quarta-feira, 31 de maio de 2017

“Ĉiutaga vivo” (soneto em esperanto)


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Repetindo a iniciativa de uma postagem anterior em que publiquei um soneto em esperanto, vão aqui mais alguns versos meus que escrevi no final da adolescência. Pra não correr o risco de repetir muita coisa que eu já tinha escrito, relembro apenas alguns pontos, de modo mais sucinto. Entre o fim de 2004 e o começo de 2006 eu fiz vários sonetos em português e esperanto, como sintoma de uma transição grave na minha vida, ou seja, do Ensino Médio pra faculdade. Como eu também já tinha dito, vivi vários dilemas de adolescência, até porque, diferente do resto da escola, eu gostava muito de ficar em casa lendo e escrevendo, e não indo em balada, e isso me fazia ser visto com olhos tortos. Assim, como expressão da inquietação, surge a poesia, numa época em que eu também dominava melhor o esperanto. Embora com a graduação eu não tenha mais tido muito tempo de “poetar” ou de praticar essa língua, as pérolas ficaram.

Eu gostava do modelo de soneto, porque aprendi no Ensino Médio, orientado por bons professores, e lia exemplos de vez em quando em livros à parte ou no próprio material didático. O mais instigante é que decidi escrever também em esperanto, única língua estrangeira que eu dominava então. Talvez fosse uma dupla blindagem dos sentimentos: as figuras poéticas abstraíam a verdadeira expressão, e o esperanto é uma língua que poucos leem no Brasil, ainda mais no Ensino Médio. Uma terceira blindagem talvez tenha sido eu não ter mostrado então a ninguém, nem ter traduzido o conteúdo.

Este soneto se chama “Ĉiutaga vivo”, literalmente “Vida diária” ou “Vida cotidiana”, ou só “O cotidiano”, refletindo o que um dos meus professores de português, digamos, me criticou: usar a forma poética pra falar de assuntos corriqueiros. Não anotei a data, mas por estar na primeira metade da coleção que tenho guardada, deve ser do fim de novembro ou começo de dezembro de 2004. Realmente, descrever o que eu fazia no dia a dia de fim da adolescência, quase terminando o colegial, era um tema “nada a ver” pra um soneto. Mas até hoje não consigo explicar por que eu gostava tanto de escrever poesia, sem ter a pretensão de ser escritor ou mesmo crítico literário! Acho que era uma forma de exercício linguístico e intelectual que me veio ser muito útil no futuro, instando principalmente a aprender vocabulário. De fato, sonetos são pra coisas etéreas, e não pras banalidades que andei tratando. Mas por que todo poeta precisa estar no mundo da Lua? E no futuro, se eu ficar famoso, pode virar uma joia pra que falem: “Nossa, esse cara também sabia fazer poesia!”

Quanto às regras métrico-sonoras, eu contei como sílabas plenas também as pós-tônicas, sem saber qual era o costume no esperanto. Por exemplo, usando o modelo francês, se um verso em português termina com “claro”, a sílaba “ro” não entra na contagem, assim como as sílabas “ti” e “co” da palavra “ático”. O fácil no esperanto é que toda palavra com duas sílabas ou mais é paroxítona (kareso), e os substantivos podem virar oxítonos pela elisão do O final (kares’). Portanto, o difícil é que, ao contrário do português, palavras oxítonas e paroxítonas não podem rimar entre si.

Seguem abaixo o texto em esperanto e, em seguida, uma tradução literal não rígida em português, pra que vocês possam conhecer pelo menos o significado. Seria interessante escutá-lo também recitado, mas um dia vou começar a gravar mais poemas meus em esperanto no canal O Eslavo (YouTube). Boa leitura, e espero que gostem!



Ĉiutaga vivo

Interreto kaj skriboj en komputil’,
Biciklada aŭ naĝada gimnastiko,
Televida dramseria polemiko,
Amikoj zorgantaj pri mia vestostil’.

Revuoj traktas pri aliula ŝiko,
Dum krimulo mortigas fraton per pafil’;
Servante ĉi tiu poemo kiel il’,
Mi fariĝos doktoro pri poemiko.

Kreado estas manĝaĵo por mia mens’,
Kiu ĝin fortigas, por ke ĝi laboru
Cele al la ŝanĝo de l’ mondo nur per pens’.

La sciemuloj por la paco deĵoru,
Ne plu por envia komplota dens’,
Kaj por ĉiam fidiron ĉian forvoru.

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Vida cotidiana

Internet e escritas no computador,
Ginástica com bicicleta ou natação,
Polêmica na novela da televisão,
Amigos xeretando meu jeito de vestir.

Revistas falam do glamour alheio,
Enquanto o criminoso mata o irmão com revólver’;
Servindo este poema como instrumento,
Vou me tornar doutor em poética.

Criar é alimento pra minha mente,
Que a fortalece, pra que ela trabalhe
Visando mudar o mundo só pelo pensamento.

Que os sábios montem guarda pela paz,
Não mais por densos complôs invejosos,
E pra sempre descratem toda ofensa.




domingo, 28 de maio de 2017

Hollande lamenta policial assassinado


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No dia 20 de abril, a França esteve de novo às voltas com o terror dos extremistas islâmicos, sem contar os pequenos ataques que são debelados ou que ocorrem em escala restrita. Na famosa Avenida dos Champs-Élysées, um dos símbolos não apenas de Paris, mas de toda a França, um criminoso francês, mas de religião e origem islâmicas, atirou com um fuzil Kalashnikov contra um furgão de policiais e conseguiu matar um deles e ferir outros dois. Foi por volta das 20h50min (15h50min no horário de Brasília), instaurando um clima de terror entre os passantes e levando ao fechamento do bairro quase de imediato. Logo depois, ele mesmo também foi morto, identificado como Karim Cheurfi, de 39 anos, com o qual se encontrou uma carta jurando fidelidade ao grupo Estado Islâmico. Este, por sua vez, reivindicou rapidamente a autoria, dizendo que Cheurfi era um dos seus, embora ele tivesse, de fato, várias passagens policiais por roubo e tentativa de assassinato desde 2001.

O grande baque desse fato é que no domingo seguinte, ocorreria o primeiro turno das eleições presidenciais, em cujas sondagens o candidato de Hollande, Benoît Hamon (PS), estava então num insólito quinto lugar, ou seja, o último entre os principais candidatos. Os candidatos mais contestadores de todos os lados, que eram Marine Le Pen (FN, extrema-direita), Jean-Luc Mélenchon (FI, extrema-esquerda) e Emmanuel Macron (En Marche!, centro, mas ex-ministro de Hollande), estavam à frente, com votação bem próxima. Mesmo François Fillon, do partido dos ex-presidentes Sarkozy e Chirac (Les Républicains), estava atrás deles, embora terminasse a disputa em terceiro. O maior medo dos socialistas era que Le Pen, que há anos explora mais esse medo do islã, saísse na frente, mas ao final ela terminou os dois turnos em segundo lugar (embora a passagem pro segundo já fosse por si só um susto). No momento do atentado, estava havendo o último debate televisivo entre todos os candidatos, e ao saberem do fato, tiveram que abordar inevitavelmente, mais do que queriam ou previam, o tema do terrorismo. Apesar do medo de um “Frexit” (“Brexit” francês) com Marine vitoriosa, Macron elegeu-se presidente com larga vantagem, marcando após décadas a primeira eleição em que nem PS, nem Les Reps chegam à final.

Neste vídeo, Hollande deplora o assassinato, dirige seus sentimentos à família do policial, garante a mobilização das forças de segurança e repete lamentavelmente a mesma ladainha que já apareceu aqui no blog tantas vezes, em traduções dele. No começo de abril mesmo, eu já tinha postado o vídeo de Putin comentando os atentados no metrô de São Petersburgo. A França não vive apenas uma crise de violência, mas também econômica, social e moral, com o país extremamente dividido (em todo caso, contra o Partido Socialista). Contudo, no dia 18 de março, Hollande teve estômago pra escrever esta mensagem no Twitter: “Hoje, meu orgulho é poder estar transmitindo ao meu sucessor um país mais forte, mais digno, mais coeso e mais coerente do que em 2012.” Hashtag #Crolles, pequena cidade do sudeste em que ele fazia uma visita, mas que, segundo os internautas, que caíram de pau, deveria ser #Troll (o -es não é pronunciado).

Não haveria pior fim de mandato! No YouTube, este vídeo foi o único sem legendas, num canal amador sobre política, que achei na íntegra e sem marcas de outros canais, mas com qualidade e áudio menos bons. O texto integral transcrito desta fala de Hollande foi apagado do site da Presidência, mas há outra cópia nesta página, embora em letra menor. Foi a partir dele que eu traduzi e legendei. Seguem abaixo as legendas e a tradução em português mais refinada:



Senhoras e senhores,

Esta noite, exatamente às 21h, nos Champs-Élysées, ocorreu um ataque visando policiais e a van em que eles se encontravam.

Um policial foi morto. Dois outros foram feridos. Uma pedestre também foi atingida. O próprio criminoso foi neutralizado por outros policiais.

O bairro todo foi cercado. As pessoas que estavam lá puderam ser evacuadas. Estamos certos de que as pistas, que podem conduzir à investigação e deverão revelar toda a verdade, indicam um ato terrorista. Aliás, o Polo Antiterrorista foi acionado, e o inquérito será comandado por ele, para se conhecerem as razões e os eventuais cúmplices.

Convoquei para amanhã, às 8 da manhã, um Conselho de Defesa. Fazemos tudo para que a mobilização de nossas forças de segurança, militares e corpos policiais se encontre no mais alto nível nas circunstâncias que conhecemos, o que já ocorre mesmo há meses. Faremos vigilância absoluta, em especial com vistas às eleições.

Mas todos entenderão neste momento que meus sentimentos estão com a família do policial morto, bem como com o círculo íntimo dos policiais feridos. Uma homenagem nacional será prestada a esse policial que foi assassinado tão covardemente.

Devemos todos ter em mente que nossas forças de segurança fazem um trabalho especialmente difícil, que ficam expostas, como também vimos esta noite, e que o apoio da nação é total para com elas. Reitero aqui todos os meus compromissos tomados em relação aos militares e às forças policiais, apoios também válidos à proteção da Nação e à segurança de todos. Tudo deve ser feito para que a Polícia e o Exército possam cumprir sua missão, claro, dentro do Estado de direito e seguindo as regras, mas com a confiança de toda a Nação.

Essa é a mensagem que quero dirigir esta noite, não só a militares e policiais, mas também a todos os nossos concidadãos, que estão protegidos, devem estar e estarão. Todas as medidas que puderam ser tomadas vão nessa direção.

Mas o princípio básico, que deve ser toda vez relembrado, é a confiança, a solidariedade e o apoio da Nação para com as forças de segurança. Esse é meu pensamento esta noite, um pensamento com grande tristeza por causa desse funcionário que fez seu trabalho até o fim, de sua família e dos policiais feridos, mas também com ciência de nossa grande determinação a fazer tudo para combater o terrorismo, no país e onde quer que nossas tropas estejam atuando. Obrigado.


quarta-feira, 24 de maio de 2017

Canção “Fellings” (1973) em esperanto


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Mais um brasileiro que, nos aos 70, fez sucesso internacional com pseudônimo em inglês e cantando em inglês. Esta canção se chama Feelings (Sentimentos) e foi composta por Morris Albert, nome artístico de Maurício Alberto Kaisermann, que a gravou pela primeira vez em 1973 e ganhou fama quando ela entrou na trilha sonora da novela Corrida do ouro (Rede Globo, 1974). Em 1988 a justiça norte-americana condenou Albert a pagar uma alta indenização ao compositor francês Loulou Gasté, que o acusou de plagiar a melodia de sua canção Pour toi (Por você, 1957), embora o brasileiro negue a cópia. Ocorreu que Feelings ficou por muito tempo entre as mais tocadas até mesmo nos EUA e na Inglaterra, e muitos cantores celebérrimos a regravaram. Eu a traduzi em 17 de abril de 2004 ao esperanto e dei-lhe o nome Sentoj (mesmo significado). Antes desta publicação, eu fiz mudanças em apenas dois versos. Nesta página vocês podem ler a letra em inglês, e abaixo seguem um vídeo com a música cantada e a letra em esperanto.

Jen alia brazilano, kiu en la 1970-jaroj havis internacian sukceson kun anglalingvaj pseŭdonimo kaj kantado. Ĉi tiu kanzono nomiĝas Feelings (Sentoj) kaj estis komponita de Morris Albert, artnomo de Maurício Alberto Kaisermann, kiu registris ĝin unuafoje en 1973 kaj obtenis sukceson, kiam ĝi estis aldonita al la akustika trako de la brazila dramserio Corrida do ouro (Globo TV, 1974). En 1988 usonanaj juĝistoj kondamnis Albert-on pagi grandan monkompenson al la franca komponisto Loulou Gasté, kiu akuzis lin plagiati la melodion de sia kanzono Pour toi (Por vi, 1957), kvankam la brazilano neas la kopion. Okazis, ke Feelings restis longatempe inter la plej ludataj eĉ en Usono kaj en Anglio, kaj multaj konategaj gekantistoj reregistris ĝin. Mi tradukis ĝin la 17-an de Aprilo 2004 al Esperanto kaj nomis ĝin Sentoj (laŭlitera signifo). Antaŭ ĉi tiu publikigo, mi korektis nur du versojn. Vi povas ĉi-paĝe legi la anglalingvan tekston, kaj ĉi-sube estas video kun la kanzona registro kaj la teksto en Esperanto:


Sentoj

Sentoj, estas simplaj sentoj,
Por forgesi sentojn plenajn je am’.
Larmoj sur vizaĝo mia
Por forgesi sentojn plenajn je am’.

Sentojn, mi dum la vivo sentos.
Mi ne dezirus koni vin;
Vi ne revenos plu.

Sentoj, ho, ho, ho, sentoj,
Ho, ho, ho, senti per la brakoj vin.

Sentoj, kvazaŭ vi ne min forlasis
Kaj kvazaŭ mi ne vin posedos
Denove en kor’.

Sentojn, mi dum la vivo sentos.
Mi ne dezirus koni vin;
Vi ne revenos plu.

Sentoj, kvazaŭ vi ne min forlasis
Kaj kvazaŭ mi ne vin posedos
Denove en viv’.

Sentoj, ho, ho, ho, sentoj,
Ho, ho, ho, senti per la brakoj vin.



domingo, 21 de maio de 2017

Vinheta da Globo: Brasil na Copa 2018


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Temos aqui a vinheta que a Rede Globo lançou na madrugada do dia 29 de março, logo após o Uruguai perder pro Peru por 2 a 1 nas eliminatórias pra Copa da Rússia, que ocorrerá em 2018. Com esse resultado, o Brasil se classificou definitivamente pro torneio, e o grande canal de TV comemorou na língua do hóspede. Como diria o locutor, se fosse em Moscou, Do vstrechi v Rossii (A gente se vê na Rússia)!

Quando traduzi esse vídeo, achei que por um bom tempo essa música viraria um chiclete na cabeça de todo mundo. Mas pelo que vejo, a Globo parou um pouco de exibir, a não ser que depois eles retomem com força. Pelo menos, espero que ajude a despertar o interesse pela cultura russa! É uma tradução literal do tema chamado Coração verde e amarelo, composto pelos músicos Tavito e Aldir Blanc pra Copa de 1994, que ocorreu nos EUA e que, aliás, o Brasil ganhou, após um jejum de 24 anos. Eu tinha 6 anos nessa época, me lembro bem quando tocava a música inteira na Globo. Recomendo que procurem a versão completa no YouTube! O tema não é mais famoso do que o Pra frente, Brasil! (“90 milhões em ação...”) da Copa de 1970, que também ganhamos. Porém, é o mais duradouro, e a Globo jamais deixou de tocá-lo, mesmo que quase sempre só com esse refrão.

O vídeo foi criado pela área de Comunicação da Globo e produzido pela Sentimental Filmes, tendo ficado pronto antes da classificação definitiva, mas esperando apenas a confirmação final. A produtora Tesis gravou o áudio com esses quatro músicos e a cantora que divulgam o folclore russo no Brasil, mas, ao contrário do que ela diz, a letra não é “intraduzível”, como vocês podem ver abaixo. A criação do vídeo é de Sergio Valente, Carlo Iulio e Spartakus Santiago, com direção criativa de Mariana Sá, Leandro Castilho e Valente. A direção (pela Sentimental) é de Maurício Guimarães e Luciano Zuffo, com fotografia de Rodolfo Ancona “Ruda” Lopez, e a produção é de Dudu Venturi e Marcos Araújo. A produção musical (da Tesis) é de Henrique Racz e Silvio Piesco, e o locutor que fala ao final é Ithamar Lembo. Informações sobre o vídeo estão neste artigo e neste outro artigo.

Ao que parece, a cantora que aparece no vídeo atende pelo nome artístico de Siberia, e ela postou uma das cópias do vídeo que vários replicaram no YouTube, só com as legendas em russo transliterado. Pra deixar o público feliz, além da legenda em cirílico, fiz uma tradução não tão literal, diferente da que Siberia fez na descrição do vídeo, mas que passa o espírito da letra em russo. A versão em russo é muito parecida com a canção original da Globo, mas eu faria a transliteração de outro jeito, pelo meu sistema que pode ser lido aqui no blog. Seguem abaixo a legendagem, a letra em russo (cirílico e latino) e a tradução em português:


2x:
Я знаю, смогу
Проявить свой напор.
За голом – гол,
Мы посмотрим повтор,
И верю, хоть
Моё сердце трепещет в груди,
Бразилия, ты – впереди!

2x:
Ia znaiu, smogu
Proiavit svoi napor.
Za golom – gol,
My posmotrim povtor,
I veriu, khot
Moio serdtse trepeschet v grudi,
Brazilia, ty – vperedi!

2x:
Sei que vou poder
Mostrar minha energia.
Depois de gritar GOL,
Vamos ver o replay,
E acho que até vibra
No meu peito o coração,
É você na frente, Brasil!

quinta-feira, 18 de maio de 2017

“Plenkreskiĝo” (Adolescência), poema


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Este é mais um dos poemas que escrevi quando era adolescente, recorrendo também ao esperanto pra me expressar. É um soneto, e fiz vários deles, em português e esperanto, entre o fim de 2004 e o começo de 2006. Em 2004 eu estava terminando o segundo ano do Ensino Médio, e por isso me preocupava muito com que vestibular eu ia prestar no ano seguinte. Em 2005 também vivi diversos dilemas do fim dos estudos e da quase chegada à idade adulta, e os expressei interessantemente em poemas. Em 2006 eu já não tinha muito tempo de escrever porque os estudos superiores e o transporte de Bragança a Campinas tomavam o tempo. Mesmo assim, as pérolas ficaram.

Eu gostava muito do modelo de soneto, porque eu o aprendi no Ensino Médio, sob a orientação de bons professores, e lia de vez em quando em livros à parte, se bem que o próprio material didático fornecia diversos exemplos. O mais instigante é que decidi escrever também em esperanto, que era a única língua estrangeira que eu dominava até então; eu ainda não era fluente em francês e russo. Talvez fosse uma dupla forma de blindar meus sentimentos: as figuras poéticas fazem apenas uma alusão a como eu contaria meus sentimentos de verdade, e o esperanto é uma língua que poucos leem no Brasil, e num público de Ensino Médio e então, ainda menos. Uma terceira blindagem talvez tenha sido eu não os ter mostrado a ninguém naquela época, nem ter traduzido seu conteúdo.

Este soneto se chama “Plenkreskiĝo”, ou “Adolescência”, traduzindo literalmente, “uma época em que estamos realizando nosso pleno crescimento”. Ele não está datado, mas na minha coleção de poemas, aparece como o primeiro soneto em esperanto que guardei (eu descartei muitos, em português e esperanto), portanto deve ser de novembro de 2004. Era uma época em que meus dilemas e ansiedades estavam muito fortes, pois não só vivia a angústia de não ter uma primeira namorada, como era de meu desejo, mas também os colegas me pressionavam muito quanto a roupa, baladas, bebidas etc., coisas que nunca foram minha preocupação central, além do que desejava escolher logo uma carreira pra prestar vestibular dentro de um ano. E sem saber se tudo ia realmente dar certo, pois pra mim, na época, vestibular e faculdade eram bichos-de-sete-cabeças... E tudo isso (obrigações estudantis e pressões sociais) se choca com o estado mais calmo, acolhedor e não exigente de quando somos menores ou não temos tanta responsabilidade quanto nossos pais.

Sinceramente, não sei se um poema ou soneto em esperanto seguiria essas regras métrico-sonoras, mas eu contei também as sílabas pós-tônicas como sílabas plenas. Por exemplo, seguindo o modelo francês, se um verso em português termina com a palavra “claro”, a sílaba “ro” não entraria na contagem, assim como as sílabas “ti” e “co” da palavra “ático”. O que facilita em esperanto é que todas as palavras com duas sílabas ou mais são paroxítonas (kareso), e os substantivos podem se tornar oxítonos com a elisão do O final (kares’). O que dificulta é que, portanto, ao contrário do português, palavras oxítonas e paroxítonas não podem rimar entre si.

Seguem abaixo o texto em esperanto e, em seguida, uma tradução literal não rígida em português, pra que vocês possam apreender pelo menos o significado. Seria interessante vocês também o escutarem recitado, mas um dia gravo em massa meus poemas em esperanto no extinto canal do YouTube. Boa leitura, e espero que gostem!


Plenkreskiĝo

Sur verdaj kampoj de la bonesto
Kuŝadis mia blua animo
Liberigita de ĉia timo,
Dormanta en patrina bebkesto.

Sed mi alvenis al viva limo
De l’ trankviliĝo nur en la nesto,
Kie ne premas grandkosta vesto
Kaj ne atingas min la malŝirmo.

La nova vivo maturigis min
Donante protekton kontraŭ l’ envi’
De l’ kruda samlaborana destin’.

Nur mankas al mi fortega pasi’
Naskita de kunvivo kun virin’
Plenigata de l’ ameca magi’.

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Adolescência

Sobre os campos verdes do bem-estar
Minha alma azul ficava deitada
Liberta de todo temor,
Dormindo no moisés materno.

Mas cheguei ao limite na vida
Da tranquilidade apenas no ninho,
Onde a roupa cara não oprime
E onde o desabrigo não me atinge.

A vida nova me amadureceu
Dando proteção contra a inveja
Do cruel destino com os colegas.

Somente me falta uma fortíssima paixão
Gerada pelo convívio com uma mulher
Repleta de magia amorosa.



quarta-feira, 10 de maio de 2017

Rússia replica à BBC sobre hooligans


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No dia 4 de abril deste ano, o Jornal Nacional da TV Globo passou uma reportagem sobre o temor de que hooligans russos estraguem a festa na Copa do Mundo de 2018, sediada em seu próprio país. “Hooliganismo” nada mais é do que um termo gourmetizado pra “briga de torcida”, coisa que acontece aqui em escala igual ou até maior. William Bonner e Renata Vasconcellos apenas repassaram o documentário O exército hooligan na Rússia, feito em fevereiro pela TV britânica BBC sobre o assunto, além de um curto vídeo (apresentado abaixo) feito pelo governo Putin pra tentar dar uma resposta ao que ele chama de “campanha russofóbica ocidental”. Essa réplica, transmitida mundialmente pelo canal russo RT, foi bem interessante, pois ia na esteira de contestações feitas no próprio Parlamento britânico contra a russofobia predominante na mídia.

Esta canção, interpretada por atores russos mais ou menos jovens, é uma paródia da famosa música popular “Ойся, ты ойся” (Oisia, ty oisia), cujo título é quase intraduzível e foi composta, provavelmente, no tempo da Guerra Caucasiana. O conflito, que durou de 1817 a 1864, opôs o exército imperial da Rússia contra os imãs do norte do Cáucaso, na tentativa de anexar aquelas regiões montanhosas ao domínio de Moscou. Outro nome da canção é Kazachia molitva (A oração do cossaco), e ela é tocada ao ritmo da lezginka, um estilo dançante muito difundido no Cáucaso. A letra basicamente é um pedido russo pra que os “oisia” não temam os cossacos, pois seu humor seria equilibrado. “Oisia” é um apelido genérico dado aos povos vainaques (ou vaynakh), sobretudo tchetchenos e inguches (inguchétios), derivado do grito “khorsa!” ou “assa!” que se dá durante aquela dança. Na paródia, o garoto ainda fala no final: “Всё нормально будет, приезжайте!” (Vsio normalno budet, priezzhaite!).

Isso me dá oportunidade pra explicar algumas opções tradutórias: algumas fontes explicam o “oisia” como um simples grito musical (eu mesmo não olhei a legenda inglesa), mas eu associei a palavra à sua interpelação ao estrangeiro, derivada de uma leitura própria de sua língua e costumes. Ou seja, como se trata de ingleses, usei a interjeição “Hey!” e usei a palavra “gringos”, com a pronúncia brasileira imitada “gríngous”. A versão mais aceita pra origem da palavra “gringo” é que tivesse vindo do espanhol platino, que modificou a palavra “grego” com o sentido de “estrangeiro”, “algo incompreensível ou estranho”. Mas outros também dizem, embora sem muitas provas, que teria vindo da canção Green go lilacs, que os soldados dos EUA cantavam na guerra contra o México (1845-47), ou das ordens de ferroviários britânicos no Brasil “Red stop, green go!” (Pare no vermelho, passe no verde!). Mesmo hipotéticas, essas podem ser justificativas pra minha tradução. Idem pro final, “Oh, yeah!”, outra interjeição “gringa”... Notem que também pus todas as referências a pessoas do singular pro plural, pra ficar mais natural em português.

Na minha opinião, duas coisas parecem graves nesse vídeo. Primeira, dá a impressão de que os atores fazem uma cara bem cínica, como se estivessem disfarçando um “bote”, embora talvez tenha sido justamente intenção deles fazer essa ironia, zombando da velha ideia da Rússia ou da URSS como “bicho-papão”. Essa atual tendência ocidental geral de se contrapor a Moscou, que não data dos tempos da URSS, mas de fato do tsarismo do século 19, foi ironizada pelos internautas russos, que de fato disseram representar o vídeo uma espécie de “canção ritual antes de um almoço canibal”. A segunda coisa: é estranho fazerem referência ao Cáucaso do Norte muçulmano, num momento em que exatamente a Rússia combate o terrorismo islâmico e, ao mesmo tempo, se vê confrontada com as reclamações separatistas de tchetchenos, inguches etc.

E por falar em russofobia, foi bem interessante o esquema de distribuição de notícias no JN no dia 4 de abril: ao invés de passarem primeiro as repercussões do atentado em São Petersburgo (ocorrido no dia 3), passaram o ataque, supostamente de Bashar al-Assad, com gás sarin contra civis, e mostraram alegremente fotos de Putin com seu “grande aliado” Assad. Depois, num tempo bem mais breve, falaram da explosão no metrô, como se estivessem estimulando o típico coxinha de internet a ficar esbravejando: “Ah, tá vendo, os russos bem que mereceram!” Aliás, naquelas semanas, mal vi os movimentos “Je suis Sankt-Peterburg”, “Estamos todos com a Rússia” e a colocação de bandeiras transparentes em fotos de perfil.

A postagem do vídeo e da letra está nesta página de esportes do canal russo RT, e pra legendar, eu baixei o vídeo sem legendas desta página no YouTube, também do canal da RT. No mesmo site, tem várias versões dessa música, em voz e dança: com o Coral Cossaco de Moscou, uma roda pequena e dança menor; uma apresentação com senhores de idade que privilegia a dança, com a música cantada pelo público, sem instrumentos; um arranjo mais moderno (2015) com a cantora Marina Deviatova, centrada na dança de dois rapazes; uma montagem com várias tomadas caseiras, tendo ao fundo a canção numa versão mais típica, porém mais animada; uma apresentação muito mais elaborada com música e dança lindas, bem à moda dos conjuntos internacionais; e uma filmagem na festa de aniversário do famoso soldado separatista Givi, no leste da Ucrânia, com tropas dançando essa música, antes dele morrer em combate. Seguem abaixo minha legendagem, postada no meu antigo canal do YouTube, a letra em russo e minha tradução pro português:


Не пугайте, BBC, британского фаната.
Испокон века на Руси гостям мы очень рады.

Ойся, ты ойся, ты меня не бойся,
Я тебя не трону, ты не беспокойся.

Англичанин говорит: «Страшно ехать в Рашу».
Ты не бойся, приезжай, нету места краше.

Ойся, ты ойся, ты меня не бойся,
Я тебя не трону, ты не беспокойся.

Ойся...

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BBC, não assuste o torcedor britânico.
Desde sempre gostamos de visitantes na Mãe-Rússia.

Hey, gríngous, não tenham medo da gente,
Não se preocupem, não vamos fazer mal.

Os ingleses dizem que “Ser ruim ir pra Râsha”.
Venham, não há lugar mais lindo, não tenham medo.

Hey, gríngous, não tenham medo da gente,
Não se preocupem, não vamos fazer mal.

Oh, yeah...



domingo, 7 de maio de 2017

We said goodbye (1974) em esperanto


Endereço curto: fishuk.cc/goodbye


Esta canção é muito interessante. Ela foi composta e gravada em inglês, em 1974, por um brasileiro que cantava e compunha músicas em inglês no próprio Brasil. Na época, esse procedimento estava na moda, porque a cultura americana fazia muito sucesso no país. O brasileiro se chama José Carlos González, mas adotou o nome artístico de Dave Maclean, com o qual gravou sua música We said goodbye, que logo se tornou um grande hit no Brasil. Quando eu era criança, gostava muito dessa canção, pois tocava direto no rádio, e então, em 26 de agosto de 2003, eu decidi traduzi-la pro esperanto. Ela não foi, portanto, uma tradução do português, mas do inglês. O título de minha tradução é Ni adiaŭis nin (Nós nos despedimos), e nem sempre pude traduzir o texto literalmente. Nesta página vocês podem ler a letra em inglês e a tradução literal pro português. Seguem abaixo um vídeo com Dave Maclean cantando a música numa festa familiar do Ano Novo de 2011 e minha tradução escrita em esperanto. Se quiserem, ouçam também a gravação original de Maclean em 1974.

Ĉi tiu kanzono etas tre interesa. Ĝi estis komponita en la angla lingvo en la jaro 1974 de brazilano, kiu kantis kaj komponis anglalingvajn kanzonojn en Brazilo mem. Tiuepoke, tia proceduro estis modo, ĉar la usonana kulturo tre disvastiĝadis en tiu lando. La brazilano nomiĝas José Carlos González, sed li adoptis la artnomon Dave Maclean, kun kiu li registris sian kanzonon We said goodbye, kiu rapide fariĝis granda sukceso en Brazilo. Kiam mi estis infano, mi tre ŝatis tiun kanzonon, ĉar oni tre ofte ludis ĝin en la radio, kaj poste, la 26-an de Aŭgusto 2003, mi decidis traduki ĝin al Esperanto. Ĝi ne estis, do, traduko de la portugala lingvo, sed de la angla. La titolo de mia traduko estas Ni adiaŭis nin, kaj ne ĉiuj punktoj estis tradukitaj laŭlitere. Vi povas ĉi-paĝe legi la anglalingvan tekston kaj la laŭliteran tradukon al la portugala. Ĉi-sube estas video kun Dave Maclean kantanta la kanzonon en familia festo por la Novjaro de 2011 kaj mia traduko skribita en Esperanto. Se vi volas, ankaŭ la originalan registron de Maclean en 1974 vi povas aŭskulti.


Ni adiaŭis nin

Alian ulon vi ne trovos,
Neniu donos pli da am’.
Alian viron vi ne amos, ho ne,
Ĉar mi ne lasos vian penson.

Ulin’ alia ne min trovos,
Plaĉema same kiel vi.
Neniam mi ŝin amus varme, ho ne,
Ĉar mia penso ne vin lasas.
Ne lasas plu.

Kial, kial?
Ni adiaŭis nin?
Kial la adiaŭ’ al mi?
“Adiaŭ” diris mi,
Mi adiaŭis vin.

(...)

Ho ne,
La adiaŭon
Diraĉis mi al vi!


quarta-feira, 3 de maio de 2017

Kinga, filha do presidente da Polônia


Endereço curto: fishuk.cc/kingaduda


Mais uma garota parente de político famoso pra vocês conhecerem. Esta é Kinga Duda, filha do presidente da Polônia Andrzej Duda, eleito em maio de 2015 e empossado em agosto. Esta foi minha primeira tradução direta do polonês, língua que comecei agora a aprender devagar, ao contrário do hino nacional, pro qual me apoiei nas traduções em outras idiomas, sobretudo. O texto é bem curto, e usei dicionários online do polonês pra várias outras línguas.

Nascida em 1995, Kinga é a única filha do presidente polonês Andrzej Duda, nascido em 1972, e da professora de alemão Agata Kornhauser, um mês e meio mais velha. Formado em Direito, Andrzej começou sua carreira política no início dos anos 2000 e foi considerado um dos parlamentares mais ativos, tendo sido eleito inclusive pro Parlamento Europeu. Em 2015, com votação apertada nos dois turnos, foi eleito presidente da República pelo partido Direito e Justiça (PiS), de cariz conservador, nacionalista e um tanto eurocético. Mas logo no início do mandato, Duda criou polêmicas por estar supostamente violando a Constituição ao perdoar acusados de corrupção antes do veredito final. Parece que, assim como no Brasil e em Portugal, os poloneses sempre estão às voltas com seus políticos, nunca se sentindo totalmente representados por eles.

Católico convicto e praticante, Duda impediu que o presidente já atuante se reelegesse, e teve nos dois turnos uma votação mais considerável no leste e no sudeste, regiões mais próximas da Ucrânia e de Belarus, integrando um espaço cultural transnacional conhecido pelo catolicismo e pelo conservadorismo. A filha Kinga também é formada em Direito, e muito conhecida na Polônia, como “primeira-filha”, pelo apoio incondicional ao pai e pela “rivalidade” em beleza com Katarzyna (Kasia) Tusk, filha de Donald Tusk, primeiro-ministro da Polônia de 2007 a 2014 e atual presidente do Conselho Europeu. De fato, as duas são muito fotogênicas, visadas por revistas e versadas em postar fotos pessoais nas redes sociais. Kinga, contudo, preza mais pela discrição e formalidade, enquanto Kasia tem mais um perfil e comportamento de modelo.

Segundo um amigo meu polonês, o prenome “Kinga” ainda não está em desuso, mas apenas é menos comum. O vídeo sem legendas foi postado num canal de mídia da Polônia em 20 de maio de 2015, pouco antes do 2.º turno das eleições. Esse corte da legendagem, com duas tomadas mais aproximadas, fui eu que fiz. Num dos últimos comícios da campanha, acompanhada dos pais, Kinga diz que eles não devem se focar nas “mentiras e calúnias” contra Andrzej, mas em elegê-lo com a certeza dele ser uma pessoa íntegra e hábil. Pra traduzir, procurei uma transcrição, mas nenhum site tinha o texto exato, e assim fui juntando peças de cada um pra compor a fala real. Eu postei o vídeo com legendas no meu antigo canal do YouTube, e ele segue abaixo, acompanhado do texto em polonês, da tradução literal em português e do texto mais curto, colocado na legendagem:


Myślę, że wszyscy zdajemy sobie sprawę z tego, że na tej ostatniej prostej stanęliśmy twarzą w twarz z kampanią prawdziwie brudną, w której niektórym wydaje się, że wszystkie chwyty są dozwolone, że można posługiwać się kłamstwem i pomówieniem, żeby uderzyć w mojego tatę i naszą rodzinę. Ale my musimy się skupić na czymś innym. Musimy się skupić na tym, kogo wybierzemy w niedzielę. Ja będę stawiała na energię, na kompetentność, na uczciwość i dobre serce. Bo taki właśnie jest mój tata.

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Literal: Penso que todos sabemos que nesta reta final encaramos uma campanha realmente suja, na qual alguns pensam que todo golpe é permitido, que se pode empregar mentiras e calúnias para atingir meu pai e nossa família. Mas devemos nos focar em algo diferente. Devemos nos focar em quem vamos eleger no domingo. Vou me apoiar na energia, na competência, na bondade e na honestidade. Pois exatamente assim que é meu pai.

Resumido: Pra mim todos sabemos que nessa reta final tivemos uma campanha bem suja, em que alguns pensam que virou um vale-tudo, podendo usar mentiras e calúnias pra atingir meu pai e nossa família. Mas é noutra coisa que temos de nos focar. É em quem vamos eleger domingo. Vou apostar na energia, competência, bondade e honestidade. Pois é assim que faz meu pai.