Dilma Vana Rousseff (por enquanto) já é página virada de nossa história. Concordemos ou não com sua ideologia e governo, nossos conflitos e desafios agora são outros. Ela deixou sua marca por ter sido a primeira presidenta de nossa história política tão machista, mulher filha de búlgaro, preocupada com causas sociais e não vinculada às elites econômicas. Porém, centralista, de caráter teimoso e vínculos eleitorais duvidosos, permitiu que fatores de outra forma domináveis jogassem o Brasil numa das maiores crises econômicas de sua história. Por outro lado, o que mais fez sua celebridade na internet foi sua escassa capacidade (menor até que a de Lula) de conduzir longos discursos articulados e colocar rapidamente as ideias em ordem pra se expressar. Acredito que isso foi fatal pra ineficácia de sua defesa durante o processo de impeachment. Mas no exercício do mandato, rendeu enorme zoação por parte dos internautas, com direito a memes e elaboradas montagens. Após sua destituição, decidiu não parar e rodou o mundo pra denunciar os supostos “complôs” contra ela, o que a direita batizou ironicamente “turnê do golpe”.
O brasileiro, povo irônico e zoeiro, não a perdoou nem mesmo no (a não ser que realmente se candidate ao Senado por MG) post-mortem político. As tentativas de Dilma de articular línguas estrangeiras, já se sabendo de seus problemas com o próprio português (carregado, aliás, das origens mineiras), geraram muitos vídeos escarnecedores e constrangedores. Um deles, pelo menos uma parte, eu cheguei a legendar por ocasião de sua visita à Suíça, transcrevendo um francês muito enferrujado, mas não tive a intenção de ofendê-la ou criticá-la. Como alguns professores explicaram, o francês é idioma que ela conhece relativamente bem, mas deve não ter treinado por longos períodos. Contudo, os vários vídeos em que ela aparece afirmando falar espanhol revelam uma atitude desnecessária: ao invés de ter assumido um evidente desconhecimento do idioma, fez uma mistureba de elementos castelhanos dentro da estrutura geral do português, gerando um idioleto que não mereceria nem mesmo a dignidade do nome “portunhol/portuñol”. Mesmo o decadente vampiro Michel Temer tem em geral a humildade de se valer de intérpretes, assumindo sua monoglossia e não fazendo papel ridículo.
Uma palavra aí pronunciada pode ser a chave pra explicar sua atitude: CEPAL. Ao contrário dos economistas de orientação liberal, centrados na realidade e produção dos países anglo-saxões, a escola de economia latino-americana tão influente nas esquerdas brasileiras deve ter levado Dilma a ler passivamente muitos textos em espanhol (e, por que não, também falar com hispanófonos condescendentes, ouvir músicas e assistir à TV na língua). Ela devia entender, mesmo sem ter estudado o idioma a fundo (com gramáticas, conversação, cursos etc.), mas na hora de falar, por isso mesmo travou toda. Se é que travou, porque tenho a impressão que ela criou deliberadamente essa embromação, não sei se por exibicionismo ou zoeira. O fato de ter sofrido impeachment e estar com possível impressão de “não dever nada a ninguém” deve ter reduzido a inibição. Eu, pelo menos, não posso confirmar se ela teve ou não aulas de espanhol, mas a “língua” dela nem tem estrutura, mesmo pro nível iniciante (e ela já é idosa!).
Como eu disse, minhas postagens sobre a Dilma não têm caráter partidário ou ofensivo, e até me senti constrangido ao ter de retirar as marcas de grupos reacionários dos vídeos que coletei (nem por isso deixo de citar as fontes). Já que muita gente me pergunta, relembro que votei nela duas vezes, mas me arrependo: em 2010 foi esperança de sobriedade, e em 2014 foi falta de opção (e em 2018, nem sei o que vai ser!), mas a teimosia e a desordem da “gerentona”, além da fraqueza ante a oposição que ela rotulou de “golpista”, me desiludiram. Sou de “esquerda em geral”, mas não me identifico com um partido específico, nem com os leninismos (Stalin, Mao, Hoxha etc.) em geral, ante os quais tenho uma postura bem crítica, mas tento entender objetivamente, como historiador. Mas não gosto de reclamar à toa ou ofender, e vejo no humor uma forma de expiarmos nossas mazelas. Esses vídeos da Dilma são mesmo humorísticos, mesmo não tendo sido essa a intenção dela; quem sai na chuva é pra se molhar, e eu apenas tentei transcrever seu idioleto com a ortografia do português, sem acrescentar nada. Isso aí eu não diria nem que é “portunhol” ou “espanguês”, mas uma espécie de falar ibero-romance indefinido que resolvi designar ibero-dilmês.
Em resumo, é uma variante ibérica do que eu chamaria, ao modo da linguística estruturalista, de sistema “dilmês” pra articular as ideias. Talvez uma chave pra entender seu romanesco esteja na chamada Interlingua de IALA. Eu organizei as falas não por ordem cronológica (tem coisas de antes e depois da deposição), mas de duração, e no final o discurso em Sevilha (Espanha) tem outra parte, transcrita por Augusto Nunes, que não incluí (e outras ainda devem não ter sido publicadas). A segunda parte da fala da repórter chilena do jornal El Mercurio só pude entender consultando uma transcrição parcial. O resultado dessa salada está logo abaixo, e estes foram os vídeos-fonte, na ordem em que legendei:
http://youtu.be/v_er1ItkSws
http://youtu.be/lf3BWAr-joY
http://youtu.be/47sOJacJCzI
http://youtu.be/5_Q9Gm6b-3w
http://youtu.be/o8pi2d1YopU
http://youtu.be/5L7eKB3f9Ps
Adendo (20/5/2023): Há tempos eu estava pra fazer uma segunda publicação sobre o “ibero-dilmês” por causa do vídeo abaixo, que achei por acaso, mas tive de resolver várias outras tarefas da página e finalmente decidi inserir as informações aqui mesmo, unificando tudo. Tempos depois dessa primeira montagem (quando o Pan-Eslavo Brasil ainda não tinha sido apagado do YouTube), descobri uma participação da Dilma numa manifestação da central sindical UGT em Madri, no dia 29 de setembro de 2019, quando Bolsonaro ainda estava começando a reinar e Lula estava preso na sede da Polícia Federal em Curitiba. O ex-presidente, reeleito em 2022, seria solto no dia 10 de novembro seguinte, antes do que recusou a proposta de ir pro semiaberto com tornozeleira eletrônica.
E eis que então, a atual chefe do Banco dos BRICS (literalmente mandaram a Dilma pra China...) empunhava novamente seu peculiar e desconhecido dialeto ibérico! É como eu disse: um português lento e claro podia ser bem entendido pelos espanhóis cultos, mas ela insistiu em dar seu show de maioneses. Os comentários ao vídeo, hoje uma peça esquecida, variam entre a admiração à burocrata e os xingamentos à oratória falida e ao governo fracassado, mas os mais interessantes são aqueles que mostram como até a primeira intérprete pra surdos-mudos teria se enrolado com o incógnito linguajar, rs. Uma dessas tiradas também segue abaixo, após o vídeo original e a transcrição que consegui fazer; esta também pode ser lida como material de “estudo” e porque não tinha mais graça legendar, sem o canal no YouTube.
Certas bizarrices ortográficas, de minha própria lavra, têm mais o objetivo de destacar a discrepância entre o espanhol padrão e as “inovações” da Dilma, ou entre suas próprias oscilações na pronúncia (como a mesma palavra ora com vogal aberta, ora fechada, sendo que o espanhol não tem mudança de timbre) do que de torná-la, como se precisasse, ainda mais caricata:
Lá istá oi Lula, com su fuerça, a decir para los fiscales: “Djô no saigo de la priziônn em quaisquér condiciones.” Porquê aóra los fiscales quérem tirar Lula rapidamênte de la priziom. Ficou problemático para los fiscales mantener Lula prêzo. AAAAsta porquê élh Supremo Tribunalh, a côrti suprema brazilenha, istá quereno colocar uno, uno, uno, um, um issTTOPP ê nesse procéssu. Êdjos querem si antecipar i más uma vez pretendem submeter Lula a condiciones que nom consideramos incorré... que nozôtros consideramos incorretas. Lula póde salir sí, porr ter cumprido um cesto de la pêna, porquê la lei permite. Más no puéde sair com controle eletrônico em su piérna, amarrado ao su piérna. No puéde salir. E êl quére salir como él que, que és: um inocente. Um inocente. Quê Lula és inocente. [Aplausos]
I isto, i isto és muimportante, que nozôtros digamos para ustês: porquê, porquê la solidariedá internacionalh, tânto, tânto de la prensa como de los parrtidos políticos de, la, principalhmiente de las, del aquêdjos que som sus pares, como és la ujetê, que êli, qui êlh cértamente tene um grã respeito i una grã dimiraciom. Djô crêo que Lula oi reprezenta tambiênn um sonho de um outro mundo é possível, sonho que tiene una baze realh mui fuérte, porquê provamos que era possível crescer e distribuir renda. Ê... és una bandera, como êl disse quando fuê prezo: “Djô no soi un hombre más. Nô impórta que me prendam, o quê djô soi és la ideia que comparrtilho com vozotros. És isto que me hace una pessoa fórte para rezistir. Porquê... eu sei que quândo estuvérr prêzo, terê sus pérnas para andarem porr mim. Terê sus vózes para hablarr por mi. I tengo certeza qui ocês andarão merrórr que eu e hablarão merrórr qui eu, porquê som más, mutcho más do que iô.” És isto que tórrna la questión de “Lula Livre” tã importante para nozôtros.
I más uma vez agradeço la solidariedad. Sem éla, nô teríamos rompido la barrêra de la mídia. Porrquê em una lutcha deste tipo, ênn ésta época de guérras híbridas, além de la democrácia, la primêra vítima é la verdá. I nozotros só conseguimos la verdá muitas vezes porr la solidariedá. Éra necessário virr de aqui de Európa e chegar enélh Bracilh para que los brazilenhos lô subessem. Agradeço intonces más uma vez. I quéro decir pra vocês: é a hóra que nós más pricizámos desta solidariedá. Porquê aóra tentam más unna vez la manipulaciom de la verdá. Têntann, ê dizem: “Más que coza istranha um prizionero nô quererr salir dê la priziom.” AAA, só si sale dê la priziom com la cabeça im pié. Nô sê sale por barro. Lula livre! [Aplausos] Mutchas grácias, mutchas grácias. Ên nómbre délh PT, êlh dêlh prezidente Lula.