Posso parecer desrespeitoso com os artistas de circo, mas lembre-se de que até mesmo o petê zoou e desceu a lenha no Tiririca em 2010, quando ele anunciou sua primeira candidatura (que se relevaria um sucesso estrondoso), mesmo concorrendo por um partido então aliado a Lula e Dilma. Na edição de sábado, 25 de outubro, do programa ironicamente chamado Notícias Terríveis e apresentado no YouTube da dissidente Novaya Gazeta Evropa, o jornalista Kirill Martynov aludiu a esta reportagem que apareceu no último dia 23 no periódico pró-Kremlin Moskóvski komsomólets. Se você sabe um pouco de história e de russo, já percebeu o saudosismo da URSS...
Assinada por Marina Bliashon, o título é “Anatoli Marchevski falou sobre a escassez de palhaços profissionais na Rússia”, em referência ao idoso artista circense que concedeu a entrevista. Confesso que muito do que ele diz é verdade, sobretudo sobre pedagogia e humor, porém há uma razão pra que Martynov o tenha inserido na rubrica “Cringe” de sua “revista eletrônica semanal” (que é muito melhor, aliás, do que os vídeos aguados e autocensurados do “agente estrangeiro” Aleksei Pivovarov em sua Redaktsia). Muitas de suas preocupações sociais relacionadas ao fenômeno do humor parecem ofensivas, num país que está voltando a ser uma ditadura totalitária e neste exato momento invadindo outro e matando sua população a esmo.
É curioso que a palavra pra “palhaço” (kloun) venha do inglês, assim como o substantivo “feik” e o adjetivo derivado “féikovy”, aplicados, sobretudo, ao que Putler não quer que se diga publicamente sobre a guerra. Depois de traduzir, apenas adicionei algumas notas explicativas e mesmo alusivas a coisas que me vieram à mente sobre o que Marchevski falou. Só canto a bola de que provavelmente os palhaços foram todos mandados pra uma certa “operação especial” contra outro palhaço. E não, você não leu errado, “até” palhaços negros alegram:

Anatoli Marchevski: “Um verdadeiro palhaço é uma mercadoria rara, não um artista de massa.”
Hoje em dia, as artes circenses são de alguma forma negligenciadas, mas é ao circo que vamos pra eterna celebração da vida, pra inspiração e alegria, pra provar que o impossível é possível e pra fé na bondade que os palhaços, ruivos, brancos e até negros, nos dão.
Anatoli Marchevski, artista de circo e Artista Popular da RSFSR [um título honorífico da época], começou recentemente a dar aulas de palhaço. Em entrevista ao MK, o queridinho do público discutiu por que as pessoas vão ao circo hoje em dia, como deve ser um palhaço moderno e como fazer o público rir hoje em dia.
O público de hoje é sofisticado; não é fácil fazê-lo rir. Como o público do circo moderno difere do público soviético?
A questão é que o repertório de um palhaço deve ser moderno e relevante, e as rotinas devem abordar temas familiares e identificáveis para o público. Consequentemente, o repertório muda com a vida: o que emocionava e era engraçado na era soviética é simplesmente incompreensível pro público de hoje. Pra um palhaço, o público mais importante são as crianças; elas reagem de forma muito sincera e direta às piadas do palhaço. Há uma crença comum na comunidade circense de que, se um novo número não fizer sucesso com as crianças, os adultos certamente não o aceitarão.
Há o público do dia a dia — as quintas-feiras são as mais difíceis, as pessoas estão cansadas e ansiosas pelo fim de semana, e o palhaço precisa se esforçar mais e dedicar mais tempo pra estabelecer um contato. Há também o público do fim de semana – avós com netos, pais com filhos, casais apaixonados – que estão em clima de relaxamento e diversão, e é mais fácil pro palhaço. O riso das crianças é sempre espontâneo, muito longo e estrondoso, mas se, por exemplo, a plateia estiver cheia apenas de soldados, a reação às piadas é explosiva, como se fosse um comando (risos): eles começam a rir ao mesmo tempo e depois param de rir ao mesmo tempo. É uma experiência interessante pro palhaço. Em geral, o ritmo da apresentação depende do público. O público também varia de cidade pra cidade.
Qual cidade tem mais circo?
Agora está tudo misturado. Mas, em geral, a cidade mais favorável ao circo é aquela com um circo permanente, funcionando o ano todo e com casas lotadas. Isso significa que o público não vem apenas uma vez por ano, mas regularmente, e, portanto, adquire um melhor entendimento das artes circenses. Na época soviética, todos os artistas de circo aspiravam a fazer turnês por Moscou ou Leningrado [atual São Petersburgo]. Pra um palhaço, Odesa, com seu humor característico e único, era o teste. Acreditava-se que, se suas apresentações fizessem sucesso lá, A URSS e a Europa inteiras estariam abertas pra você. Nosso país é um país circense; fomos líderes no cenário mundial por mais de 60 anos. Nenhum outro país no mundo tem tantos circos permanentes quanto a URSS e a Rússia hoje. As artes circenses sempre receberam apoio estatal e, por sua vez, desempenharam e continuam desempenhando uma função importante: a educação.
Por algum motivo, as artes circenses são menos comentadas do que a pintura, a música, a literatura e o teatro. O que torna as artes circenses únicas?
Fortalecem os laços familiares, porque a família inteira vai ao circo. As artes circenses são envolventes e acessíveis a públicos de todas as idades, não exigindo preparação especial, como ir à ópera ou a uma galeria de arte. E o circo é uma experiência memorável; não há tragédias ou dramas; proporciona uma visão positiva e otimista da vida, surpreende, alegra e impressiona.
O que um espectador deve levar ao sair do circo?
Com certeza, bom humor. O circo nos mostra a importância de acreditar em nós mesmos e em nossas habilidades, e a importância da continuidade geracional, já que os circos são administrados por dinastias, às vezes com duas ou três gerações de artistas na pista. E o circo também responde às perguntas da vida: o que é bom e o que é ruim, como tratar os animais e a natureza e como se comportar em diferentes situações.
Me deixe dar um exemplo. Eu tinha um espetáculo de palhaços chamado Cinderela, no qual as crianças, como espectadoras, participavam ativamente: com seus aplausos, gritos, berros e pisadas, elas salvavam a princesa, impediam que a madrasta malvada a maltratasse e lutavam por justiça. Intuitivamente, elas se aliavam ao bem e entendiam que estavam combatendo o mal. Com esses pensamentos e sentimentos, elas saíam do espetáculo e contavam aos outros como é importante lutar por justiça, ajudar, proteger e demonstrar compaixão pelos necessitados. É isso que as histórias de circo ensinam. Os princípios fundamentais de vida de uma criança são formados por meio da brincadeira, na qual ela se torna parceira dos artistas no picadeiro.
Recentemente você começou a dar aulas de palhaço na faculdade. Como isso se refletiu em sua vida?
Nossas vidas são feitas de acasos, e o acaso é um padrão. Acredito que sim. Agora trabalho no MosITI, o Instituto Iosif Kobzon de Artes Cênicas de Moscou. Lembro-me de Iosif Davydovich [não esqueçamos que ele sempre apoiou os terroristas no Donbás, onde fez shows] com muito carinho; fizemos turnês com ele pela América Central – Cuba, Costa Rica, Panamá – e até fomos ao Japão. Ele era um trabalhador esforçado, uma lenda, um verdadeiro patriota, que elevou a arte dos palcos ao mais alto nível. Sempre tive o mais profundo respeito por ele e, de repente, fui convidado pro instituto que leva seu nome! Se ele estivesse vivo hoje, provavelmente diria: “Oi, Tolia [forma carinhosa de Anatoli]! Vamos trabalhar!” Ele me tratou muito bem, e minha admiração por essa lenda vai permanecer pra sempre.
É ótimo que esse departamento tenha surgido, porque o gênero palhaço tem certos problemas.
Qual?
Há uma escassez de palhaços profissionais. É importante entender que não estamos mais falando de artistas fantasiados de palhaço, mas sim de palhaços com individualidade, filosofia e repertório próprios, que refletem seu mundo interior e sua atitude perante os acontecimentos atuais da sociedade. Se você percebeu, não há novos nomes surgindo no gênero palhaço. Infelizmente, existem programas de circo que funcionam sem um palhaço. O palhaço é o personagem central de uma apresentação circense, o orquestrador do humor do público; ele cria a integridade do espetáculo, ancora o programa; sem um palhaço, não há circo.
Durante 10 anos, apresentei o Festival Mundial de Palhaços no Circo de Iekaterinburg. Era uma celebração mágica de risos e humor. Apenas os melhores palhaços do mundo eram convidados pra este festival. E imagine, de uma população mundial de sete bilhões, só conseguimos encontrar 120 palhaços de verdade – indivíduos que representavam o humor de seus países. Todos tinham repertórios diferentes, mas eram igualmente vibrantes, alegres e talentosos. Repito, palhaços pintados, vestidos e coloridos não são palhaços; um verdadeiro palhaço é uma mercadoria rara. E tal mercadoria não aparece do nada. O nascimento de uma nova estrela dá um baita trabalho não apenas pro próprio artista (além do talento natural, uma atmosfera criativa, ensaios diários e domínio de vários gêneros são cruciais), mas também pra toda uma equipe (diretor, designer, compositor, intérprete, etc.).
Hoje, nós, educadores, enfrentamos uma tarefa ao mesmo tempo emocionante e desafiadora: repor o número cada vez menor de palhaços. Isso é emocionante pra nós porque envolve criatividade e criação. Somos, por assim dizer, pioneiros. Reunimos uma equipe de professores, todos profissionais de circo, experientes e conhecedores, um curso completo de palhaço. Nosso objetivo é não decepcionar.
Diga, o que faz o público de hoje rir? Como você pode fazer os visitantes do circo de hoje rirem?
Do que o público ri? Do engraçado! Mas a questão é o que exatamente é engraçado. O público é diferente e cada um tem um senso de humor diferente. Não há uma resposta específica. O que é engraçado está em constante mudança. O que fazia as pessoas rirem em meus números na URSS não fazia rir em Paris, mas o que era engraçado em Paris não evocava uma reação em nosso público doméstico. Leonid Iengibarov abriu sua própria página na história mundial dos palhaços; ele era um palhaço-filósofo. Ele fez coisas engraçadas e depois entrou num tom menor – um palhaço com o outono em seu coração. Ele tocou em temas de amor, gentileza, solidão. E Iuri Nikulin tinha temas sociais. Ele saía todo enfaixado e lhe perguntavam: “Iura, o que aconteceu? Você foi atropelado por um carro? Caiu da varanda?” E ele respondia: “Não, eu estava na fila pra comprar pratos.” Isso seria engraçado hoje? Não. Eles vão perguntar o que os pratos têm a ver com isso. Durante a era soviética, houve um tempo em que era difícil encontrar utensílios de mesa, com filas enormes nas lojas e, às vezes, até brigas [não lembra em algo a Black Friday?]. Esses eram os conflitos sociais da época...
Pra fazer os visitantes do circo de hoje rirem, você precisa ser capaz de ver o humor na vida a seu redor. Por exemplo, há um piano e um homem sentado numa cadeira, incapaz de alcançar as teclas. O que ele deve fazer pra alcançar o piano? Uma pessoa comum puxaria a cadeira. Mas um palhaço puxaria o piano em direção à mesa! [Tipo Mr. Bean?...] O teatro circense clássico é construído sobre a lógica da ilogicidade. Um palhaço torna engraçado o que não tem graça. Rimos de nossas deficiências, de nosso caráter, mas de uma forma gentil. Um palhaço é uma criança adulta que encara a vida com otimismo. Pra ele, tudo deve ser honesto, justo e, ao mesmo tempo, interessante e educativo, mas de uma forma lúdica.
O que devemos ensinar aos alunos de hoje, futuros palhaços, pra que se tornem verdadeiros artistas de circo?
É desejável que um palhaço domine vários gêneros, porque o circo é uma linguagem corporal, então é importante que ele seja diverso. Você pode tocar piano, pular ou fazer malabarismo. Quanto mais gêneros você dominar, mais expressivo vai ser e mais o público vai se envolver.
Você já teve a chance de “sentir” seus alunos? Que tipo de genética eles tinham?
Os jovens que vieram pra cá são muito bons, levam isso a sério! Alguns planejam trabalhar no teatro mais tarde, e pra eles, esse treinamento é uma maneira de expandir seu alcance de atuação e o aplicar às apresentações. Há aqueles que almejam uma carreira no circo. Muitos têm uma sólida formação de atores. O primeiro passo é determinar em que direção desenvolver cada um deles, e nós vamos lhes dar o máximo de ajuda e apoio possível.

Esse tiozão é um palhaço. Literalmente.









Embora gramaticalmente a frase correta seria “A mina de que você gosta”, resolvi adotar a forma coloquial que se tornou mais difundida. Se você usa a “rede mundial” e não vive dentro de uma caverna, deve ter se deparado com o meme “A mina que você gosta”, que começa com uma moça ou mulher muito bonita de um determinado setor da sociedade e termina com “Você”, geralmente moço ou homem que encarna a antítese ou “ovelha negra” desse mesmo setor.













Este primeiro print não é meu, mas ilustra um tópico no Reddit sobre o mesmo fato que aconteceu comigo. Queria primeiro recomendar esta 








