domingo, 5 de abril de 2015

Discurso: Stalin entra na 2.ª Guerra


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Cartaz de propaganda: “Sob a direção do grande Stalin, avante rumo ao comunismo!”


Introdução (Erick Fishuk)

Discurso que traduzi direto do russo para o português e legendei na íntegra. Faz parte de uma série de discursos de Stalin que pretendo lançar até o dia 9 de maio de 2015 em memória dos 70 anos do fim da Segunda Guerra Mundial na Europa.

No dia 22 de junho de 1941, apesar do Pacto Molotov-Ribbentrop de não agressão assinado entre os dois países em 1939, a Alemanha nazista invade a URSS a oeste. A incursão já era esperada pelos comunistas soviéticos, mas Hitler pegou os bolcheviques desmobilizados naquele momento. Após alguns dias de tensão na alta cúpula do Partido Comunista, Stalin decide pronunciar um discurso por rádio a todo o povo soviético, no dia 3 de julho seguinte.

Stalin inicia explicando a dimensão da invasão nazista pela mobilização antecipada dos alemães junto à fronteira, já que a URSS não queria ter rompido o pacto de 1939. Este é justificado pelo tempo adicional de paz que teria dado aos soviéticos para se prepararem melhor, sendo seu rompimento uma tragédia política para a Alemanha. Apontando a grandeza do perigo, Stalin conclama ao fim do relaxamento e da covardia, à militarização do cotidiano, a ajudarem o Exército Vermelho e a formarem guerrilhas, sabotagens e outras forças que estorvassem os nazistas. Por fim, Stalin exalta o caráter patriótico e salvador da guerra, ligada com a resistência da Europa e América e sua bem-vinda ajuda à URSS, e chama o povo a estar em torno do partido e do governo para vencer.

Dentro das Obras completas de Stalin, o discurso em russo pode ser lido no tomo 15 (Moscou, Pisatel, 1997), pp. 56-61. Seu título original é “Vystuplenie po radio, 3 iulia 1941 goda”. No site Sovmusic.ru, além de ler o texto é possível baixar o áudio em MP3. Existem ainda uma tradução parcial em espanhol e uma integral em francês que cotejei com meu trabalho para melhorá-lo. Depois que concluí tradução e legendagem, fui informado que uma primeira tradução em português já estava publicada no livro Stalin, de Emil Ludwig (Rio de Janeiro, Calvino, 1943), mas não fiz o cotejamento por falta de tempo.

Abaixo você pode ver também montagem em vídeo que fiz com fotos e o áudio do discurso, que legendei sendo feitas no texto, como sempre, as necessárias adaptações a esse tipo de mídia:


Camaradas! Cidadãos! Irmãos e irmãs!

Combatentes de nosso exército e marinha!

É a vocês que me dirijo, meus amigos!

A traiçoeira agressão militar da Alemanha hitlerista à nossa Pátria, iniciada em 22 de junho, continua. Apesar da heroica resistência do Exército Vermelho, apesar das melhores divisões e melhores unidades de aviação inimigas já terem sido destruídas e perecido nos campos de batalha, o inimigo avança em sua incursão, lançando ao front novas forças. As tropas hitleristas conseguiram tomar a Lituânia, uma parte significativa da Letônia, o Oeste da Bielorrússia e parte do Oeste da Ucrânia. A aviação fascista está ampliando as áreas de operação de seus bombardeiros, submetendo a seu fogo Murmansk, Orsha, Magiliou, Smolensk, Kyiv, Odesa, Sevastopol. Nossa Pátria está correndo um sério perigo.

Como pôde ocorrer de nosso glorioso Exército Vermelho ter cedido às tropas fascistas tantas cidades e distritos nossos? Será que as tropas fascistas alemãs são realmente um exército invencível, como apregoa sem descanso a vaidosa propaganda fascista?

Claro que não! A história ensina que não há e nunca houve exércitos invencíveis. O exército de Napoleão se reputava invencível, mas foi destruído em sucessão por tropas russas, inglesas e alemãs. O exército alemão de Guilherme 2.º na época da primeira guerra imperialista também se reputava invencível, mas foi várias vezes derrotado pelas tropas russas e anglo-francesas e finalmente destruído por ingleses e franceses. Deve-se dizer hoje o mesmo sobre o exército fascista alemão de Hitler. Esse exército ainda não havia encontrado séria resistência no continente europeu, e apenas em nosso território se deparou com real oposição. E se por conta dessa resistência as melhores divisões do exército fascista alemão foram destruídas por nosso Exército Vermelho, significa que as tropas hitleristas também podem ser, e serão, destruídas, tal como o foram os exércitos de Napoleão e de Guilherme 2.º.

Quanto ao fato de parte de nosso território, mesmo assim, estar ocupada pelas tropas fascistas alemãs, a explicação principal é que a guerra da Alemanha fascista contra a URSS começou sob condições favoráveis às tropas alemãs e desfavoráveis às tropas soviéticas. Ocorre que a Alemanha, como país que conduz a guerra, já tinha as tropas inteiramente mobilizadas, e as 170 divisões alemãs lançadas contra a URSS e alocadas junto às nossas fronteiras se encontravam em estado de total prontidão, esperando apenas o sinal para avançar, enquanto as tropas soviéticas ainda deviam se mobilizar e se alocar nas fronteiras. Aqui também importou muito a circunstância da Alemanha fascista ter violado de forma inesperada e traiçoeira o pacto de não agressão que ela assinou em 1939 com a URSS, não contando que seria considerada pelo mundo inteiro como o lado agressor. É natural que nosso pacífico país, não querendo tomar para si a iniciativa de violar o pacto, não podia seguir o caminho da traição.

Pode-se perguntar: como pôde ocorrer do Governo Soviético ter-se posto a assinar um pacto de não agressão com pessoas tão traiçoeiras e monstruosas como Hitler e Ribbentrop? Não teria sido aqui cometido um erro da parte do Governo Soviético? Claro que não! O pacto de não agressão é um tratado de paz entre dois Estados, e foi exatamente algo assim que nos propôs a Alemanha em 1939. Podia o Governo Soviético recusar tal proposta? Penso que nenhum Estado pacífico pode recusar um acordo de paz com potência vizinha, mesmo que no comando dela se encontrem monstros e canibais como Hitler e Ribbentrop. E isso, claro, sob a condição obrigatória de que o acordo de paz não fira direta ou indiretamente a integridade territorial, a independência e a honra do Estado pacífico. Como se sabe, o pacto de não agressão entre a Alemanha e a URSS é exatamente dessa natureza.

O que nós ganhamos ao assinar com a Alemanha o pacto de não agressão? Garantimos paz a nosso país durante um ano e meio e a possibilidade de preparar suas forças para reagir, caso a Alemanha fascista se arriscasse a agredi-lo a despeito do pacto. É um ganho inegável para nós e uma perda para a Alemanha fascista.

O que ganhou e perdeu a Alemanha fascista ao romper traiçoeiramente o pacto e cometer a agressão à URSS? Ela alcançou situação um tanto vantajosa para suas tropas durante um curto prazo, mas perdeu politicamente, revelando-se aos olhos do mundo inteiro como uma agressora sanguinária. Não se pode duvidar que esse ganho militar passageiro para a Alemanha é apenas episódico, e que o imenso ganho político para a URSS constitui o fator sério e duradouro em cuja base devem se desdobrar os sucessos militares decisivos do Exército Vermelho na guerra contra a Alemanha fascista.



A cidade russa de Smolensk destruída após duro combate entre alemães e soviéticos.


É por isso que todo nosso valoroso exército, toda nossa valorosa marinha de guerra, todos os nossos pilotos-falcões, todos os povos de nosso país, toda a melhor gente da Europa, América e Ásia, enfim, toda a melhor gente da Alemanha repudiam as ações traiçoeiras dos fascistas alemães e demonstram simpatia pelo Governo Soviético, aprovam a conduta dele e veem que nossa causa é justa, que o inimigo será destruído, que nós devemos vencer.

Por força da guerra que nos foi imposta, nosso país entrou num embate mortal com seu pérfido e fidagal inimigo, o fascismo alemão. Nossas tropas estão combatendo heroicamente um adversário armado até os dentes com tanques e aviões. O Exército e a Marinha Vermelhos, superando inúmeras dificuldades, estão lutando abnegadamente por cada palmo da Terra Soviética. Estão entrando em combate as principais forças do Exército Vermelho, armadas com milhares de tanques e aviões. A bravura dos guerreiros do Exército Vermelho não tem paralelo. Nossa reação ao inimigo está ficando maior e mais forte. Junto ao Exército Vermelho está se erguendo em defesa da Pátria todo o povo soviético.

O que se exige para liquidar o perigo que nossa Pátria está correndo, e que medidas devemos tomar para derrotar o inimigo?

Antes de tudo, é indispensável que nosso povo, o povo soviético, entenda toda a profundidade do perigo que ameaça nosso país e renuncie à benevolência, ao relaxamento, aos humores da edificação pacífica, plenamente compreensíveis antes da guerra, mas atualmente nocivos, já que ela mudou radicalmente a situação. O inimigo é cruel e implacável. Ele tem por objetivo tomar nossas terras, regadas com nosso suor, tomar nossos cereais e nosso petróleo, produzidos com nosso esforço. Ele tem por objetivo restaurar o poder dos latifundiários e o tsarismo, destruir cultura e instituições nacionais de russos, ucranianos, bielorrussos, lituanos, letões, estonianos, usbeques, tártaros, moldávios, georgianos, armênios, azerbaijanos e outros povos livres da União Soviética, germanizar esses povos, transformá-los em escravos dos príncipes e barões alemães. Trata-se, assim, da vida ou morte do Estado Soviético, da vida ou morte dos povos da URSS e seu ingresso na liberdade ou na escravização. Os soviéticos precisam entender isso, deixar de ser descuidados, mobilizar-se e reorganizar todo seu trabalho de um jeito novo, bélico, que não inspire pena do inimigo.

É indispensável, a seguir, que em nossas fileiras não haja lugar para chorões e covardes, alarmistas e desertores, que nossa gente desconheça o temor na luta e vá abnegadamente à nossa Guerra Libertadora Patriótica contra os escravizadores fascistas. O grande Lenin, fundador de nosso Estado, dizia que as qualidades essenciais dos soviéticos deviam ser a bravura, a ousadia, a ausência de temor na luta, a disposição para combater junto ao povo os inimigos de nossa Pátria. É indispensável que essas excelentes qualidades de um bolchevique se tornem atributos dos milhões e milhões em nosso Exército e Marinha Vermelhos e em todos os povos da União Soviética.

Devemos desde já reorganizar todo nosso trabalho de um jeito bélico, submetendo tudo aos interesses do front e às tarefas que organizem a derrota do inimigo. Os povos da União Soviética veem agora que o fascismo alemão é irrefreável em seu rancor e ódio ensandecidos à nossa Pátria, a qual garantiu a todos os trabalhadores emprego livre e bem-estar. Os povos da União Soviética devem se erguer em defesa de seus direitos e de sua terra contra o inimigo.

O Exército e a Marinha Vermelhos e todos os cidadãos da União Soviética devem proteger cada palmo da Terra Soviética, brigar até a última gota de sangue por nossas cidades e povoados, demonstrar a coragem, iniciativa e astúcia próprias de nosso povo.

Devemos organizar uma ajuda multilateral ao Exército Vermelho, garantir o reforço intensivo de suas fileiras, garantir-lhe o abastecimento com todo o necessário, organizar o rápido avanço dos transportes de tropas e carga militar e uma ampla ajuda aos feridos.

Devemos fortalecer a retaguarda do Exército Vermelho, submetendo aos interesses dessa missão todo o nosso trabalho, garantir o funcionamento intensivo de todas as empresas, fabricar mais fuzis, metralhadoras, canhões, cartuchos, projéteis, aviões, organizar a salvaguarda das fábricas, centrais elétricas, serviços telefônicos e telegráficos, ajustar a defesa antiaérea local.



Histórica parada militar na Praça Vermelha a 7 de novembro de 1941, sob cerco nazista.


Devemos organizar uma luta sem trégua contra quaisquer desorganizadores da retaguarda, desertores, alarmistas, espalhadores de boatos, aniquilar os espiões, diversionistas, para-quedistas inimigos, prestando em tudo isso assistência rápida a nossos batalhões de extermínio. Precisamos ter em vista que o inimigo é pérfido, ardiloso, perito em enganar e espalhar falsos boatos. É preciso levar tudo isso em conta e resistir às provocações. Precisamos desde já julgar no tribunal de guerra todos os que estorvam com seu alarmismo e covardia a causa da defesa, sem qualquer distinção.

Em caso de retirada forçada das unidades do Exército Vermelho, devemos levar todo material ferroviário rodante, não deixar ao inimigo uma só locomotiva, um só vagão, não deixar ao adversário um só quilo de cereais, um só litro de combustível. Os kolkhozianos devem levar todo o gado, entregar os cereais à proteção dos órgãos estatais para serem transportados a regiões na retaguarda. Todos os bens valiosos, inclusive metais não ferrosos, cereais e combustível, que não puderem ser levados devem ser absolutamente destruídos.

Nas regiões ocupadas pelo inimigo, devemos criar grupos guerrilheiros de cavalaria e infantaria, criar grupos de sabotagem que combatam as unidades do exército inimigo, fomentem guerrilhas por toda parte, explodam pontes e estradas, avariem serviços telefônicos e telegráficos, incendeiem bosques, depósitos e comboios. Nas regiões ocupadas, devemos criar condições intoleráveis ao inimigo e todos os seus cúmplices, perseguir e aniquilá-los a cada passo, frustrar todas as suas iniciativas.

A guerra contra a Alemanha fascista não deve ser tida como uma guerra qualquer. Ela não é apenas uma guerra entre dois exércitos. Ela é, além disso, uma grande guerra de todo o povo soviético contra as tropas fascistas alemãs. O objetivo dessa Guerra Patriótica nacional contra os opressores fascistas não é apenas liquidar o perigo que nosso país está correndo, mas também ajudar todos os povos da Europa dobrados pelo jugo do fascismo alemão. Nessa guerra libertadora não estaremos sozinhos. Nessa grande guerra teremos aliados fiéis na figura dos povos da Europa e América, inclusive do povo alemão escravizado pelos figurões hitleristas. Nossa guerra pela liberdade da Pátria se confundirá com a luta dos povos da Europa e América por sua independência e pelas liberdades democráticas. Essa será uma frente única dos povos que defendem a liberdade, contra a escravização e a ameaça de escravização por parte dos exércitos fascistas de Hitler. Por essa razão, o histórico discurso do Sr. Churchill, premiê britânico, sobre a ajuda à União Soviética e a declaração do governo dos EUA sobre a disposição em prestar ajuda a nosso país, os quais só podem despertar um sentimento de gratidão nos corações dos povos da União Soviética, são plenamente compreensíveis e significativos.

Camaradas! Nossas forças são incalculáveis. O inimigo, cheio de presunção, logo deverá se convencer disso. Junto ao Exército Vermelho estão se erguendo milhares e milhares de operários, kolkhozianos e intelectuais para a guerra contra o inimigo agressor. Vão se levantar as massas de milhões de nosso povo. Os trabalhadores de Moscou e Leningrado já se puseram a formar aos milhares uma milícia popular em apoio ao Exército Vermelho. Em cada cidade que correr o perigo de invasão inimiga, devemos formar tal milícia popular, erguer todos os trabalhadores à luta para defender de corpo e alma sua liberdade, sua honra e sua Pátria em nossa Guerra Patriótica contra o fascismo alemão.

Para mobilizarmos rapidamente todas as forças dos povos da URSS e para conduzirmos a reação ao inimigo e sua agressão traiçoeira à nossa Pátria, criamos o Comitê Estatal de Defesa, em cujas mãos concentramos a plenitude do poder do Estado. O Comitê Estatal de Defesa se pôs a trabalhar e está conclamando todo o povo a cerrar-se em torno do partido de Lenin e Stalin, em torno do Governo Soviético para apoiar com abnegação o Exército e a Marinha Vermelhos, para derrotar o inimigo, para vencer.

Todas as nossas forças em apoio a nosso heroico Exército Vermelho, à nossa gloriosa Marinha Vermelha!

Todas as forças do povo à derrota do inimigo!

Avante, pela nossa vitória!



Guerrilheiras soviéticas na Frente Oriental de combate aos nazistas.