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sábado, 31 de maio de 2025

Duas Romas: Francisco e Cirilo (2022)


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Nesta crônica de Slimane Zeghidour ao Journal international da TV5MONDE, em 17 de abril de 2022, ele dá uma interessante explicação sobre as diferenças persistentes entre o papa de Roma e o patriarca de Moscou. Sempre gosto de todas as suas análises, embora em meados de fevereiro daquele ano ele não acreditasse que a Rússia pudesse invadir a Ucrânia! O jornal vai ao ar todos os dias, ao meio-dia, e a âncora Isabelle Malivoir segue no comando, mas pessoalmente a achei meio mal-educada: imagine, duvidar da capacidade de compreensão da audiência ou talvez da habilidade explicativa de Zeghidour!

No começo da invasão, Francisco ainda mantinha uma posição crítica, mas com o tempo foi sendo cada vez mais acusado de leniência diante de Putin, até sua morte, em 21 de abril de 2025. O novo pontífice, Leão 14, foi mais incisivo contra a agressão, mas enquanto líder espiritual, permanece a necessidade permanente de ser mais “pragmático” quanto a uma aproximação com o patriarca Cirilo. Apesar do atraso, ainda acho uma tradução interessante.



– Junto-me a Slimane Zeghidour, nosso colunista e especialista em religião. Olá, Slimane. Então, uma bênção Urbi et Orbi repleta de uma mensagem aos grandes e poderosos neste tempo de guerra. Trata-se de uma mensagem política do papa ou ele está agindo em sua capacidade de chefe da Igreja Católica?

– Ambos, porque ele é o chefe da Santa Sé e, portanto, o líder espiritual de dois bilhões de católicos, mas também é o monarca do Estado da Cidade do Vaticano. E ele usa, por assim dizer, dois bonés, e é nessa capacidade que ele fala hoje. Agora, com relação à Rússia, devemos lembrar que o Estado russo só reconhece quatro crenças que são consideradas religiões nacionais: o cristianismo ortodoxo, o islã – sim, há 20 milhões de muçulmanos na Rússia –, o judaísmo e o budismo. Nesse contexto, a Igreja Católica, assim como as igrejas evangélicas, é uma igreja estrangeira. Não somente estrangeira, mas rival desde o cisma de 1054, agravado pela queda de Constantinopla, a “segunda Roma”, perante os turcos em 1453. E foi nesse momento que Moscou se tornou a “terceira Roma”, ou seja, o centro, o coração da cristandade no mundo.

E desde então, existe uma rivalidade entre Moscou e Roma. A diferença é que a Igreja Católica tem um único líder, o papa, enquanto as igrejas ortodoxas são, como se costuma dizer, autocéfalas, ou seja, cada país tem seu próprio patriarca. Mas o Patriarca de Moscou e de Todas as Rússias – é seu título completo, Patriarca de Moscou e de Todas as Rússias – governa os ortodoxos russos, mas também uma parte dos ortodoxos do Cazaquistão, da antiga União Soviética e da Ucrânia. Assim, na Ucrânia, a Igreja Ortodoxa Ucraniana decidiu romper sua ligação umbilical com o Patriarcado de Moscou pra se tornar uma Igreja Ortodoxa Ucraniana autônoma. Mas nesse instante, parte da Igreja Ortodoxa Ucraniana se cindiu de sua própria igreja pra permanecer ligada a Moscou. Você pode ter uma noção do cenário.

– Daí a complexidade da posição geral da Igreja com relação a isso.

– Isso. Pra simplificar o quadro, uma grande parte dos cristãos ucranianos são o que chamamos de uniatas, ou seja, ex-cristãos ortodoxos que se uniram ao papado e são chamados de uniatas. Eles são católicos e vivem na parte ocidental do país. É nessa parte, aliás, que se encontram os maiores partidários da independência da Ucrânia e da incorporação à Europa.

– Sim, não tenho certeza se isso simplifica muito as coisas na mente dos telespectadores. A Ucrânia é um espinho no pé da Santa Sé, Slimane? Porque é necessário ao mesmo tempo, como posso dizer, manter o diálogo justamente com a Igreja Ortodoxa Russa e também não ofender todos os cristãos da Ucrânia.

– Pois bem, quanto aos cristãos da Ucrânia, como eu disse, são os uniatas, assim, são ex-cristãos ortodoxos que se uniram a Roma. E isso alimenta uma espécie de paranoia entre os russos, em Moscou, como se a Igreja Católica considerasse toda a ortodoxia russa como uma terra missionária onde mais pessoas deveriam ser convertidas ao catolicismo. É por isso, por exemplo, que o papa de Roma pôde visitar países muçulmanos, incluindo ultraconservadores, mas nunca pôde ir a Moscou. 20 anos atrás, um dos assessores do então patriarca de Moscou e de Todas as Rússias disse à imprensa que o papa em Moscou era como Bin Laden na Casa Branca. Você pode ter uma noção da comparação.

– Muito obrigado, Slimane Zeghidour, e tudo o que você está dizendo, na verdade, faz comprometer esse futuro encontro que o papa desejava.

– Será muito difícil, mas não está fora de questão.


– Je rejoins Slimane Zeghidour, notre éditorialiste et spécialiste des religions. Bonjour, Slimane. Alors, une bénédiction Urbi et Orbi empreinte d’un message aux grands de ce monde en cette période de guerre. Est-ce que c’est un message politique du pape ou est-ce qu’il est dans ses fonctions de chef de l’Église catholique ?

– Les deux, parce qu’il est le chef du Saint-Siège, donc le chef spirituel de deux milliards de catholiques, mais il est aussi le monarque de l’État de la Cité du Vatican. Et il a, si on peut dire, deux casquettes, et c’est à ce titre qu’il parle aujourd’hui. Maintenant, s’agissant de la Russie, il faut rappeler que l’État russe ne reconnait que quatre cultes qui sont considérés comme des religions nationales : le christianisme orthodoxe, l’islam – oui, il y a 20 millions de musulmans en Russie –, le judaïsme et le bouddhisme. Dans ce cadre-là, l’Église catholique, comme les églises évangéliques, est une église étrangère. Non seulement étrangère, mais rivale depuis le schisme de 1054 qui a été aggravée par la chute de Constantinople, « deuxième Rome », en 1453 devant les Turcs. Et c’est à ce moment-là que Moscou est devenue la « troisième Rome », c’est-à-dire, le centre, le cœur de la chrétienté dans le monde.

Et depuis lors, il y a une rivalité entre Moscou et Rome. La différence, c’est que l’Église catholique a un seul chef, c’est le pape, tandis que les églises orthodoxes sont, comme on dit, autocéphales, c’est-à-dire, chaque pays a son propre patriarche. Mais celui de Moscou et de toutes les Russies – c’est son titre complet, patriarche de Moscou et de toutes les Russies – gouverne les orthodoxes russes, mais aussi une partie des orthodoxes du Kazakhstan, de l’ex-Union soviétique et de l’Ukraine. Alors, en Ukraine, l’Église orthodoxe ukrainienne a décidé de rompre son lien ombilical avec le Patriarcat de Moscou pour devenir une Église ukrainienne orthodoxe autonome. Mais à ce moment-là, une partie de l’Église orthodoxe ukrainienne a fait un schisme par rapport à sa propre église pour rester rattachée à Moscou. Vous voyez un peu le paysage.

D’où la complexité du positionnement de l’Église de manière générale face à ça.

Voilà, pour simplifier le tableau, qu’une bonne partie des chrétiens ukrainiens sont ce qu’on appelle des uniates, c’est-à-dire, ce sont d’ex-chrétiens orthodoxes qui se sont ralliés à la papauté et on les appelle les uniates, qui, eux, sont des catholiques et habitent dans la partie ouest du pays. C’est dans cette partie d’ailleurs qu’on trouve les plus grands partisans de l’indépendance ukrainienne et du rattachement à l’Europe.

– Ouais, pas sure que ça simplifie beaucoup dans l’esprit des téléspectateurs. L’Ukraine, c’est une épine dans le pied du Saint-Siège, Slimane ? Parce qu’il faut à la fois, comment dirais-je, maintenir le dialogue avec justement l’Église orthodoxe russe et puis ne pas froisser non plus tous les chrétiens d’Ukraine.

– Alors, pour les chrétiens d’Ukraine, je vous ai dit, ce sont les uniates. Donc ce sont des chrétiens ex-orthodoxes qui se sont ralliés à Rome. Et cela entretient chez les Russes, à Moscou, une sorte de paranoïa, comme si l’Église catholique considérait toute l’orthodoxie russe comme une terre de mission dans laquelle il faudrait encore convertir des gens au catholicisme. C’est pour cela, par exemple, que le pape de Rome a pu aller dans des pays musulmans, y compris ultraconservateurs, mais n’a jamais pu aller à Moscou. Il y a 20 ans, un des conseillers du patriarche de Moscou et de toutes les Russies de l’époque avait dit à la presse que le pape à Moscou, c’est comme Bin Laden à la Maison-Blanche. Vous vous rendez compte un peu de la comparaison.

– Merci beaucoup, Slimane Zeghidour, et tout ce que vous dites effectivement laisse compromettre cette future rencontre que le pape souhaitait.

– Elle sera très difficile, mais pas exclue.



sábado, 22 de janeiro de 2022

Por que Rússia não invadirá Ucrânia?


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(Nota, 27/2/2022: Sim, a Ucrânia foi invadida. Sim, o exército ucraniano está resistindo bravamente. Porém, as notas aqui expostas, como também podemos ver bem pelo desenrolar dos fatos, continuam muito válidas no que concerne ao passo em falso que Putin deu ao tomar essa decisão, e às péssimas consequências que ela terá pro futuro da Rússia.)

Na edição de 19 de janeiro de 2022, um dos telejornais do canal privado francês TV5 Monde trouxe, como de praxe, uma crônica de Slimane Zeghidour, cientista político e escritor nascido na Argélia. Ele explica por que é praticamente improvável que a Rússia invada a Ucrânia pelo leste, como estão apregoando vários meios de comunicação brasileiros. Esta minha tradução do francês não tem por objetivo defender Putin, mas trazer um contraponto à nossa mídia vira-lata que quase toda só papagueia o que diz os EUA:

Mohamed Kaci: Essa novela não tem mais fim e já está durando semanas, na verdade meses. Então, sim ou não, existe um risco da Rússia invadir seu vizinho ucraniano?

Slimane Zeghidour: Logicamente, nenhum. Por quê? Por que a Rússia não tem necessidade de invadir a Ucrânia. Olhe pro mapa: a Rússia está direta e concretamente presente na Ucrânia. Primeiro, de todos os 44 milhões de ucranianos, praticamente oito milhões são russos ou se sentem russos.

Olhe pra parte laranja a leste do país: Lugansk e Donetsk. Essa parte é o Donbass, é a bacia mineira do Donbass. Ela é majoritariamente russa, e a população russa e que fala russo criou duas repúblicas: a República de Lugansk e a de Donetsk, que são repúblicas fantoches, que não são reconhecidas por nenhum Estado, assim como a República do Norte do Chipre, turca, ou a do Nagorno-Karabakh. Mas elas existem, e além disso quase dez por cento da população ucraniana está nessa zona laranja. E ainda por cima a Rússia já lhe distribuiu quase um milhão de passaportes.

Assim, temos pessoas que falam russo, que querem se juntar de novo à Rússia, que não querem mais viver na Ucrânia e que agora têm passaportes russos. Portanto, por que a Rússia correria o risco de realizar uma invasão militar em pleno coração da Europa?


Mohamed Kaci: Ce feuilleton n’en finit pas et dure depuis des semaines, voire des mois. Alors, oui ou non, y a-t-il un risque que la Russie envahisse son voisin ukrainien ?

Slimane Zeghidour: Logiquement, aucun. Pourquoi ? Parce que ce n’est pas nécessaire pour la Russie d’envahir l’Ukraine. Regardez sur la carte : la Russie est-elle directement et concrètement présente en Ukraine. D’abord, pratiquement 8 [huit] millions d’Ukrainiens sur les 44 [quarante-quatre] millions sont Russes ou se sentent Russes.

Regardez la partie orange à l’est du pays : Lougansk et Donetsk. Cette partie, c’est le Donbass, c’est le bassin minier du Donbass. Il est majoritairement russe et la population russe et russophone a créé deux républiques : la République de Lougansk et celle de Donetsk, qui sont des républiques fantoches, qui ne sont reconnues par aucun État, à l’instar de la République Chipre Nord, turque, ou du Haut-Karabakh. Mais elles sont là, et en plus de cela, à peu près dix pour cent de la population ukrainienne est dans cette zone orange. Et la Russie en plus l’aura distribué presque un million de passeports.

Donc, on a des gens qui sont russophones, qui veulent être rattachées à la Russie, qui ne veulent plus vivre en Ukraine et qui ont maintenant des passeports russes. Alors, pourquoi la Russie prendrait-elle le risque de faire une invasion militaire en plein cœur de l’Europe ?