quarta-feira, 14 de fevereiro de 2018

“La Espero” (hino do esperanto, 1890)


Link curto à publicação: fishuk.cc/espero


Por incrível que pareça, conheço esta canção desde adolescente, mas só no fim do ano passado eu resolvi traduzi-la e legendá-la. Ela se chama La Espero (A Esperança), e se baseia num poema em esperanto de Lejzer Ludwig (ou Lázaro Luís) Zamenhof, escrito em 1890 pelo próprio iniciador dessa língua. Esse é um dos apenas nove poemas originais que Zamenhof escreveu em esperanto, e com a melodia composta por Félicien Menu de Ménil por volta de 1905 ou em 1909, tornou-se um dos símbolos mais conhecidos do movimento esperantista, ao lado da bandeira verde com uma estrela. É considerado por muitos como o “hino do esperanto” (ou de seu movimento), mas outros não gostam de usar a palavra “hino”, por ter conotações nacionais e sectárias, e de fato não foi “adotado” por nenhuma instituição, constiuindo apenas um elemento de tradição.

O poema La Espero foi publicado pela primeira vez em 1890, logo se tornando popular entre as primeiras rodas esperantistas europeias em formação. Ele sintetiza a crença pacifista e internacionalista do autor, segundo quem apenas a adoção de uma língua neutra comum que servisse de veículo internacional poderia acabar com as guerras. Foram compostas também outras melodias em 1891 e 1903, mas a de 1905/09, pelo francês Menu de Ménil, foi a que se popularizou. O próprio Zamenhof, segundo algumas de suas cartas, mostrava preferência por outro poema seu, La Vojo (O Caminho), pra qualidade de hino do movimento. No Primeiro Congresso Mundial, ocorrido em 1905, foi adotada a bandeira que hoje conhecemos, mas nem então, nem depois se decidiu sobre um possível hino do movimento.

Embora desde o início dos anos 1920 os esperantistas do mundo todo reconheçam La Espero como seu hino “oficial” e o cantem nas mais diversas ocasiões, não há qualquer deliberação a respeito por parte da Associação Universal de Esperanto (UEA), que regula os assuntos práticos do movimento, ou da Academia de Esperanto, que estipula as normas do idioma. Atualmente, entre os cultivadores da língua, o poema continua popular, dando origem a inúmeras expressões idiomáticas, como nova sento (novo sentimento), rondo família (círculo familiar) etc., e resume o ideal de paz e união imbricado desde o início ao esperantismo. Contudo, quem não gosta de associar o esperanto a uma ideologia prefere que o hino seja trocado ou que ele não tenha um “papel” tão grande, e muitos de fato abominam o uso de bandeiras, canções, datas festivas, símbolos, patronos etc., como numa etnia.

É inegável, porém, a beleza e força do poema, mais sentidas quando se sabe pronunciar e se entende o esperanto. Eu mesmo fiz essa tradução literal em português, montei o vídeo e legendei. Na verdade, o vídeo “olímpico” da bandeira tremulando está no canal de Jacinto Yogui, e eu apenas fiz o recorte das bordas pretas e coloquei os créditos e legendas. O áudio também pode ser ouvido neste vídeo, postado pelo próprio Coral e Orquestra Sinfônica das Ferrovias Estatais Húngaras que gravaram a versão. A canção foi poeticamente traduzida pra muitos idiomas, e no verbete La Espero da Wikipédia em português vocês podem ler a boa versão de João Baptista de Mello e Souza. Seguem as legendas, a letra em esperanto e a tradução:


1. En la mondon venis nova sento,
Tra la mondo iras forta voko;
Per flugiloj de facila vento
Nun de loko flugu ĝi al loko.
Ne al glavo sangon soifanta
Ĝi la homan tiras familion:
Al la mond’ eterne militanta
Ĝi promesas sanktan harmonion.

2. Sub la sankta signo de l’ espero
Kolektiĝas pacaj batalantoj,
Kaj rapide kreskas la afero
Per laboro de la esperantoj.
Forte staras muroj de miljaroj
Inter la popoloj dividitaj;
Sed dissaltos la obstinaj baroj,
Per la sankta amo disbatitaj.

3. Sur neŭtrala lingva fundamento,
Komprenante unu la alian,
La popoloj faros en konsento
Unu grandan rondon familian.
Nia diligenta kolegaro
En laboro paca ne laciĝos,
Ĝis la bela sonĝo de l’ homaro
Por eterna ben’ efektiviĝos.

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1. Veio ao mundo novo sentimento,
Pelo mundo passa um forte apelo;
Que pelas asas de vento propício
Ele voe agora de lugar a lugar.
Não à espada sedenta de sangue
Ele impele a família humana:
Ao mundo eternamente em guerra
Ele promete uma harmonia santa.

2. Sob o signo santo da esperança
Lutadores pacíficos se reúnem
E a causa cresce rápido com o
Labor dos que têm esperança.
Muralhas milenares subsistem
Entre os povos divididos;
Mas ruirão barreiras insistentes,
Explodidas pelo amor santo.

3. Baseados numa língua neutra,
Entendendo-se uns aos outros,
Os povos formarão em acordo
Um só grande círculo familiar.
Nós, como colegas diligentes,
Persistiremos no labor pacífico
Até o belo sonho dos humanos
Por eterna bênção realizar-se.