domingo, 26 de outubro de 2014

Entrevista de Ianukovych deposto


Link curto pra esta postagem: fishuk.cc/yanuk


Esta é talvez a primeira fala na íntegra do ex-presidente da Ucrânia, Viktor Ianukovych, legendada em português. É a entrevista que ele deu para o canal de TV “112 Ukraina” na cidade de Kharkiv (Kharkov, em russo) a 22 de fevereiro de 2014, após ser deposto contra a vontade pela Rada Suprema, o parlamento ucraniano, na sequência dos protestos na capital Kyiv (Kiev, em russo), iniciados em novembro de 2013 (movimento do Euromaidan). Embora esta postagem venha quando a Ucrânia já consolidou um novo governo nacionalista, encabeçado pelo presidente Petró Poroshenko, deve-se lembrar que Ianukovych jamais renunciou formalmente à presidência, e que o governo russo sempre o considerou como seu representante legítimo.

Devo justificar uma opção quanto aos nomes próprios de cidades e pessoas. Embora Ianukovych e a âncora do jornal falem todos em suas variantes russas, coloquei-os na variante ucraniana, mesmo havendo laços maiores com as regiões de fala russa. Fiz isso simplesmente por se tratar de eventos ocorridos em território ucraniano ou serem elementos relativos ao Estado ucraniano, cuja língua primordial sempre foi, desde a independência, o ucraniano. Ver também postagem anterior, que se detém mais demoradamente sobre a questão dos nomes de cidades ucranianas.

Na entrevista, Ianukovych chama sua deposição de “golpe de Estado”, preocupa-se com o clima de intimidação que afirma ter sido criado pelos opositores e rejeita o “vandalismo” e o “banditismo” dos manifestantes antigoverno. Ainda prevendo uma possibilidade de volta ao poder e à capital – da qual havia fugido inicialmente para Kharkiv, no leste de maioria russófona, antes de entrar na Rússia –, promete buscar soluções para evitar um derramamento de sangue entre a população, descarta a possibilidade de sair do país (informação obviamente desatualizada) e contesta a legalidade das decisões tomadas em série pelo parlamento, a cujas demandas Ianukovych afirmava ter concedido todas. O político ucraniano também alude às ameaças e agressões sofridas pelos membros de seu governo, por seus partidários e pelos integrantes de seu Partido das Regiões (Partia Regionov), cujo ocaso ele nega que pudesse ocorrer futuramente, e teme pela integridade de pessoas que recusavam lealdade aos novos governantes, os quais ele compara aos nazistas dos anos 1930.

Não pensem que consegui traduzir e legendar apenas de ouvido: achei duas versões escritas da entrevista na internet, uma mais fiel aos diálogos (clique aqui) e outra mais fiel às ideias expostas (clique aqui). Esta segunda foi publicada originalmente no site da Presidência da Ucrânia, contudo, logo após a deposição de Ianukovych, a cópia no site da Presidência foi apagada, sendo preservada neste outro site. Nenhuma das duas versões é uma transcrição fiel das palavras faladas, por isso tive que ir cruzando ambas ao ouvir o áudio.

Abaixo você pode ver também a versão legendada da entrevista, na qual sempre são feitas as necessárias adaptações a esse tipo de mídia (considerar não a transliteração usada no vídeo, mas no texto, que segue o novo sistema adotado pela página):



ÂNCORA: Podemos escutar ao vivo o que diz o presidente Ianukovych em Kharkiv sobre sua demissão. Vamos ouvir.

IANUKOVYCH: Tenho toda certeza de que isto que nosso país e o mundo presenciam é a amostra de um golpe de Estado. Fiz tudo para evitar no país um banho de sangue. Aprovamos duas leis de anistia, demos todos os passos para estabilizar a situação política no país. Mas ocorreu como ocorreu. Cheguei em Kharkiv ontem, tarde da noite, desejando participar do encontro de hoje com deputados de todos os níveis e com líderes sociais, mas ocorreu que eu não podia ir, não podia perder tempo, porque tinha que estar comunicável todo o tempo. O tempo todo chegavam alertas de perseguição a pessoas. Estou buscando defender as pessoas que estão sendo perseguidas pelos bandidos em seus locais de residência e de trabalho e nas estradas. Estou fazendo de tudo para fazer cessar a matança de pessoas já próximas de mim.

Estão me intimidando o tempo todo com ultimatos, mas não penso em partir para nenhum lugar no exterior nem penso em renunciar ao cargo de presidente: fui legalmente eleito. Recebi garantias de todos os mediadores internacionais, com os quais atuo, de que me fariam estar em segurança. Observarei como eles vão desempenhar esse papel.

Tudo o que está ocorrendo hoje, obviamente, é um grau máximo de vandalismo, de banditismo, de um golpe de Estado. Essa é minha avaliação, da qual estou profundamente convencido.

O que vou fazer agora? Vou fazer tudo para proteger meu país da desordem, vou fazer tudo para cessar o banho de sangue.

REPÓRTER: De que forma?

Ainda não sei como vou fazer isso. Já me encontrei hoje com muitas pessoas, tomei conselhos – eu tive essa possibilidade. Agora percorrerei o sudeste do país, que continua sendo menos perigoso, ou mais seguro. Continuarei viajando, me encontrando com as pessoas. Primeiro, quero encontrar a resposta sobre o que faremos agora em nosso país, que rumo tomaremos e, claro, o pânico que hoje toma conta das pessoas comuns no oeste, no leste, no centro... Eu via o que se passava em Kyiv. Atiraram em meu carro, mas não estou aterrorizado. Tenho muito pesar pelo nosso país. Estou sentindo a responsabilidade. E o que vamos fazer agora: todos os dias vou falar publicamente sobre isso, todos os dias.

Vai permanecer em território ucraniano?

Vou permanecer em território ucraniano. Vou instar todos os observadores internacionais, todos os mediadores que participaram desse conflito político, a que detenham os bandidos. Não são opositores, são bandidos.

Ocorre que no parlamento, ao saírem do parlamento, os deputados são agredidos, atingidos por pedras, intimidados. As decisões que eles estão tomando são todas ilegais. E eles devem ouvir isto, ouvir de mim: não vou assinar nada com bandidos que estão aterrorizando todo o país, o povo ucraniano, e envergonhando a Ucrânia.



O senhor subscreveu todas as condições apresentadas pela oposição, cumpriu todas as promessas relativas às exigências dos opositores, e Maidan não se dispersou. O que fazer em tal situação, qual a saída?

Já disse tudo. Vou buscar saídas, observar a reação da comunidade internacional, ver como ela pode honrar seus compromissos.

Já entrou em contato com representantes da União Europeia?

Disso se ocupa o Ministro das Relações Exteriores, que ainda é o legítimo: Leonid Oleksandrovych Kozhara. Ontem ele me informou que havia conversado com os europeus, com o Ministro das Relações Exteriores da Polônia, e ontem à noite ele ligou para os Estados Unidos. Ontem tive uma conversa com o presidente Putin, da Rússia, que me disse ter conversado com o presidente Obama, dos EUA. E espero todos esses dias poder manter essas negociações.

Rybak, presidente da Rada Suprema, demitiu-se. O que o senhor diz a respeito disso?

Ele foi agredido ontem. Ele veio me ver, e no caminho atiraram no carro. Veio me ver e pediu que eu o levasse. Eu o levei e agora o despachei de carro para Donetsk.

Para tratar da saúde?

Sim, para tratar da saúde. Fiz o mesmo com Kliuiev, chefe de administração. Fizeram ameaças também aos juízes da Corte Constitucional.

Foram chamadas telefônicas, SMS?

Fazem isso de todas as formas. Mas ontem deputados do Partido das Regiões, ao saírem do parlamento, foram agredidos com pedras.

Muitos membros estão abandonando seu partido.

Algumas pessoas não resistem, temendo por suas famílias.

Fazem isso sob pressão?

Claro! E há ainda os traidores. Não quero falar disso agora, não quero citar nomes, esperando doer-lhes a consciência e a responsabilidade. O partido já passou muito por isso, sobrevivendo a 2004-2005, quando 200 mil membros o deixaram, e depois entraram mais 600 mil. Parece que a situação vai se repetir. Que saiam, digamos, meio milhão, 500 mil, embora eu não calcule tantos. Nosso partido continuará forte. Estamos vendo uma repetição do nazismo, quando nos anos 30, na Alemanha e na Áustria, os nazistas chegaram ao poder. É uma repetição. Fecharam os partidos, e agora da mesma forma fecham o Partido Comunista, o Partido das Regiões, lançam rótulos, perseguem, batem, agridem pessoas, queimam casas, escritórios. Mais de 200 escritórios do Partido das Regiões foram incendiados na Ucrânia.



domingo, 19 de outubro de 2014

Os nomes de cidades ucranianas


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/cidades


Esta postagem é bem curtinha, porque apenas quero começar uma reflexão e ouvir a opinião de vocês. O que fazer numa tradução quando se depara com cidades ucranianas que ora são chamadas por seus nomes em russo, ora por seus nomes em ucraniano? Qual variante usar? Vocês podem me mandar um e-mail.


Traduzindo do russo para futura publicação e legendagem o apelo de Igor Strelkov, líder militar da República Popular de Donetsk (mais conhecidos como “separatistas ucranianos pró-Rússia”), pronunciado a 18 de maio de 2014, me deparei com uma questão que já havia enfrentado em outros textos, mas nunca tinha discutido com ninguém ou compartilhado aqui. Como transliterar nomes de cidades, especialmente ucranianas, que são conhecidas por um nome quando se fala russo, e outro nome quando se fala ucraniano?

O caso mais clássico é o de Kiev [Киев] (RU) e Kyiv [Київ] (UA). Existem outros mais conhecidos na Ucrânia, como:

  • Lugansk [Луганск] (RU) e Luhansk [Луганськ] (UA);
  • Chernobyl [Чернобыль] (RU) e Chornobyl [Чорнобиль] (UA);
  • Zaporozhie [Запорожье] (RU) e Zaporizhia [Запоріжжя] (UA);
  • Kharkov [Харьков] (RU) e Kharkiv [Харків] (UA).

Mas existem muitas outras cidades ucranianas com que me deparei no texto de Strelkov:

  • Shakhtiorsk [Шахтёрск] (RU) e Shakhtarsk [Шахтарськ] (UA);
  • Antratsit [Антрацит] (RU) e Antratsyt [Антрацит] (UA);
  • Konstantinovka [Константиновка] (RU) e Kostiantynivka [Костянтинівка] (UA);
  • Krasny Liman [Красный Лиман] (RU) e Krasny Lyman [Красний Лиман] (UA);
  • Artiomovsk [Артёмовск] (RU) e Artemivsk [Артемівськ] (UA)!!!

Qual transliteração usar, ou melhor, que língua usar? A questão é complexa, porque envolve política, e sensíveis rivalidades. Não é a mesma coisa do que chamar São Paulo de “San Pablo” num texto em espanhol ou Asunción de “Assunção” em português, porque são duas línguas que convivem num mesmo ambiente nacional e cultural! Claro que grosso modo no leste da Ucrânia boa parte da população fala russo (e o texto em questão foi escrito em russo por alguém daí), no centro falam russo e ucraniano, e no oeste é principalmente ucraniano. Mas a dúvida persiste.

Em se tratando de cidades NA Ucrânia, mesmo que o texto esteja em russo (só traduzo fluentemente do russo), eu costumo usar a variante ucraniana, mas às vezes fico com a impressão de que “estupro” a língua russa e a intencionalidade cultural russófona primárias. Porém, nunca ninguém reclamou desses meus usos... Pelo menos até agora, quando pretendo lançar uma tradução recheada desses doublets!!!



domingo, 12 de outubro de 2014

Discurso de Stalin a 7/11/1941


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/stalin-parada



Tomada de Stalin no momento em que proferia o discurso de 7 de novembro de 1941.


Introdução (Erick Fishuk)

Em plena invasão nazista à União Soviética, iniciada em junho de 1941, e com o inimigo às portas de Moscou e Leningrado (atual São Petersburgo), Iosif Stalin, Secretário-Geral do Partido Comunista (bolchevique) da URSS, toma uma decisão ousada: realizar a parada de comemoração do 24.º aniversário da revolução socialista, no dia 7 de novembro, nas mais duras condições, sob cerco e forte tensão. O pretexto é o de que o mesmo havia sido feito com sucesso em 1918, durante a Guerra Civil Russa, comemorando-se o primeiro aniversário da Revolução de Outubro, enquanto as tropas brancas e seus auxiliares estrangeiros cercavam militarmente o governo bolchevique.

Diante das Forças Armadas, Stalin pontua que a agressão nazista foi um choque para o país, que deveriam ser mobilizadas todas as forças para contê-la e que eles já tinham o mérito de não ter cedido aos primeiros golpes. Exorta os soldados, pilotos e marinheiros com o exemplo da Guerra Civil Russa, de 1918 a 1920, quando as condições eram ainda piores e mesmo assim o Exército Vermelho venceu, e lembra que em 1941 tudo havia melhorado substancialmente, com indústrias, produção aumentada e maior reforço militar. Os alemães já teriam antes provado derrotas ante os russos e não seriam um inimigo tão forte quanto muitas pessoas apavoradas pensariam, pois após anos de guerra e invasões, a Alemanha estaria padecendo várias necessidades e seu povo estaria insatisfeito com a desordem reinante. Contudo, o maior erro de cálculo de Stalin seria prever a derrota da Alemanha para o prazo máximo de um ano, quando sabemos hoje que Berlim só seria rendida no início de maio de 1945, ou seja, três anos e meio depois. Ainda assim, conclui exortando os soviéticos a resistir, como era de se esperar, espelhando-se nos maiores exemplos de heroísmo e proteção na história da Rússia.

Percebi, ao legendar o vídeo, que havia pequenas diferenças entre a fala de Stalin e o texto escrito, publicado inicialmente na edição n.º 310 de 8 de novembro de 1941 do jornal Pravda. Mas como o áudio era muito difícil de compreender, levei em conta apenas a variante escrita. Retirei o texto original das Obras completas de Stalin em russo, tomo 15, Moscou, Pisatel, 1997, pp. 84-86. Título original: “Rech na Krasnoi ploshchadi, 7 noiabria 1941 goda”. O texto também está disponível com áudio MP3 para baixar nesta página do grande site Sovmusic.ru.

A primeira versão em português, provavelmente traduzida de uma terceira língua, saiu inicialmente no livro Stalin, do escritor alemão Emil Ludwig, publicado pela Editorial Calvino em 1943. Foram suas insuficiências, sua prolixidade e sua excessiva literalidade que me levaram a produzir uma nova versão, cotejando a do livro, além do original em russo (obviamente!), com versões em inglês, em francês (incompleta), em espanhol e em italiano, publicadas inicialmente em outras fontes e que também têm lá seus defeitos.

Abaixo você pode ver também a versão em vídeo do discurso (legendada), na qual, é claro, sempre são feitas as necessárias adaptações a esse tipo de mídia:



Camaradas do Exército e Marinha Vermelhos, comandantes e instrutores políticos, operários e operárias, kolkhozianos e kolkhozianas, funcionários intelectuais, irmãos e irmãs na retaguarda inimiga caídos temporariamente sob o jugo dos bandidos alemães, gloriosos guerrilheiros e guerrilheiras nossos que estão destruindo as retaguardas dos agressores alemães!

Em nome do Governo Soviético e de nosso Partido Bolchevique, cumprimento-os e felicito-os por ocasião do 24.º aniversário da Grande Revolução Socialista de Outubro.

Camaradas! Devemos celebrar hoje sob duras condições o 24.º aniversário da Revolução de Outubro. Os bandidos alemães colocaram nosso país em risco ao nos imporem a guerra com sua pérfida agressão. Perdemos temporariamente algumas províncias, e o inimigo chegou às portas de Leningrado e Moscou. Ele contava poder, logo ao primeiro golpe, debandar nosso Exército e subjugar o país, mas enganou-se profundamente. Apesar dos reveses passageiros, nosso Exército e nossa Marinha estão repelindo heroicamente os ataques do inimigo ao longo de todo o front, causando-lhe grandes perdas, e o nosso país – todo o país ‒ organizou-se num campo único para desbaratar, ao lado do Exército e da Marinha, os agressores alemães.

Nosso país já esteve outrora numa situação ainda pior. Lembrem-se de que em 1918, quando celebrávamos o primeiro aniversário da Revolução de Outubro, três quartos do território se encontravam nas mãos dos invasores estrangeiros. A Ucrânia, o Cáucaso, a Ásia Central, os Urais, a Sibéria e o Extremo Oriente foram temporariamente tomados de nós. Não tínhamos aliados, não existia o Exército Vermelho ‒ que mal havíamos começado a formar ‒ e carecíamos de pão, armas e fardas. 14 estados estavam tomando nossa terra, mas não deixamos o desânimo nos tomar. Então, nas chamas da guerra, organizamos o Exército Vermelho e transformamos o país num grande acampamento militar. Inspirados pelo gênio do grande Lenin a combater os invasores, o que conseguimos? Destroçamo-los, recuperamos todo o território perdido e alcançamos a vitória.

Hoje a situação de nosso país é bem melhor do que há 23 anos. Multiplicamos enormemente nossa riqueza em indústrias, alimentos e matérias-primas, e temos aliados com os quais sustentamos uma frente única contra os agressores alemães. Contamos ainda com a simpatia e o apoio de todos os povos da Europa caídos sob o jugo da tirania hitleriana, além de um Exército e Marinha magníficos que defendem de corpo e alma a liberdade e independência da Pátria. Também não sofremos grave carência de alimentos, armas ou fardas, e nossas reservas humanas são inesgotáveis. Todos os povos que habitam nosso país estão sustentando o Exército e a Marinha na destruição das hordas rapinantes de fascistas alemães. O gênio do grande Lenin e sua bandeira vitoriosa nos impelem hoje à Guerra Patriótica, tal como 23 anos atrás.

Seria possível duvidar que podemos e devemos derrotar os agressores alemães?

O inimigo não é tão poderoso como pretendem alguns intelectuais acovardados, nem é um demônio tão medonho como o pintam. Quem pode negar que mais de uma vez nosso Exército Vermelho fez fugir em pânico as celebradas tropas alemãs? Considerando não a propaganda vaidosa difundida pela Alemanha, mas a real situação do país, será fácil perceber que esses agressores fascistas estão próximos da ruína. O povo alemão, hoje faminto e empobrecido, perdeu quatro milhões e meio de soldados em quatro meses de guerra, esvaindo em sangue suas reservas humanas, e já está sendo tomado por um ânimo insurgente, tal como os povos da Europa submetidos ao jugo dos agressores alemães, por não ver a guerra terminar. A agressão alemã está no limite das forças, e não há dúvida de que ela não pode ir muito além. Mais alguns meses, um semestre, ou talvez um ano, e a Alemanha hitleriana deverá ruir sob o peso dos próprios crimes.

Camaradas do Exército e Marinha Vermelhos, comandantes e instrutores políticos, guerrilheiros e guerrilheiras! O mundo inteiro os vê como uma força capaz de aniquilar as hostes espoliadoras de agressores alemães, e os povos da Europa subjugados por elas os consideram seus libertadores. Recaiu sobre vocês, portanto, a grande missão emancipatória: mostrem-se dignos dela! A guerra travada por vocês é uma guerra justa de libertação. Nessa luta, inspirem-se nos grandes exemplos de nossos valentes antepassados: Aleksandr Nevski, Dmitri Donskoi, Kuzma Minin, Dmitri Pozharski, Aleksandr Suvorov, Mikhail Kutuzov! Sejam cobertos pela bandeira vitoriosa do grande Lenin!

Pela total destruição dos agressores alemães!

Morte aos invasores alemães!

Vivam nossa gloriosa Pátria, sua liberdade e sua independência!

Sob a bandeira de Lenin, avante rumo à vitória!



Um veterano, como todos os outros, comemorando o Dia da Vitória em frente ao Kremlin.

domingo, 5 de outubro de 2014

União fraternal das repúblicas soviéticas


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/republicas



Lev Davidovich Bronstein (Leon Trotsky) à frente do Exército Vermelho.


Introdução (Erick Fishuk)

Logo após a Revolução Russa bolchevique de outubro de 1917 (houvera ainda a de fevereiro, quando os revolucionários, não apenas bolcheviques, derrubaram o tsar), a anarquia governamental permitiu que vários povos do antigo império se desmembrassem territorialmente por conta própria, ao menos de forma temporária, algo visto como um grande prejuízo pelos comunistas que haviam acabado de tomar o poder. Um dos maiores problemas com que teóricos como Vladimir Lenin (1870-1924) se depararam foi o de como manter a unidade do imenso país, mas ao mesmo tempo garantir a autodeterminação às nacionalidades antes oprimidas pela secular monarquia, autodeterminação que sempre foi uma das principais bandeiras dos movimentos socialistas em geral.

Outro grande desafio para os bolcheviques, desde 1918, era a guerra civil que estavam travando contra seus opositores domésticos armados e contra as potências capitalistas estrangeiras contrárias à consolidação do poder comunista na Rússia. Nesse contexto, Leon Trotsky, dirigente do Exército Vermelho, ainda contando com grande poder e influência, gravou um discurso a respeito dessa questão das nacionalidades, em que ressalta a importância da união de todos os povos locais para a derrubada do tsarismo e a construção de uma nova sociedade, até chegar à aliança internacionalista com outros países que então viviam processos revolucionários semelhantes.

Apresento aqui a tradução que fiz do discurso, oficialmente chamado “A união fraternal das repúblicas soviéticas” (em russo, “Bratski soiuz sovetskikh respublik”) e gravado em abril de 1919, num dos raros registros da voz de Trotsky. O material foi divulgado pela primeira vez no Blog Convergência, graças à iniciativa e apoio do professor e militante Alvaro Bianchi, da Unicamp. O texto original em russo pode ser encontrado nesta página, ou em versão equivalente do site SovMusic, onde também se pode baixar o áudio.

Como se vê abaixo, também disponibilizei uma cópia do vídeo com o áudio e algumas imagens, que legendei em português. Ressalto que a legendagem exige algumas adaptações em relação ao texto escrito destinado à leitura.


[A união fraternal das repúblicas soviéticas. Discurso do Comissário do Povo para Assuntos Militares e Navais, (1) camarada Trotsky.]

Camaradas!

A velha Rússia tsarista era um todo firmado pelos aros férreos da violência e do despotismo. Em meio à brutalidade da última guerra mundial, esses aros foram rebentados, bem como se fez em pedaços o antigo regime monárquico.

E muitos pensaram que os povos da velha Rússia tsarista se apartariam para sempre. Mas eis que às nossas vistas se dá um grande prodígio histórico: o Poder Soviético está os dispondo numa sólida e harmoniosa união.

As tropas soviéticas libertaram Kharkov e Kiev. (2) Mas e daí? O povo ucraniano quer afinal conduzir sua existência à parte do restante da Rússia Soviética?! Não, ele quer uma união fraternal comum mantida por laços indissolúveis.

Os regimentos soviéticos libertaram Riga e Vilno. (3) Mas e daí? O povo letão, o povo lituano e o povo bielo-russo desejam afinal que uma muralha de pedra os separe de nós?! Não, eles querem uma união fraternal estreita.

E o mesmo ocorrerá amanhã à Estônia, ao Cáucaso, à Sibéria e a todos os territórios do antigo império tsarista ainda hoje desmembrados.

Isso mostra que no coração dos povos trabalhadores reside um desejo inabalável de combinar suas forças.

Onde o ferro e o sangue firmavam o império tsarista, aí também o povo, no íntimo de sua consciência, desejava uma existência fraternal e livre, sem guerras, disputas ou hostilidades de uma nação com outra. Hoje, tendo recebido a direção do Estado em suas mãos por intermédio do Poder Soviético, o povo trabalhador está edificando uma nova Rússia, soviética e federativa.

E essa Rússia Soviética estende suas mãos à nova Alemanha em surgimento, para que todos os povos transformem o mundo numa república soviética unida!


Notas (Erick Fishuk)

(1) Na legenda do vídeo, como é natural nesse tipo de texto, o título foi abreviado para “Comissário de Guerra e Mar”, sem prejuízo da compreensão.

(2) Cidades hoje conhecidas pelos nomes em ucraniano, “Kharkiv” e “Kyiv”, e não por essas denominações russas.

(3) “Vilno” (de 1919 até 1939) e “Vilna” (até 1918) eram nomes russos da que hoje é conhecida pelo nome local “Vilnius”, capital da Lituânia.



Cavalaria do Exército Vermelho em 1920.