Prosseguindo com os textos de meu ensino médio (2003-2005) que ainda julgo serem interessantes, trago hoje dois textos bastante intrigantes do ano de meu “terceirão”. O primeiro é um pedaço de papel intitulado “Essa luta é nossa!”, datado de 11 de agosto de 2005, indicado como da matéria de História (mas não sei pra que atividade) e com as marcas manuscritas da nota “10,0” e da observação “belo texto”. A avaliadora foi Flávia, minha professora, que já citei várias vezes como uma das responsáveis por minha escolha de carreira. Você poderia dizer que parece mais um texto partidário da esquerda universitária, confirmando, portanto, a “hipótese” de que os estudantes secundaristas estariam sofrendo “doutrinação em massa” pelos malvados docentes de Humanas.
Se não gostou, culpe primeiro o colégio Pueri Domus, cujo método era então o empregado e cujas ideias não divergem muito do que escrevi. Um dos autores das apostilas de Português, por exemplo, era o renomado Sírio Possenti, linguista da Unicamp. E de fato, a Flávia era, sim, de “esquerda democrática”, jamais defendeu Stalin e Mao (como uns idiotas fazem hoje) e tinha “Jesus e Che” como seus maiores ídolos, rs. Porém, como também disse antes, eu me reivindicava então “socialista democrático” de minha própria cabeça e simpatizava com o Marechal Tito. Na verdade, minha simpatia era pelo PSOL, formado no ano anterior, porque eu me considerava “à esquerda do PT”, mas rejeitava ideias de revolução violenta.
Isso ajuda a explicar o segundo texto, que não tem data, título ou contexto, mas que devo ter escrito pra ser lido num evento público (mais provavelmente envolvendo os pais dos alunos) e trata das primeiras denúncias do “mensalão” petista. Chama a atenção como aceito acriticamente tudo o que a mídia hegemônica falava, mais especificamente a TV Globo, cujo Jornal Nacional eu devorava assiduamente como fonte primordial de notícias, às vezes salpicada pelo Estado de S. Paulo que minha escola assinava. Esse conteúdo mastigado, envolto num vocabulário radicaloide, poderia ser jocosamente chamado de lavajatismo de esquerda. Também salta aos olhos a série de políticos listados, que incluem Severino Cavalcanti, então envolvido em outros escândalos, e até Paulo Maluf, configurando uma aparente revolta geral com essa classe (pra variar...).
Mais impressionante ainda é que me esforço por dissociar Lula, de quem estranhamente eu nunca tinha gostado antes, de vários políticos do PT que seriam os “verdadeiros responsáveis” pelos escândalos – quando hoje sabemos que a Jararaca também nunca valeu nada. Porém, ressalto que em vinte anos, apesar de ocasionais sucessos no combate à corrupção – devidos mais às instituições fortes do que a um ou outro partido –, parecemos não ter aprendido nada, elegendo políticos ainda piores, ainda mais descarados quanto aos malfeitos, e sendo agora manipulados pelas redes sociais. Esses aplicativos criam personagens que não existem e medos sem fundamento, só pra que tudo “mude pra não mudar”!
Não alterei as palavras, mas apenas atualizei a ortografia, fiz revisões mínimas na redação, redividi alguns parágrafos (sobretudo do segundo texto) e adicionei pequenas notas entre colchetes. O primeiro texto tinha as frases divididas apenas por ponto-e-vírgula, portanto, adicionei tópicos pra ficar mais legível. O original escaneado estava digitado, por isso, consegui usar esta ferramenta online gratuita pra recodificar o texto e poupar tempo e lesões:
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O Brasil precisa se tomar independente:
- dos altos impostos aos quais seu povo está submetido e que tanto dinheiro sugam do já famigerado salário do trabalhador, sendo que seu destino deveria ser a melhoria dos serviços prestados à população, e não a engorda dos salários dos deputados federais e dos recursos luxuosos à disposição do Poder Executivo;
- do domínio dos interesses financeiros internacionais, como os do FMI, que nos empresta dinheiro a troco da implementação nacional das mais maçantes regras do neoliberalismo, e os dos EUA, que, além de visar reviver a doutrina Monroe através da ALCA, impõem pesados tributos aos nossos produtos (o que também faz a União Europeia);
- da massificação cultural imposta à nossa juventude, que, além de aliená-la da situação social vivida pelo nosso país, dá-lhe a distorcida visão, através da mídia, de que a cultura brasileira (moda, culinária, literatura, cinema, idioma e música), tão rica e tão pura, é repugnante e inferior à que vem dos países anglófonos;
- da economia de mercado na sua forma atual, que deturpa totalmente o verdadeiro sentido da cidadania e derruba por terra as iniciativas sociais, governamentais ou não, para melhorar o nível de vida dos cidadãos mais humildes;
- do preconceito racial e sexual [acho que me refiro ao machismo, e não à homofobia], que ainda hoje se manifesta pelos benefícios econômicos que uma classe tem sobre a outra e pelas atitudes violentas de grupos minoritários que consideram inferiores todos aqueles que não se encaixam nos seus “padrões”.
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Em nome de todo o 3.º ano do Ensino Médio, quero manifestar minha indignação com a atual situação da política brasileira, motivo pelo qual estamos todos reunidos aqui neste dia de luto e protesto. Todos vocês estão acompanhando, seja pelos jornais, revistas ou comentários de seus pais e professores denúncias de corrupção nos Correios e de compra de apoio por parte de políticos da base aliada feita pelo PT, o chamado “mensalão”. Ainda não sabemos se essas denúncias são verdadeiras, mas o que importa é que ninguém mais se conforma com o mar de lama que se tornou o Congresso Nacional, que poderia ser chamado de “Casa do Povo”, se não fossem os reais interesses que lá são defendidos por pessoas que nós mesmos escolhemos para apresentar nossas aspirações às autoridades máximas deste país.
Como todos sabem, os deputados adoram criar leis que aumentem os próprios salários, arrancando dos cofres públicos verbas que poderiam ser usadas na melhoria de estradas, de escolas, de programas de assistência social. Enquanto isso, trabalhadores braçais e operários simples, que mal conseguem pagar seu sustento, precisam se contentar com seu minguado e suado salário para alimentar bocas que muitas vezes chegam a um grande número por família. E professores públicos, em especial os que prestam serviços ao Governo do Estado de São Paulo, sofrem com salários defasados, sem aumentos há mais de dez anos, essa classe que mais sofre desde o governo de Paulo Maluf, homem cujas denúncias de corrupção foram abafadas pela imprensa após a instalação do caos no governo federal e do qual não devemos esquecer por todas as suas atitudes ilícitas.
No começo deste ano, vimos a campanha empreendida pelo deputado Severino Cavalcanti [1930-2020, então do PP, atual Progressistas] pela presidência da Câmara, não sei se vocês lembram. Ele teve como meta um gordo aumento no salário de seus colegas, motivo pelo qual acabou sendo eleito, mas, traindo os seus, não concretizou sua promessa: felizmente! Cavalcanti certamente não é uma pessoa na qual devemos confiar, principalmente porque ele assume publicamente que pratica o nepotismo, ou seja, contrata parentes para trabalharem com ele, o que é uma prática ilegal no Brasil [na verdade, diante da vagueza da legislação, só seria explicitamente proibida pelo STF em 2008], e porque sua família representa em Pernambuco uma linhagem oligárquica que exerce o poder há séculos, assim como os Magalhães na Bahia. Há até um verso feito no século 19 que diz: “Quem viver em Pernambuco/Deve estar desenganado/Que há de ser Cavalcanti/Ou há de ser cavalgado”.
A oligarquia, que muitos de vocês já devem ter estudado, significa “governo de poucos”, o que não deveria ser realidade em um país onde o regime vigente chama-se “democracia”, que significa, lembrando a muitos de vocês, “governo do povo”. Essa forma de governo parece ter morrido com o fim do poder dos grandes cafeicultores, na década de 1930, mas ainda é uma realidade infeliz em muitos estados do Norte e do Nordeste devido à sua forma de colonização. O governo de poucos leva a mais corrupção e a uma sede maior de poder, levando a mais e mais exclusão social. Não obstante, assistimos ainda a denúncias de corrupção na Câmara dos deputados estaduais [Assembleia Legislativa] de Rondônia, um estado que parece estar fora de nossa realidade, sendo talvez por isso que muitos de vocês não devem estar acompanhando esse escândalo. Deputados estaduais estão pedindo dinheiro ao governador Ivo Cassol para continuarem apoiando-o. Cassol chegou a denunciar o esquema de extorsão em vários programas, mas ele mesmo é alvo de várias denúncias de corrupção.
O mesmo acontece com o deputado federal Roberto Jefferson, o autor das denúncias sobre o “mensalão”. Ele mesmo tem várias acusações e é acusado pelos denunciados de estar se defendendo de suas próprias culpas, ou até mesmo de se vingar dos homens fortes do governo, que são os principais suspeitos, por causa de algumas rejeições que o deputado sofreu por parte deles. Seja como for, em ambos os casos, vemos caça querendo se tornar caçador, presa querendo se tornar predador. Ninguém tem coragem de assumir como homens dignos de respeito que erraram, que violaram as leis, que, como disse o presidente Lula, “esconderam a sujeira debaixo do tapete”. Eles pensam que podem errar e sair ilesos diante dos olhos do povo. E nosso pobre presidente Lula, grande homem, assiste a tudo isso apreensivo, com medo de que esses escândalos possam abalar sua imagem.
Não tenho vergonha de dizer em público o quanto admiro Lula pelos seus maravilhosos projetos de combate à fome e à corrupção. Eu conheço, e todos vocês devem conhecer seu passado de sofrimento e lutas. Vindo de Pernambuco, ele sempre batalhou ao lado dos operários diante da repressão do regime militar, na década de 1980, e fundou o mais relevante partido de esquerda, hoje corrompido por déspotas como José Genoíno: o Partido dos Trabalhadores. Não se cansou de disputar a presidência da República para representar os interesses populares e hoje ocupa o mais alto cargo de nossa política. Seu maior erro foi a confiança do poder a homens como José Dirceu e Ricardo Berzoini, que muitos de vocês não devem conhecer, gente que não sabe guiar os rumos de uma nação e que não sabem quais são os verdadeiros interesses das classes que eles deveriam defender. Pobre Lula, que possui um passado limpo, mas está parasitado por uma corja que só ajuda a gastar o dinheiro de nossos impostos.
Provavelmente essa geração de corruptos vem de uma longa corrente tradicional brasileira, que visa atender aos próprios interesses e não se preocupa em lutar pelo bem comum, ainda que esteja ganhando para isso. A população brasileira está seduzida pelos supostos benefícios trazidos pela “lei de Gérson”, um famoso ex-jogador da seleção brasileira de futebol. Essa lei diz que o brasileiro tem a tendência de querer levar vantagem em tudo o que faz. É claro que todos nós queremos levar vantagem, isso é natural do ser humano, mas será que vale a pena passar por cima das pessoas e usá-las como degraus para nos encontrarmos no topo da escada? Será que vale a pena desrespeitar as vontades das outras pessoas que convivem com a gente para vermos apenas nossos direitos conquistados? Será que obter as coisas pelo próprio mérito não vale mais do que usar o esforço do outro ou um descuido do mesmo em benefício próprio?
Pois é, falta ao brasileiro uma relação de valores que deveria ser usada para guiar nosso comportamento e fazer as coisas da maneira mais honesta possível. Recentemente circulou um texto pela internet [mais exatamente por e-mail, que republiquei aqui em português e esperanto e que, embora não errado de todo, simplifica demais um tema tão complexo quanto o subdesenvolvimento] refletindo sobre os motivos pelos quais um país é mais pobre que o outro, e o texto conclui que essa diferença não reside na idade, na raça predominante, no tamanho ou nos recursos naturais, mas na maneira de se portar da população. E alguns princípios citados como predominantes na população dos países desenvolvidos merecem ser aqui citados: A ética, como princípio básico. A integridade. A responsabilidade. O respeito às leis e regulamentos. O respeito pelo direito dos demais cidadãos. O amor ao trabalho. O esforço pela poupança e pelo investimento. O desejo de superação. E a pontualidade. Tudo isso faz com que um povo tenha vontade de crescer e prosperar e atingir altos níveis de desenvolvimento humano como os da Noruega e da Suécia ou baixíssimos níveis de corrupção como os da Finlândia.
Para que possa ser formada uma nova geração mais consciente, é preciso uma educação de qualidade para as nossas crianças e nossos jovens, tanto dentro das próprias casas quanto nas suas escolas. A vontade de se superar e de mudar a situação de nosso país deve partir de nós desde cedo. E vocês, que estão tendo essa oportunidade de refletir sobre os fatos recentes, aproveitem enquanto é tempo e exerçam seu papel de cidadãos, não só agora, na adolescência, mas em sua vida adulta, participando de movimentos, votando com sabedoria, lutando pelos seus direitos e levando uma vida baseada na ética e na honestidade. Só assim poderemos fazer um país melhor. A consciência de vocês vai agradecer, pois é ela quem guia nossas ações e nos diz o que é certo e o que é errado.

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