sábado, 29 de agosto de 2020

“L’Internationale” no original francês


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Por sugestão de alguns parceiros e após muitos pedidos, finalmente uma tradução literal com legendas da letra original em francês do famoso hino L’Internationale (A Internacional). Todos já conhecem as postagens que fiz traduzindo pro português as versões em russo e iídiche, mas é a primeira vez que traduzo a letra original de Eugène Pottier (1871), que só recebeu melodia de Pierre Degeyter em 1888.

A informação seguinte é basicamente da Wikipédia em francês. Como um poema revolucionário, Pottier escreveu a letra durante a repressão da Comuna de Paris, em homenagem à Associação Internacional dos Trabalhadores. A AIT, também conhecida como “1.ª Internacional”, seria de 1864 a 1876 um órgão centralizado com seções nacionais, e não uma federação de partidos, como a “Segunda” social-democrata, e nela Karl Marx e Mikhaíl Bakúnin travaram verdadeiras guerras ideológicas. Hino da luta social pelo mundo, A Internacional é usada por socialistas, anarquistas, comunistas, sindicatos de esquerda, alguns sociais-democratas e em manifestações populares em geral.

Dedicado ao professor anarquista Gustave Lefrançais, o poema só escaparia do esquecimento porque o cancioneiro francês Gustave Nadaud, muito admirando a poética de Pottier, publicou pela primeira vez cerca de 50 poemas seus em 1884, mesmo sem concordar com as mensagens políticas. Inspirados nessa iniciativa, os parceiros políticos de Pottier publicaram em 1887 os Cantos revolucionários dele, entre os quais A Internacional, com um prefácio de Henri Rochefort. Ainda em 1888, o coral do Partido Operário Francês em Lille pediu que Degeyter, um de seus membros, criasse uma melodia original pro poema, que seria então cantado pela primeira vez na cidade em 23 de julho e teria a partitura publicada no ano seguinte.

A Internacional foi cantada em 1904 no congresso de Amsterdã da 2.ª Internacional social-democrata, e daí ganhou fama mundial, sendo traduzida pra inúmeras línguas. Como já postei aqui, Lenin admirava essa canção (no caso, sua tradução poética pro russo) e a adotou em 1918 como hino da Rússia soviética e em 1922 como hino da URSS, no lugar da Marselhesa Operária, adotada pelos revolucionários de fevereiro de 1917. A Internacional foi o hino tanto da RSFS da Rússia quanto da URSS toda até 1944, quando Stalin adotou um hino original no movimento de ressurgimento nacionalista.

Alguns grupos anarquistas deram a própria adaptação, L’Internationale noire (A Internacional Negra), dada a comum associação do hino original com o marxismo. No Brasil, o início da segunda estrofe “Messias, Deus, chefes supremos”, do português Neno Vasco, é trocado por socialistas e comunistas (mas não anarquistas) por “Senhores, patrões, chefes supremos”, por conta das frequentes alianças com católicos progressistas. Em respeito às principais correntes de esquerda, fiz o fundo do vídeo com os símbolos anarquista, social-democrata e comunista, bem como com a bandeira da França e com o rosto de Marianne, símbolo francês da República.

Muitos confundem o hino A Internacional com o hino da Internacional Comunista. Insisto que este hino não é exclusivamente comunista (muito menos o é sua origem, embora seja obviamente proletária) e que a Comintern nunca o utilizou como hino oficial. O hino que esta adotou em 1930 (Zavódy, vstaváite) provavelmente nunca teve ampla validade prática. Portanto, reclame se vir nesta canção o título “Hino A Internacional Comunista” ou “Hino da Internacional”, pois sequer pela AIT (a “Primeira”, que na verdade foi homenageada) ele foi adotado.

Em poucos minutos eu fiz a tradução direto do francês, conforme a versão final impressa em 1887 que aparece na Wikipédia. Uma versão manuscrita mais antiga e levemente diferente também aparece no site, tendo sido publicada em 1990 pelo historiador social Robert Brécy. Apesar da semelhança com Édith Piaf, na verdade é Rosalie Dubois quem canta esta versão, da qual deixei apenas as estrofes 1, 2 e final, geralmente as mais executadas. De brinde, pus o início da execução da Internacional nos carrilhões do Kremlin. Seguem a montagem, a letra em francês e a tradução:


1. Debout ! les damnés de la terre !
Debout ! les forçats de la faim !
La raison tonne en son cratère,
C’est l’éruption de la fin.
Du passé faisons table rase,
Foule esclave, debout ! debout !
Le monde va changer de base :
Nous ne sommes rien, soyons tout !

Refrain (2x):
C’est la lutte finale
Groupons-nous, et demain,
L’Internationale,
Sera le genre humain.

2. Il n’est pas de sauveurs suprêmes,
Ni Dieu, ni César, ni tribun,
Producteurs sauvons-nous nous-mêmes !
Décrétons le salut commun !
Pour que le voleur rende gorge,
Pour tirer l’esprit du cachot,
Soufflons nous-mêmes notre forge,
Battons le fer quand il est chaud !

(Refrain 2x)

3. Ouvriers, Paysans, nous sommes
Le grand parti des travailleurs ;
La terre n’appartient qu’aux hommes,
L’oisif ira loger ailleurs.
Combien de nos chairs se repaissent !
Mais si les corbeaux, les vautours,
Un de ces matins disparaissent,
Le soleil brillera toujours !

(Refrain 2x)

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1. De pé, danados da terra!
De pé, escravizados pela fome!
A razão troveja em seu vulcão,
É a erupção do fim.
Façamos tábua rasa do passado,
De pé, de pé, multidão escrava!
O mundo vai mudar sua base:
Não somos nada, sejamos tudo!

Refrão (2x):
É a luta final,
Agrupemo-nos, e amanhã
A Internacional
Será o gênero humano.

2. Não há salvadores supremos,
Nem Deus, nem César, nem tribuno,
Produtores, salvemos a nós mesmos!
Decretemos a salvação comum!
Para que o ladrão devolva o roubo,
Para tirarmos o espírito da masmorra,
Sopremos nós mesmos nossa forja,
Batamos enquanto o ferro está quente!

(Refrão 2x)

3. Operários, Camponeses, nós somos
O grande partido dos trabalhadores;
A Terra só pertence aos homens,
O ocioso irá morar em outro lugar.
Quanto de nossa carne é comida!
Mas se os corvos, os abutres,
Desaparecerem uma manhã dessas,
O Sol brilhará para sempre!

(Refrão 2x)