domingo, 20 de setembro de 2020

Juventude e cidadania (Flávia O. Valle)


Link curto para esta postagem: fishuk.cc/juventude

“Juventude e cidadania” é um artigo escrito em 2004 ou 2005 pela então Prof.ª Ms. Flávia Ottati Valle, que na época me dava aulas de História e Sociologia no ensino médio. Não sei bem qual foi a ocasião da escrita, mas ela distribuiu cópias em xérox pra todos nós, e eu a tinha digitalizado e salvado em formato PDF. Apesar de alguns borrões no arquivo gráfico, pedi pro meu amigo Cláudio Leite digitar o texto a fim de o republicar aqui, e lhe agradeço grandemente pelo serviço. Flávia foi uma das professoras que mais determinou na minha escolha pela faculdade de História, junto com o professor de Geografia, José Augusto, e minhas professoras de Geografia do fundamental, Deise Eduarda e Débora Ferreira. Flávia unia vasta erudição, carinho com os alunos, consciência social e exemplos que iam de Jesus a Che, passando por Bauman e Raul Seixas, sem cair no estereótipo dos “doutrinadores” hoje tão atacados! A ela agradeço, e a ela dedico este atualíssimo presente, sem alterações redacionais (grafia pré-2009):



Ser CIDADÃO é assumir seu papel na construção do mundo. É escrever a história. Participar. É fazer acontecer e não deixar acontecer. É ser um ser social. Conviver. Amar o próximo e a si mesmo valorizando as relações de solidariedade e a vida em comunidade. É comprometer-se com o bem público. Realizar a utopia da justiça social. Ser cidadão é, ainda, ser livre. Consciente. Autêntico. Não manipulado. Exige esforço, busca, espírito de serviço e, sobretudo, desejo de conhecer os fatos e dialogar com eles.

Ser JOVEM é ter ideais e muita disposição para conquistá-los. É ter sede de aprender e de SER... É entusiasmar-se por causas nobres. É ser otimista. Acreditar em si mesmo e nos outros. É viver o presente construindo o futuro que se quer. É superar os obstáculos. Ir à luta. Ter coragem. É levantar-se a cada tombo. Renovar as esperanças. Não desistir.

JUVENTUDE E CIDADANIA são, portanto, categorias afins. Cultivá-las é um processo enriquecedor para a pessoa, para a comunidade, para a humanidade. Na linguagem popular do jovem poderíamos dizer que “a cidadania tem tudo a ver com a juventude”. No entanto, temos constatado elevado grau de desânimo, apatia, conformismo e alienação em grande parte dos jovens do nosso país. Mas, por quê? O que tem envelhecido a juventude, roubando-lhe o entusiasmo, a garra, o idealismo, a fé e a disposição de lutar por um mundo melhor?

Há que se partir do fato de estarmos vivendo um momento extremamente contraditório: enquanto a história registra, a todo instante, quantidade significativa de avanços em termos de ciência e tecnologia, o homem está cada vez mais perdido, angustiado, sofrido. Lesado em sua essência de ser humano e em seus direitos de cidadão. E é no bojo dessa contrariedade que se encontram dois dos mais expressivos fatores que contribuem para o não exercício da cidadania por parte de nossa juventude: o perfil negativo da realidade e a ilusão do espetáculo.

Não raro, ouvimos a seguinte observação: ‒ Está difícil viver! Tal afirmação provém de uma insatisfação perante os aspectos negativos da realidade. Tomar consciência da falta de ética na política, dos tantos problemas de ordem econômica, da miséria de muitos perante a ostentação de poucos, dos conflitos sociais, das tantas formas de violência, de ausência de perspectiva no campo profissional, da inversão de valores, da difusão e aceitação da idéia de levar vantagem, do egoísmo, do materialismo, da descrença e da apatia é um processo difícil.

Para os jovens, em especial, há momentos em que esse contexto parece desesperador. Há uma vida pela frente. Sonhos, expectativas, vontade de vencer, de se realizar, de amar. Em uma frase: desejo de ser feliz!

No entanto, ao se depararem com obstáculos e [acidentes] desmotivadores, muitos desistem. Mergulham no oceano do conformismo e da alienação. Outros fogem. E na ilusão de algo melhor, lançam-se na droga. Outros, ainda, preferem desviar o caminho e caem nas armadilhas estrategicamente montadas pelo consumismo. Agarram-se aos falsos valores e comprometem-se apenas com ideais medíocres. Que nada constroem. Que em nada realizam. Há, também, muitos cuja condição precária de vida, não lhes oferece nem tempo nem possibilidade de exercitar sua cidadania.

O segundo fator, ao contrário do primeiro, dá à sociedade uma fisionomia mais agradável: as grandes conquistas da ciência e os rápidos e surpreendentes avanços tecnológicos.

Mais do que nunca, estamos vivendo a época da informação. Os meios de comunicação são donos de grande parte do nosso tempo, nos informando tudo o que acontece perto e longe de nós e nos transmitindo uma série de conceitos e idéias. E, nesse processo, as imagens têm, com bastante frequência, tomado o lugar das palavras. O mundo das imagens! E elas são tantas e apresentadas a nós de forma tão sedutora que corremos o sério risco de nos tornar meros espectadores da história.

Nós assistimos a tudo. Aplaudimos ou vaiamos. Nos divertimos ou lamentamos. Sorrimos e choramos. Algumas vezes ficamos maravilhados. Outras, nos escandalizamos. Até protestamos, mas apenas com frases de descontentamento que não têm eco na sociedade, pois se esgotam no âmbito do impacto, da emoção, ou seja, da mera reação de espectador.

Temos muitos jovens espectadores. Apenas espectadores. Que envolvidos pelas informações e imagens perdem a noção da cidadania. Assistem. Contemplam. Enquanto deveriam estar criando, atuando, produzindo o espetáculo. Poucos participam. Contudo, não podemos generalizar. Há jovens corajosos remando contra a correnteza, aproveitando todas as oportunidades e se desdobrando para a construção de um mundo onde seja mais fácil e mais bonito viver.

JOVEM CIDADÃO...

AGORA É COM VOCÊ!

Para que não se deixe vencer pelo desânimo provocado pelas agressões do nosso tempo e nem se perca na ilusão de estar sendo ator da história, enquanto não passa de um mero espectador, o primeiro passo é desenvolver uma consciência crítica. É preciso enxergar mais longe, ver além das aparências. Questionar. Saber o que há por trás das idéias e chegar à raiz dos problemas. Não ser apenas receptor de informações, conteúdos e imagens. De que adiante estar por dentro de tudo o que há de novo, de tudo o que acontece no mundo e viver à margem dos fatos, das decisões, das conquistas e das lutas para torná-lo melhor? De que vale aplaudir um espetáculo produzido para iludir? É preciso ser criativo. Escrever uma nova história, onde os verdadeiros valores tomem seus devidos lugares. De que adianta apenas vaiar e lamentar uma sociedade repleta de fatos desastrosos? É preciso descruzar os braços. Lutar pelo direito de ter vez e voz na construção da realidade. Há que se ter coragem. Acreditar em si mesmo. Não desanimar...

NÃO DESISTIR!