domingo, 13 de maio de 2018

Dilma de novo: espanhol ou ibero-mix?


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Dilma Vana Rousseff (por enquanto) já é página virada de nossa história. Concordemos ou não com sua ideologia e governo, nossos conflitos e desafios agora são outros. Ela deixou sua marca por ter sido a primeira presidenta de nossa história política tão machista, mulher filha de búlgaro, preocupada com causas sociais e não vinculada às elites econômicas. Porém, centralista, de caráter teimoso e vínculos eleitorais duvidosos, permitiu que fatores de outra forma domináveis jogassem o Brasil numa das maiores crises econômicas de sua história. Por outro lado, o que mais fez sua celebridade na internet foi sua escassa capacidade (menor até que a de Lula) de conduzir longos discursos articulados e colocar rapidamente as ideias em ordem pra se expressar. Acredito que isso foi fatal pra ineficácia de sua defesa durante o processo de impeachment. Mas no exercício do mandato, rendeu enorme zoação por parte dos internautas, com direito a memes e elaboradas montagens. Após sua destituição, decidiu não parar e rodou o mundo pra denunciar os supostos “complôs” contra ela, o que a direita batizou ironicamente “turnê do golpe”.

O brasileiro, povo irônico e zoeiro, não a perdoou nem mesmo no (a não ser que realmente se candidate ao Senado por MG) post-mortem político. As tentativas de Dilma de articular línguas estrangeiras, já se sabendo de seus problemas com o próprio português (carregado, aliás, das origens mineiras), geraram muitos vídeos escarnecedores e constrangedores. Um deles, pelo menos uma parte, eu cheguei a legendar por ocasião de sua visita à Suíça, transcrevendo um francês muito enferrujado, mas não tive a intenção de ofendê-la ou criticá-la. Como alguns professores explicaram, o francês é idioma que ela conhece relativamente bem, mas deve não ter treinado por longos períodos. Contudo, os vários vídeos em que ela aparece afirmando falar espanhol revelam uma atitude desnecessária: ao invés de ter assumido um evidente desconhecimento do idioma, fez uma mistureba de elementos castelhanos dentro da estrutura geral do português, gerando um idioleto que não mereceria nem mesmo a dignidade do nome “portunhol/portuñol”. Mesmo o decadente vampiro Michel Temer tem em geral a humildade de se valer de intérpretes, assumindo sua monoglossia e não fazendo papel ridículo.

Uma palavra aí pronunciada pode ser a chave pra explicar sua atitude: CEPAL. Ao contrário dos economistas de orientação liberal, centrados na realidade e produção dos países anglo-saxões, a escola de economia latino-americana tão influente nas esquerdas brasileiras deve ter levado Dilma a ler passivamente muitos textos em espanhol (e, por que não, também falar com hispanófonos condescendentes, ouvir músicas e assistir à TV na língua). Ela devia entender, mesmo sem ter estudado o idioma a fundo (com gramáticas, conversação, cursos etc.), mas na hora de falar, por isso mesmo travou toda. Se é que travou, porque tenho a impressão que ela criou deliberadamente essa embromação, não sei se por exibicionismo ou zoeira. O fato de ter sofrido impeachment e estar com possível impressão de “não dever nada a ninguém” deve ter reduzido a inibição. Eu, pelo menos, não posso confirmar se ela teve ou não aulas de espanhol, mas a “língua” dela nem tem estrutura, mesmo pro nível iniciante (e ela já é idosa!).

Como eu disse, minhas postagens sobre a Dilma não têm caráter partidário ou ofensivo, e até me senti constrangido ao ter de retirar as marcas de grupos reacionários dos vídeos que coletei (nem por isso deixo de citar as fontes). Já que muita gente me pergunta, relembro que votei nela duas vezes, mas me arrependo: em 2010 foi esperança de sobriedade, e em 2014 foi falta de opção (e em 2018, nem sei o que vai ser!), mas a teimosia e a desordem da “gerentona”, além da fraqueza ante a oposição que ela rotulou de “golpista”, me desiludiram. Sou de “esquerda em geral”, mas não me identifico com um partido específico, nem com os leninismos (Stalin, Mao, Hoxha etc.) em geral, ante os quais tenho uma postura bem crítica, mas tento entender objetivamente, como historiador. Mas não gosto de reclamar à toa ou ofender, e vejo no humor uma forma de expiarmos nossas mazelas. Esses vídeos da Dilma são mesmo humorísticos, mesmo não tendo sido essa a intenção dela; quem sai na chuva é pra se molhar, e eu apenas tentei transcrever seu idioleto com a ortografia do português, sem acrescentar nada. Isso aí eu não diria nem que é “portunhol” ou “espanguês”, mas uma espécie de falar ibero-romance indefinido que resolvi designar ibero-dilmês.

Em resumo, é uma variante ibérica do que eu chamaria, ao modo da linguística estruturalista, de sistema “dilmês” pra articular as ideias. Talvez uma chave pra entender seu romanesco esteja na chamada Interlingua de IALA. Eu organizei as falas não por ordem cronológica (tem coisas de antes e depois da deposição), mas de duração, e no final o discurso em Sevilha (Espanha) tem outra parte, transcrita por Augusto Nunes, que não incluí (e outras ainda devem não ter sido publicadas). A segunda parte da fala da repórter chilena do jornal El Mercurio só pude entender consultando uma transcrição parcial. O resultado dessa salada está no meu canal Eslavo (YouTube), e estes foram os vídeos-fonte, na ordem em que legendei:

http://youtu.be/v_er1ItkSws
http://youtu.be/lf3BWAr-joY
http://youtu.be/47sOJacJCzI
http://youtu.be/5_Q9Gm6b-3w
http://youtu.be/o8pi2d1YopU
http://youtu.be/5L7eKB3f9Ps