terça-feira, 30 de julho de 2019

“Giovinezza” e Hino Nacional da Itália


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/giovinezza


Assim era tocado em geral o “Hino da Itália” em cerimônias oficiais durante a era fascista de Benito Mussolini (ou “Vintênio Fascista”, 1922-1944): a primeira parte da Fanfara e Marcia Reale d’Ordinanza (Fanfarra e Marcha Real da Ordenança), por vezes tocada sem a Fanfara, como nos áudios abaixo, logo seguida por uma execução instrumental da canção patriótica Giovinezza (Juventude), adaptada em 1925 pra ser o hino do Partido Nacional Fascista.

A Marcia Reale foi a melodia empregada pelo Reino da Itália desde a unificação, em 1861, até a proclamação da república por um plebiscito, em 1946. Não está claro como e quando surgiu a Fanfarra e Marcha Real, em algum momento do início da década de 1830, mas a versão atual da Marcha é atribuída a Giuseppe Gabetti. Com a abolição da monarquia, em 1946, a melodia foi abandonada, nunca chegando a ter uma letra oficial, apesar dos muitos textos apresentados. Mesmo sob o comando de facto do “Duce” desde 1922, a Itália continuou sendo formalmente uma monarquia, nunca também chegando a se chamar “Império Italiano”, apesar de existir um incipiente império colonial na África e nos Bálcãs até o fim da 2.ª Guerra Mundial.

Giovinezza era originalmente uma canção estudantil com melodia de Giuseppe Blanc e letra de Nino Oxilia, surgida em 1909 sob o título Il commiato. Com letras sempre mudadas, a melodia também baseou os hinos da seção dos “Arditi” do Exército Italiano (1917, letra anônima), dos esquadristas paramilitares do fascismo (1919, letra de Marcello Manni) e finalmente do partido fascista (1925, letra de Salvatore Gotta). Acossado pelos Aliados, ao fundar a breve República Social Italiana (ou República de Salò, 1943-45), Mussolini adotou Giovinezza como hino único dessa entidade, já desligada da monarquia. Hoje, embora a Itália proíba a apologia do fascismo ou a refundação de seu partido, não há lei que interdite a execução pública de Giovinezza.

Entre 1943 e 1944, o Reino da Itália chegou a utilizar La canzone del Piave como hino nacional, no processo de crise institucional e de desintegração causado pelo conflito mundial. Logo depois a Marcia Reale d’Ordinanza foi reintroduzida, na esperança de que a monarquia pudesse seguir seu caminho livre do fascismo. Mas um referendo promovido em 2 e 3 de junho de 1946, com resultado proclamado no dia 10, optou pela adoção do regime republicano (54,3% contra 45,7%), com a maior parte do sul da Itália (incluindo a Sicília e a Sardenha), que já tinha sido um reino independente no passado, votando a favor do rei. Umberto 2.º, o último monarca, filho e sucessor do célebre Vittorio Emanuele (Vitório Emanuel) 3.º, partiu então ao exílio, pra nunca mais voltar.

Como hino nacional da nova República Italiana, adotou-se então na prática Il Canto degli Italiani, canção que data de 1847, mas só em 2017 foi oficializada por lei. Curiosidade: apenas em 1945, ainda antes do fim da guerra e com o norte da Itália ocupado pelos alemães pró-Mussolini, o governo de Roma permitiu por decreto o sufrágio feminino, praticado pela primeira vez no plebiscito de 1946, quando mais mulheres do que homens estavam aptas a votar. Eu baixei a Marcia Reale desta página, tendo somente, no primeiro vídeo, diminuído um pouco o andamento pra vocês aproveitarem melhor, e no segundo, cortado alguns trechos que não eram essenciais pra ilustração. A versão de Giovinezza é cantada por Beniamino Gigli, mas conservei apenas a abertura instrumental, que alonguei um pouco pra poder ilustrar bem. Em breve pretendo legendar esta canção inteira, mas por enquanto fiquem com a ótima tradução de minha amiga Julia.

O terceiro vídeo é parte da cena em que o general fascista Rodolfo Graziani chega a Benghazi, na Líbia italiana, pra combater uma rebelião anticolonial liderada pelo imã e professor Omar al-Mukhtar em 1931. Ela foi extraída do filme líbio Lion of the Desert (O leão do deserto), que foi estrelado em 1981 pelo célebre Anthony Quinn (Zorba, o grego) no papel de al-Mukhtar e chegou a ser censurado na Itália (Il leone del deserto) logo depois de ser lançado. Segundo o então primeiro-ministro Giulio Andreotti, a obra “ofende a honra do exército italiano”, mas teve a execução pública enfim liberada em 2009, com diversas reprises pela plataforma Sky. Com filmagens nos EUA, na Itália e na Líbia, o ex-ditador líbio Muammar Gaddafi financiou parte dos trabalhos com 35 milhões de dólares, chegando a pedir a inclusão de uma cena historicamente inexata, mas transmitindo várias vezes o filme na TV líbia. Oliver Reed esteve no papel do general Graziani, e Rod Steiger no de Benito Mussolini.

Na cena do filme, Graziani é acompanhado ainda do príncipe Amedeo (Amadeu) de Saboia-Aosta, o duque de Aosta (1898-1942), que deu apoio ao fascismo e foi vice-rei da Etiópia (1937) e governador-geral e comandante-em-chefe da África Oriental Italiana. Sky du Mont faz seu papel em O leão do deserto. Eu baixei o vídeo desta página, que já tem um trecho selecionado (da dublagem francesa do filme), e eu fiz mais cortes ainda no começo e no fim. Eu traduzi apenas o trecho cantado no vídeo, como vocês podem ver abaixo, mas em breve pretendo atualizar esta página, com a letra completa traduzida a partir da versão empregada durante o fascismo.

Todos os dados históricos e sobre o filme, bem como os arquivos das bandeiras, estão na Wikipédia italiana. No primeiro vídeo, a bandeira era a nacional e mercantil do Reino da Itália, sendo uma versão com a coroa em cima do brasão (bandeira igual à do Reino da Sardenha em 1851-61) usada como “bandeira de Estado” em escritórios, residências dos monarcas, sedes parlamentares e representações diplomáticas. No segundo vídeo, a outra bandeira era usada apenas como bandeira de guerra da República de Salò, sendo a nacional idêntica à atual, ou seja, sem o brasão real nem a águia. Seguem abaixo os três vídeos, a letra em italiano da Giovinezza fascista (apenas a primeira estrofe e o refrão) e sua tradução:






1. Salve o popolo d’eroi,
Salve o patria immortale,
Son rinati i figli tuoi
Con la fede e l’ideale.
Il valor dei tuoi guerrieri,
La virtù dei tuoi pionieri,
La vision dell’Alighieri
Oggi brilla in tutti i cuor.

Ritornello (2x):
Giovinezza, giovinezza,
Primavera di bellezza,
Per la vita, nell’asprezza,
Il tuo canto squilla e va!

____________________


1. Salve, ó povo de heróis!
Salve, ó pátria imortal!
Os seus filhos renasceram
Com a fé e com o ideal.
A bravura dos seus soldados,
A virtude dos seus pioneiros
E a ampla visão de [Dante] Alighieri
Brilham hoje em cada coração.

Refrão (2x):
Juventude, ó juventude,
Primavera cheia de beleza,
Pela vida, nas dificuldades,
O seu canto segue ressoando!



domingo, 28 de julho de 2019

Discussão aberta sobre comunismo (2)


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/comuna2


Os comentários postados por usuários nos vídeos do meu canal do YouTube, a TV Eslavo, bem como nas publicações que lanço na aba “Comunidade” da página inicial, revelam muito sobre o que eles gostariam de aprender mais e o que eles já sabem sobre determinados assuntos. É claro que muitos só vêm lá pra impôr os próprios pressupostos indiscutíveis e apenas censurar outros usuários só porque eles pensam de forma diferente. Mesmo assim, o engajamento intelectual em meu canal tem crescido bastante, e ao lado de trolls bastante desocupados, têm surgido comentaristas certeiros e com muitas leituras sobre os temas, mesmo que eu não concorde com as posições deles. É óbvio que, dado o material encontrado na TV Eslavo, quase sempre as discussões são a respeito da natureza e consequências dos regimes comunistas do século 20.

Não vou aqui esgotar o tópico nem expor minhas próprias conclusões, mas mostrar como interajo com os internautas e o que mais tem sido julgado correntemente. Nesta segunda postagem reproduzo um texto da aba “Comunidade” em que ataco duas velhas inimigas minhas, a visão anticomunista e a visão pró-Stalin da história. Minha cisma é com os que traçam uma linha contínua e necessária entre Marx e os bolcheviques, seja pra deslegitimar o primeiro com a violência dos segundos, seja pra justificar o bolchevismo traçando uma continuidade com o que Marx teria escrito de melhor. Até sei que anticomunistas, na verdade, não estudam história a fundo, mas me decepciono com certos “marxistas” não porque adotam uma postura militante, mas porque reproduzem sem críticas o mesmo discurso oficial soviético (unilateral, antiacadêmico e empirista), além de fazerem pouco caso das brutalidades sob Lenin e Stalin. Os textos foram corrigidos e tiveram tiradas suas marcas de oralidade ou descontração, exceto ocasionais palavrões.



Meu texto inicial: Será que não ficou claro a ninguém que o leninismo e muito menos o stalinismo não são decorrências necessárias da obra teórica e da atuação política de Karl Marx? Claro que em algum grau nele se inspiram, mas são muito mais explicados por particularidades de sua época e local do que por uma suposta “malevolência” inata ao socialismo. Karl Marx nunca pregou em seus inscritos a perseguição e assassinato de opositores políticos ou ideológicos: quem afirma o contrário nunca leu uma página dele. Claro, também, que inspirações teóricas e intelectuais são algo muito complexo e imprevisível: Friedrich Nietzsche e Richard Wagner não eram “nazistas”. Mas condenar em bloco Karl Marx e Friedrich Engels (cuja obra é tão vasta que nem mesmo no original alemão ainda está totalmente publicada), com base apenas nas experiências bolchevique ou semelhantes e sem sequer considerar a experiência intermediária da 2.ª Internacional (que chegou aos limites do reformismo e do parlamentarismo), é tão errôneo quanto defender a terra plana!

Desculpem aos que dizem que “não existe stalinismo, e sim marxismo-leninismo”, mas me baseio nos seguintes pressupostos: 1) “Marxismo-leninismo” é apenas um rótulo propagandístico que, considerando apenas o nome, não descreve nenhum corpus efetivamente existente na realidade. Nisso sempre segui o conselho do próprio Marx, segundo os quais “uma época nunca deve ser entendida pela descrição que ela faz de si mesma”. 2) Eu uso o termo “stalinismo” não no sentido pejorativo com uso político, mas entendendo que Stalin teve uma atividade e formação intelectual, política, biográfica e comportamental tão peculiares que seria errôneo e injusto traçar uma linha reta ou unificadora dele com Marx e Lenin. Estes são essenciais pra entender Stalin, mas nem de longe esgotam o assunto. Em suma, “stalinismo” não é um termo perfeito, mas já ajuda tanto quanto “trotskismo”, “titoísmo”, “khruschovismo”, “peronismo”, “getulismo”, “franquismo” e “thatcherismo”.

Internauta 1: Mas mesmo as políticas de igualdade salarial e a luta de classes de Marx e Engels já dão a ideia de extermínio de uma parte da população (mesmo que eles não tenham falado isso abertamente). Por que eu falo isso? Primeiro, que só pelo termo “luta de classes”, que é uma rebelião dos trabalhadores, camponeses etc. contra os proprietários, banqueiros etc. (os “opressores”), já dá um conceito de matar uma pessoa, pois não existe rebelião grande sem mortes. E depois, vem o termo “igualdade de salários”, por exemplo, na qual todos na sociedade ganham a mesma coisa. Isso pode gerar sim um conflito entre essas pessoas, pois se fulano se esforçou mais do que os demais, ele não vai querer ganhar a mesma coisa que o fulano que se esforçou menos. Isso gera um conflito e uma rebelião que, se não contidos, podem gerar uma guerra civil e uma possível derrubada do governo.

E outra, você já notou que não teve ditadura comunista que não matou sequer algumas centenas de pessoas? Seja pela força policial para conter alguma rebelião ou conspiração, seja pela fome gerada pelo sistema ultraburocrata, reformas agrárias, coletivização etc. O que eu estou querendo dizer é que essas políticas matam ou perseguem pessoas de uma forma ou de outra, pois o socialismo/comunismo é uma ditadura, e ditaduras sempre matam. Claro que sempre tem ditaduras que matam mais, como a de Stalin, outras que matam menos, como a de Maduro: isso varia pelos métodos extras (além das políticas de Marx) que eles usam na sociedade. Por isso que existem maoismo, stalinismo e leninismo. E todas elas seguem os preceitos marxistas (que é o básico de uma sociedade socialista/comunista) com algumas formas extras de se governar.

Eu (TV Eslavo): Agradeço sua reflexão e sua opinião, mas... 1) Marx não fala abertamente em “liquidação física”, mas em liquidação “como classe”, ou seja, a burguesia ia ser abolida como classe, mas, sei lá, seus integrantes podiam se tornar trabalhadores, camponeses ou o que fosse. O que ia determinar se haveria mortes ou não (o que Marx não dá como pressuposto) é o encarniçamento da luta contra a opressão, e em Marx nunca há a indicação de que em todo lugar ia se dar a mesma coisa. Aliás, mortes e eliminações já ocorriam pelo próprio poder burguês: temos que entender que no século 19, a condição operária era muito dura, e às vezes o mínimo protesto pacífico gerava uma reação patronal desproporcional. Essa coisa de que “ah, ele é pobre porque quer” é um mito! Férias, fim de semana, fim do trabalho infantil, aposentadoria, jornada limitada, fim de castigos físicos, ambiente salubre, tudo isso pôde ter sido dado de cima, mas por pressão de baixo, porque se sabia que alguma hora a bomba ia estourar. Em suma, o marxismo não é mais que a constatação de que ninguém numa situação de opressão ou assédio laboral aguenta muito tempo, e que uma hora essa massa operária (a enorme maioria!) não ia mais aguentar passiva.

2) Marx nunca disse que todos iam ganhar igual, embora nesse caso fiquemos no campo da especulação, pois pensaríamos numa sociedade ideal que jamais existiria. O lema dele era justamente “De cada um segundo suas capacidades, a cada um segundo suas necessidades”. Ou seja, num mundo utópico, todo mundo ia receber o quanto precisasse, contanto que pra isso trabalhasse o necessário pra tanto. Na época de Marx, operária ralava 10, 12 horas em mina de carvão e não tinha nem com o que comer... Conhecendo história, é difícil naturalizar a situação em que a gente vive.

3) Já deve ter ficado subentendido que a política de implantação do próprio capitalismo em sua origem, tanto na Europa quanto do resto do mundo, levou à morte de muitas pessoas ou até povos, seja pelo extermínio direto, seja pela piora das condições naturais ou de vida. Isso está amplamente documentado pela historiografia. É claro que mesmo que uma “revolução utópica” levasse ao extermínio físico da classe burguesa (que mesmo assim, ainda seria uma ínfima minoria ante proletários e camponeses), a guerra egoísta de interesses poderia levar a conflitos entre trabalhadores, porque ao contrário do que pensavam Marx e Lenin, essa massa não pensa do mesmo jeito. O problema foi querer encaixar todo mundo na mesma fôrma. Mas fora os achismos soltos que você trouxe (“socialismo é ditadura”, “Maduro é marxista”), a grande chave pra entender as mortes sob o comunismo (as quais não nego, bem entendido!) penso ser não a adoção do marxismo em si (que nem seria a “letra” de Marx, mas uma ou outra interpretação particular), mas a modernização hiperacelerada que levou ao mesmos problemas, mas num espaço de tempo muito mais comprimido, do início do capitalismo: poluição, repressão, sufocamento de antigos modos de vida, supressão de regionalismos culturais, espoliação de propriedades comunais seculares etc.

O “comunismo” do século 20, no fundo, cumpriu a mesma função “modernizante” (sem conotação de valor) do capitalismo, mas de forma diferente. E mesmo assim, se levarmos em conta os países que realmente adotaram o regime, quantos deles tinham governos realmente democráticos ou não eram tiranias absolutistas (isso quando o país existia)? Nenhum! Ou seja, mesmo se considerarmos a crueldade do comunismo (que ainda assim deve ser estudada muito menos com base na comparação com textos de Marx do que na análise concreta da própria época), os países que o viveram tinham regimes tão ruins ou piores, e mesmo onde houve grandes ondas de fome (URSS dos anos 1921-22 e 1932-33 e China dos anos 50) ou repressão política (URSS dos anos 1936-38 e China dos anos 1966-76), eram episódios esporádicos, e não a regra, a qual de fato era antes uma espécie de normalização autoritária (extremamente comum no resto do mundo no século 20, e mesmo hoje), já que nenhuma sociedade dura muito apenas na base do terror cotidiano. E mesmo as piores crises foram antes causadas por políticas voluntaristas e destrambelhadas, logo corrigidas pelos próprios ditadores e pouco preocupadas em seguir o que Marx ou Lenin disse ou não disse.

Sobre as sociedades comunistas “antes democráticas”, só quero fazer um adendo: a) a Alemanha Oriental de fato era parte de uma antiga potência, mas pode-se considerar que o único período “democrático” da Alemanha (que só se unificou em 1871) até então tinha sido a instável república de 1918-33; b) a Tchecoslováquia de fato era democrática e industrializada, mas só passou a existir em 1918 e ainda assim sempre ameaçada de invasão e dissolução; c) a Polônia de fato era uma nação há muito mais tempo, mas no entreguerras já era praticamente uma ditadura, enquanto durante o comunismo o problema era muito mais com o secular expansionismo russo do que com o marxismo em si; d) os países bálticos, que já viviam sob a opressão tsarista e foram independentes fora da URSS no curto período de 1918-41, mesmo com um pouquinho de democracia, eram praticamente governos-fantoche da Inglaterra ou da França que conduziam uma clara política antioperária; e) dados esses 4 pontos, se comprarmos o status hiperatrasado anterior dessas nações, podemos concluir que na maioria dos casos, apesar da ditadura comunista, esses países ganharam pela primeira vez uma economia industrial estruturada, formas de representação popular, mesmo que mínimas, um Estado de direito que era ditatorial, mas era minimamente previsível, e, no melhor dos casos, até a própria autonomia ou organização nacional antes inexistente, que às vezes foi plenamente finalizada após o abandono do comunismo.

Em resumo, mesmo que o balanço pro comunismo seja negativo, a análise histórica deve se basear na situação concreta global e nos resultados visíveis, e não em julgamentos de valor, avaliações morais, escolhas parciais (de períodos ou governantes) ou comparação com critérios etéreos.

Internauta 2: Dark window: Lenin nunca escolheu Stalin como sucessor. Leia a biografia do Stalin escrita por Dmitri Volkogonov, é excelente. Mostra o quanto Stalin fugiu das ideias de Lenin e mostra a angústia deste frente a um sucessor. Recomendo muito.

Eu já ouvi mais de uma vez que o Stalin sequestrou no caminho uma carta do Lenin ao Politburo na qual deixava nomeado o Trotsky como o seu sucessor, já que as idéias dele o representavam mais e melhor que as de quem veio lhe suceder efetivamente na história.

Eu (TV Eslavo): Tenho Os sete chefes do império soviético, também dele, mas nunca li de cabo a rabo, só consultei. Você e eu concordamos em que Stalin foi um pensador e ativista autônomo, bem como Lenin realmente não achava ninguém pra “sucedê-lo”.

Enquanto a Rússia não liberar definitiva e livremente os arquivos, coisa pra qual não vejo boas perspectivas sob Putin, nunca vamos saber o que aconteceu de fato. A versão da carta que saiu sob Khruschov, após a morte de Stalin (e que inclusive foi publicada elo PCB em 1956), condenava tanto Trotsky por teimosia e vaidade quanto Stalin por grosseria e impulsividade. A grande questão é: em 1956, interessava pra legitimação de Khruschov queimar o filme de Stalin, sem contar que Trotsky nunca foi reabilitado, nem na época da perestroika, porque o combate ao “trotskismo” era, por assim dizer, cláusula pétrea na URSS. Ou seja, o que vem de regimes comunistas deve ser sempre visto com um pé atrás.

O fato é que Lenin nunca disse explicitamente (até onde sabemos pelo que há de documentação) que queria ser sucedido por Trotsky, e embora este se aproxime de Lenin em vários aspectos mais do que Stalin (sobretudo na experiência internacional), era algo muito difícil de acontecer com quem foi menchevique e crítico de Lenin até março de 1917 e que, mesmo se aliando, não deixava de ser constantemente criticado por Lenin (mas aí, claro, já dentro do livre debate de ideias, enquanto ele existia). Analistas mais confiáveis dizem que na estima de Lenin estavam muito mais Iakov Sverdlov (morto prematuramente em 1919) ou Nikolai Bukharin (opositor de Zinoviev e Trotsky com Stalin desde 1924, opositor de Stalin com aqueles desde 1927, e enfim morto nos expurgos de 1936-38). Mas como acadêmico, acho muitíssimo menos importante confabular uma sucessão com história conjetural do que se ater ao disponível: explicar quais consequências teve a sucessão prática por Stalin e como ele chegou até essa posição.

Além disso, eu não disse que Lenin escolheu Stalin pra “sucedê-lo”, mas que o escolheu pro cargo recém-criado de “secretário-geral” do PC, que devia ser uma espécie de organizador geral sem grande importância, mas que com Stalin acabou acumulando muito poder. E, de fato, a saída de Lenin foi súbita demais pra que ele esclarecesse as coisas, e embora se falasse em “direção coletiva” após sua morte em 1924, Stalin só controlaria a situação a partir de 1929, após cruenta luta interna. O grande problema que se repetiria em todo regime calcado no bolchevique era que não havia nem um mecanismo definido de sucessão (muito menos de mandatos limitados, uma “frescura burguesa”), nem uma clareza quanto à função de cada cargo.

Daí que, embora na teoria quem governava a URSS era o chamado “Comitê Executivo Central”, que tinha ainda um presidente (predsedátel, e não prezidént), na prática quem mandava era a liderança do partido (já que partido e Estado tinham se tornado uma coisa só), então nas mãos de Stalin, o tal “secretário-geral”. Na própria URSS, mesmo não havendo uma titularidade quanto ao secretário-geral do PCUS (cargo que Lenin nunca ocupou) ser o líder do país, era o que de fato ocorria com Khruschov, Brezhnev (e com Andropov e Chernenko por breve tempo) e Gorbachov. Este mesmo, só quase no fim “se investiu” do cargo de prezidént da URSS (que não foi sucedido pelo presidente da Rússia, já que ainda em 1990 Ieltsin tinha sido eleito presidente da RSFS da Rússia, futura Federação Russa) e deixou a “secretaria-geral” do PCUS a outro sujeito.

Internauta 3: O que você achou da Ucrânia equiparar o nazismo com o comunismo? Sei que nos moldes de Marx, nós nunca tivemos um “Estado” comunista, mas apenas Estados socialistas. Você não acha que essa medida da Ucrânia é um pouco hipócrita, já que o Batalhão Azov continua suas atividades?

Eu (TV Eslavo): O problema da Ucrânia, como o de vários países vizinhos, é muito complexo, porque na verdade eles associam “comunismo” ou “bolchevismo” ao imperialismo russo, isto é, à vontade de Moscou de manter submissos os povos vizinhos (no caso da Ucrânia, incluindo o território na composição da URSS). Além disso, a discussão sobre se é “socialismo” ou “comunismo”, ou se um ou outro foram realmente implantados, não faz o menor sentido, porque o que tivemos de fato foi a expropriação do capital pelos Estados fundidos ao partido único e a condução estatal de um processo hiperacelerado de modernização e, muitas vezes, unificação nacional (ou formação nacional, como no caso dos povos da Ásia Central). Na verdade, mesmo nos países capitalistas, a partir de 1929, houve tentativas mais ou menos extensas de estatizar uma parte da economia, sendo nos países ditos “socialistas” alcançado o extremo. De resto, nada há que difira essas sociedades das “capitalistas”.

Voltando à Ucrânia, o que conhecemos hoje como “Ucrânia” é uma construção bem recente, cuja existência como Estado só se deveu, pasme, à política federativa soviética! De resto, é um território extremamente fragmentado e, na prática, sem unidade linguística ou mesmo cultural. O que em geral idealizamos aqui como “Ucrânia” corresponde, sobretudo, ao extremo Oeste, culturalmente mais afinado a Belarus, Polônia e Eslováquia, extremamente católico, reacionário, antirrusso, agrário (o celeiro do país) e, não raro, racista (de fato, algo comum em toda a Europa Oriental). É muito diferente do Leste, pró-russo e industrializado (que era historicamente, de fato, um território etnicamente russo). Banditismo existe tanto da parte dos Azov e Svoboda quanto da parte dos separatistas, em geral movido por ódio linguístico e religioso, comodamente instigado tanto por EUA e UE quanto pela Rússia. Mas realmente, Kyiv não controla boa parte do território, que tem costumes, “leis” e “exércitos” próprios: como você vai proibir o comunismo no Donbass, que o associa à herança russa, não raro misturado com elementos religiosos ortodoxos? Enfim, embora de efeito simbólico, a “proibição” do comunismo fica de fato inefetiva diante da anarquia cotidiana, e infelizmente essa proibição é muito mais “efetivada” (e de forma cruel) onde os bandos neonazistas dominam.

Internauta 4: Churchill junto com os EUA falhou em não destruir a URSS de Stalin após a queda do Reich. Tenho certeza que se não fosse tal falha, hoje nós teríamos o comunismo juntamente com o nazismo proibidos mundialmente.

Eu (TV Eslavo): Falha? Nenhum dos dois se preocupava em destruir ativamente a URSS. Já ouviu falar da guerra civil russa de 1919-20? Vários exércitos ocidentais e orientais, liderando ainda outras tropas monarquistas ou anticomunistas dentro da Rússia, tentaram derrubar Lenin deixando no caminho um rastro de destruição que atingiu muito mais a população comum do que o Partido Comunista, e o que aconteceu? Perderam! Como podia ser isso pra grandes potências militares? É óbvio que depois desse sopapo nenhum europeu ia se atrever a intervir na Rússia de novo, e pra piorar a URSS de Stalin tinha se armado até os dentes. Como um ataque direto não ia ficar sem resposta, como não ficou com Hitler em 1941? Pelo estado das pesquisas atuais, julga-se que pra Inglaterra e França (os EUA tavam cagando pra Europa) o ideal seria um Hitler voltado contra a URSS, deixando-as por um bom tempo e paz. Acontece que esse desleixo custou caro, porque Hitler ficou ainda mais forte pra atacar a oeste, e nos fatos a quebra dos nazistas na URSS foi em grande parte responsável (mas não só ela) pelo alívio a Inglaterra e França. No fim, o jeito foi se aliar à URSS tardiamente, porque não tinha como fazer diferente.

Os EUA só se colocaram no conflito quando ele já estava com encaminhamento resolvido, mas apenas aceleraram o fim, enquanto antes da guerra, na verdade, como sua maior preocupação era uma URSS que atiçava o movimento operário americano, também fizeram vista grossa ao nazismo. Ou seja, se contarmos ainda as ações militares iniciais conjuntas de Hitler e Stalin (em 1939-41), como a brutal invasão da Polônia, concluímos que todas as grandes potências tiveram sua parcela de culpa no crescimento do nazismo. Por isso, tiveram que incomodamente se unir pra destruí-lo junto, e se depois resolvessem se embater de novo, já ia ser o fim do mundo: EUA e URSS já tinham bomba atômica, era preciso prudência! Mas enfim, o grande fundo da questão é que, apesar das ditaduras da URSS e Alemanha, os países capitalistas nada tinham de santinhos ou benevolentes.

Internauta 5: Me parece raso e errôneo dizer que o “marxismo-leninismo é apenas um rótulo propagandístico que, considerando apenas o nome, não descreve nenhum corpus efetivamente existente na realidade”, visto que Lenin, por meio de seus estudos, escritos e práxis, foi responsável por utilizar o materialismo histórico no contexto real de seu país feudal, de periferia do capitalismo e com a clareza de que o colonialismo é intrínseco ao capitalismo e, quando mais desenvolvido, se chama imperialismo. Isso é de uma relevância absurda na teoria marxista. Essa vertente foi capaz de derrotar a aristocracia russa e os aliados burgueses e fazer uma revolução: me parece que pro contexto da época o leninismo foi uma decorrência necessária.

Eu (TV Eslavo): Não foi a “vertente” ou a “teoria” que fez a revolução, e sim as massas que forçaram o tsar a renunciar. Claro que lá pra agosto-setembro Lenin foi perspicaz ao entender as aspirações das massas, mas não porque Marx ou Engels disseram isso ou aquilo, mas porque ele era sensível aos problemas causados pela guerra. Mas a grande questão é esta: neocolonialismo, imperialismo, capitalismo de Estado foram categorias que o próprio Lenin desenvolveu, ou seja, ele teve de “revisar” Marx, o ampliando, justamente porque eram questões que não se punham na época de Marx. O próprio problema da revolução ter se dado na Rússia, e não nos países mais desenvolvidos, já bota um problemão pro marxismo “original”.

De fato, ainda que Lenin tenha sido um grande executor do método materialista e dialético de Marx, não podemos esquecer que boa parte de sua produção teve um caráter prático, ou seja, respondia muito mais a necessidades do momento do que intelectuais ou de pesquisa. E nisso, Lenin acabou fazendo algo inteiramente novo. Por isso, sobretudo, que rejeito o rótulo “marxismo-leninismo” (que, ainda por cima, era usado pra designar quase exclusivamente a interpretação de Stalin), além do que entendo que Lenin teve, também, influências de seu meio de origem (Rússia) e vivência (exílio europeu). Além do mais, infelizmente não houve teoria que desse conta da fome, guerra civil, rivalidades e protesto popular nos anos 20, sendo de fato mais urgente recorrer à violência, coerção, realismo e reflexo rápido... tanto que até os anos 30 a vitória bolchevique parecia muito mais uma “vitória de Pirro” (ou seja, com pesadas consequências). Só que Lenin não viveu o bastante pra governar, escrever e teorizar mais, o que nos deixa como uma incógnita uma suposta URSS sem Stalin.

Internauta 6: O texto peca ao tentar desvincular os acontecimentos da era Stalin à ciência do proletariado (marxismo), o que é próprio de anti-comunista. Você esquece que Marx não foi apenas um intelectual, mas também uma figura política, e tenta desvincular os movimentos sociais do século 20, especialmente movimentos revolucionários, da própria militância política de Marx: é no mínimo ignorância ou desonestidade. Aliás, Lenin, Stalin e Mao, que não tiveram acesso aos últimos escritos de Marx, defenderam até uma interpretação menos acirrada da luta de classes, tratando a classe camponesa como uma aliada, e não mais como “extremamente reacionária”, como diz Karl Marx. E se você ler as diretrizes da Primeira Internacional, verá que ela é a base da Terceira Internacional comunista, que veio justamente resgatar os aspectos revolucionários da primeira, que foram abandonados de maneira revisionista pela Segunda Internacional.

Eu (TV Eslavo): Seu avatar com foto de Stalin jovem já diz tudo, além do que já tenta “lacrar” a discussão com um “anticomunista”, mesmo que aplicado ao meu argumento. Tudo o que você falou nem merecia resposta, não só porque já cansei de falar que historiador não tem que repetir e decalcar exatamente o mesmo discurso emitido pelos Estados nacionais (no fim, Stalin e Mao, mais que revolucionários, se tornaram líderes de potências e máquinas poderosas, portanto com um poder quase ilimitado), como também eu disse que não é continuidade necessária, e não que não era continuidade.

Em resumo, ao contrário de você, que insiste em achar que só Lenin, Stalin e Mao estão certos, e que são uma linha contínua por Marx, repetindo apenas o discurso oficial, e não analisando a complicadíssima história da época (e não só política, mas também ideológica, econômica, diplomática, cultural), eu penso que todas as interpretações de Marx merecem ser analisadas, mesmo que umas se “desviem” mais do que outras (e o que tem? Ciência social não é gravada em pedra). Inclusive as social-democratas, porque em ciência não podemos jogar fora pura e simplesmente aquilo de que não gostamos, mas entender cada época e fenômeno, sem achismos ou preferências.

Isso porque Marx, cuja obra é muito complexa pra render uma só interpretação, escreveu numa época, e os bolcheviques absolutamente em outra, não tem como decalcar nem continuar diretamente (embora inspirar, sim). Essa sua argumentação é justamente o que tem estragado a imagem das esquerdas no Brasil, sobretudo essa “ligação” automática com o proletariado, como se ele já nascesse comunista ou marxista, ou pensasse todo do mesmo jeito. Desculpe, mas em história científica, mesmo que tenhamos uma posição ideológica definida (que nem sempre se confunde com partidarismo político), tudo tem que ser problematizado, mesmo o que achamos mais lindo e coerente.

Adendo: Acabei deixando o rapaz sem a nova resposta, mas acredito que a “pancada” teha sido tão forte que ele parece ter se resignado. Porém, como não quero ser injusto com ninguém, desenvolvo de modo mais sóbrio e sistemático minhas críticas ao dito “marxismo-leninismo” codificado por Iosif Stalin, a partir do comentário à minha postagem.

Desde os meus tempos de Facebook, tenho uma birra especial com a turma ligada aos “periódicos” A Nova Democracia e Hora do Povo (não exatamente com a linha editorial dos jornais). Não por causa do anticapitalismo intransigente e da posição inquebrantável pelas causas populares e de esquerda, mas justamente pela reprodução acrítica dos discursos ideológicos, políticos e filosóficos de Iosif Stalin e Mao Zedong. Não me refiro nem à violência extraordinária que reinou durante esses regimes, embora a ocorrência de semelhantes fenômenos sob o capitalismo não nos permita escapar pela tangente. Como historiador, meu incômodo é que se queira usar esses autores como inspiração suprema pra explicar ou solucionar os problemas brasileiros, numa postura semelhante aos liberais que acham que modelos ingleses ou norte-americanos funcionam plenamente no Brasil.

Existe outro erro fundamental desses “militantes”, que é o de desprezar profundamente toda e qualquer produção acadêmica sobre o comunismo, como se os “possuidores da ciência do proletariado” fossem os únicos autorizados a falar sobre o tema, mesmo eles próprios não tendo realizado um estudo especializado sobre a URSS ou a China de Mao. Pra eles, basta seguir as “obras sagradas” dos ditadores, e tudo está explicado. Esse anti-intelectualismo está na própria raiz do comunismo de Stalin, pois mesmo Lenin e Trotsky julgavam o debate algo necessário ao desenvolvimento da democracia política. Já pras ditaduras, toda crítica intelectual é perniciosa, desinstabiliza, incomoda, e fica muito mais fácil recorrer à censura ou imputar os intelectuais como “alheios à realidade” e “inimigos do povo”. O ódio é muito maior contra a produção crítica a esses regimes: não apenas a ultraliberal, raivosa e moralista, mas também a documentada, consagrada, fundada em estudos sociais que ultrapassem a superfície das instituições políticas. A todos são guardados os mesmos rótulos de “anticomunistas”, “oportunistas”, “burgueses”, “acadêmicos”, “alienados”, “antipovo”, sem sequer se tocar nos argumentos e métodos principais.

Esse tipo de “esquerda”, que assim como os reacionários raivosos, encontrou voz e vez com o advento das redes sociais, pôde angariar jovens perdidos e viciados em internet, brincando de ser revolucionários por meio do assédio e do bullying virtual aos que discordavam de seus dogmatismos. O grande problema é que infelizmente quase sempre seus interlocutores (quando ainda existia partilha de espaços) eram direitistas mal informados e que repetiam os mesmos chavões da “guerra fria” a respeito da ideologia e da história. Como as redes sociais são o que a maioria das pessoas acaba conhecendo sobre pensadores e correntes políticas, houve um duplo prejuízo: toda e qualquer crítica ao comunismo passou a ser taxada de “reacionária” (e mesmo nos cursos de humanas, se você se define apenas intelectualmente como anticomunista ou antibolchevique, já é visto a priori com um pé atrás pelos colegas), enquanto os verdadeiros reacionários, que tiveram a sorte de encontrar em Jair Bolsonaro a canalização de suas esperanças e recalques, associaram toda a esquerda ou mesmo progressismo a essa militância radical de bravata. O diálogo online se tornou impossível.

A polarização política do Brasil, que atingiu em cheio as universidades (tanto por um Planalto que nunca soube a verdadeira função da academia e das ciências humanas quanto por uma docência que sucumbe ao prazer das curtidas e bajulações após a “lacração” mais simplória nas redes sociais), chegou antes que pudesse ser traduzida ou popularizada a melhor bibliografia produzida desde os anos 90, em diversas línguas e após a abertura dos arquivos de Moscou, sobre os regimes comunistas e os partidos comunistas em países capitalistas. Ficamos reféns de uma bibliografia antiga, da “boa-vontade” dos esquerdistas em levantar o assunto e dos velhos traços estruturais ausentes da formação do jovem secundarista ou universitário brasileiro, como a paciência pra leitura, a interpretação crítica e o domínio de outros idiomas. Com a TV Eslavo e com esta página, na medida do possível, tentei levar ao maior público possível esse universo quase inexplorado, aproveitando as boas condições financeiras e educativas que tive.

Infelizmente, a turminha de no máximo 20 e poucos anos que ainda diz reivindicar o “maoismo” (!) no Brasil faz bastante barulho, e não quer saber de cair nos estudos. Reitero que a compaixão pelos pobres e a opção pela esquerda não são em si condenáveis. Mas a prisão a fórmulas prontas, ao voluntarismo teórico, à rejeição da maioria dos estudos acadêmicos e o anti-intelectualismo, justificados apenas porque não seriam tão urgentes na luta ou porque as massas não entenderiam essa linguagem, não servem de forma alguma como desculpa a quem deseja estar na “vanguarda”. E o pior de tudo são os “ismos”, a arrogância, a falsa erudição, o espírito de certeza e superioridade e a aparente falta de entendimento de texto com que eles nos respondem quando apenas fazemos observações críticas à lógica de suas análises, e não exatamente à sua escolha política! Dá vergonha como professor, dá vergonha como progressista e dá vergonha como podemos nos prestar a pessoas que distorcem todos os nossos argumentos.

Sobre o comentário em si do rapaz, o erro já começa no uso da expressão “ciência do proletariado”, que começou a circular com Engels, mas nunca esteve em Marx e nunca foi desejado por ele. Tanto Engels quanto Lenin erigiram o marxismo em “ciência”, em “visão de mundo”, quando na verdade Marx quis fornecer um instrumento de análise da sociedade burguesa, e a partir dele fazer o proletariado politizado tirar as próprias conclusões, e nunca aceitar um pacote de interpretações prontas legado por outros. Não só uma ciência não é um sistema fechado nem imune a críticas, como também não pode ser “proletária” ou “burguesa”: seus pressupostos ou usos sim, mas nunca o fazer científico como um todo!

Mais abaixo, o rapaz novamente demonstra que não entendeu meu texto, porque diz que eu desvinculei a militância política de Marx dos acontecimentos políticos do século 20. Ora, eu não estava falando da relação entre ideologia e militância, eu estava justamente falando do caráter particular da ideologia e da militância em cada época, uma não podendo ser reduzida à outra. Eu não neguei que a teoria e prática de Marx fossem desvinculadas dos movimentos do século 20, mas que estes deviam ser entendidos em sua maior parte como frutos originais de suas origens geográficas e de seus líderes, porque era impossível uma ressurreição de Marx! E é justamente esse argumento da continuidade incondicional que dá margem pra que Marx seja criminalizado por todas as barbaridades do “curto século” (as quais, me parece, os comunistas mais fanáticos jogam pra debaixo do tapete).

E se, vejam só, como Lenin, Stalin e Mao não tiveram acesso aos últimos escritos de Marx, como não defender que estavam criando algo quase absolutamente novo, ou ao menos com alto grau de originalidade? E ainda mais reinterpretando (como o rapaz mesmo diz) postulados de Marx, mostrando que a inovação daqueles autores consistia justamente em ultrapassar o quadro limitado que havia no século 19? Ora, com o material que temos hoje, podemos dizer então que nós mesmos estamos com muito mais condições de entender o marxismo do que os antigos revolucionários, já que nesse aspecto eles estavam gravemente limitados, em vista da complexidade e imensidão das obras de Marx e Engels! Por isso, ou não entendo a histeria quando se falava de “revisionismo” no movimento comunista, ou realmente apenas as interpretações oficiais podiam ser consideradas corretas, enquanto os desviantes eram “revisionistas”, “divisionistas”, “oportunistas”, “sabotadores”, “antipopulares”, “inimigos do povo”... E isso é o que mais justamente me irrita quando os jovens de hoje insistem em reproduzir os discursos oficiais das ditaduras sem sequer consultar uma bibliografia séria mais recente, amplamente disponível de graça na internet, mas que eles preferem comodamente chamar de “burguesa” pra se esquivar do complexo debate.

Quanto à Internacional, aí está a maior bravata, e digo com conhecimento de causa (“ai, falou agora o doutorzinho”, mimimi...), porque a Comintern é justamente meu tema de pesquisa. É óbvio que a alegação de continuidade da 1.ª Internacional pela Terceira foi apenas um discurso legitimador inventado por Lenin, pois a própria estrutura das entidades e o propósito a que serviam eram totalmente diferentes. A fundação da Comintern seguiu toda uma lógica decorrente da evolução da Revolução Russa e da crença de que ela se tornaria mundial, dada a instabilidade ainda reinante na Europa após a 1.ª Guerra Mundial. Mas mesmo dentro da ala radical do movimento socialista que decidiu seguir os bolcheviques, não foi unânime a opinião sobre a viabilidade de se fundar uma nova Internacional, dado o isolamento de Moscou e o aferramento proletário às antigas ideologias. Isso porque a 2.ª Internacional, dentro da qual as diferenças de opinião eram enormes, foi exatamente o seio da própria teoria e prática políticas de Lenin, e ele em todo caso sabia que a ruptura ia ser difícil. Tanto que ainda no começo dos anos 20, o dilema era se os partidos socialistas deviam ser ganhos pro comunismo ou se em todo lugar as cisões comunistas (que podiam enfraquecer as já tênues bases operárias) eram necessárias. O próprio Lenin não reivindicava somente a 1.ª Internacional, mas o que ele chamava de “melhores tradições” da Segunda, porquanto na Europa quase todo militante de esquerda tinha passado por ela.

Obviamente, Lenin não era onisciente sobre o movimento revolucionário europeu e não raro fazia análises errôneas, não devendo ser o metro pra julgar tudo, como pregam os historiadores soviéticos: quem discordava dele não era simplesmente “reacionário” ou “enganado”. Tanto que logo após a morte de Lenin e o isolamento da Revolução Russa, o fim previsível da Comintern ocorreu: tornou-se um apêndice da política externa da URSS e perdeu sua razão de ser, ao pregar desde 1924 que todos os outros PCs deviam simplesmente copiar o modelo insurrecional russo (a famigerada “bolchevização”). E pra piorar, apesar dos relatos oficiais romantizados e apesar da real vontade e abnegação que moviam muitos dos militantes simples, Stalin dedicou pouca importância à Comintern, preferindo deixar o Estado soviético e o Exército Vermelho como agentes da “revolução” mundial, como de fato ocorreu após a 2.ª Guerra Mundial. Prova cabal disso é a raridade com que passaram a se reunir, a partir dos anos 20, tanto os congressos da Comintern quanto os plenos de seu Comitê Executivo.




sexta-feira, 26 de julho de 2019

Discussão aberta sobre comunismo (1)


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/comuna1


Os comentários postados por usuários nos vídeos do meu canal do YouTube, a TV Eslavo, bem como nas publicações que lanço na aba “Comunidade” da página inicial, revelam muito sobre o que eles gostariam de aprender mais e o que eles já sabem sobre determinados assuntos. É claro que muitos só vêm lá pra impôr os próprios pressupostos indiscutíveis e apenas censurar outros usuários só porque eles pensam de forma diferente. Mesmo assim, o engajamento intelectual em meu canal tem crescido bastante, e ao lado de trolls bastante desocupados, têm surgido comentaristas certeiros e com muitas leituras sobre os temas, mesmo que eu não concorde com as posições deles. É óbvio que, dado o material encontrado na TV Eslavo, quase sempre as discussões são a respeito da natureza e consequências dos regimes comunistas do século 20.

Não vou aqui esgotar o tópico nem expor minhas próprias conclusões, mas mostrar como interajo com os internautas e o que mais tem sido julgado correntemente. Nesta primeira postagem estão os comentários e minhas respostas a um print que fiz num vídeo de um comentário de uma garota, adolescente ou um pouco acima disso, simplesmente ofendendo quem discordava do comunismo e dizendo que ela não precisava dar “nenhuma prova” pra justificar suas crenças. Mesmo quando, por mera curiosidade, lhe perguntei o que ela tinha lido, ela foi supergrossa comigo e assim continuou após outras perguntas, o que me fez apagar o comentário. Mas o que outros disseram a respeito é digno de exemplificar o que muitos pensam hoje sobre comunismo e historiadores. Os textos foram corrigidos e tiveram tiradas suas marcas de oralidade ou descontração, exceto ocasionais palavrões.



Internauta 1: Independente do espectro político, aqui em terras tupiniquins é raro observar das pessoas que falam sobre o comunismo e marxismo uma noção mínima ou um aprofundamento básico acerca da bibliografia de Marx e seus asseclas. Quiçá um conhecimento histórico do que foram as tentativas de implantar o socialismo no século 20. O que são defendidas são caricaturas que beneficiam o lado da moeda em que a pessoa está inserida. É isso. Um ode à ignorância.

Engraçada essa indignação seletiva acerca do que foi feito nos países socialistas no século passado. Mas com as crises humanitárias, como os genocídios por parte dos países capitalistas, ninguém fica chocado. A fome de 1943 em Bengala, em que Churchill condenou milhares de indianos à morte, o massacre francês na Argélia, os genocídios no Congo financiados pelos EUA. Se quer abordar as crises humanitárias do século 20, primeiro tem que colocar no contexto histórico da época, depois tentar julgar de acordo com a moral da época, e não com a visão humanitária baseada na Carta dos Direitos da ONU que temos hoje. Além de fazer um anacronismo histórico burro, são hipócritas, pois demonstram claramente que esse véu sentimental e de “indignação” serve apenas pra tentar justificar e passar pano pras cagadas que os capitalistas e a direita tupiniquim fizeram ao longo da História.

Eu (TV Eslavo): Ah, acho mais ou menos isso. Se não temos um referencial mínimo pra avaliar fenômenos como fome, genocídios e guerras, não tem ciência histórica: tudo bem considerar a moral da época, mas nenhuma historiografia é eterna, justamente porque ela sempre reflete de alguma forma o meio do historiador, e esse vai mudando ao longo do tempo. E como você disse, o problema do comunismo é: mesmo apesar das matanças por conta de políticas erradas e fome, em nenhum país comunista houve o que se chama a rigor de “genocídio”, isto é, matança deliberada por razões étnicas, raciais ou religiosas. É que nem “fascismo”, o povo fica usando “genocídio” a torto e a direito.

E mesmo assim, eu prefiro encaixar as matanças “do comunismo” na linha mais geral de industrialização e modernização da história da humanidade: sempre que antigos modos de vida são abalados, há genocídio físico, psicológico, cultural, linguístico etc. O problema é que um processo que durou séculos na história do ocidente foi comprimido nos países comunistas em décadas ou até anos, portanto mais visíveis e perceptíveis, e ainda mais numa época de comunicações globais difundidas. Em suma, o que “matou” na URSS, na China e no Leste europeu foi o mesmo que matou na América, na Inglaterra, na França e na África em séculos de exploração proletária, colonial e discriminatória.

Internauta 2: Eu não entendi a parte do “formação ensino médio”. Ou só doutores e mestres podem entender de marxismo?

Eu (TV Eslavo): O que é entender de marxismo pra você? A obra intelectual (pra não ficarmos nas consequências políticas) de Marx, Engels e seus continuadores é tão gigantesca que mesmo se nos limitássemos apenas aos dois primeiros autores, o mais renomado dos doutores devia ter a humildade de reconhecer que não conhece tudo. Por isso não hesito em dizer (ai de mim!) que comunista é uma das raças mais arrogantes que tem. Não sabe 1% do que afirma entender, mas se diz “possuidor da ciência do proletariado”.

Internauta 3: Comunista pode até ser arrogante mesmo, porém isso não muda o fato que tem gente morrendo, que se foda todo debate político ou econômico, enquanto os trabalhadores sofrerem o que você mesmo sabe que sofrem. Tudo o que um comunista, de corpo e alma quer, resumidamente, é ao menos um tempo para o povo respirar, poder viver algumas décadas sem temer se vai estar vivo amanhã, se sua próxima decisão financeira vai quebrar suas economias ou não, se seu filho vai voltar do trabalho/escola sem se sentir um lixo pela cor ou condição social, sem ser tratado feito lixo! Por isso a maioria se diz socialista, buscando essa “fase de transição”; a partir daí, com o encerramento da droga do genocídio e da destruição de nossas memórias e costumes, poderemos desenvolver nossa cultura e nossa própria honra e orgulho nacional!

Mas entenda, a esquerda não faz porra nenhuma, a direita é a força que promove tudo isso, a extrema-direita quer o mais rápido e doloroso massacre de nosso povo, aí o cidadão que tem um cérebro e um coração, é obrigado a pender a este lado, porque para uma colônia como o Brasil, só resta um recomeço, construir o nosso país com fogo, como o foram a maioria das grandes potências. Então, sinceramente, foda-se todo esse debate, enquanto todos os brasileiros não possam entrar nele! E para isso, tem que parar essa fábrica de pobreza e alienação!

Eu (TV Eslavo): Mas eu falei da arrogância ideológica (e às vezes acadêmica), e não da preocupação social! Tudo isso que você dissertou é óbvio, temos que melhorar a sociedade, independente de ideologia ou partido, “que se foda o debate”, como você disse... Mas o que me incomoda justamente é que esse seu “comunista boa-gente” foi e continua sendo uma raríssima exceção na história: no século 20, a maior parte dos PCs não governantes era alienada da realidade, e a maior parte dos PCs governantes só queria saber de “não largar o osso”. E infelizmente, o (autodeclarado) “comunista” médio do Brasil, quando não é lacrador, fica martelando essa história de “Lenin, Stalin, Mao”, como essa menina alienada, quando na verdade esses líderes nada têm a dizer sobre a realidade brasileira! Eles são, sim, importantes pra compreender a história mundial e de seus países, mas não do Brasil. Já Marx, sim, tem um alcance muitíssimo maior, se considerarmos mais seu método do que suas adaptações partidárias. Mas isso é outra história.

Internauta 4: Tem essa diferença que a gente não vê: enquanto a direita prega política para aumento de seus lucros e promete que todos terão algo proporcional à sua dedicação e trabalho, o comunista trabalhador quer parar a máquina de destruição, poder parar de sofrer toda a ansiedade que o capitalismo produz. Já cansamos de protagonizar a realidade onde a depressão é doença do século.

Eu (TV Eslavo): Eu já respondi à mensagem anterior, mas resumindo meu incômodo: meu problema não é com a direita, que já tem lá suas incoerências. Meu problema é justamente com “esquerdas” ou “comunistas” que bem podiam ajudar, mas não só atrapalham, como também mancham a imagem do resto da esquerda. Um direitista raivoso e babante a gente até entende, mas quando um esquerdista se comporta da mesma maneira, infelizmente é muito mais fácil desse comportamento se voltar contra ele.




quarta-feira, 24 de julho de 2019

Minha tradução a Ievgeni Onegin (1825)


Link curto pra esta postagem: fishuk.cc/onegin


Há muitos momentos na vida em que pensamos em fazer coisas bastante diferentes e inusitadas. Uns meses atrás, ainda em 2018, eu soube da existência do romance em versos Ievgéni Onégin, um dos maiores clássicos da língua russa escrito por Aleksandr Sergeievich Pushkin (1799-1837). Me julguem, realmente sou uma negação em literatura russa, pois exceto nos tempos de escola e em determinadas matérias da faculdade, eu raramente lia até mesmo literatura brasileira, já que meus focos sempre foram os idiomas e a história! Nos próximos anos pretendo sanar essa lacuna... Seu protagonista, que dá o título à obra, serviu de modelo pra inúmeros protagonistas da literatura russa, como o modelo chamado “homem supérfluo” (líshni chelovék), sendo que o adjetivo líshni também tem o sentido de “excedente”, “que sobra”, “em excesso”, resumindo, um dândi ou playboy socialmente inútil, inspirado nos escritos do Lorde Byron. O romance foi publicado numa série entre 1825 e 1832, e num volume único em 1833.

Lançando a literatura russa definitivamente na cena cultural europeia, a história é contada por um narrador mais ou menos próximo da imagem pública de Pushkin e, resumidamente, trata de um jovem aristocrata, Onegin, que herda uma fortuna do tio e se muda de São Petersburgo, cuja vida de prazeres mundanos tinha o cansado, pro interior da Rússia. Ele faz aí amizade com um poeta e desperta a paixão da futura cunhada dele, Tatiana Lárina, a qual, porém, não tem o sentimento correspondido, dado o orgulho do rapaz. Na inusitada vida rural que inclui um duelo com o poeta, que termina assassinado, o casamento de Lárina com um príncipe em Moscou, a volta de Onegin a São Petersburgo e a rejeição final do moço pela sua amada, o protagonista (que na língua russa também se diz “herói”) descobre que sempre viveu uma vida de aparências e futilidades. As convenções sociais e a mortificação que elas causam ao viver autêntico estão no centro da trama, prevendo o próprio fim de Pushkin num duelo e antecipando a crítica ao que tem sido chamado esses dias, num maravilhoso neologismo, de cotidiano “instagramável”.

Do ponto de vista técnico, e o que causa mais dificuldade à tradução em outras línguas, Ievgeni Onegin é chamado “romance em versos”, significando que é formado por diversos “sonetos” (mas que não são divididos em estrofes) com suas 14 linhas tradicionais no esquema rítmico dito tetrâmetro iâmbico, figurado como “taTAtaTAtaTAaTA(ta)”. O esquema de rimas “AbAbCCddEffEgg”, incomum pra época, ficou conhecido como “estrofe Onegin” ou “soneto de Pushkin”, com letras idênticas significando versos que rimam entre si, letras maiúsculas indicando final em sílaba tônica e minúsculas indicando final numa sílaba tônica mais uma sílaba átona, que não conta pro cálculo rítmico (por isso pus “(ta)” entre parênteses). Imaginem decifrar a linguagem e contexto da época, e ainda obedecer a essas minúcias... Entre as traduções em diversas línguas, Vladimir Nabokov, por exemplo, optou por traduzir ao inglês em formato de prosa, sacrificando a sonoridade ao sentido total e integral.

De fato, o grande desafio de traduzir poesia é manter, ao mesmo tempo, o sentido, o jogo de sons e as figuras de linguagem formadas pela interação entre som e sentido. Ievgeni Onegin complica as coisas ao ter sido escrito na língua russa, ainda muito pouco difundida no Brasil, mas já tivemos pelo menos duas traduções brasileiras de altíssima qualidade: a de Dário Moreira de Castro Alves, publicada pela Record em 2010, e a mais recente, de Elena Vássina e Alípio Correia de Franca Neto, lançada pela Ateliê em 2019. Infelizmente, nos dois casos nosso “herói” se tornou “Eugênio Oneguin/Onêguin”, mas nada que prejudique a essência da empreitada realizada com sucesso por esses literatos. Quando li muito superficialmente um trecho de Dário na internet, julguei que o romance precisava de nova tradução, fiel à métrica e mais “moderna”, mas quando realmente peguei um exemplar do livro, desfiz as primeiras impressões. A vontade de retraduzir a obra finalmente acabou quando soube da edição de 2019, feita por nomes de talento. A própria Elena, por rede social, me confidenciou que não cabia desistir, pois “mesmo em outros idiomas as traduções se contavam às dezenas”.

Mas respeitei os pioneiros e decidi deixar meu talento poético pra outros poemas no futuro. Porém, em novembro e dezembro de 2018 eu já tinha traduzido, poeticamente e em linguagem moderna, os dez (ou nove) primeiros sonetos de Ievgeni Onegin, cujo título eu queria deixar assim escrito. Sim, pessoas, quero renunciar a esse desafio, porque embora eu me julgue, sem falsa modéstia, capaz de o fazer, outros planos talvez precisem mais de mim. A vocês dou de presente o que eu já tinha conseguido, sintetizando todo o meu conceito pessoal de poesia, tradução, sonoridade e fidelidade. Algumas palavras em francês e latim estão em itálico e já constam do original. Apenas um verso, a depender se queremos ter uma linguagem mais fiel ou mais atual, tem uma forma alternativa entre colchetes. As datas indicam os dias em que traduzi o soneto logo abaixo e os seguintes. Todo o conteúdo se refere ao capítulo um.

Como base pra tradução, usei uma rica edição comentada e ilustrada, publicada em Moscou (2013) pelo OLMA Media Group e preparada por V. P. Butromeiev e V. V. Butromeiev. Pra facilitar o serviço, também me vali de uma versão online em HTML que conta com o texto integral numa só página, e tive em mãos a terceira edição de 1837 (São Petersburgo) e a quarta edição de 1918 (Petrogrado), estas duas ainda na ortografia pré-reforma. As edições que não eram em HTML estão nos formatos PDF ou DJVU. Segue o texto:

I. (15/11/2018)
“Meu tio, se não fingia males,
Dos mais honestos era o rei,
E, no melhor de seus detalhes,
Sabia impor a própria lei.
Julgavam-lhe alma bem dotada,
Mas, pelos santos, que maçada
Fazer serões nos hospitais,
Não indo embora nunca mais!
Que baixaria nesses prédios
Dar alegria a moribundos,
Deixar seus travesseiros fundos,
Meter nas bocas só remédios
E refletir, soprando o ar:
Diabos! Quando vou parar?”

II.
Pensava assim um moço errante,
Voando aos pós num alazão,
Vadio por Zeus feito importante
Herdeiro pleno da nação.
A quem Ludmila com Ruslan
Conhece, agora com afã
Revelo o folgazão herói
Que em meu romance se constrói:
Onegin, grande companheiro
Nascido às margens do Nevá.
Talvez, leitor, você de lá
Surgiu ou fez seu paradeiro.
Por essa terra andei também,
Mas hoje o norte não faz bem.

III. (16/11/2018)
Ricaço de esplendor insano,
Seu pai nas dívidas viveu,
Três bailes dava a cada ano
E seu dinheiro esvaeceu.
Ievgeni teve bom apreço:
Madame tratou-o no começo,
Depois Monsieur moldou o gesso.
Menino doce, mas travesso:
Monsieur l’Abbé, francês capenga,
Querendo não lhe aborrecer,
Fez brincadeira o aprender,
Sem moralista lengalenga,
Sabia, mais que dar sermão,
Levar no Parque de Verão.

IV.
Adolescente irritadiço,
Ievgeni espera, sofre, vê,
E nessa idade do feitiço,
O paço demitiu Monsieur.
O Onegin meu em liberdade,
Cabelo à moda da cidade,
Um dândi à Londres no vestir,
[Playboy com Londres no vestir,]
Enfim brilhou no seu porvir.
Usou francês seguro e solto,
De escrita e fala bem capaz;
Dançou mazurca como um ás,
Um cavalheiro desenvolto;
Quer mais o quê, se o mundo viu
Seu plano sábio e gentil?

V. (19/11/2018)
De alguma forma, algum tijolo
Aos poucos pomos no saber,
Por isso, para Deus é tolo
Quem sabe e quer aparecer.
Onegin era, para a massa
(Juíza rígida, de raça),
Pedante, mesmo que sagaz:
Deixando a calma para trás,
Consegue bem manter o garbo,
De tudo fala e nada diz,
Um cientista no nariz,
Ciência nula em tema brabo,
E logo atiça o mulherio
Com um ditado nada frio.

VI.
Latim não mais está na cena:
Então, de um ângulo real,
A língua lhe era ajuda plena
Nas rodas sobre Juvenal,
Nas versificações baratas,
No vale posto ao fim das cartas,
Nos versos trôpegos de cor
Da Eneida, dois no seu melhor.
Não estudou jamais história,
Cronologias dos avós,
Papiros de intragáveis pós:
Mas de anedotas a memória
Encheu, de Roma até aqui,
Passado em pálido croqui.

VII.
Sem muito medo de avarias
Nos sons da vida, esqueceu
As diferenças, ninharias,
Entre o iambo e o troqueu.
Teócrito e Homero ataca,
Mas Adam Smith é sua estaca,
Seu manual de economês
Que faz narrar com nitidez
O que a nação tem por riqueza,
Por ganha-pão, e qual sopé
Lhe torna o ouro rodapé
Ao dar produto fresco à mesa.
Seu pai jamais lhe acreditou,
E a própria terra hipotecou.

VIII. (20/11/2018)
Das manhas todas de Ievgeni
Não posso desdobrar o rol,
Mas seu talento desde o gene,
O que lhe deu lugar ao Sol,
Encargo desde a juventude,
Tormento, êxtase, virtude,
Preguiça com lamentação,
De um dia todo ocupação,
Foi adestrar-se na sofrência,
Que a Itália Ovídio viu cantar,
Por isso expulso de seu lar
Com tal translúcida ciência,
Na estepe funda vendo o fim,
Moldávia, solidão confim.

(O soneto IX está vazio no original.)

X. (15/12/2018)
Tão cedo soube ter ciúmes,
Mostrar-se hipócrita, sombrio,
Largar e retomar costumes,
Ser conformado ou varonil,
Dissuadir, despedaçar-se,
Atento, alheio, que disfarce!
Calado, perde toda a luz,
No discursar, um arcabuz,
De amor as cartas tinham manha.
Aspira e ama coisa só,
Cuidar de si lhe dava nó!
De olhar que oscila, mas arranha,
Seduz e reza, mas também
Imita o choro do neném!



segunda-feira, 22 de julho de 2019

Anthem of Greek party ‘Néa Dimokratía’


Short link to this post: fishuk.cc/nd-greece


This is the anthem of the Greek conservative party New Democracy, that won the national elections with a large majority last June 7th. Its official name is ‘Ο Ύμνος της Νέας Δημοκρατίας’ (O Ýmnos tis Néas Dimokratías), Anthem of New Democracy, but sometimes it is called ‘Ζήτω η Νέα Δημοκρατία’ (Zíto i Néa Dimokratía), Long live New Democracy, verse that is found in the refrain. Its composer was the Greek singer and musician Robert Williams (Ρόμπερτ Ουίλιαμς).

New Democracy (best known as ND, ‘ni-délta’) was founded in 1974 by Konstantinos Karamanlis, who was prime minister of Greece from 1974 to 1980. Other heads of government from ND are Georgios Rallis (1980-81), Tzannis Tzannetakis (1989), Konstantinos Mitsotakis (1990-93), Kostas Karamanlis (2004-09), the founder’s nephew, Antonis Samaras (2012-15), and Kyriakos Mitsotakis, Konstantinos’ son who toke office in July 7th 2019. With 158 chairs of 300 in the Parliament, ND has defeated the former premier Alexis Tsipras and his left-wing party Syriza.

Robert Williams was born in Athens in 1949 and played voice and guitar in the rock band Poll in the beginning of the 70’s, until entrying solo career in 1974. He represented Greece with other three singers in the 1977 edition of Eurovision, having reached the fifth place with the song Mathema Solfege. I have translated the lyrics directly from Greek, and another page also helps you to play the song with the guitar. Audio from this video.

I have uploaded the subtitled video below in my former YouTube channel: you can read the subtitles in Greek written by the Latin alphabet and its translation into English. The first logo is currently used by ND, and after we see the flag of Greece with the first logo adopted by the party. Further you can also read the original lyrics and its English translation:


You can also watch another video with many apparitions of Greek PM Mitsotakis, who has led ND since 2016, and of its old founder Karamanlis. I have just downloaded the original montage and then put my English subtitles:


1. Σε περιμένω να ’ρθεις και πάλι
Μαζί να φτιάξουμε μια Ελλάδα μεγάλη
Να ’ρθεις σαν άνοιξη να διώξεις τα χιόνια
Να τραγουδούν στα δέντρα πάλι τ’ αηδόνια

Ο ουρανός θα ’ναι γαλάζιος και πάλι
Απ’ το βοριά ως το πιο νότιο ακρογιάλι
Και στην ψυχή μας θα υπάρχει γαλήνη
Γιατί η καρδιά αγάπη μέσα της κλείνει

Επωδός (2x):
Σε περιμένω να ’ρθεις και πάλι
Μαζί να φτιάξουμε μια Ελλάδα μεγάλη
Μαζί να γράψουμε λαμπρή ιστορία
Ζήτω η Ελλάδα
Ζήτω η θρησκεία
Ζήτω η Νέα Δημοκρατία

2. Εμείς το μίσος την κακία ξεχνάμε
Και το συμφέρον όλων πάντα κοιτάμε
Για εμάς τα χρώματα δεν έχουν αξία
Γιατί πιστεύουμε πατρίδα θρησκεία

(Επωδός 2x)

____________________


1. I hope you will come and again
We will build together a greater Greece,
Come as the spring bringing the thaw,
Let nightingales sing again to the trees.

And the sky will become blue again
From North to the most southern coasts,
And for our souls there will be peace
Because the heart is full of love.

Refrain (2x):
I hope you will come and again
We will build together a greater Greece,
Let us write together a bright history.
Long live Greece!
Long live our religion!
Long live New Democracy!

2. We have forgotten hate and depravity,
We always look after the interest of all.
For us appearances have no value,
For we believe in homeland and religion.

(Refrain 2x)



sábado, 20 de julho de 2019

“Hino Nacional” da Cidade do Vaticano


Link curto pra esta postagem: fishuk.cc/hino-vaticano


Esta linda canção em latim é o Hino Nacional da Cidade do Vaticano, utilizado até hoje de forma oficial, e se denomina em italiano Inno e Marcia Pontificale (Hino e Marcha Pontifícia). Embora se chame “marcha”, o áudio desta versão traz um arranjo com órgãos e um coro que parece de igreja. O próprio Vaticano também não gosta da definição “hino nacional”, pois ela seria muito limitativa, enquanto devia ser um símbolo transnacional de todos os que reconhecessem o Bispo de Roma como líder supremo da Igreja Católica. A melodia foi composta em 1869 por Charles Gounod e a letra em latim abaixo, ao que parece, é de Antonio Allegra, que também escreveu em 1949 o texto oficial em italiano. Há também outro texto latino de Raffaello Lavagna, que é o usado como oficial, composto somente nos anos 90.

Em 1857, os Estados Papais (que deixaram de existir em 1870, com a unificação italiana) adotaram pela primeira vez um hino nacional, a Gran Marcia Trionfale (Grande Marcha Triunfal), do austríaco Viktorin Hallmayer e depois renomeada Hino Pontifício. Em 1869, o compositor francês Charles Gounod enviou à Santa Sé de Roma uma solene e pomposa marcha, em homenagem ao jubileu do sacerdócio do papa Pio 9.º. O pontífice chegou a cogitar a adoção da melodia como hino nacional, mas a tomada de Roma pelo exército italiano, extinguindo os Estados Papais, sufocou o projeto. Em 1929, quando a Cidade-Estado do Vaticano surgiu após o Tratado de Latrão, os antigos símbolos nacionais, como a bandeira e o hino (a Gran Marcia Trionfale), foram retomados. Algumas fontes citam o hino litúrgico Noi vogliam Dio, Vergine Maria (Queremos Deus, Virgem Maria) como antecessor da Grande Marcha e como tendo sido retomado em 1929. Mas embora sua autoria seja desconhecida, essa atribuição é anacrônica, já que se costuma datar sua origem entre o fim do século 19 e o começo do 20.

Mais tarde, tendo em vista o ano do jubileu de 1950, o papa Pio 12 decidiu retomar a melodia de Gounod como hino nacional, que foi executado pela primeira vez na sua presença em 24 de dezembro de 1949 e renomeado na ocasião como Inno e Marcia Pontificale. No Ano Novo seguinte, ganhando letra em latim e em italiano do bispo Allegra, então organista da Basílica de São Pedro, tornou-se oficialmente o hino por decreto papal. Contudo, essa versão latina, que estou na dúvida se é a apresentada no vídeo (e cujo texto copiei da Wikipédia em italiano), nunca foi ratificada, e apenas no início dos anos 90 o cônego Lavagna fez o poema em latim pra ser cantado por pessoas de outros países. Em 1991 Lavagna apresentou privadamente o texto ao papa João Paulo 2.º, e a primeira execução pública na Sala Paulo 6.º, em 1993, marcou sua adoção oficial. A tradução mais conhecida em português (a partir do italiano) foi feita pelo monge beneditino brasileiro Marcos Barbosa (“Ó Roma eterna, dos Mártires, dos Santos,/Ó Roma eterna, acolhe os nossos cantos!...”).

Na Wikipédia em latim, o nome do hino do Vaticano é referido como Hymnus et modus militaris Pontificalis. Junto com o hino de Israel, composto em hebraico, é o único hino nacional da atualidade cantado numa língua da Antiguidade. Eu mesmo traduzi direto do latim, e legendei esta montagem do famoso canal DeroVolk, tirando apenas a curta vinheta de abertura. Seguem abaixo as legendas, a letra em latim, a tradução em português e, como um bônus, uma transliteração do latim em alfabeto cirílico russo, num sistema que eu mesmo inventei:


O felix Roma, O felix Roma nobilis.
O felix Roma, Roma felix Roma nobilis.
Sedes es Petri, qui Christi vicem gerit,
Sedes es Petri, qui apostolus est pacis.

Pontifex tecum erimus omnes nos
Pontifex es magister qui tuos confirmas fratres.
Pontifex tecum erimus omnes nos
Pontifex es magister qui tuos confirmas fratres.

Pontifex fundamentum ac robur nostrum,
Hominumque piscator pastor es gregis ligans terram et coelum.

2x:
Petre, tu es Christi es Vicarius super terram,
Rupes inter fluctus, tu es pharus ac veritas.
Tu Christi es caritas, tu es unitatis custos,
Promptus libertatis defensor; in te auctoritas.

____________________


Ó Roma feliz, ó nobre Roma feliz.
Ó Roma feliz, Roma feliz, Roma nobre.
Tu és o trono de Pedro, sucessor de Cristo.
Tu és o trono de Pedro, apóstolo da paz.

Pontífice, estaremos todos contigo,
Pontífice, és o mestre que encoraja os irmãos.
Pontífice, estaremos todos contigo,
Pontífice, és o mestre que encoraja os irmãos.

Pontífice, és nossa força e fundamento,
Pastor do rebanho e pescador de homens que liga céu e terra.

2x:
Pedro, tu és o substituto de Cristo na Terra,
És rocha entre as ondas, és farol e verdade.
És o querido de Cristo, guardião da unidade,
Ágil defensor da liberdade; tens a autoridade.

____________________


О феликс Рома, О феликс Рома нобилис.
О феликс Рома, Рома феликс Рома нобилис.
Седес эс Петри, кви Христи вичем герит,
Седес эс Петри, кви апостолус эст пачис.

Понтифекс текум эримус омнес нос
Понтифекс эс маджистер кви туос конфирмас фратрес.
Понтифекс текум эримус омнес нос
Понтифекс эс маджистер кви туос конфирмас фратрес.

Понтифекс фундаментум ак робур нострум,
Оминумкве пискатор пастор эс греджис лиганс террам эт чолум.

2x:
Петре, ту эс Христи эс Викариус супер террам,
Рупес интер флуктус, ту эс фарус ак веритас.
Ту Христи эс каритас, ту эс унитатис кустос,
Промптус либертатис дефенсор; ин те аукторитас.



quinta-feira, 18 de julho de 2019

“Біда мене та заставила” (ucraniana)


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/bidamene


Esta linda canção me foi sugerida e traduzida pelo amigo Tiago Rocha Gonçalves, de Curitiba (PR), descendente de ucranianos, como eu. Ela se chama “Біда мене та заставила” (Bida mene ta zastavyla), A miséria me obrigou, é de domínio popular (ou seja, não tem autoria conhecida) e eu apenas corrigi o que o Tiago já tinha feito e legendei. Baixei o vídeo sem legendas desta página, apenas tirando as vinhetas do começo e do fim: foi produzido pela agência RostProduction e postado em 2013, filmando o Coletivo “Ozornye Naigryshi”, da cidade ucraniana de Donetsk e que comemorava seus 30 anos de atuação. Eu mesmo decidi legendar a filmagem, mas o Tiago tinha sugerido esta versão em áudio.

A canção fala de uma garota ou moça que estava acostumada aos prazeres e diversões da vida, mas teve de se casar com um senhor de idade pra amenizar a miséria da família, algo muito comum nas sociedades pobres e tradicionais. Como a letra não tem uma história específica, vou explicar umas coisas sobre a tradução, porque ela apresentou várias peculiaridades. Primeiro, vejam que o nome do coletivo está em russo, e não em ucraniano: de fato, Donetsk fica na parte leste da Ucrânia, que tem maioria de falantes do russo, embora o grupo cante muito em ucraniano. Porém, eles têm ao menos um traço perceptível do sotaque local: a pronúncia ocasional da letra “г” como “gué”, e não “hé”, como no ucraniano padrão. Outra característica é o uso da conjunção ou partícula “та” (ta), que originalmente significa “e”, como uma forma de dar ênfase à frase ou simplesmente obedecer à métrica, e por isso nem sempre é traduzida.

Vejam também que não há a preocupação de ser literal na tradução, mas antes explicativo. A palavra “дьор” (dior), por exemplo, não tem tradução específica, sendo mais usada na expressão daty dior (correr, fugir, entrar em fuga), por isso escolhemos dizer “fugia pros passeios”. O mesmo pra “бадьор” (badior), que significa “astúcia”, “artimanha”, “agilidade”, “facilidade”, mas que dado o contexto ficou melhor como “diversão”, ou seja, “levar uma vida fácil, com facilidades”, a qual acabou após o casamento precoce. Temos o uso idiomático de “музики” (muzyky), como muzyka no plural mesmo, indicando “festa”, “baile”, “dança acompanhada pela música”. Outras expressões simplesmente só eram encontradas no dicionário com explicações, e foi preciso dar meio que “equivalentes explicativos”. Por exemplo, “постоли” (postoly) é o par de calçados femininos compostos de um só pedaço de couro, amarrados com tiras e muito comuns na cultura eslava: virou “sapatinho de couro” (“mocassim” até valeria, mas é pouco conhecido, e o diminutivo já dá o toque feminino).

Também “свита” (svyta) não tem equivalente e foi preciso improvisar: é uma grande roupa de tecido único, usada tanto por homens quanto por mulheres, e que os homens no vídeo exatamente estão usando em cor vermelho escuro. A aproximação mais realista foi “casacão”, porque “sobretudo”, em geral masculino, não convencia, dadas suas outras conotações. “Перевесло” (pereveslo), na verdade uma tira de palha que serve pra amarrar feixes de trigo ou outros cereais, virou uma “cinta de palha”, com a qual a moça realiza a ação de “підв’язатися”, ou “amarrar ou ligar por baixo”. Entendido o contexto, que a rica língua ucraniana torna ainda mais preciso, deixamos somente “atei”. E podemos falar do verso final, em que a moça “agradava aos rapazes (ou moços)”, mas como obviamente o assunto eram paqueras, ampliamos pra “deixava apaixonados”.

A letra original como comumente é registrada tem outras estrofes que não são cantadas, mas a versão é praticamente a mesma que aparece no vídeo. Seguem abaixo as legendas, o texto parcial em ucraniano (entre colchetes, o que foi cantado, mas não consta da fonte original nem muda o sentido geral) e a tradução em português:


Біда мене та заставила
Вийти заміж та за старого.

Приспів (2x):
Ой дьор, я гуляла,
На бадьор я гуляла,
Із бадьором стояла,
На бадьора моргала.

На музики я вбиралася [збиралася],
У постоли узувалася.
(Приспів 2x)

У постоли узувалася,
В сіру свиту одягалася.
(Приспів 2x)

Перевеслом підв’язалася,
І я [та] хлопцям подобалася.
(Приспів 2x)

____________________


A miséria me obrigou
A me casar com um velho.

Refrão (2x):
Ah, eu fugia pros passeios,
Eu passeava na diversão,
Eu ficava na diversão,
Eu piscava pra diversão.

Eu me arrumava pros bailes,
Punha sapatinhos de couro.
(Refrão 2x)

Punha sapatinhos de couro
E meu casacão acinzentado.
(Refrão 2x)

Eu o atava com cinta de palha
E deixava os moços apaixonados.
(Refrão 2x)



terça-feira, 16 de julho de 2019

O hino do partido grego Néa Dimokratía


Link curto pra esta postagem: fishuk.cc/nd-grecia


Há muito tempo eu curtia esta canção por causa da batidinha animada, mas só agora que o partido conservador grego Nova Democracia venceu as eleições gerais pro parlamento da Grécia é que tomei coragem e resolvi traduzir a letra diretamente do grego. O nome oficial é “Ο Ύμνος της Νέας Δημοκρατίας” (O Ýmnos tis Néas Dimokratías), Hino do Nova Democracia, mas às vezes também é conhecida como “Ζήτω η Νέα Δημοκρατία” (Zíto i Néa Dimokratía), Viva o Nova Democracia, verso que faz parte do refrão. Seu compositor, não sei em que data, foi o cantor e músico grego Robert Williams, mais conhecido nativamente como “Rómpert Ouíliams” (Ρόμπερτ Ουίλιαμς).

O Nova Democracia (também chamado de ND, “ni-délta”) foi fundado em 1974 por Konstantinos Karamanlis logo após o fim da ditadura de Geórgios Papadópoulos, e a jogada é justamente esta: dimokratía em grego significa tanto “democracia” quanto “república”, ou seja, pode ser uma “nova democracia” após o período de tirania ou uma “nova república” após a república que o próprio Papadópoulos instaurou após abolir a monarquia. De fato, o partido liberal-conservador de centro-direita, que é afiliado ao Partido Popular Europeu, formou o primeiro gabinete da Terceira República Helênica após a queda dos militares. Karamanlis foi primeiro-ministro da Grécia de 1974 a 1980, e outros chefes de governo do ND foram Georgios Rallis (1980-81), Tzannis Tzannetakis (1989), Konstantinos Mitsotakis (1990-93), Kostas Karamanlis (2004-09), sobrinho do fundador, Antonis Samaras (2012-15) e Kyriakos Mitsotakis, filho do primeiro Mitsotakis e que assumiu em 8 de julho, após as eleições do domingo anterior.

Todas as 300 cadeiras do Parlamento Helênico estavam em disputa, e o ND obteve 158 vagas, 83 a mais do que tinha antes e superando com folga as 151 necessárias pra formar uma maioria absoluta. É a primeira vez desde 1981 que um partido obtém tal maioria na Grécia, graças à absorção, sobretudo, de eleitores do Aurora Dourada, partido de extrema-direita que perdeu todos os seus 18 assentos. Essa eleição foi convocada em maio por Alexis Tsipras, agora ex-premiê pelo esquerdista Syriza, após a derrota desse partido nas eleições europeias e, depois, locais. O mau resultado se deveu, sobretudo, à persistente estagnação econômica, ao endividamento público ainda maior e à solução de compromisso a que Tsipras chegou com a vizinha Macedônia: o país passaria a se chamar “Macedônia do Norte”, pra evitar confusão com a região grega da Macedônia, a qual, porém, sempre temeu reivindicações expansionistas de Skopje.

Existem de fato poucas informações sobre esse tal de Robert Williams, inclusive sobre por que ele tem esse nome, mesmo sendo grego. Na Wikipédia em alemão, diz apenas que ele nasceu em 1949 em Atenas, tendo sido vocalista e guitarrista do conjunto de rock Poll no início dos anos 70, começado carreira solo em 1974 e representado a Grécia com três outros cantores no concurso Eurovision de 1977, em que ficou em quinto lugar com a música Mathema Solfege. Pela primeira vez eu traduzi uma canção diretamente da língua grega, usando os conhecimentos de gramática que eu já tinha e procurando quase todas as palavras no Wikcionário. Eu tirei a letra original de um site com textos de músicas, mas existe também outra página que inclui até as cifras de violão. O áudio do primeiro vídeo, cujo volume aumentei, pode ser ouvido no começo e no fim desta fita K7 especial de Williams (1989), e a mesma gravação, que pus no segundo vídeo, pode ser escutada nesta página, com qualidade um pouco melhor.

Nas minhas montagens postadas no meu antigo YouTube, coloquei a tradução em português junto com a transcrição (não transliteração) do grego em alfabeto latino conforme o sistema “Padrão” mostrado no verbete “Romanization of Greek” da Wikipédia inglesa. Assistam aos vídeos duas vezes, lendo uma legenda por vez! O primeiro logotipo é o atualmente usado pelo ND, e depois vemos a bandeira da Grécia com o logotipo adotado logo após a fundação do partido. Seguem abaixo as legendagens, o texto em grego e a tradução em português:

[Infelizmente tive problemas com o backup, então só pra quebrar o galho, estou colocando os vídeos legendados em inglês.]


Existe também uma montagem com cenas do ND na vida política grega, tendo ao fundo um remix em estilo techno do hino do partido. Eu apenas baixei o vídeo pronto e inseri as legendas. Podemos ver muito mais aparições do atual primeiro-ministro Mitsotakis, que preside o ND desde 2016, bem como do idoso fundador Karamanlis:


1. Σε περιμένω να ’ρθεις και πάλι
Μαζί να φτιάξουμε μια Ελλάδα μεγάλη
Να ’ρθεις σαν άνοιξη να διώξεις τα χιόνια
Να τραγουδούν στα δέντρα πάλι τ’ αηδόνια

Ο ουρανός θα ’ναι γαλάζιος και πάλι
Απ’ το βοριά ως το πιο νότιο ακρογιάλι
Και στην ψυχή μας θα υπάρχει γαλήνη
Γιατί η καρδιά αγάπη μέσα της κλείνει

Επωδός (2x):
Σε περιμένω να ’ρθεις και πάλι
Μαζί να φτιάξουμε μια Ελλάδα μεγάλη
Μαζί να γράψουμε λαμπρή ιστορία
Ζήτω η Ελλάδα
Ζήτω η θρησκεία
Ζήτω η Νέα Δημοκρατία

2. Εμείς το μίσος την κακία ξεχνάμε
Και το συμφέρον όλων πάντα κοιτάμε
Για εμάς τα χρώματα δεν έχουν αξία
Γιατί πιστεύουμε πατρίδα θρησκεία

(Επωδός 2x)

____________________


1. Espero que você venha e de novo
Ergamos juntos uma Grécia grande,
Venha tal primavera derretendo neve,
Os rouxinóis cantem de novo às matas.

E o céu estará azul novamente
Do norte até as praias mais ao sul,
E para nossa alma haverá quietude
Porque o coração está cheio de amor.

Refrão (2x):
Espero que você venha e de novo
Ergamos juntos uma Grécia grande,
Façamos juntos uma história radiante.
Viva a Grécia!
Viva nossa religião!
Viva o Nova Democracia!

2. Esquecemos o ódio e a depravação
Sempre olhando o interesse de todos.
Para nós as aparências nada valem
Pois cremos na pátria e na religião.

(Refrão 2x)



domingo, 14 de julho de 2019

O Hino Nacional da Transnístria (1990)


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/transnistria

Primeiramente, me perdoem pela ausência de um mês nas postagens. Por causa de inúmeras tarefas de traduções editoriais, decidi deixar a página “cozinhando” por algum tempo, sem ter avisado a vocês! Achei melhor não ter dado o aviso pra não causar muito alarde, e pra logo reunir forças visando terminar as traduções. Se eu tivesse mantido a página no mesmo ritmo de atualização, postando conteúdo a cada dois dias, eu não teria tido tempo nem forças pra concluir aquele serviço. Por isso, agora que as coisas se ajeitaram, não se preocupem: vou voltar a publicar dia sim, dia não, conteúdos novos ou coisas antigas que estavam guardadas comigo!



Há anos me pediam tanto pra fazer a legendagem abaixo, que decidi fazê-la alguns dias atrás, quando já tinha aliviado o peso das minhas incumbências acadêmicas e profissionais. Traduzindo livremente, esta canção se chama Glória a você, Transnístria, dizendo-se Slăvită să fii Nistrene em romeno (os grupos pró-Rússia chamam o dialeto local de “moldovo” como se fosse uma língua à parte), My slávim tebiá, Pridnestróvie em russo e My slávymo tebé, Prydnistróvia em ucraniano. É usada como um hino oficial da região da Transnístria, às margens do rio Dniestr, oficialmente parte da Moldova e fazendo fronteira com a Ucrânia, mas se reivindicando república independente, com um governo semelhante ao da antiga União Soviética. O território é considerado, por isso, como “o último pedacinho restante da URSS” na Europa Oriental, usando até mesmo a velha bandeira da RSS da Moldávia (hoje a República da Moldova independente) e o mesmo brasão, com algumas adaptações. Dada a localização geográfica e a composição cultural da Transnístria, existem versões do hino em três línguas: russo (língua majoritária da URSS), romeno e ucraniano (fronteira com a Ucrânia).

A região da Transnístria (ou Transdniéstria, em alusão ao rio Dniestr), oficialmente proclamada como República Moldávia da Transnístria, é uma estreita faixa de terra que se estende daquele rio até o território da Ucrânia e se declarou um Estado independente em 1990, pouco antes do fim da URSS, mas é internacionalmente reconhecida apenas como parte da República da Moldova, antiga República Socialista Soviética da Moldávia criada em 1945. Conhecida como uma das regiões de conflito territorial “congelado” pós-soviético, a república só é reconhecida por outros três símiles territórios separatistas: Artsaque (Nagorno-Karabakh), Abcázia e Ossétia do Sul. O diferencial da região é que a maioria étnica se compõe de russos (34%), e só a seguir vêm os moldovos, ucranianos e um pouco de búlgaros, sendo o russo a língua interétnica e principal língua oficial. A capital Tiráspol, se não consideramos a Transnístria como um território independente, é a segunda maior cidade da Moldova. A Transnístria é uma das raras entidades geopolíticas que ainda ostenta símbolos comunistas, e a única do mundo cuja bandeira ainda tem a foice e o martelo. Pobre economicamente, considera-se, porém, que desfruta de uma situação relativamente melhor do que o resto da Moldova (esta com IDH 0,7 em 2018, Brasil com 0,759), resultado da forte concentração industrial e energética sob a URSS, apesar da escassa população.

A melodia do Hino Nacional da Transnístria foi retirada da canção russo-soviética Da zdravstvuiet nasha derzhava (Viva nosso Estado-potência), criada em 1942 por Boris Aleksandrov (melodia) e Aleksandr Shilov (letra) e que já publiquei aqui traduzida e legendada. A música de 1942 concorreu à escolha como novo hino da URSS em 1943, mas perdeu pra melodia do pai de Boris, Aleksandr, que ficou conhecida como hino nacional de Stalin. Com a velocidade reduzida, ela recebeu uma nova letra em russo, romeno e ucraniano, cada trecho não sendo uma tradução literal dos outros, escrita por Borys Parmenov, Nicholas Bozhko e Vitali Pyshchenko, e assim o hino da Transnístria nasceu. Adotado já em 1990, inicialmente era executado só em russo, mas depois houve a possibilidade de se usarem as outras línguas; isso deve ter sido a partir de 2000, quando, segundo a Wikipédia russa, o hino foi ratificado. Na página do governo em russo, há todas as disposições a respeito do hino, além da bandeira e brasão oficiais.

Eu baixei desta página a linda animação sem legendas, que tem um áudio (de autoria que desconheço) já muito difundido na internet e encontrado inclusive na Wikipédia. Copiando as três letras originais da Wikipédia, eu mesmo traduzi direto do russo e do ucraniano, e no caso do romeno, como aos poucos estou adquirindo rudimentos dessa língua, consultei lentamente várias palavras no dicionário. Mesmo assim, neste caso, também me vali das traduções em inglês, francês, espanhol e, em parte, alemão pra me ajudar substancialmente. Eu também escrevi as legendas em duas línguas a cada tela, usando o alfabeto latino pro romeno e meu próprio sistema de transliteração do russo e do ucraniano. Dada a dominação soviética, o “moldovo” (ou moldávio) foi também escrito em alfabeto cirílico, mas acho essa versão muito feia.

Tanto no caso do russo quanto do romeno, é forte o sotaque regional dos(as) cantores(as), mas não é nada que fuja muito do padrão. Vejam duas vezes o vídeo abaixo, lendo primeiro as legendas em português e depois nas línguas originais! Originalmente o hino é composto de duas partes autônomas e um refrão, sendo que no caso do russo e do ucraniano só se canta a primeira parte, enquanto em romeno se canta a segunda: em breve pretendo legendar o áudio de cada hino separadamente, cujas traduções completas já tenho aqui comigo. Após as legendas, seguem as versões completas em cirílico russo e ucraniano, em romeno cirílico e latino e suas traduções:



Russo:

1. Мы славу поём Приднестровью,
Здесь дружба народов крепка,
Великой сыновней любовью
Мы спаяны с ним на века.

Cantamos glória à Transnístria,
Aqui é forte a amizade dos povos,
Com um grande amor de filhos
Estamos unidos a ela para sempre.

Восславим сады и заводы,
Посёлки, поля, города ‒
В них долгие славные годы
На благо Отчизны труда.

Louvemos os jardins e fábricas,
Povoados, campos e cidades
Que por longos anos gloriosos
Geraram o esforço da Pátria.

Припев:
Пронесём через годы
Имя гордой страны
И Республике свободы
Как правде, мы будем верны.

Refrão:
Carreguemos através dos anos
O nome do país orgulhoso,
E à República da Liberdade,
Como à verdade, seremos fiéis.

2. Мы славим родные долины,
Седого Днестра берега.
О подвигах помним былинных,
Нам слава отцов дорога.

Damos glória aos vales natais,
Às beiras do velho rio Dniestr,
Lembremos as façanhas épicas,
A glória dos pais nos é querida.

Восславим мы всех поимённо,
Погибших за наш отчий дом.
Пред памятью павших священной
Отечеству клятву даём.

Louvemos todos os nomes que
Morreram por nosso lar paterno.
Ante a memória sagrada dos caídos
Prestamos juramento à Pátria.

(Припев 2x)

Romeno:

1. Трэяскэ Нистрения-мамэ,
О царэ де фраць ши сурорь,
Че драгосте фэрэ де сямэн
Ць-о дэруе фийче, фечорь.
(Trăiască Nistrenia-mamă,
O țară de frați și surori,
Ce dragoste fără de seamăn
Ți-o dăruie fiice, feciori.)

Viva nossa mãe Transnístria,
Um país de irmãos e irmãs,
Que amor sem comparação
Suas filhas e filhos lhe deram.

Кынта-вом ливезь ши узине,
Ораше, кэтуне, кымпий,
Ку еле ши’н зиуа де мыне
О, царэ, просперэ не фий!
(Cânta-vom livezi și uzine,
Orașe, cătune, câmpii,
Cu ele și-n ziua de mâne
O, țară, prosperă ne fii!)

Cantaremos, pomares, fábricas,
Cidades, aldeias, planícies,
Com eles e no dia de amanhã,
Ó, país, seja própsero para nós!

Рефрен/Refren:
Прин време пурта-вом
Нумеле мындрей цэрь.
Ту, Република либертэций,
Ешть крезул ын пашниче зэрь.
(Prin vreme purta-vom
Numele mândrei țări.
Tu, Rеpublica libertății,
Ești crezul în pașnice zări.)

Refrão:
Portaremos através do tempo
O nome do país orgulhoso.
Você, República da Liberdade,
É crença em horizontes pacíficos.

2. Кынта-вом ши вэй, ши колине,
Лучеферь дин Ниструл кэрунт,
Баладе’нцелепте, бэтрыне,
Че’н вякурь дестойничь не-ау врут.
(Cânta-vom și văi, și coline,
Luceferi din Nistrul cărunt,
Balade-nțelepte, bătrâne,
Ce-n veacuri destoinici ne-au vrut.)

Cantaremos os vales, as colinas,
Estrelas-d’alva no velho rio Dniestr,
As baladas sábias e antigas,
Que em séculos nos quiseram bem.

Слэви-вом ероикул нуме,
’Н ачя бэтэлие кэзут
Ши’н фаца меморией сфинте
Ной цэрий журэм сэ-й фим скут!
(Slăvi-vom eroicul nume,
’N acea bătălie căzut
Și-n fața memoriei sfinte
Noi țării jurăm să-i fim scut!)

Louvaremos o nome heroico
Que tombou naquela batalha,
E diante da memória sagrada
Juramos ao país ser seu escudo!

(Рефрен/Refren 2x)

Ucraniano:

1. Ми славимо край Придністров’я,
Де люди пишаються тим,
Що дружбою, ладом, любов’ю
Навіки пов’язані з ним.

Louvamos a terra da Transnístria,
Onde as pessoas se orgulham de,
Com amizade, concórdia e amor,
Estarem unidas a ela para sempre.

Прославимо наші заводи,
Широкі лани і міста,
Тут чесно працюють народи
На благо Вітчизни труда.

Louvemos nossas fábricas,
As vastas lavouras e cidades
Onde povos trabalham com honra
Gerando o esforço da Pátria.

Приспів:
Через доли і води
Пронесемо ім’я
Ми Республіки свободи,
Хай живе тут народів сім’я

Refrão:
Através dos vales e águas
Nós carregaremos o nome
Da República da Liberdade,
Viva a família de povos daqui!

2. Ми славимо рідні долини,
Красоти Дністра берегів,
І нам не забути билини
Про подвиги наших батьків.

Louvamos os vales natais,
A beleza à beira do rio Dniestr,
Nunca esqueçamos as epopeias
Sobre as façanhas de nossos pais.

Прославимо всіх поіменно
Полеглих за наш отчий дім,
Де пам’ять загиблих священна,
Вітчизні співаємо гімн.

Louvemos todos os nomes que
Tombaram por nosso lar paterno.
Onde é santa a memória dos mortos
Cantamos o hino para a Pátria.

(Приспів 2x)



Entre a Moldova (em verde) e a Ucrânia, o território da Transnístria em vermelho.
Ignore a cor rosa da Crimeia: ELA É UCRANIANA, NÃO RUSSA!