Este é o sexto e último texto que traduzi pra coletânea Manifestos vermelhos e outros textos históricos da Revolução Russa (Penguin Companhia, 2017), organizada pelo professor Daniel Aarão Reis por ocasião dos 100 anos dos eventos na Rússia em 1917, mas que não foi incluído na publicação. Dispensa apresentações, apenas relembro que em março de 1917 houve apenas a renúncia do imperador e a instauração do Governo Provisório, e não o golpe bolchevique, e que as datas estão atualizadas conforme o calendário ocidental moderno (que conta 13 dias a mais em relação ao usado na Rússia até 1.º de fevereiro de 1918). Infelizmente, eu não tinha mais a versão original guardada comigo. Boa leitura!
Diários e documentos do arquivo pessoal de Nicolau 2.º: Recordações. Memórias.
Páginas 22 a 24
Quarta-feira, 22 de fevereiro – Li, cuidei das coisas e recebi Mamontov, Kulchitski e Dobrovolski. Misha tomou seu café. Despedi-me de toda minha querida [família?] e parti com Aliks para Znamenie, e depois para a estação. Às 2h parti para o Quartel-General. O dia estava ensolarado, gelado. Li, entediei-me e descansei; não saí por causa da tosse.
Quinta-feira, 23 de fevereiro – Acordei em Smolensk às 9 e meia. Estava frio, claro e ventando. Todo o tempo livre li um livro franc[ês] sobre a conquista da Gália por Júlio César. Cheguei em Mogiliov às 3h. Fui recebido pelo gal. Alekseiev e pelo estado-maior. Permaneci uma hora com ele. (1) A casa parecia vazia sem Aleksei. Jantei com todos os estrangeiros e a família. À noite escrevi e tomei chá coletivo.
No original uma seta liga as palavras “com ele” à palavra “Alekseiev”. [Nota do editor.]
Sexta-feira, 24 de fevereiro – Às 10 e meia fui à conferência, que terminou às 12h. Antes do café [?] chegou para mim uma cruz militar em nome do rei da Bélgica. O tempo estava desagradável ¬– nevasca. Dei uma voltinha no jardim. Li e escrevi. Ontem Olga e Aleksei pegaram sarampo, e hoje Tatiana seguiu o exemplo deles.
Sábado, 25 de fevereiro – Levantei-me tarde. A conferência durou uma hora e meia. Às 2 e meia passei no monastério e reverenciei o ícone da Mãe Divina. Dei um passeio pela estrada de Orsha. Às 6h fui ao ofício noturno. Trabalhei toda a noitinha.
Domingo, 26 de fevereiro – Às 10h fui à missa. A conferência terminou a tempo. Tomaram o café muita gente e todos os estrangeiros presentes. Escrevi para Aliks e segui pela estrada de Bobr[uisk] até a capela, onde dei um passeio. O tempo estava claro e gelado. Depois do chá li e recebi o senador Tregubov para jantar. À noite joguei um pouco de dominó.
Segunda-feira, 27 de fevereiro – Alguns dias atrás começaram desordens em Petrogrado; lamentavelmente também o exército se pôs a participar delas. É muito horrível estar tão longe e receber notícias ruins em fragmentos! Fiquei pouco na conferência. À tarde dei um passeio pela estrada de Orsha. O tempo estava ensolarado. Depois do jantar decidi ir apressado a Ts[arskoie] S[elo] e à uma da madrugada tomei o trem.
Terça-feira, 28 de fevereiro – Fui dormir às 3 e 15, porque falei longamente com I. I. Ivanov, o q[ual] estou enviando a Petrogrado com tropas para restaurar a ordem. Dormi até as 10 h. Saímos de Magiliov às 5h da manhã. O tempo estava gelado, ensolarado. À tarde passamos por Viazma, Rzhov, e às 9h por Likhoslavl.
Quarta-feira, 1.º de março – De madrugada demos meia-volta a partir de Malaia Vishera, pois Liuban e Tosno estavam ocupadas pelos insurretos. Partimos para Valdai, Dno e Pskov, onde estacionei até dormir. Vi Ruzski. Ele, Danilov e Savvich jantavam. Gatchina e Luga também estavam tomadas. Que pouca-vergonha! Não conseguimos chegar até Tsarskoie. Mas lá estavam o tempo todo meu pensar e meu sentir! Coitada da Aliks, deve estar penando muito ao passar sozinha por todos esses fatos! Que o Senhor nos ajude!
Quinta-feira, 2 de março – De manhã Ruzski chegou e leu sua enorme conversa com Rodzianko sobre a administração. Segundo ele, a situação em Petrogrado é tal que o ministério estaria agora impotente para tirar qualquer coisa da Duma, pois é combatido pelo partido soc[ial]-dem[ocrata] na figura de um comitê operário. Queriam minha renúncia. Ruzski transmitiu essa conversa ao quartel-general, e Alekseiev a todos os comandantes-em-chefe. Lá pelas 2 e meia chegaram as respostas de todos. Era essencial que, a fim de salvar a Rússia e manter a ordem no front militar, eu decidisse tomar essa atitude. Eu assenti. Enviaram do quartel-general um projeto de manifesto. Chegaram de Petrogrado à noite Guchkov e Shulgin, com os q[uais] troquei opiniões; e lhes transmiti o manifesto assinado e revisado. À uma da madrugada parti de Pskov muito amargurado com o ocorrido.
Cercado por traidores, covardes, mentirosos!