quarta-feira, 30 de agosto de 2017

Гром победы, раздавайся: hino russo

Esta canção se chama “Гром победы, раздавайся!” (Grom pobedy, razdavaisia!), Ressoe, trovão da vitória!, e foi o primeiro hino nacional utilizado pelo Império Russo tsarista, de forma não oficial, de 1791 a 1816. A letra foi composta por Gavriil Derzhavin, e a melodia é de Osip Kozlovski. Ela foi composta no ritmo de uma polonaise, batida de compasso ternário muito popular na época.

A música foi composta na sequência da Guerra Russo-Turca, de 1787 a 1791, quando o império tsarista tomou inúmeras terras do Império Otomano no Cáucaso e em grande parte do que hoje é a Ucrânia, inclusive a Crimeia. Os turcos combatiam então contra o Sacro Império Romano-Germânico e os russos, dos quais se destacaram os comandantes-príncipes Aleksandr Suvorov e Grigori Potiomkin. O hino faz referência à fortaleza de Izmail (que chamei erroneamente de “Ismael”, no vídeo), simbólica pros otomanos e que foi tomada sob a liderança de Suvorov. Por isso, vários trechos soam como um canto da cristandade (ortodoxa) contra o islã, interpretação que muitos nacionalistas dão ainda hoje.

A canção foi executada pela primeira vez em 9 de maio de 1791, numa grande festa dada no Palácio de Tauride por Potiomkin pra famosa imperatriz (tsarina) Catarina 2.ª (Ekaterina Alekseievna), a Grande. Ela é de origem prussiana, mas governou a Rússia por 34 anos. Logo a peça seria usada como hino não oficial do império, mas em 1816 ele seria trocado por A oração dos russos. Embora a execução esteja em capela, a versão do vídeo abaixo foi a única versão integral que achei.

Quem canta no áudio é o Coral do Mosteiro de Valaam, um mosteiro ortodoxo russo localizado na ilha de Valaam (ou Valamo), na Carélia russa. Existem versões instrumentais, porém abreviadas, como a deste vídeo. Eu mesmo traduzi e legendei, tendo baixado o áudio desta página. No vídeo, fiz questão de utilizar a ortografia em cirílico conforme as regras pré-1918, mas a transliteração latina segue a pronúncia real. Seguem abaixo minha legendagem, a letra em russo moderno e a tradução:


Гром победы, раздавайся!
Веселися, храбрый Росс!
Звучной славой украшайся.
Магомета ты потрёс!

Славься сим, Екатерина!
Славься, нежная к нам мать!

Воды быстрые Дуная
Уж в руках теперь у нас;
Храбрость Россов почитая,
Тавр под нами и Кавказ.

Уж не могут орды Крыма
Ныне рушить наш покой;
Гордость низится Селима,
И бледнеет он с луной.

Славься сим, Екатерина!
Славься, нежная к нам мать!

Стон Синила раздается,
Днесь в подсолнечной везде,
Зависть и вражда мятется
И терзается в себе.

Мы ликуем славы звуки,
Чтоб враги могли узреть,
Что свои готовы руки
В край вселенной мы простреть.

Славься сим, Екатерина!
Славься, нежная к нам мать!

Зри, премудрая царица!
Зри, великая жена!
Что Твой взгляд, Твоя десница
Наш закон, душа одна.

Зри на блещущи соборы,
Зри на сей прекрасный строй;
Всех сердца Тобой и взоры
Оживляются одной.

Славься сим, Екатерина!
Славься, нежная к нам мать!

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Ressoe, trovão da vitória!
Alegre-se, valente Russo!
Adorne-se de sonora glória.
Você abalou Maomé!

Por isso, glória a Catarina!
Mãe carinhosa conosco!

As águas rápidas do Danúbio
Agora estão em nossas mãos;
Honrando a coragem russa,
Regemos Crimeia e Cáucaso.

Hordas da Crimeia não podem
Arruinar mais nosso sossego;
Selim 3.º perde seu orgulho
E fica pálido como a Lua.

Por isso, glória a Catarina!
Mãe carinhosa conosco!

O lamento de Ismael ressoa
Hoje pelo mundo inteiro,
Inveja e ódio se confundem
E se retalham em si mesmos.

Rejubilamos sons de glória
Para os inimigos poderem ver
Que estamos prontos a lançar
As mãos aos confins do mundo.

Por isso, glória a Catarina!
Mãe carinhosa conosco!

Olhe, sábia tsarina!
Olhe, grande mulher!
Como sua visão e manejo
São nossa lei, uma só alma.

Olhe as catedrais reluzentes,
Olhe esta linda formação;
Corações e olhos de todos
Você reanima como um só.

Por isso, glória a Catarina!
Mãe carinhosa conosco!


Museu dos Hinos Nacionais da Rússia


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/hinos-russos

Coleção completada em 7 de fevereiro de 2022


Estou enfim realizando um antigo sonho meu, e talvez o de muitos amantes da Rússia. Esta postagem inicia a coleção completa dos hinos nacionais que a Rússia e a antiga União Soviética adotaram ao longo de quase 300 anos de história. Hoje estou publicando a lista completa dos nomes e dos períodos dos hinos, mas cada postagem específica aparecerá nas próximas quartas-feiras e domingos. A exceção é o primeiro hino, que já está aparecendo hoje.

Desde que criei o canal Pan-Eslavo Brasil (YouTube) em 20 de novembro de 2010, desejava traduzir todos os hinos nacionais usados ao longo da história da Rússia, além, claro, dos hinos nacionais de outros países eslavos. Mas certas coisas me faltavam: tempo, conhecimento amplo da língua russa (e básico de outras línguas eslavas) e áudios ou vídeos no YouTube com as letras originais. Além disso, ainda não eram tão ricos como hoje os recursos de pesquisa na rede, como páginas explicando a história dos hinos e bons dicionários onde eu pudesse sanar as dúvidas, por exemplo, de russo antigo.

Até o fim de 2011, eu tinha legendado os seguintes hinos da história russa e soviética: Deus salve o Tsar!, vigente até 1917, a Marselhesa Operária, usada de março de 1917 a janeiro de 1918, a Internacional traduzida em russo e usada até 1944, a primeira versão do Hino Nacional da URSS com letra usada de 1944 a 1956, a segunda versão desse hino com letra usada de 1977 a 1991, a Canção Patriótica usada nos tempos de Boris Ieltsin e o atual Hino Nacional da Federação Russa, adotado em 2000. Contudo, nos anos posteriores, tive que me deparar com estes problemas: 1) Meu jeito de legendar foi mudando e meu conhecimento de russo foi melhorando, o que de alguma forma tornava obsoletas as primeiras traduções, embora nada justificasse apagá-las. 2) Havia muitos outros hinos dos tempos da monarquia cujo áudio eu não tinha achado e cuja letra eu achava muito difícil, barreiras atualmente injustificáveis. 3) Ao longo da história pós-tsarista, a Rússia e a URSS conviveram com inúmeros outros projetos de hinos não adotados, cujo conhecimento eu achava interessante dar aos brasileiros.

O único hino que eu tinha relegendado duas vezes (ou seja, em meu canal há três traduções diferentes dele) era a versão de 1977 do hino da URSS. Essa canção, claro, é hoje um sucesso no YouTube, por conta da curiosidade que a história soviética causa nos mais jovens. Apenas neste ano de 2017 eu tive tempo, disposição e saber suficientes pra fazer novas legendagens do que eu já tinha traduzido, dispondo ainda de uma conexão realmente decente à internet e mais folga após ter entrado no doutorado e, claro, terminado a dissertação de mestrado. Outro fator óbvio é minha prática em fazer legendagens e montar os vídeos, que foi se aperfeiçoando nesses anos. Porém, com raras exceções, desde que fundei este blog em 2014, decidi não fazer postagens separadas pra cada hino, pois queria começar a série apenas quando já tivesse todos legendados.

Missão cumprida, finalmente suprindo em parte, acredito, a ausência de um grande site russo que desapareceu de repente, e que foi a fonte de vários dos meus vídeos: o Музей русских гимнов (Museu dos hinos russos), que ficava no domínio hymn.ru, hoje rotulado como à venda. Claro que é só em parte, porque além do acervo de hinos das antigas repúblicas soviéticas, a coleção era muito mais completa, e contava com diversas versões e gravações! Mas pelo menos, aqui os brasileiros e outros falantes de português podem ler a tradução, a transliteração e desfrutar de belas imagens em vídeo.

Em cada página/postagem, além de um breve histórico do hino, haverá meu vídeo do YouTube incorporado, a letra em alfabeto cirílico e a tradução escrita, em português. (Nota: nas traduções mais recentes, usei linguagem moderna, evitando, por exemplo, o uso de “tu” e “vós” e da mesóclise, e por vezes preferindo o passado composto ao simples, exceto quando queria poupar espaço. Pra muitos, a linguagem pode também parecer muito “abrasileirada”, já que essa é minha variante natal, mas nem por isso menos compreensível.) Nos casos de versões múltiplas, ambas serão colocadas, mas a tradução escrita será apenas a mais recente. Os hinos que não chegaram a ser oficiais ou que ficaram apenas na proposta virão depois, também em ordem temporal. O link de cada hino abaixo que ainda não ganhou sua postagem redirecionará pro vídeo da minha tradução mais recente. No caso soviético, apenas o hino de toda a URSS e algumas propostas de hino pra Rússia soviética constarão, pois a coleção completa das repúblicas soviéticas virá posteriormente.

Nesta publicação estão todos os hinos da Rússia não comunista, ordenados em ordem cronológica de surgimento ou adoção. Os hinos concernentes ao período comunista (Rússia e URSS) estão na playlist “Hinos da União Soviética”, onde estão sendo postados aos poucos também os hinos das outras repúblicas. Nos vídeos mais recentes, onde existe texto transliterado, eu o escrevi conforme meu próprio sistema, que nem sempre está aplicado aos mais antigos. Sem mais delongas, divulguem em suas redes sociais!



Hinos nacionais adotados oficialmente

1. Гром победы, раздавайся! (Grom pobedy, razdavaisia!) – “Ressoe, trovão da vitória!” (1791-1816)

2. Молитва русских (Molitva russkikh) – “A Oração dos Russos” (1816-1833)

3. Боже, Царя храни! (Bozhe, Tsaria khrani!) – “Deus salve o Tsar!” (1833-1917)

4. Рабочая Марсельеза (Rabochaia Marselieza) – “A Marselhesa Operária” (1917-1918)

5. Интернационал (Internatsional) – “A Internacional” (1918-1944), tradução de Arkadi Kots

6. Государственный гимн СССР (Gosudarstvenny gimn SSSR) – “Hino Nacional da União Soviética” (1944-1956), 1.ª letra

7. Государственный гимн СССР (Gosudarstvenny gimn SSSR) – “Hino Nacional da União Soviética” (1977-1991), 2.ª letra

8. Патриотическая песня (Patrioticheskaia pesnia) – “Canção Patriótica” (1990, RSFS da Rússia-2000, Federação Russa)

9. Государственный гимн Российской Федерации (Gosudarstvenny gimn Rossiiskoi Federatsii) – “Hino Nacional da Federação Russa” (desde 2000)


Hinos propostos ou usados sem ratificação

1. Марш Лейб-гвардии Преображенского полка (Marsh Leib-gvardii Preobrazhenskogo polka) – “Marcha do Regimento de Preobrazhenski da Guarda Imperial” (música cerimonial usada aprox. desde 1711)

2. Славься (Slavsia) – “Glória” ou “Glorie-se” (marcha patriótica com melodia de 1836 e letra do tempo da URSS)

3. Гимн свободной России (Gimn svobodnoi Rossii) – “Hino da Rússia Livre” (proposto em março de 1917)

4. Да здравствует наша держава (Da zdravstvuiet nasha derzhava) – “Viva nosso Estado-potência” (composto em 1942, proposto como hino da URSS em 1943)

5. Славься, Советская наша страна (Slavsia, Sovetskaia nasha strana) – “Glória a nosso País Soviético” (composto em 1942, proposto como hino da URSS em 1943)

6. В грозах окрепла Россия родная (V grozakh okrepla Rossia rodnaia) – “A Rússia materna se fez forte nas tormentas” (composto em 1945, proposto como hino da RSFS da Rússia em 1946)

7. Песня о Родине/Широка страна моя родная (Pesnia o Rodine/Shiroka strana moia rodnaia) – “Canção sobre a Pátria/É vasto meu país natal” (composto em 1936, considerado um segundo hino da Rússia)




domingo, 27 de agosto de 2017

Aniversário do terrorista Givi (Donbás)


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/niver-givi



Quando procurei pela primeira vez alguma versão da canção conhecida como “Ойся ты ойся” (Oisia ty oisia), me deparei com um engraçado e divertido vídeo, com terroristas de Putin no Donbás, leste da Ucrânia, comemorando o aniversário do combatente Givi. Mikhail Sergeievich Tolstykh, que ficou conhecido nas redes sociais pelo seu apelido “Givi”, foi um dos terroristas pró-Putin mais viralizados por causa de seu temperamento irrequieto, suas palavras cômicas e sua impetuosidade na guerra civil. Foi eliminado em combate, no dia 8 de fevereiro de 2017.

Mas talvez o lado mais interessante da música seja o background histórico. Como eu já tive a oportunidade de escrever, a canção A oração do cossaco, de autoria desconhecida, foi composta em meados do século 19 e passou a simbolizar a beligerância russa pela defesa de suas fronteiras. Um dos aspectos que ela envolve é justamente a reação do não russo ante esse protecionismo ou expansionismo, simbolizado na letra pela palavra “oisia”, que designa vários povos do Cáucaso, em referência a um grito que eles dão em dança. No vídeo do Givi, aparece também outra faceta desse contato, que é a mistura cultural, ou seja, os cossacos do Cáucaso assimilaram a dança local da lezginka e lhe criaram canções com palavras características do russo daquela região. São exatamente esses passos que podem ser vistos na festa de aniversário.

A descrição não ficaria completa se eu não falasse ainda da própria versão que está sendo cantada. A melodia de Oisia ty oisia é de domínio popular, por isso foram feitas várias versões ao longo dos anos, pras mais diversas situações. A versão abaixo foi escrita pelo cantor russo Aleksandr Dadali, que a batizou de Ataman volny (Um atamano livre). Os atamanos, como eu também descrevi em outras postagens, eram líderes militares cossacos dos tempos tsaristas, cuja atuação sempre foi muito romantizada pela cultura popular. E exatamente, este poema moderno está narrando o suposto cotidiano de um atamano, com episódios peculiares e passagens heroicas. O próprio Dadali é quem está cantando no Donbás com um karaokê de fundo, como pode ser visto em fotos da época em sua conta do VK, mas neste vídeo não aparece a primeira estrofe (que não traduzi). Aliás, alterando o original, ele canta “Donbás” onde tinha gravado “Kuban”, famosa cidade russa. Vejam o site pessoal do cantor.

Dadali é um dos muitos artistas populares russos ou de língua russa que sustentam os terroristas do Donbás e deturpam a cultura tradicional pra adaptá-la aos novos gostos e mídias. A própria execução em ritmo de reggae destoa com a letra antiquada em conteúdo e vocabulário. Quanto à tradução de “oisia” por “camarada”, devo explicar: como nos mais variados contextos pode diferir quem seja o “oisia” – o estranho, forasteiro, enfrentador, caucasiano ou apenas desconhecido –, traduzi de uma forma como se o atamano estivesse falando com o ouvinte no refrão, o que não acontece nas outras estrofes. “Oisia” pode apenas fazer chamar a atenção, mas seu emprego fica polêmico quando se lembra da intromissão na Ucrânia, onde agentes de Putin inventaram um separatismo inexistente.

Quem filmou e postou o vídeo sem legendas em seu canal, e que também aparece ao final dizendo “Parabéns, Givi!” com sotaque, foi Graham Phillips, apoiador do terrorismo putinista e que documentava então os acontecimentos. Ele se autodenomina repórter, e no canal podem ser vistos muitos outros vídeos, inclusive dessa mesma festa. Nesta página, pode ser lida a letra completa em russo e ouvido o áudio com a canção em estúdio. Eu mesmo traduzi e legendei a canção, e seguem abaixo as legendas, a letra em russo e a tradução:


1. В град добрался стольный стал с коня умылся
Сел за стол с братами пил и веселился
В путь домой собрался а на ём засада
Заковали в даль погнали да без самосада

Припев (2x):
Ой ся ты ой ся, ты меня не бойся
Я тебя не трону, ты не беспокойся

2. Шёл на каторгу жиган чёрные сапожки
Почему то не надел на босые ножки
Без сапожков больно натирало вены
Через батьку Енисей до реки до Лены

(Припев)

(Соло)

3. На царёв конвой посвист налетели други
Расклепали кандалы проладили в струги
Дали ему кинжал дали ножик финку
Да на вёслах на Кубань танцевать лезгинку

(Припев)

4. Водка без стакана, пуля без нагана
Неделима с волей доля атамана
Вот она какая доля не простая
Понеси попробуй до конца, до края

(Припев)

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1. Na capital, o atamano saiu do cavalo, lavou-se
Foi à mesa com os manos, bebeu e se divertiu
Partiu à casa, mas no caminho, uma armadilha
Apanhou, fizeram-no correr, ficou sem tabaco

Refrão (2x):
Ei, camarada, não tenha medo de mim
Não se preocupe, não vou fazer mal

2. Um reincidente ia às galés de botinas pretas
Mas por que não andava de pés descalços?
Sem botinas, as veias se esfolavam em dor
Ao passar pelo grande Ienisei até o rio Lena

(Refrão)

(Solo)

3. A um guarda do tsar se precipitaram os amigos
Romperam suas algemas, puseram-no na barca
Deram-lhe um punhal e uma faca finlandesa
E remaram até o Donbás para dançar lezginka

(Refrão)

4. Vodca sem copo, bala sem pistola,
O que o atamano quer, lhe ocorre
Esse destino não é coisa fácil
Tente só vivê-lo até o limite!

(Refrão)




quarta-feira, 23 de agosto de 2017

O último discurso de Augusto Pinochet


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/pinochet-fim


Esta transmissão televisiva noturna foi feita pouco antes do ditador chileno Augusto Pinochet Ugarte transmitir o poder às autoridades eleitas pelo voto popular, em 11 de março de 1990. Após ter governado o país por 16 anos e meio, desde o golpe militar de 11 de setembro de 1973, o general entregaria a Presidência da República a Patricio Aylwin Azócar, como resultado de um plebiscito que, por estreita margem, negou mais um mandato a Pinochet. Salvador Allende, derrubado e morto em 1973, tinha sido eleito por uma ampla Unidade Popular, mas o caos econômico e social abriu espaço pra rápida desagregação política.

Durante os anos 1980, o regime de Pinochet gradativamente se desgastou, pois além do isolamento internacional, a população começava a sentir a ressaca dos anos de “milagre econômico”. Um dispositivo transitório da Constituição de 1980 previa um plebiscito pra 5 de outubro de 1988, definindo se Pinochet poderia exercer mais um mandato de 1989 a 1997, além daquele que começaria em 1981. Em caso de vitória do “Não”, o último mandato se alongaria mais um ano, até 1990, e o poder passaria novamente às mãos dos civis. O resultado final foi de 44,01% pelo “Sim” e 55,99% pelo “Não”, ou seja, clara derrota dos militares. Era um caso raro na América Latina em que uma ditadura caía pela decisão de votação popular.

Em dezembro de 1989, as eleições presidenciais e parlamentares deram vitória ao novo presidente Patricio Aylwin, que deveria ser, então, o sucessor direto de Pinochet. O dia da posse estava marcado pra 11 de março de 1990, e na ocasião o ditador fez o discurso que se ouve no vídeo abaixo, defendendo a justeza do golpe e de seu governo, e desejando bons votos à população e aos novos mandatários no período que se abria. Seu principal legado seria um Chile com inédito crescimento econômico e um ótimo IDH, mas com altos índices de desigualdade social e concentração de riqueza. Vamos fazer como o vovô pede no fim do filme: vamos dar um abraço fundido e coletivo nele, hahaha. O mais bizarro foi ele ter se definido como um defensor da liberdade e da democracia!

O vídeo sem legendas está nesta página, que além do enquadramento original (portanto, não corta alguns gestos manuais, como se deu no meu vídeo), tem a marca do canal que postou e trechos do hino nacional no começo e no fim, como transmissão oficial. Eu não podia ter traduzido se não tivesse achado nesta página um rascunho de transcrição, ou seja, estou sendo o primeiro a publicar o texto completo e lapidado do discurso em espanhol. A versão mencionada, mesmo sendo a única integral que achei na rede, tem muitos erros e foi toda revista. Eu mesmo traduzi e legendei direto do espanhol; seguem abaixo a legendagem e os textos completos em espanhol e português:


Chilenas e chilenos!

Chegamos a um momento verdadeiramente histórico para o destino da Pátria. Dentro de poucas horas, o governo que me honra hoje presidir fará a entrega do poder político às novas autoridades eleitas democraticamente pelo povo chileno. Começa assim um período crucial no futuro de nossa nação.

Por isso, decidi dirigir esta noite, a todos e a cada um de meus compatriotas, uma sincera saudação para expressar-lhes, em nome das Forças Armadas e Carabineiros, nossa satisfação e legítimo orgulho pela histórica oportunidade que nos brindaram de conduzir o país quando os interesses mais sagrados da Pátria o exigiram.

Para além das diferenças que às vezes nos encoleram e separam artificialmente, estou certo de ter contado, durante toda nossa gestão, com um respaldo significativo da parte de muitos compatriotas. Eles souberam unir seus esforços aos da classe armada para salvar a liberdade, reconstruir a democracia e tornar o Chile uma nação cada vez mais próspera e justa.

Nas horas difíceis para a Pátria, estive e sempre estarei disposto a enfrentar os inimigos da liberdade e da democracia, sem temores ou vacilações, tendo como fundamento permanente o juramento de honra com que iniciei minha carreira militar, que me obriga a entregar até meu último suspiro por amor à Pátria que me viu nascer e crescer.

Hoje, quero agradecer a todos os que colaboraram com entusiasmo, lealdade e devoção na tarefa de recuperar a paz, a liberdade e a democracia, assim como na de ter assentado as bases que possibilitaram o progresso que agora nos orgulha. Quero especialmente registrar minha gratidão para com a alta cúpula da defesa nacional, com a qual pudemos cumprir a grande tarefa, assumida em setembro do ano de 1973, fortalecidos na coesão dialética de nossas instituições.

Desejo também manifestar minha sincera e profunda gratidão a todos vocês, chilenos e chilenas, que foram os protagonistas de uma etapa sem precedentes em nossa história nacional, demonstrando ao mundo inteiro que o povo chileno exerce com dignidade sua independência que obtivemos dos campos de batalha e que nós mesmos sabemos ser donos de nosso próprio destino. Desejo o melhor para minha Pátria, e pelo amor que sinto por ela, estarei sempre disposto a servi-la.

Peço-lhes que mantenhamos a unidade entre nós, em respeito às instituições que nos regem e aos direitos de cada compatriota nosso. Não esqueçamos que os chilenos que vivem nas regiões mais distantes criam soberania em nome dos demais e projetam o Chile do amanhã. Nunca esqueçamos tampouco que os chilenos menos favorecidos precisam da ajuda de todos e não podem ser sacrificados em função de interesses sectários ou particulares.

Peço-lhes que unamos nosso esforço ao das novas autoridades, pois o governo que se inicia sob a presidência de Patricio Aylwin deverá levar adiante importantes responsabilidades para reforçar e avançar todos os progressos que obtivemos até hoje e cujos resultados de bem-estar são notados por todos os chilenos.

O bem do país deve estar sempre acima de interesses partidários. Por mais legítimos que sejam estes, o presidente que assume tem o direito de esperar de cada um de nós atitudes responsáveis e consequentes ante os valores que professamos.

Sejamos críticos ante os êxitos alcançados durantes os últimos 16 anos, pois as obras humanas costumam ser frágeis e ruir com espantosa rapidez. Para avançar até novos e melhores horizontes, devemos manter-nos sempre alerta frente àqueles sempre dispostos a desamparar nosso crescimento e nossa convivência pacífica.

Compatriotas, eu finalmente queria, nesta última saudação como Presidente de Todos os Chilenos, dedicar todos vocês à bondade de Deus Todo-Poderoso, para que ilumine o discernimento e o coração de vocês. Por meio de minhas constantes visitas às diversas regiões do país, aprendi a conhecer a generosidade deste povo maravilhoso. Portanto, estou certo de que ela nos servirá mais uma vez para nos unirmos num só esforço conjunto que assegure o sucesso do governo que está surgindo, para o bem de toda a família chilena e do futuro promissor que ela merece.

Por isso, convido-os desde já a fundirmo-nos num só grande abraço fraterno e a gritarem, com todas as forças de seus corações e desejos:

Viva o Chile!

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¡Chilenas y chilenos!

Hemos llegado a un momento verdaderamente histórico para los destinos de la Patria. En breves horas más, el gobierno que me honra hoy presidir hará entrega del poder político a las nuevas autoridades elegidas democráticamente por el pueblo chileno. Se inicia así un crucial período en el devenir de nuestra nación.

De allí que esta noche he querido dirigir a todos y a cada uno de mis compatriotas un sentido saludo para expresarles, en nombre de las Fuerzas Armadas y Carabineros, nuestra satisfacción y legítimo orgullo por la histórica oportunidad que nos brindaron de conducir el país cuando los intereses más sagrados de la Patria lo exigieron.

Más allá de las diferencias que a veces nos apasionan y separan artificialmente, tengo el convencimiento de haber contado, durante toda nuestra gestión, con un respaldo significativo de parte de muchos compatriotas. Ellos supieron unir sus esfuerzos a de los hombres de armas para salvar la libertad y reconstruir la democracia y hacer de Chile una nación crecientemente próspera y justa.

En horas difíciles para la Patria, estuve dispuesto, y lo estaré siempre, a enfrentar a los enemigos de la libertad y la democracia, sin temores ni vacilaciones, teniendo como fundamento permanente el juramento de honor con que inicié mi carrera militar, que me obliga a entregar hasta mi último aliento por amor a la Patria que me vio nacer y crecer.

Hoy quiero agradecer a todos los que han colaborado con entusiasmo, lealtad y entrega en la tarea de recuperar la paz, la libertad y la democracia, así como haber sentado las bases que posibilitaron el progreso que ahora nos enorgullece. Especialmente quiero estipular mi gratitud a los mandos superiores de la defensa nacional, con la que pudimos cumplir la magna tarea, asumida en septiembre del año 1973, fortalecidos en la cohesión dialéctica en nuestras instituciones.

Deseo asimismo manifestar mi sincera y profunda gratitud a todos ustedes, chilenos y chilenas, que han sido los protagonistas de una etapa sin precedentes en nuestra historia nacional, demostrando al mundo entero que el pueblo chileno ejerce con dignidad su independencia que obtuvimos de los campos de batalla y que sabemos ser los mismos dueños de nuestro propio destino. Anhelo lo mejor para mi Patria, y por el amor que siento por ella estaré siempre dispuesto a servirla.

Les pido que mantengamos la unidad entre nosotros, en respeto a las instituciones que nos rigen y a los derechos de cada uno de nuestros compatriotas. No olvidemos que los chilenos que viven en las regiones más alejadas hacen soberanía en nombre de los demás y proyectan el Chile del mañana. Nunca olvidemos tampoco que los chilenos menos favorecidos requieren la ayuda de todos y no pueden ser sacrificados en función de intereses sectarios o particulares.

Les pido que unamos nuestros esfuerzos al de las nuevas autoridades, pues el gobierno que se inicia bajo la presidencia del señor Patricio Aylwin deberá llevar adelante importantes responsabilidades para consolidar y proyectar todos los avances que hasta hoy hemos obtenido y cuyos frutos de bienestar son percibidos por toda la familia chilena.

El bien del país debe estar siempre por sobre los intereses partidistas. Por legítimos que estos sean, el presidente que asume tiene derecho a esperar que cada uno de nosotros dé una actitud responsable y consecuente con los principios que profesamos.

No nos confiemos en los logros alcanzados durante estos últimos 16 años, pues las obras humanas suelen ser frágiles y destruirse con sorprendente rapidez. Para avanzar hacia nuevos y mejores horizontes, debemos mantenernos constantemente alerta frente a los siempre dispuestos a socavar las bases de nuestro crecimiento y de la convivencia pacifica.

Compatriotas, finalmente quisiera, en este último saludo como Presidente de Todos los Chilenos, encomendar a cada uno de ustedes a la bondad de Dios Todopoderoso para que ilumine vuestra sabiduría y vuestros corazones. A través de mis constantes visitas a las diversas regiones del país, aprendí a conocer la generosidad de este pueblo maravilloso. En consecuencia, estoy cierto que ella se volcará una vez más a unirnos en un solo esfuerzo conjunto que asegure el éxito del gobierno que se inicia, en bien de toda la familia chilena y el destino promisorio que se merece.

Por ello los invito desde ya a fundirnos en un solo gran abrazo fraterno y a gritar con todas las fuerzas de sus corazones y voluntades:

¡Viva Chile!


domingo, 20 de agosto de 2017

“La Carmagnole” (revolução francesa)


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/carmagnole


Entre as três músicas revolucionárias francesas que E. P. Thompson cita em sua Formação da classe operária inglesa e que eram também cantadas pelos rebeldes ingleses, só faltava eu ter legendado esta: La Carmagnole (A Carmanhola). Ela foi recitada pela primeira vez, pelo que se diz, em 10 de agosto de 1792, quando o Palácio das Tulherias, residência do rei Luís 16, foi invadido e a família real foi presa, marcando o início do fim da monarquia constitucional. As outras canções que eu mencionei eram A Marselhesa e Ça ira ! A Carmanhola é um ritmo popular de origem italiana, e as letras aqui apresentadas não têm um autor conhecido.

No sentido comum, “carmanhola” era uma espécie de contradança acompanhada de canto e executada pelos adeptos da Revolução Francesa, sobretudo em torno das guilhotinas e das Árvores da Liberdade plantadas em todo o território nacional. Mas a festa era feita também em outras ocasiões combativas, e por vezes os opositores capturados eram obrigados a dançar e cantar uma carmanhola, antes de serem presos ou até executados. Ao que parece, o nome vem do vilarejo de Carmagnola, atualmente no Piemonte italiano, localizada num dos vales que fica entre Gênova e Turim e de onde uma corrente migratória se transferiu pra Marselha no fim do século 16, levando seus costumes, roupas e música. Não por acaso, a melodia deve lembrar muito aos brasileiros a tarantella.

Alguns fatos do fim do século 18 ainda carecem de explicação: o uso corrente, pelos sans-culottes, dos trajes dos cultivadores de cânhamo emigrados do vilarejo de Carmagnola; a vinda, ou não, do ritmo de dança a partir de Marselha; e a suposta ligação da antiga dança italiana da carmagnola, hoje quase extinta, e as carmagnoles francesas de 1792. Ocorria, porém, que por volta de 1780, o termo “carmagnole” designava em Paris as roupas curtas adotadas pelo povo e as pessoas contratadas pra serviços braçais de duração limitada. A primeira carmanhola revolucionária, que se escuta no vídeo, refere-se à transferência da família real francesa, em 10 de agosto de 1792, pra Torre do Templo, antigo castelo templário que agora servia de prisão. A monarquia seria abolida em 21 de setembro, Luís 16 seria executado em 1793 e a família real ficaria na Torre até 1795.

Também não se sabe ao certo se A Carmanhola aqui legendada foi composta de uma só vez por alguém, ou se teve as estrofes juntadas gradualmente por várias mãos. Desde 1792, na onda revolucionária, o ritmo ficou extremamente popular na França, tornando-se parte da identidade sans-culotte. A partir daí, durante o século 19 e mesmo durante o 20, novas “carmanholas” eram compostas, cantadas e dançadas pelo povo no mesmo ritmo, conforme o evento e situação social da época. Mesmo tendo Napoleão, como Primeiro Cônsul, proibido La Carmagnole e Ça ira !, ambas continuaram no seio popular. Antes, as tropas revolucionárias usavam carmanholas como marchas militares em suas expedições, e mesmo ao entrarem na Itália, no fim do século 18, fizeram o Piemonte ouvir o ritmo novamente, e lá mesmo chegaram até a ser feitas versões antijacobinas. Mas com o tempo, também surgiram carmanholas italianas com temas rebeldes.

A letra completa tem várias expressões idiomáticas que traduzi pelo significado, além dos apelidos “Sr. Veto” (Luís 16) e “Sra. Veto” (Maria Antonieta), entendendo-se véto figuradamente em francês, como uma imposição ou atitude autoritária. Há ainda referência à Guarda Suíça, unidades militares mercenárias alugadas por diversos soberanos entre os séculos 15 e 19 pra proteção pessoal e residencial (a única existente hoje é a do Vaticano). Nem todas as gravações disponíveis no YouTube abrangem o maior número possível de estrofes, sendo que nem mesmo há um texto que se possa considerar “oficial”. Dos dois melhores áudios que achei, aproveitei um mais antigo e a ele adicionei um mais novo, do qual retirei as estrofes já cantadas no primeiro. A divisão entre os dois está bem indicada no vídeo. E, como brinde, pus ainda no final uma gravação russa de 1970, feita pelo Coral dos Pioneiros da URSS!

Eu mesmo traduzi, legendei e fiz a montagem, tendo tirado o primeiro áudio de um vídeo cujo canal, infelizmente, foi apagado, e o segundo, com as estrofes não cantadas naquele, deste vídeo, que reproduz a gravação de Marc Ogeret no disco Chante la Révolution (1988). A letra completa da Carmagnole, que não está na mesma ordem do vídeo, está nesta página. A legenda é bilíngue, ou seja, em cima há a versão em francês ou russo (esta com transliteração segundo meu sistema próprio), e embaixo a tradução em português. A letra e o áudio da versão russa estão nesta página, e pode-se também ver um exemplo da carmanhola como dança típica neste vídeo. Seguem abaixo as legendas, as letras originais e as traduções em português:


1. Madam’ Véto avait promis
Madam’ Véto avait promis
De faire égorger tout Paris
De faire égorger tout Paris
Mais son [le] coup a manqué
Grâce à nos canonniers

Refrain:
Dansons la Carmagnole
Vive le son, vive le son
Dansons la Carmagnole
Vive le son du canon !

2. Monsieur Véto avais promis
Monsieur Véto avais promis
D’être fidèle à son pays
D’être fidèle à son pays
Mais il y a manqué
Ne faisons plus quartier

(Refrain)

3. Le patriote a pour amis
Le patriote a pour amis
Tous les bonnes gens du pays
Tous les bonnes gens du pays
Mais ils se soutiendront
Tous au son du canon

(Refrain)

4. Amis restons toujours unis
Amis restons toujours unis
Ne craignons pas nos ennemis
Ne craignons pas nos ennemis
S’ils viennent nous attaquer
Nous les ferons sauter

(Refrain)

5. Oui je suis sans-culotte, moi
Oui je suis sans-culotte, moi
En dépit des amis du roi
En dépit des amis du roi
Vivent les Marseillais
Les Bretons et nos lois !

(Refrain)

6. Oui, nous nous souviendrons toujours
Oui, nous nous souviendrons toujours
Des sans-culottes des faubourgs
Des sans-culottes des faubourgs
A leur santé buvons
Vive ces francs lurons !

(Refrain)

7. Antoinette avait résolu
Antoinette avait résolu
De nous faire tomber sur le cul
De nous faire tomber sur le cul
Mais son [le] coup a manqué
Elle a le nez cassé

(Refrain)

8. Son mari se croyant vainqueur
Son mari se croyant vainqueur
Connaissait peu notre valeur
Connaissait peu notre valeur
Va, Louis, gros paour
Du Temple dans la Tour

(Refrain)

9. Les Suisses avaient promis
Les Suisses avaient promis
Qu’ils feraient feu sur nos amis
Qu’ils feraient feu sur nos amis
Mais comme ils ont sauté !
Comme ils ont tous dansé !

(Refrain)

10. Quand Antoinette vit la Tour
Quand Antoinette vit la Tour
Elle voulut faire demi-tour
Elle voulut faire demi-tour
Elle avait mal au cœur
De se voir sans honneur

(Refrain)

____________________


1. A Sr.ª Veto tinha prometido
A Sr.ª Veto tinha prometido
Mandar degolar Paris inteira
Mandar degolar Paris inteira
Mas sua agressão falhou
Graças à nossa artilharia

Refrão:
Dancemos a Carmanhola
Viva o som, viva o som
Dancemos a Carmanhola
Viva o som do canhão!

2. O Sr. Veto tinha prometido
O Sr. Veto tinha prometido
Ser fiel a seu país
Ser fiel a seu país
Mas ele não cumpriu isso
Vamos matá-lo sem dó

(Refrão)

3. O patriota tem como amigos
O patriota tem como amigos
Todas as pessoas boas do país
Todas as pessoas boas do país
Mas eles ficarão de pé
Todos ao som do canhão

(Refrão)

4. Permaneçamos unidos, amigos
Permaneçamos unidos, amigos
Não temamos nossos inimigos
Não temamos nossos inimigos
Se eles vierem nos atacar
Vamos fazê-los fracassarem

(Refrão)

5. Sim, eu sou sans-culotte
Sim, eu sou sans-culotte
Que falem os amigos do rei
Que falem os amigos do rei
Vivam os marselheses
Os bretões e nossas leis!

(Refrão)

6. Sim, sempre nos lembraremos
Sim, sempre nos lembraremos
Dos sans-culottes dos subúrbios
Dos sans-culottes dos subúrbios
Brindemos à saúde deles
Vivam esses folgazões sinceros!

(Refrão)

7. Antonieta tinha decidido
Antonieta tinha decidido
Pegar-nos desprevenidos
Pegar-nos desprevenidos
Mas sua agressão falhou
Ela se deu mal

(Refrão)

8. Seu marido se dizia vencedor
Seu marido se dizia vencedor
Mas ignorava nossa bravura
Mas ignorava nossa bravura
Vá, Luís, grande bruto
Para a Torre do Templo

(Refrão)

9. Os suíços tinham prometido
Os suíços tinham prometido
Que atirariam em nossos amigos
Que atirariam em nossos amigos
Mas como eles falharam!
Como entraram pelo cano!

(Refrão)

10. Ao ver a Torre, Antonieta
Ao ver a Torre, Antonieta
Quis dar meia-volta
Quis dar meia-volta
Ela estava com náuseas
Por se achar desonrada

(Refrão)

____________________


1. Король обет нарушил свой –
Как верный сын править страной.
Король обет нарушил свой –
Как верный сын править страной.
Ему держать ответ –
Пощады больше нет!

Припев:
Пропляшем «Карманьолу», –
Дружно вперёд! Дружно вперёд!
Пропляшем «Карманьолу», –
Пушечный гром нас зовёт!

2. Дворяне все стоят горой
За короля, за старый строй.
Дворяне все стоят горой
За короля, за старый строй.
Но струсят все они,
Когда пойдут бои.

(Припев)

3. Друзья, сомкнём тесней ряды –
Тогда враги нам не страшны!
Друзья, сомкнём тесней ряды –
Тогда враги нам не страшны!
Пускай откроют бой, –
Мы встретим их пальбой!

(Припев)

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1. O rei quebrou a promessa
De reger o país como filho leal
O rei quebrou a promessa
De reger o país como filho leal.
Ele vai pagar
Sem mais piedade!

Refrão:
Dancemos a Carmanhola,
Juntos avante! Juntos avante!
Dancemos a Carmanhola,
O rugir do canhão nos chama!

2. Nobres erguem-se a todo custo
Pelo rei e pelo antigo regime.
Nobres erguem-se a todo custo
Pelo rei e pelo antigo regime.
Mas todos recuarão
Ao chegarem as lutas.

(Refrão)

3. Amigos, cerremos bem as fileiras
E o inimigo não nos assustará!
Amigos, cerremos bem as fileiras
E o inimigo não nos assustará!
Que comece a batalha,
Os receberemos com fogo!

(Refrão)



Um sans-culotte: “Aqui começa o país da liberdade.”


quarta-feira, 16 de agosto de 2017

A música popular brasileira em russo


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/mpb-russo


No final de junho, fiz uma das maiores inovações em minha carreira cultural. Eu já tinha feito traduções poéticas do russo, belarusso e ucraniano pro português, e cheguei a legendar algumas canções brasileiras em russo, mas traduzidas literalmente (ou quase). Como vocês também sabem, sempre gostei de compor poesia diretamente em esperanto ou traduzir musicalmente canções brasileiras pro esperanto. A única tradução artística que eu tinha escrito (e cantado!) do português pra um idioma estrangeiro foi uma esquecida versão de 2012 em esperanto e interlíngua do então hit de Michel Teló Ai, se eu te pego. Na época, eu tinha Facebook, e me lembro que até os sérvios estavam debatendo-o na internet e cantando na TV!

No final de junho agora, como um jeito de “descansar mentalmente” do trabalho de fim de semestre que eu estava fazendo pro doutorado, comecei de súbito a mentalizar, enquanto passeava no jardim de casa ou fazia tarefas domésticas, versões em russo de vários clássicos da música popular brasileira. Dois deles grudaram tanto em minha cabeça que não resisti em logo passar o pensado pro papel, e depois elaborar com mais rigor! Infelizmente, não acredito que muita coisa da atualidade, em especial o que está bombando na mídia, mereça tradução poética pro russo, ou pra qualquer idioma que seja. Mas duas canções que me acompanham desde criança mereceram atenção.

A primeira é o sucesso mais conhecido do cantor Gilliard, hoje praticamente desconhecido das nova gerações, mas cuja voz me acompanha no rádio desde a tenra infância: Pouco a pouco. Como um belo rapaz, Gilliard ascendeu nos anos 1980 com suas músicas românticas, melodias doces e misturas de ritmos latinos e populares, tendo muito aparecido no SBT sob a batuta de Silvio Santos. Ainda o admiro muito, e fazem falta figuras assim em nosso enjoativo mainstream! A segunda canção, bem como seu intérprete e compositor, nem precisam de apresentações: Como é grande o meu amor por você, de Roberto Carlos, cuja cantarolagem eslava foi colando no meu cérebro! Além da escritura, resolvi também retomar a iniciativa de 2012 e gravar minha própria voz, com um karaokê ao fundo, mas com montagens em vídeo bilíngues e bem mais decentes.

A canção Pouco a pouco tem letra de César Augusto e Martinha, e Gilliard a gravou em 1981. Roberto Carlos, letrista de Como é grande o meu amor por você junto com Erasmo Carlos, gravou-a pela primeira vez em 1967 e muitos anos depois fez a regravação que mais conhecemos atualmente. O público-alvo principal de minhas gravações no YouTube deveriam ser os falantes de russo, mas inevitavalmente haveria uma maioria de brasileiros visualizando, então naquele site, as duas descrições consistem de breves textos bilíngues. Nesta página vocês podem escutar a versão original de Gilliard, e quanto a Roberto Carlos, estão disponíveis a de 1967 e a mais moderna. Vejam também as páginas de onde tirei a melodia karaokê (com letra em português) de Gilliard e de Roberto Carlos.

O resultado deu nas respectivas canções “Постепенно” (Postepenno), mesma coisa literalmente (escrita em 26 e 27 de junho), e “Люблю я очень тебя” (Liubliu ia ochen tebia), Eu amo muito você (composta em 28 de junho). Eu mesmo traduzi do português pro russo (versão poética, ou seja, respeita as métricas e os esquemas de rima) e montei os vídeos gravando minha voz por cima das melodias. As legendas são bilíngues, ou seja, pode-se comparar minha tradução com a letra dos compositores em português. Seguem abaixo as montagens, as traduções em russo e as letras em português. Espero ter colaborado pro enriquecimento cultural e o diálogo curioso entre os povos!


Постепенно

Постепенно
Всё вело нас без тревога
Впереди была дорога
И вместе мы пошли

Постепенно
Всё нас твёрдо убеждало
И, как ты меня узнала
Был тобой порог открыт

Постепенно
Ты держала моё тело
Незаметно мне хотелось
Тебе броситься в объятья

Постепенно
То росло златое чувство
В нашей жизни, вроде чуда
Ничего почти не пусто

Постепенно
Я довольно смог понять
Отличается желанье от любви
И сегодня, если очень
Любишь ты честно меня
Мне, понятно, мало нравишься не ты

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Pouco a pouco
Tudo foi nos conduzindo
Sem querer nós fomos indo
Pra mesma direção

Pouco a pouco
Tudo foi nos convencendo
Você foi me conhecendo
E me abriu seu coração

Pouco a pouco
Você foi me aprendendo
Sem querer eu fui querendo
Ficar preso nos teus braços

Pouco a pouco
Esse amor que foi crescendo
Ocupou em nossas vidas
Quase todos os espaços

Pouco a pouco
Foi que eu pude perceber
Que gostar é diferente de querer
E agora pelo muito
Que você gosta de mim
Não é pouco o que eu gosto de você

Fonte: clique aqui


Люблю я очень тебя

Мне бы хотелось
Тебе сказать
Многое устно
Но не легко
Люблю я очень
Тебя, и горе
Далеко

И не сравнима
Моя любовь
Ни с чем на свете
Всё неравно
Люблю я очень
Тебя, и горе
Далеко

Даже не горы
Даже не небо
Даже не море
Даже не вечер
Ясней, красивей
Чем та любовь
Они не крепче

Я беспокоюсь
Придумывая
Чтоб объявить
Лучи-слова
Люблю я очень
Тебя, и горе
Далеко

Не забывая
Всё время помни
Горенье твёрже
Моё, чем камни
Люблю я очень
Тебя, и горе
Далеко

 

Eu tenho tanto
Pra lhe falar
Mas com palavras
Não sei dizer
Como é grande
O meu amor
Por você

E não há nada
Pra comparar
Para poder
Lhe explicar
Como é grande
O meu amor
Por você

Nem mesmo o céu
Nem as estrelas
Nem mesmo o mar
E o infinito
Nada é maior
Que o meu amor
Nem mais bonito

Me desespero
A procurar
Alguma forma
De lhe falar
Como é grande
O meu amor
Por você

Nunca se esqueça
Nem um segundo
Que eu tenho o amor
Maior do mundo
Como é grande
O meu amor
Por você

Fonte: clique aqui



domingo, 13 de agosto de 2017

O cantor pop e pianista Vladimir Putin


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/putin-canta


Que Vladimir Putin é chegado em música, e em roubar a cena nos eventos públicos (embora não de forma patética e caricata como Boris Ieltsin), isso não é segredo pra nenhum de seus fãs. Em eventos coletivos destinados aos políticos ou aos artistas, o Rei dos Russos não perde a oportunidade de exibir seus dotes musicais em apresentações de sucesso. O primeiro vídeo que vamos ver é de 10 de dezembro de 2010, quando Putin ainda era primeiro-ministro (na presidência de Dmitri Medvedev, hoje ele mesmo premiê) e cantou e tocou o famoso hit americano Blueberry Hill, gravado pela primeira vez em 1940. Uma das gravações mais famosas foi de Elvis Presley, mas certamente Putin se inspirou então na gravação de Fats Domino. Esse show foi beneficente, em prol de hospitais que tratavam de crianças com câncer ou doenças nos olhos, e contou com a participação de muitas estrelas da música e do cinema.

A canção Blueberry Hill tem melodia de Vincent Rose e letra de Larry Stock e Al Lewis, todos norte-americanos. Eu mesmo não a conhecia até legendar, e descobri que foi gravada em todas as décadas desde 1940, por cantores de diversos estilos e origens, tornando-se, pois, um ícone da cultura popular. Existe até um restaurante muito famoso chamado “Blueberry Hill” na cidade de St. Louis, estado do Missouri, em homenagem à letra. Em 2010 e 2011, o vídeo de Putin tocando e cantando viralizou, mas só em maio pude legendar.

Não é certo de onde veio o topônimo “Blueberry Hill”, que literalmente significa “colina da blueberry” e já vi traduzido como “colina do mirtilo”. Porém a blueberry americana é da espécie Vaccinium cyanococcus, enquanto o mirtilo, ou bilberry, ou blueberry europeia, é da espécie Vaccinium myrtillus. Nenhuma espécie do gênero Vaccinum é difundida no Brasil, já que é mais apto a climas frios. Há fontes que dizem ter sido comum nos anos 40 o uso da frase “the latest thrill from blueberry hill” pra receitas com a fruta, assim como nos EUA há mesmo montes e algumas cidades chamadas “Blueberry Hill”. Mas ao que tudo indica, o uso só serviu pra compor as belas rimas da canção.

Na época do show, o porta-voz de Putin disse que ele tinha aprendido a canção como parte de seus estudos de inglês, língua estrangeira que ele domina ao lado do alemão; aliás, Angela Merkel também sabe russo, porque ela viveu na Alemanha Oriental. Essa situação de Putin tocando ou cantando é a mais conhecida de todas, e eu baixei o vídeo sem legendas desta página, e embora a qualidade não seja ótima, é uma das poucas versões integrais disponíveis. Eu mesmo legendei e também traduzi, porque as traduções por aí são tão ruins que até eu, que não sou tão fluente em inglês, tive que fazer por conta. Seguem abaixo a legendagem, a letra em inglês e a tradução em português:



I found my thrill
On Blueberry Hill
On Blueberry Hill
When I found you

The moon stood still
On Blueberry Hill
And lingered until
My dreams came true

The wind in the willow played
Love’s sweet melody
But all of those vows we made
Were never to be

Tho’ we’re apart
You're part of me still
For you were my thrill
On Blueberry Hill

____________________


Me arrepiei de emoção
Em Blueberry Hill
Em Blueberry Hill
Onde encontrei você

A Lua ainda brilhava
Em Blueberry Hill
E ela ficou lá até
Meus sonhos se realizarem

O vento tocava no salgueiro
Uma doce melodia de amor
Mas todas nossas juras
Nunca iriam se realizar

Embora estejamos distantes
Você ainda faz parte de mim
Pois você me encantou
Em Blueberry Hill



O segundo vídeo acima é de 14 de maio de 2017. Como parte do fórum Belt and Road, um dos encontros relacionados à Belt and Road Initiative, também chamada Nova Rota da Seda, intento lançado pelo presidente chinês Xi Jinping pra cooperação econômica euroasiática, Putin foi à Casa Diaoyutai, onde se dão recepções oficiais pra líderes estrangeiros. Nesse complexo no oeste de Pequim, haveria uma série de conversações entre chefes de Estado, e antes da primeira, entre Putin e Xi, o russo arranhou melodias num piano lá instalado.

Ele tocou trechos das melodias de duas músicas famosas que elogiam as duas maiores cidades da Rússia: “Слушай, Ленинград” (Ouça, Leningrado) e “Московские окна” (As janelas de Moscou), tanto a primeira quanto a segunda já traduzidas aqui no blog. A coisa é muito primária, pois ele usa as duas mãos só pra tocar a melodia. No piano profissional, usa-se a esquerda apenas pro baixo ou pros acordes, e ainda por cima Putin fez o que se chamaria em datilografia de “catar milho”. Mas não podemos negar que foi uma divertida iniciativa!

O presidente da Rússia demonstrou, senão um talento, essa quedinha pela música e pelo piano nos anos 2010, quando atingiu o ápice de seu poder. Só acho, sinceramente, que ele não precisava ter jogado a tampa do teclado quando terminou de tocar: meio grosseria isso. A cena foi filmada pela agência internacional de notícias Ruptly, mas eu tirei o vídeo sem legendas desta página de virais russos e apenas acresci algumas informações. Na descrição deste outro vídeo, embora a montagem tenha sido muito zoeira, eu tirei a maior parte das informações sobre o evento.

quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Bruna Lombardi em idioma estrangeiro


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/lombardi


Eu estava no meio de uma aula. Sim, eu estava desconcentrado no meio de uma aula do doutorado! Eu confesso, Prof.ª Lucilene, mas a distração me levou a agir por uma boa causa em nome da arte. Isso foi no semestre passado, no módulo 1 do tópico de história social que cursamos na linha de pós-graduação. No mês de maio, de repente eu resolvi futricar pela internet no celular procurando poemas de Bruna Lombardi, pra traduzi-los em outros idiomas. Eu queria começar uma iniciativa de longo prazo.

Atualmente penso que esse projeto não vai ter muito futuro, mas a minha ideia era pegar algum material menos consagrado na literatura brasileira e transformar em obra minha própria, escrita em outras línguas. Exercício didático-linguístico, principalmente, mas por que não também artístico e poético? Poucos sabem que Bruna Lombardi também é poetisa, e ela também poderia ser lida no estrangeiro não lusófono. Além disso, meus poetas preferidos são aqueles menos famosos, tanto dentro quanto fora de sua cultura, porque lidar com os “grandes” pode soar a muitos como pretensão, mas também mato a vontade de não ficar na mesmice. A cultura precisa de sangue novo.

Até pensei em comprar livros da Bruna Lombardi pra ter um material inicial, mas logo desisti e resolvi procurar no Google mesmo, apesar de muitas páginas não citarem a fonte (ano, edição, coletânea etc.). E o primeiro poema que encontrei muito por acaso, que achei mais fácil pra verter de cabeça ou de forma rápida com alguns dicionários online, foi “Anímico”. Era curto e denso o suficiente, sem sair muito do modelo tradicional, e também sem muitas figuras de linguagem. Logo naquela aula de maio, fui pesquisando nos dicionários eletrônicos e rabiscando os rascunhos... em francês, russo e esperanto. Em junho, descobri que Adélia Prado também tinha escrito (escute aqui no YouTube) outro poema chamado “Anímico”, quase do mesmo tamanho. Mas não achei que Bruna Lombardi plagiou (ela já sofreu várias acusações do tipo), pois as ideias eram muito diferentes.

Seguem abaixo as quatro versões, uma original e três traduzidas. O exercício se baseou nos seguintes princípios, que vão “disputando” entre si, portanto não se realizam completamente: reprodução das ideias, manutenção do tamanho dos versos e de alguns efeitos sonoros (estes, pelo menos, eu mesmo quase sempre criei), algum “truque” linguístico que eu queria passar e a conservação daquela quebra no fim de cada estrofe, mais ou menos com o mesmo tamanho. Não busquei ser literal de forma alguma, e este foi meu erro ao pedir que tradutores profissionais corrigissem algumas versões: quase sempre acabavam exigindo a fidelidade à “letra”, embora dissessem de passagem que “tradução poética era algo subjetivo”... Os títulos, que também busquei que fossem diferentes entre si, mas mantivessem mais ou menos o tamanho de “Anímico”, são “De l’âme” (francês), “Душевная” (“Dushevnaia”, russo) e “Anima” (esperanto).

Realmente, por mais que tenha buscado no Google, não consegui encontrar a fonte original do poema “Anímico”, ou seja, quando e onde Bruna Lombardi o teria publicado pela primeira vez. Cheguei apenas a duas páginas nas quais não tenho certeza se houve o input da atriz, mas parecem “menos desautorizadas” como fontes de citação: uma é postagem pessoal no site Pensador.com e outra está no meio de coleções de frases ditas ou escritas por famosos. Os dois textos em português são idênticos.

Na versão francesa, por exemplo, eu busquei ao máximo manter algumas rimas finais (que eu inventei, claro). Em russo, eu quis colocar o pronome “мы” (“my”, nós) em todos os seis casos nominais, mesmo que às vezes a forma obtida fosse pouco corrente na língua comum. E em esperanto, além das rimas, mantive estritamente uma só métrica, até mesmo o ritmo dos acentos. Por fim, a última ideia do poema (renascer pra conhecermos nosso lado sábio) foi expressa de três formas diferentes em cada versão, apenas a francesa se aproximando mais literalmente do português. Espero que a Bruna Lombardi não me processe por plágio, hahaha. Boa leitura!


Anímico

Nossa história está escrita
dentro de cada célula
só não sabemos lê-la
ainda

dentro de nós existe
a resposta que buscamos
só que não a procuramos
bem

o nosso lado mais sábio
ainda se esconde da gente
e vamos nascer novamente
até saber


De l’âme

Notre histoire est rédigée
dans chacune de nos cellules
que nous ne savons pas lire
encore.

La réponse désirée,
disparue dans notre intime,
nous ne la cherchons pas bien
assez.

Il se cache toujours de nous,
ce côté sage, sensible.
Pour le maitriser il faut
renaitre.

Душевная

Наша история написана
в каждой клетке у нас.
Мы не умеем её читать
ещё.

Желаемый нами ответ
лежит в нас, глубоко,
нам трудно его искать
добро.

Мудрость избегает нас,
сторона наша, с которой
все знакомятся в следующей
жизни.

Anima

Nia vivo jam skribita
sur celulo ĉiu korpa,
kiun ni ne scias legi
ankoraŭ.

La signif’ sola klariga
en ni loĝas kaŝe fonda,
sed ĝin devas oni serĉi
prave.

Plej vizaĝo saĝa nia
insisteme daŭre fuĝas,
kaj ĝin koni, ne por esto
ĉi tiu.



domingo, 6 de agosto de 2017

Línguas eslavas e sotaques do Brasil


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/sotaques



Originalmente, este pequeno texto era uma nota de Facebook, que escrevi há muitos anos, provavelmente em 2015, quando apaguei minha última conta pessoal (tive contas outras duas breves vezes, mas não com minha identidade real). Seu argumento geral é meio bizarro, mas serve pra divertir, e talvez tornar mais próximo o tema da palatização consonantal nas línguas eslavas, que é tão difícil aos brasileiros, mas tem paralelos em nossos falares.

O modo como varia entre as línguas eslavas o comportamento das letras/sons “d” e “t” antes da vogal “i”, ou quando sofrem o fenômeno da palatização antes de outras vogais, lembra muito como ocorre a mesma variação entre diversos sotaques do Brasil. Isso, ao menos na minha percepção pessoal, baseada na experiência de ouvido.

O comportamento em tcheco lembra o sotaque do português brasileiro padrão, que se ouve na maior parte da mídia falada brasileira, especialmente nas rádios da cidade de São Paulo e na bancada do Jornal Nacional da TV Globo. É como se fossem um “dj” e um “tch”, mas pronunciados como um som só. Quase não se percebe o “j” ou o “ch”. Ouçam a palavra dítě e escutem a pronúncia das consoantes.

No polonês, a rigor não existem as combinações “di” e “ti”, mas elas sempre viram “dzi” e “ci” na escrita, cuja pronúncia lembra o “di” e o “ti” falados com sotaque carioca, ou seja, mais chiado do que em São Paulo. São praticamente “dji” e “tchi” mesmo, mas o “j” e o “ch” são suaves, não são “duros”, como se estivesse pronunciando as palavras inglesas job e chalk. Ouçam logo no comecinho desta frase longa a palavra dzieci, como se fosse um “djétchi”.

Em algumas regiões do Brasil, especialmente no interior de São Paulo (já ouvi próximo de Campinas e em algumas pessoas de Bragança Paulista) e do Paraná, essas palatizações já se parecem quase com um “dzi” e um “tsi” feitos como se fossem um som só, sem quase se perceberem o “z” e o “s”. São sons que se parecem com o “d” e o “t” palatizados antes de “i” no russo, e falando no jargão linguístico, são realmente os sons puros “d” e “t” palatizados. Vocês podem escutar esses dois sons na palavra russa “дети” (dieti, Д = D).

Finalmente, em duas línguas é fácil descrever e não preciso dos áudios. Em sérvio, búlgaro (que usam cirílico) e croata (que usa alfabeto latino), o “d” e o “t” antes de “i” (em cirílico se escrevem respectivamente Д, Т e И) sempre são pronunciados duros, como se estivessem na frente de qualquer outra vogal, como em “da”/“ta”, “do”/“to”, e da mesma forma em “di”/“ti”. Essa pronúncia soa mais arcaica no interior de São Paulo e do Paraná, e algumas pessoas de mais idade a fazem sempre (ouçam as músicas do sertanejo José Rico), mas às vezes os habitantes mais jovens a fazem em situações mais informais ou irônicas. Por fim, em bielo-russo, o “d” e o “t” antes de “i” sempre se transformam em “dz” e “ts”, articulados de forma palatal, mas com o “z” e o “s” bem nítidos, ou seja, praticamente “dzi” e “tsi” (ДЗІ, ЦІ). Eu já escutei essas combinações em pronúncias brasileiras ditas “afetadas”, como entre alguns gays e mulheres “peruas” caricatas apresentando programas televisivos de futilidades.




quarta-feira, 2 de agosto de 2017

Discursos de Stalin em áudio ou vídeo


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/stalin-fala

Coleção sem prazo para concluir-se


Assim como eu fiz alguns anos atrás com Vladimir Lenin, decidi também fazer com Ioseb Dzhugashvili, mais conhecido pela história como Iosif Stalin (1878-1953), uma listagem única de todos os seus discursos. À diferença de Lenin, cujas gravações foram feitas de forma sistemática, ordenada e limitada, Stalin foi gravado em muito mais vídeos e áudios, por ter governado muito mais tempo e durante uma época em que a tecnologia de registros era mais avançada.

No site Sovmusic.ru, o maior acervo online de áudios e cartazes da era soviética, estão disponíveis todas as gravações com discursos de Stalin em MP3 pra se escutar lá mesmo ou se baixar. Com sorte, pode-se encontrar também o texto transcrito em russo, o que nem sempre é possível. Porém, é mais difícil de achar na internet vídeos com atuações ou discursos de Stalin, muitos dos quais estão disponíveis no YouTube e, infelizmente, intitulados em russo. Nos últimos cinco anos, devo ter achado tudo de Stalin disponível em vídeo, e traduzi e legendei no meu canal Eslavo (YouTube).

Alguns discursos mais históricos, como aqueles em que o líder anuncia a entrada e a vitória da URSS na 2.ª Guerra Mundial, eu resolvi legendar apenas com o áudio mesmo, dentro de montagens com várias imagens da época ou relacionadas ao assunto. Mas os mais interessantes, obviamente, são aqueles gravados em vídeo, em que é possível não apenas escutar a voz de Stalin, mas também ver sua figura viva. É algo de importante assimilação pra estudiosos do período, em especial no que tange ao gestual. Todos os discursos que legendei em meu canal também estão reproduzidos aqui no blog junto com o texto traduzido em português, e por vezes transcrito em russo. Basta procurar a tag “Iosif Stalin”, como a presente nesta postagem.

As postagens listadas abaixo, classificadas por ordem cronológica, não fazem parte de uma produção padronizada e controlada, como ocorreu com os discursos de Lenin. Elas surgiram de acordo com minha possibilidade corrente de postar os discursos de Stalin em texto e em vídeo. Como em breve pretendo também legendar outros discursos, mesmo estando apenas em áudio, esta lista será constantemente atualizada, até eu esgotar todas as possibilidades midiáticas.

Este blog completou ontem, 1.º de agosto, três anos de existência. Ele começou quando eu estava iniciando meu mestrado de forma indecisa, e me encontra agora iniciando o doutorado de modo confiante. Fico feliz que, após seguidas reformas, eu possa ter fornecido um instrumento fixo de pesquisa e conhecimento a todas e todos que gostam de história e de textos famosos traduzidos. É um complemento mais do que necessário a meu canal no YouTube, e ajuda-lhe a ter visibilidade. Os vídeos podem ser assistidos em sequência e por ordem de popularidade na minha playlist “Discursos de Stalin”.

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1. Inauguração do Metrô de Moscou (14 de maio de 1935)

2. 1.ª Conferência Stakhanovista (17 de novembro de 1935)

3. Abertura do 8.º Congresso dos Sovietes (25 de novembro de 1936)

4. Sobre as eleições pro Soviete Supremo (12 de dezembro de 1937)

5. Anúncio da entrada na Segunda Guerra (3 de julho de 1941)

6. Encontro com deputados no metrô (6 de novembro de 1941)

7. Aniversário da Revolução e cerco nazista (7 de novembro de 1941)

8. Encontro solene com deputados (6 de novembro de 1943 e 1944)

9. Invocação da vitória final (6 de novembro de 1944)

10. Declaração da vitória sobre a Alemanha (9 de maio de 1945)

11. 19.º Congresso do PC soviético (14 de outubro de 1952)