quinta-feira, 21 de janeiro de 2021

Como se escreve o nome da covid-19?


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por Erick Fishuk


Estou escrevendo este texto de cabeça, após a dúvida surgir durante a correção, que estou fazendo pra outra pessoa, de um texto acadêmico. Ela mencionou o nome da doença “COVID-19” (escrito assim, com maiúsculas e hífen) e eu decidi pesquisar se já existe, afinal, alguma regra que determine a grafia correta da maldita praga causada pelo coronavírus (esta sim, uma palavra consagrada, pois há outros tipos de coronavírus). Achei vários sites que dizem algo a respeito, nem sempre concordando entre si, mas decidi não os citar aqui.

Resumindo as regras e recomendações que li neles, redijo aqui o que, por enquanto, pode ser um procedimento mais saudável. Se alguém tem outras sugestões ou sabe de algo mais que foi determinado ou deliberado, por favor mande-me um e-mail diretamente, e evite fazer escândalo polemizando contra mim sem avisar ou detratando meu texto pelas minhas costas. Conhecimentos unidos podem tornar este material ainda mais útil!

O primeiro ponto ressaltado é que, em se tratando de ideia e fenômeno novos, alguma oscilação pode existir, e nas mídias hoje tão abundantes a prática pode variar muito. Até os “organismos autorizados” estabelecerem a palavra final, pode levar ainda algum tempo, e pode ser mesmo que a forma triunfante, por força do uso, nem seja a que obedeça às normas vigentes. Mesmo assim, toda tentativa de padronização é bem-vinda, pra unificar os usos e dirimir dúvidas em horas cruciais de redação.

Um dos exemplos citados é o da aids, que originalmente era a sigla inglesa AIDS, significando nessa língua “Síndrome da Imuno-Deficiência Adquirida” (em espanhol, é mais comum lermos e ouvirmos SIDA). Muitos ainda escrevem “AIDS” toda capitalizada, mas a forma minúscula de substantivo comum “aids” também é considerada correta. Por vezes, à medida que nomes de marcas de produtos acabam sendo identificadas com os próprios produtos, sobretudo quando eles não têm equivalente em determinada língua, esses nomes também se tornam substantivos comuns. Por vezes passam a ser escritos apenas em minúsculas, mas não raro também são “aclimatados” à língua-hóspede, mudando-se a pronúncia e, claro, a ortografia.

Pra começo de conversa, o nome científico do vírus em expansão é Sars-CoV-2, o famoso “coronga”, embora ele seja apenas um dos tipos de coronavírus existentes, como escrevi acima. Esta não é a doença causada pelo referido vírus, a qual recebeu, enfim, um nome próprio após a descoberta: CoViD-19, isto é, corona-virus disease em inglês, detectada pela primeira vez na China em 2019 (mais exatamente em dezembro). Uma das dúvidas, então, está solucionada: “covid-19” é uma palavra feminina, pois se refere à “doença”, esta de gênero feminino em português.

Por razões óbvias, tanto de comunicação imediata em aplicativos de mensagens quanto de rapidez numa produção midiática sempre mais informatizada e lucrativa, ninguém ficaria alternando o tempo todo entre maiúsculas e minúsculas pra escrever “CoViD”. A solução foi simplificar, e julgando-se ser ainda uma sigla composta de iniciais de substantivos próprios, surgiu a forma COVID-19, de longe a mais usada hoje na mídia, e não considerada errada de forma alguma. Contudo, seu uso cada vez mais massivo põe em evidência o fato de que nossos olhos se cansam muito fácil de ler muitas maiúsculas em sucessão, além de que mesmo em computadores e celulares, a passagem à capitalização sempre desacelera um pouco a fluência da escrita, via de regra feita em minúsculas.

Mesmo jornais brasileiros consagrados, como O Estado de S. Paulo, já aderiram massivamente à forma covid-19, toda em minúsculas, como um substantivo comum. E também por força do uso, visando à comunicação dinâmica, direta e simplificada, o mesmo órgão paulistano não raro reduz tudo apenas a covid, a qual sabemos muito bem do que se trata. Nas fontes que consultei, nada se diz a respeito de “covid”, criação típica dos brasileiros abreviadores, e desconheço seu emprego e aceitação em Portugal. (No telejornalismo estrangeiro, sobretudo italiano e francês, ouvir só “covid” já é algo corrente.)

Mas vamos nos ater a nosso melhor resultado até agora, que é “covid-19”. O portal de notícias G1 da Globo utiliza “Covid-19”, de inicial maiúscula, com bem mais frequência. Porém, se consideramos “a covid(-19)” como uma doença reproduzível em cada ser humano, e seguindo a tendência de todos os substantivos comuns de doenças em português, a obrigatoriedade do cê maiúsculo não se justifica, quiçá mesmo seu próprio uso. Isso, claro, se o nome for apropriado de vez pela língua corrente, o que parece longe de ser negado, mesmo apenas um ano após o início do surto.

Enfim, não sejamos dogmáticos, até porque os “doutos acadêmicos”, cujas preocupações sempre parecem muito mais voltadas a séculos anteriores e em hermetizar a língua mais do que flexibilizá-la, ainda não saíram de seu isolamento sanitário obrigatório. O que vale nos dias de hoje é a clareza, a constância e o dinamismo, e a mim, como simples blogueiro, me parece que “COVID-19”, “covid-19” e mesmo “covid” se prestam todas igualmente ao mesmo propósito. Não julguem, e também não sejam julgados.

Quanto à pronúncia, que é um tópico menos importante, apenas algumas palavras. O famoso “sítio” Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, que está sediado na Europa, não o impedindo de ser bastante abrangente, menciona a corrência da pronúncia lusitana “curônaVÍruch” com relação ao coronavírus. No Brasil, onde o primeiro ó não costuma ser reduzido, é mais comum ouvirmos “côrônaVÍrus” ou “côrônaVÍruch”, além de “covid” ser quase sempre pronunciado “côVÍdji” ou, em partes do Nordeste, “cóVÍdji” ou até “cóVÍdi” com dê duro. O que tenho ouvido na mídia estrangeira é “CÓvid” em Portugal (que não raro emudece consoantes finais) e na Itália, “CÔUvid” ou “CÂUvid” em inglês e “côVÍD” em francês.

Mas paremos por aí, na esperança de já ter ajudado o suficiente, porque senão já seria regulação demais. E justamente na parte mais bela e menos controlável da linguagem!