antipopular, e os “vermelhos” como defensores dos pobres e da liberdade. Por isso, o soldado de Lenin não deveria se esquecer de lutar sempre no interesse do combate à pobreza.

Este discurso, cujo título inicial é “Sviaschennaia zadacha Krasnoi armii”, parece incógnito até para os próprios russos. O áudio tem qualidade sofrível, e isso deve ter atrapalhado a transcrição na íntegra: o colaborador do SovMusic.ru pareceu o mais perdido, e outro site tem uma versão mais completa. Com esforço e pesquisa, completei de algum jeito as poucas lacunas e o datei do ano de 1920, como faz a maioria dos sites, embora alguns indiquem 1919. A seguir, antes dos textos em português e russo, está o vídeo legendado, postado no meu canal O Eslavo no YouTube e no qual fiz as necessárias simplificações para acelerar a leitura:


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[A tarefa sagrada do Exército Vermelho. Discurso do Comissário do Povo para Assuntos Militares e Navais, camarada Trotsky.]

Camaradas soldados do Exército Vermelho! Em 8 de março deste ano, veio me ver no Comissariado do Povo para Assuntos Militares o velho tártaro Burmai, (1) natural da província de Samara. (2) Ele foi mandado a Moscou pelos conterrâneos, trabalhadores camponeses tártaros, e com lágrimas nos olhos agradeceu ao Poder Soviético por ter libertado sua província dos bandos de Dutov. (3) Eis o que ele me disse:

“A presença dos cossacos em nosso povoado foi terrível. Seus oficiais não apenas tomavam nossos cavalos, gado, cereais, sem pagar nada, principalmente aos camponeses pobres. Não, mais ainda, nos humilhavam, perseguiam, agrediam, fuzilavam! Nós, tártaros, sofríamos o pior. Ouvimos que o Exército Vermelho estava se deslocando para a província de Samara, mas não sabíamos se seria melhor ou pior. E quando os cossacos deixaram o povoado, dando lugar aos soldados vermelhos, logo vimos que era outra gente. Não fomos mais ultrajados, os soldados falavam conosco como irmãos, no povoado e em todo o entorno se instalou a ordem. Respiramos aliviados e bendissemos o Exército Vermelho!”

Assim me disse o velho tártaro, pai de uma família numerosa, e ouvindo essas palavras, camaradas soldados, fui sentindo imenso orgulho de nosso Exército Vermelho Operário-Camponês. Este pequeno exemplo traduziu o legítimo caráter das tropas revolucionárias, bem como o pleno sentido desta guerra que nos obrigam a travar. De um lado, as tropas burguesas carniceiras representam na prática, em todo e qualquer lugar a que chegam, a pior forma de ludíbrio que havia sob os tsares, a opressão dos pobres. Do outro lado, as tropas vermelhas trazem a libertação a todos.

Então lembrem-se: é muito claro que cabe a vocês garantir o comer e beber dos pobres. Azar ao soldado que não entende a que foi indicado. E ao autêntico soldado do Exército Vermelho, que corajoso e honesto defende os direitos e interesses dos pobres, honra e glória, e a gratidão das massas trabalhadoras!

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[Священная задача Красной армии. Слово народного комиссара по военным и морским делам товарища Троцкого.]

Товарищи солдаты Красной армии! 8 марта этого года пришёл ко мне, в народный комиссариат по военным делам, старый татарин Бурмай, родом из Самарской губернии. Явился он в Москву по воле своих односельчан – трудовых татарских крестьян и со слезами на глазах благодарил Советскую власть за освобождение Самарской губернии от дутовских банд. Вот что он сказал мне:

«Когда у нас стояли в селе казаки, много мы горя натерпелись. Казацкие офицеры не только забирали у нас лошадей, скот, хлеб, ничего не платя, особенно беднякам. Нет, мало того – они издевались над нами, преследовали нас, били, расстреливали! Нам, татарам, приходилось тяжелее всего. Мы слышали о том, что Красная армия движется на Самарскую губернию, но не знали – будет ли нам лучше или хуже. Когда же село наше было покинуто казаками, и к нам вступили красноармейцы, мы сразу увидели, что это другой народ. Нас перестали обижать, солдаты с нами разговаривали по-братски, в селе и везде вокруг установился порядок. Мы свободно вздохнули и благословили Красную армию!»

Так сказал мне старый татарин, отец многочисленной семьи, и слушая эти слова, я, товарищи солдаты, испытывал чувство гордости за нашу Рабоче-крестьянскую Красную армию. На этом маленьком примере обнаружился подлинный характер революционных войск, а также весь смысл этой войны, какую мы вынуждены вести. С одной стороны буржуазные боенские (4) войска, представляют на деле куда бы они ни пришли везде и всюду худшую форму неправды, которая была при царях, угнетение бедноты. С другой стороны, Красные войска которые несут всем освобождение.

Помните же: твёрдо наружи вам рученность еды и питья бедноты. (5) Горе солдату, который не понимает своего назначения. А настоящему солдату Красной армии, который мужественно и честно защищает права и интересы бедноты – ему честь и слава, и благодарности трудящихся масс!

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Notas (Erick Fishuk)

(1) As transcrições que encontrei davam, sem ter certeza, o nome como “Бурлаев” (Burlaiev) ou “Бурлай” (Burlai), mas a meu ouvido pareceu mais “Бурмай” (Burmai), que também pode ser tanto um prenome quanto sobrenome de origem túrquica.

(2) Em russo, “província de Samara” é “Самарская губерния” (Samarskaia gubernia), sendo a gubernia uma divisão administrativa hoje extinta e dita governorate em inglês. Define-se a rigor em português, mas sem tradução exata, como divisão administrativa dirigida por um governador, e uma das definições do Aurélio (2004) para “governo” é justamente “Território da jurisdição de um governador”. A Wikipédia em português oscila entre as traduções “província” (verbete “guberniya”), forma que adotei para fluir a leitura e evitar confusão, e “governo-geral” (verbete “governorate”).

(3) Aleksandr Ilich Dutov (1879-1921), líder de tropas cossacas durante o período tsarista, já em novembro de 1917 liderou uma revolta antibolchevique no sul da Rússia, depois se integrou às tropas “brancas” da guerra civil e, após a derrota, foi morto no exílio chinês por um agente comunista.

(4) Trotsky aparentemente pronuncia “боинские” (boinskie), com acento no primeiro И (i), que deve ser uma forma antiga ou dialetal da palavra.

(5) O trecho “наружи... бедноты” não constava em nenhuma das transcrições online, e fui eu quem tirou de ouvido, mesmo não tendo certeza da exatidão.



domingo, 6 de setembro de 2015

Votos de François Hollande para 2015


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Discurso do Presidente da República francês François Hollande expressando aos cidadãos seus votos de um Feliz Ano Novo para 2015, pronunciado e transmitido do Palácio do Élysée a 31 de dezembro de 2014. Título original: “Vœux du président de la République aux Français”.

Hollande inicia a alocução ressaltando as grandezas da França e os motivos pelos quais seus cidadãos poderiam se orgulhar dela, e que dariam, assim, a base para se acreditar que o país tinha um grande futuro pela frente, desde que se evitassem passadismos em detrimento da audácia. Em seguida, o presidente lista as amplas reformas que seu governo buscou empreender no difícil ano de 2014, como na economia, no trabalho, no emprego e na divisão territorial, e anuncia outras reformas que em 2015 pretendia fazer no ensino, na tributação, na assistência social e na questão da eutanásia. Hollande reafirma também compromissos morais e políticos com a integração europeia, o republicanismo, a união nacional, o meio-ambiente, a paz mundial e contra os demagogos, a xenofobia, o racismo, o antissemitismo e a guerra. Por fim, dedica uma lembrança às pessoas na França que passam necessidade e renova seu pedido para que o povo confie no país, no governo e na própria laboriosidade.

O texto em francês, o vídeo e o áudio do pronunciamento podem ser acessados conjuntamente nesta página do Élysée. O vídeo sobre o qual coloquei as legendas também pode ser assistido sem elas nesta página. Abaixo você pode ver também o próprio vídeo legendado, postado no meu canal O Eslavo no YouTube, no qual, é claro, sempre são feitas as necessárias adaptações a esse tipo de mídia:



Meus caros compatriotas,

É uma mensagem de confiança e persistência que lhes dirijo esta noite lhes expressando meus votos para o Ano Novo. Sei das dificuldades em que nos encontramos, levo-as em conta a cada dia e penso esta noite nas famílias apreensivas pelo futuro de seus filhos diante do desemprego e por vezes até mesmo da exclusão. E quero acabar (1) com o descrédito e a desesperança.

A França é um grande país: ela é a quinta potência econômica do mundo, ela toma suas responsabilidades sempre que a paz está ameaçada, graças à intervenção de nossos soldados na África, no Iraque, a quem quero saudar onde quer que estejam; eles fazem honra à sua bandeira.

A França tem uma diplomacia ativa que busca incansavelmente a solução para conflitos em lugares como a Ucrânia, onde me envolvi pessoalmente, ou o Oriente Médio. A França faz a Europa avançar: foi ela que sustentou a prioridade do crescimento com o plano de investimento de 315 bilhões de euros, que será lançado em 2015 pela Comissão Europeia.

A França é reconhecida por suas inovações, por sua cultura, pelo talento de seus empreendedores, inventores, pesquisadores. Ela foi honrada este ano com dois prêmios Nobel.

Temos, portanto, todas as razões para confiar em nós mesmos, mas com uma condição: avançar, dar mostras de audácia, rejeitar o status quo, descartar o regresso. Fiz a opção pelo futuro mantendo total fidelidade aos valores da República e a nosso modelo social.

A França não é uma nostalgia, mas uma esperança. Meu dever, com o governo de Manuel Valls, é fazer tudo, realizar tudo para preparar a França de amanhã, é dar tudo por nosso país.

Acredito na perseverança, na constância, no trabalho incessante. O ano de 2014 foi difícil, balizado por provações de todo tipo. Sem jamais ceder, segui firmemente o objetivo que havia fixado.

Eu havia anunciado a vocês o pacto de responsabilidade no começo do ano; ele entra em aplicação amanhã de manhã. As empresas e os trabalhadores independentes verão seus encargos baixarem, não haverá mais nenhuma cotização patronal para um assalariado pago pelo salário mínimo. (2) As empresas devem agora empregar e investir. É o sentido da palavra “responsabilidade”, pois nossa obrigação, diria nossa obrigação comum, é combater o desemprego.

Também foram realizadas grandes reformas ao longo de todo o ano agora findo. Assim, a partir de amanhã, 1.º de janeiro, a arduidade do trabalho finalmente será levada em conta no cálculo dos direitos à aposentadoria; o sistema deverá se tornar o mais simples possível para as empresas, para o que cuidarei pessoalmente, em acordo com os parceiros sociais (3) que se engajaram eles mesmos numa negociação essencial pela qual se espera modernizar o diálogo social em nosso país.

Igualmente, a reforma territorial, que havia sido mil vezes anunciada e mil vezes abandonada, foi adotada em menos de seis meses. E no ano que vem vocês serão chamados a eleger os políticos dessas futuras coletividades. Não importa quem vocês escolham, haverá mais eficácia e menos gastos.

A França, portanto, é capaz de se transformar, e sei que vocês estão prontos para isso. E é o que vamos fazer também em 2015. Primeiro, com a lei a ser apresentada em janeiro pelo Ministro da Economia, Emmanuel Macron. Ela vai despertar as iniciativas e a atividade, quebrar as rendas, liberar energias, desenvolver o emprego, simplificar a vida das empresas sem desproteger os assalariados. Será uma renovação para nossa sociedade, pois essa lei se destina principalmente aos jovens.

Os jovens serão sempre minha prioridade, com meios suplementares para combater as desigualdades escolares, com jovens professores mais bem formados, com o lançamento de um grande plano digital nas escolas, pois quero que a França seja o primeiro país da Europa em utilização da mais moderna tecnologia. Será uma ótima ferramenta de conhecimento, e também de justiça social. Pois a França só é forte quando ela é justa.

Em 2015 também será suprimida – no que me engajei – a primeira faixa do imposto de renda; o abono de família passará a variar em função das posses; o acompanhamento aos idosos será melhorado; o acesso a cuidados médicos será facilitado sem se colocar em causa a liberdade dos profissionais de saúde.

Mas também devemos ser capazes de conversar sobre os assuntos mais difíceis, diria os mais íntimos, para a sociedade: refiro-me ao fim da vida e ao direito de morrer com dignidade. Desejo que em 2015 o Parlamento possa adotar uma lei consensual que contribua para reduzir sofrimentos e leve em conta a vontade dos doentes.

Meus caros compatriotas, a França avançará no ano que vem, em todos os domínios e para todos. Esse é o combate que lancei e que levarei até o fim, contra os conservantismos – que são numerosos – e contra os populismos – que são perigosos. Diante do desemprego, venceremos dando mostras de iniciativa, e não nos paralisando ou nos isolando do resto do mundo. Rejeitemos os discursos que enganam e iludem o povo.

Com a Europa, não é destruindo o que existe ou pretendendo sair da zona do euro que convenceremos, mas restaurando nossa própria competitividade, mobilizando todas as alavancas econômicas para nos livrarmos da estagnação no continente e fundando bases democráticas à zona do euro.

E diante das ameaças que ascendem e inquietam, chamadas terrorismo, comunitarismo, (4) fundamentalismo, não é nos dividindo, estigmatizando uma religião ou cedendo ao medo que nos protegeremos, mas defendendo firmemente nossas regras comuns: a laicidade, a ordem republicana, a segurança das pessoas, a dignidade da mulher. É quando a França esquece seus princípios que ela se perde e submerge. Aí está o declínio, o único que nos ameaça, o da capitulação. Não é novidade na história, tanto da França como da Europa, nunca nos esqueçamos. É por isso que faço da luta contra o racismo e o antissemitismo uma grande causa nacional.

Devemos igualmente nos orientar por meio do compromisso, que é uma virtude para a Nação, é o que nos une numa mesma pátria. Assim, o serviço cívico (5) será estendido para todos os jovens, em toda sua diversidade, todos os jovens que fizerem a solicitação.

2015, meus caros compatriotas, será um ano essencial também, diria antes de tudo, para o planeta. A França receberá a conferência do clima em dezembro próximo, a qual reunirá os chefes de Estado e de governo do mundo inteiro. É uma ótima oportunidade para unirmos, antes de tudo, a nós mesmos além de nossas diferenças, partilharmos o que temos de melhor e restituirmos sentido ao progresso. A França deve ser exemplar – e é – com a lei da transição energética, já votada pela Assembleia Nacional, e com a lei da biodiversidade.

A França conseguiu, já faz 70 anos, reunir uma grande conferência pelos direitos universais do homem. Devemos agora levar o mundo a adotar, por sua vez, uma declaração pelos direitos da humanidade para preservar o planeta. E farei de tudo para que em Paris, em 2015, a conferência seja um sucesso, pois, quando nossos filhos ou netos nos perguntarem sobre o que conseguimos fazer em 2015, quero que possamos ter o orgulho de lhes dizer que contribuímos para preservar o planeta inteiro.

Meus caros compatriotas da metrópole, do ultramar ou vivendo no exterior, esses são os votos que faço para o ano que se inicia. 2015 deve ser um ano de audácia, ação e solidariedade. E esta noite penso em particular nos mais frágeis, nas pessoas sozinhas, nos desprovidos e em todas as vítimas dos dramas ocorridos nos últimos meses.

Mas minha mensagem é a da confiança; confiança em nós, em todas as forças de nosso país, em nossa vitalidade, e por isso posso dizer esta noite: viva a República e viva a França.


Notas do tradutor
(Clique no número para voltar ao texto)

(1) No vídeo: “Mas quero acabar”.

(2) Em francês, trata-se do SMIC, o Salaire minimum interprofessionnel de croissance, que tem algumas diferenças em relação ao salário mínimo brasileiro.

(3) Na França, o termo “partenaires sociaux” designa, em comitês de trabalho e reuniões, o conjunto dos principais sindicatos profissionais – sindicatos de assalariados e organizações patronais – responsáveis pela gestão de certos órgãos paritários. Em Portugal, por vezes se fala em “parceiros sociais”, mas no Brasil isto se refere antes a acordos entre entidades públicas e/ou privadas com fins beneficentes.

(4) No debate intelectual, “comunitarismo” é originalmente uma abordagem social que critica a sobrevalorização liberal do indivíduo, situa-o como inextricável à sua comunidade cultural, étnica, religiosa ou social, e defende fenômenos coletivos, como a sociedade civil. Mas na polêmica francesa, de modo geral, “communautarisme” seria, para seus opositores, uma subjugação das pessoas pelo seu grupo de pertencimento, especialmente étnico ou religioso, em detrimento dos valores nacionais ditos laicos, republicanos e universalistas. Os críticos desta interpretação rejeitam-na como uma forma de racismo burguês, branco e masculino, dirigido em especial aos muçulmanos.

(5) O service civique, criado em 2010, visa reunir pessoas de idades e origens diversas num “compromisso cidadão” em torno do projeto de nação, por meio do voluntariado dentro ou fora da França em instituições associadas, com despesas pagas pelo Estado e emissão de certificado.