quinta-feira, 26 de julho de 2018

Últimos poemas inéditos em esperanto


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Há alguns meses, como vocês devem se lembrar, publiquei uma série de poemas e sonetos em esperanto, que escrevi na adolescência ou em algum momento de minha graduação em História. Eles foram selecionados porque eu não via nenhum porém pra sua publicação, seja pelo vocabulário, pelo tema ou pelo contexto. Contudo, sobraram ainda em meus arquivos três poemas (um deles, soneto) que eu tinha decidido não postar, mas que, pra comemorar hoje os 131 anos da publicação do primeiro manual de esperanto em Moscou, lanço aqui com comentários e tradução.

O primeiro deles é uma grande pérola: foi minha primeira tentativa de versificação em esperanto quando eu tinha 14 anos, em 2002! Nesse ano, eu tinha resolvido embalar de vez meu aprendizado, porque tinha feito meu primeiro contato em 2000, aos 12 anos, e passei o ano seguinte relativamente parado. Tendo assimilado o básico da língua, me atrevi a “poetar”, o que já fazia ativamente em português (neste, porém, a maioria dos textos se perdeu), e foi realmente a primeira vez que fiz isso num idioma estrangeiro. Como vocês podem perceber, nessa primeira fase ainda predominam os temas “românticos”, como se realmente eu estivesse apaixonado, mas era de fato um decalque dessa saturação que os programas de TV impõem até hoje.

Curiosamente o esquema métrico coincide com Norwegian Wood, uma canção dos Beatles, banda pela qual só tive uma breve admiração quando eu tinha 7 anos de idade. Eu não tinha, contudo, ouvido a gravação em nenhum lugar, mas minha avó tem um livro de partituras pra flauta doce com músicas deles, e eu a tocava no teclado. Eu estava aprendendo esse instrumento e, mesmo não conhecendo o áudio, achei a melodia bonita, e por isso devo ter decidido versificar em esperanto. Não fiz, porém, qualquer tentativa de tradução ou adaptação direto do inglês, como fiz com outras canções, e a nova obra autêntica foi intitulada Vi ĉarmas min (Você me encanta).

Acho interessante como, ainda tão jovem, mesmo escrevendo sobre temáticas banais (algo que sempre me criticaram quando chegavam a ler um poema meu), eu tinha algum tino pra estruturar relativamente bem a métrica e o sentimento. Quem conhece esperanto, sabe como abuso da elisão do “o” final dos substantivos por meio do apóstrofo, pra manter as sílabas tônicas originais. Eu sequer tinha a intenção de publicar o poema em qualquer meio, mas quando lancei meu finado site de esperanto, talvez poucos anos depois, aí o coloquei junto dos outros que vocês já conhecem ou não. Segue o texto sem alteração nenhuma, e uma tradução improvisada pro português, só pra dar uma noção do conteúdo. Assim como fiz com outros poemas, desejo mais pra frente recitar este e outros pra postar no canal Eslavo (YouTube):


Vi estas la am’
En virinform’
Kaj plena ĉarm’.
Restu sole ĉi
Tie kaj min
Tuj kisu vi.

Al mi diru, ke nia amo estas la senfin’.
La vivo al ni estas bela, Dio benu nin!

Mi estas duon’,
Unu, kun vi,
Sen vi, malbon’.
Malkompleta kor’
Mi estas nun
Kaj sen labor’.

Ne lasu, ke sur via korpo ne estu belec’.
De Dio vi estas farita per peco post pec’.

Vi, kvazaŭ anĝel’,
Transportas min
Al la ĉiel’.
Ho plena pasi’
En via kor’
Tre ĉarmas min.

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Você é o amor
Em forma de mulher
E pleno encanto.
Permaneça apenas
Aqui, e você
Me beije logo.

Diga-me que nosso amor é o infinito.
A vida é bela para nós, Deus nos abençoe!

Eu sou metade,
Inteiro com você,
Um mal sem você.
Um coração incompleto
Eu sou agora
E sem atividade.

Não deixe que eu seu corpo falte beleza.
Você foi feita por Deus, pedaço por pedaço.

Você, tal como um anjo,
Me transporta
Para o céu.
Ó, uma plena paixão
Em seu coração
Me encanta muito.



O segundo poema, um soneto, tem uma importância muito grande pra mim. Primeiramente, porque é um dos marcos do tempo na minha adolescência, no final de 2004 (eu tinha 16 anos), em que eu comecei a compor sonetos sistematicamente (em português e esperanto). Foi um período, ou “fase”, que durou mais ou menos até o começo da minha graduação (março de 2006), mas outros sonetos e poemas diversos, esporadicamente, continuariam sendo escritos. O presente soneto, que chamei Seka vojo (Caminho seco, ou Caminho árido), deve datar entre fim de outubro e começo de dezembro de 2004, mas é mais provável que seja de novembro. Eu tinha impressos todos os meus sonetos em português ou esperanto, indicando a data de composição. Mas após os digitalizar todos, joguei os originais fora, e no caso do esperanto não há as datas transcritas.

Infelizmente, também não tenho certeza se os poemas que ficaram são todos os que escrevi em esperanto ou se em dado momento joguei no lixo algum ou alguns nessa língua. No caso do português, realmente joguei muitos fora sem copiar, e não tenho mais registro deles. Seka vojo trata de um assunto que compartilhei com muito poucas pessoas: minha segunda maior crise de ansiedade no final de 2004 e a rejeição que eu sentia na sala de aula. Embora, obviamente, o soneto exagera em algumas figuras e mistura uma infinidade de objetos díspares, ele reflete minha angústia ante a iminência do vestibular, a pressão pra escolher uma carreira e a carência afetiva. Esta derivava de eu ainda não ter perdido, ou estar pra perder, o famoso “BV” (boca virgem, aos 16!), ou seja, o gostoso e marcante primeiro beijo (de língua, claro!) que todos em minha classe do segundo ano já tinham dado. Nem era disso que eu sentia falta, na verdade, mas adolescente é uma raça sádica, e todos “me cobravam” pra que eu o fizesse, como se fosse algo a me dar mais caráter ou me fazer incluído nas putas panelinhas deles!

Em 2018, na era dos smartphones, do politicamente correto e dos infames Mi-Mi-Millennials, sei que muitos jovens ainda se reconhecem nessa situação. No meu caso, não posso dizer que sofri o chamado bullying, embora muito no fundo o pessoal me zoasse porque eu tirava notas muito altas e era ativo em classe: o que caracteriza bullying é a repetição e profundidade, e na minha escola, por incrível que pareça, havia pontuais demonstrações de respeito e admiração. Além disso, mesmo me sentido deslocado em muitos aspectos, eu era agarrado a uma das “panelas”, e com outra eu mantinha ótimas relações. Talvez a questão fosse a tal “pressão” mesmo: 1) pra me sentir incluído entre colegas que tinham valores quase opostos; 2) pra não ficar sem escolher qualquer carreira no ano seguinte, em que eu faria algum vestibular; 3) e vinda de mim mesmo, pra tirar sempre notas altas e estudar idiomas pros quais eu simplesmente não tinha tempo!

E graças aos estudos e pesquisas do sábio Prof. Augusto Cury, hoje sabemos como é muito mais torturante uma pessoa pressionar-se a si mesma, tendo sempre um “general” ou “diabo” interior, do que ser pressionada pelos outros. E é isso que, com as pedregosas figuras deste soneto, tento expressar um tanto veladamente:


Flora kamp’ trankviligas la dormon
Post longa tago de ega labor’,
Kiam rapidiĝas batoj de l’ kor’
Antaŭ enir’ en la hejmodomon.

Mia korp’ zorgas kontraŭ la dolor’
Ĉia, kia povas ĝeni l’ homon
Kaj okazigi acidan vomon
De manĝaĵoj, kiuj iĝis trezor’.

Nur patrinkares’ ne sufiĉas plu
Por resanigi min de l’ sopiroj,
Por tiri min el tiu ega tru’.

Kun amikoj realiĝos l’ iroj:
Tuj laciĝos ĉiu mia genu’,
Sed oni manĝigos min per piroj.

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Um campo florido tranquiliza o sono
Após um longo dia de muito trabalho,
Quando aceleram as batidas do coração
Antes de entrar na casa em que moro.

Meu corpo luta contra toda
Dor que possa incomodar o homem
E provocar um vômito ácido
De comidas que se tornaram tesouro.

Apenas o carinho da mãe não basta mais
Para recuperar-me dos suspiros,
Para tirar-me deste grande buraco.

Com amigos se realizarão as idas:
Os meus joelhos logo se cansarão,
Mas vão me alimentar com peras.



Finalmente, eis a parte engraçada e alegre! Desde criança, sempre achei hilários os “poemas” e ditos escritos por anônimos em divisórias ou paredes de banheiros masculinos pelo Brasil, sobre os mais variados temas. A maioria deles, claro, ilustra o que é feito no próprio recinto, e o choque entre a forma elaborada e o conteúdo “nojento” era o que me causava riso. Assim, decidi reunir os principais topos desse, digamos, gênero literário e dar-lhes a forma de poema em esperanto: e então nasceu o Poemeto necesĉambra (Poeminha de banheiro)!

No meu site de esperanto, que mantive até 2010, mais ou menos, o poema está registrado logo após A época e o mundo nossos, que suponho ser de 2007 ou 2008, por último no meu backup. O “poema de banheiro”, portanto, deve ser de 2008 ou 2009, porque desde então tem sido muito esporádico o aparecimento de poemas longos meus (exceto traduções), e acho pouco provável que seja de 2010. Embora se reclamasse que muitos poemas de temas “chulos” tivessem sido feitos em esperanto até então, não resisti em praticar o inusitado vocabulário que aprendi num antigo dicionário, sobretudo relativo a sexo e excreção... Segui o vício de usar o esquema zamenhofiano ABAB de rimas pra cada estrofe, ao invés, por exemplo, de ABCB, e de criar um título com a mesma métrica do resto do poema:


Feki estas emocie
Kiel kiso inter langoj,
Ĉar la merdo sennocie
Ĵetas akvon al sidvangoj.

Se vi regas ĉiuloke
Kaj ordonojn ĉiam strekas,
Mi vin memorigas ŝoke,
Ke vi, necesĉambre, fekas.

Ĉu en hejmoj, ĉu en kluboj,
Ne troviĝas la rezisto
Kiam finas grandaj tuboj
L’ arton de la kuiristo.

Se vi kantas dum fekado,
Do atentu pri la perdo:
Povas fuĝi per dancado
Via petolema merdo.

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(Em linguagem eufêmica)

Defecar é emocionante
Como um beijo entre línguas,
Pois o cocô, sem noção,
Joga água nas nádegas.

Se você reina em todo lugar
E sempre traça ordens,
Eu o choco ao lhe lembrar
Que você, no banheiro, defeca.

Seja em lares ou em clubes,
Não se encontra resistência
Quando grandes tubos terminam
A arte do cozinheiro.

Se você canta enquanto defeca,
Então preste atenção à perda:
Pode fugir dançando
Seu cocô travesso.