sábado, 29 de novembro de 2025

Guerra híbrida à URSS com coxa de frango


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Os delírios da elite política da Rússia em estado de guerra genocida e expansionista, recheados de revisionismo histórico, apelo aos instintos e distorções fatuais – como não podia deixar de ser num embate psicológico –, se tornam cada vez preocupantes quando lembramos do tamanho de seu exército e de seu arsenal nuclear. Porém, como inteligência nem sempre é o forte dessa gente, algumas declarações beiram o cômico, o ridículo ou o constrangedor, não sabemos se visando fazer cortina de fumaça ou se resultando de um clima realmente sufocante e opressivo.

A presidente do Conselho da Federação russo (equivalente a nosso Senado Federal, mas sem voto popular), Valentina Matvienko, aí alojada por Putin, de preferência, pra não sair mais, disse esta semana que a ajuda humanitária concedida pelos EUA à URSS e, depois, à Rússia na sequência do colapso da economia nacional planejada foi uma forma de “sabotar o país”. Embora eu já tenha mostrado aqui, em traduções de textos da Novaya Gazeta Evropa (transliteração deles mesmos), que o modelo soviético foi um dos maiores terraplanismos sociais e econômicos da história recente, a senil burocrata culpou as “coxinhas de Bush” (nozhkí Búsha, literalmente “perninhas de Bush”) de fazerem mal à população por serem insalubres.

Essa é parte de mais um recente movimento do ditador em acusar o Ossidentx Mauvadaum de todos os suplícios vividos por aquele seu mundinho que começou a entrar em colapso logo depois que ele quase foi linchado após uma multidão em Dresden ter tentado invadir a sede local do KGB. As marionetes nos diversos órgãos, obviamente, não só devem repetir o mesmo discurso, como também o vocalizar abertamente, às vezes o temperando com ridículos idiossincráticos indignos de um chefe de guerra que ergueu vários palácios privados com dinheiro de corrupção. É claro que não houve nenhum “plano Marshall”, como após 1945, mas o irônico é que o famigerado Til Çan, vendo a ruína a que o Gosplan tinha levado o antigo império, resolveu acionar o hoje extinto USAID pra dar nem que fosse uma palha, mas nem por isso a máfia do Kremlin tem o escrúpulo de ser grata.

Também é claro que o USAID não era nenhuma casa de beneficência, pois os pacotes de “ajuda humanitária” vinham sempre muito bem rotulados com odes à pátria da liberdade e dos direitos humanos. Porém, cabe destacar que as “coxinhas de Bush” (em referência não ao “Bush filho” que invadiu o Iraque e o Afeganistão, mas a George H. W. Bush, republicano que governou o Zesteite de 1989 a 1993 e conseguiu perder a reeleição pro amigo de Jeffrey Epstein pra Bill Clinton, jovem governador do Arkansas e totalmente ignorante em questões internacionais) ficaram na memória e nas anedotas dos russos até hoje. Alguns dos escritores que as citaram em livros recentes foram Sergei Aleksashenko, economista exilado que escreveu um calhamaço sobre a janela de oportunidade perdida pra construção de boas relações entre Washington e Moscou de 1991 a 1995, e, se eu não me engano, Aleksei Navalny, em suas memórias póstumas. Mas mesmo a imprensa exilada se questionou por que Matvienko teria do nada se lembrado dessa iguaria, em meio a reflexões geopolíticas tão complexas...

Será que ela ainda não tinha almoçado? Será que por azar comeu algum chicken estragado e teve, mais de 30 anos atrás, um inolvidável piriri mais doloroso que a guerra da Chechênia? Ou será que simplesmente o poder ou a vodca lhe subiram à cabeça? Sem mais, seguem dois textos que traduzi diretamente do inglês (pra ir mais rápido e evitar o Google), um do portal oposicionista belarusso Khartya ’97 e outro do site de notícias PolitNavigator, no qual há também o original russo:



Presidente do Conselho da Federação russo fala sobre as “coxinhas de Bush”

Valentina Matvienko disse que os EUA enviaram ajuda humanitária na década de 1990 visando destruir a economia russa.

Os americanos usaram a ajuda humanitária na década de 1990 supostamente como uma ferramenta pra levar a economia russa ao colapso, disse a presidente do Conselho da Federação, Valentina Matvienko, numa entrevista ao jornal Moskóvski komsomólets. Ela citou o exemplo dos carregamentos de coxas de frango, popularmente chamados de “perninhas de Bush” – em alusão ao sobrenome do então presidente dos EUA. “Você acha que eles estavam nos enviando por mera caridade? Eles estavam então solapando nossa agricultura, destruindo nossas granjas ao enviar produtos que eram mais baratos”, disse Matvienko.

Ela acrescentou que os EUA também estavam “prejudicando a saúde” dos russos ao trazer coxas “cheias de antibióticos, hormônios e todo tipo de porcaria”. Porém, ambas as afirmações são falsas. Por exemplo, nos EUA, o uso de hormônios em frangos de granja foi proibido por lei em 1972, enquanto o uso de antibióticos é comparável ao praticado na Rússia. Além disso, os americanos participaram na restauração da agricultura russa, que estava em profunda crise após o colapso da URSS, ao investir milhões de dólares em projetos conjuntos e fornecer equipamento e tecnologia. As atuais granjas domésticas, em ampla medida, copiam as americanas.

Na mesma ocasião, Matvienko argumentou que a Rússia tem sofrido “ao longo da história” tentativas de isolamento externo e restrição a seu desenvolvimento. “Temos todos juntos vivido, ontem e ainda hoje, em condições de guerra híbrida”, afirmou. Porém, na mesma entrevista, ela admitiu que a crise na década de 1990 foi predominantemente interna: tinha “a ver com a sobrevivência de um Estado gravemente doente que não podia mais desempenhar suas funções básicas”, atrasava pensões e salários e cuja sociedade vivia na incerteza e com um sentimento de desesperança.

Recentemente, Vladimir Putin alegou que a ajuda humanitária vinda do Ocidente na década de 1990 supostamente teria causado problemas aos industriais dentro da Rússia. “A coisa boa, a ajuda humanitária, veio, mas nossos produtores internos morreram porque não podiam vender seus produtos. Foi o lado reverso de intenções aparentemente boas”, afirmou.


Matvienko: as “coxinhas de Bush” foram parte de uma guerra híbrida contra a Rússia

O fornecimento de coxas de frango na década de 1990 não foi ajuda humanitária dos EUA, mas parte de uma guerra híbrida contra a Rússia.

Foi o que afirmou Valentina Matvienko, presidente do Conselho da Federação, em entrevista ao Moskóvski komsomólets, conforme relato de um correspondente do PolitNavigator:

Enquanto de fato nos tornávamos uma sociedade tão democrática, aberta e – vamos dar nome aos bois – pró-ocidental, uma guerra híbrida continuava sendo conduzida contra nós, e não somente em termos de separatismo.

Eles começaram nos enviando as “coxinhas de Bush” como uma dita ajuda humanitária, lembram? Eram cheias de antibióticos, hormônios e todo tipo de porcaria.

E você acha que eles estavam nos enviando por mera caridade? Eles estavam então solapando nossa agricultura, destruindo nossas granjas ao enviar produtos que eram mais baratos, mas prejudiciais à saúde de nossos cidadãos.


segunda-feira, 24 de novembro de 2025

Bolsonaro peidou no isqueiro???


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Todos que não passaram o finde na Lua sabem das últimas notícias políticas da Banânia e daquela a que estou me referindo. Sabendo como nossa Justiça funciona com políticos e gente graúda, meu receio é que o Jeno possa ser solto a qualquer momento (se já não tiver sido, depois desta publicação ter sido programada) por se tratar de prisão preventiva, e não de cumprimento de pena. (Me perdoem por qualquer imprecisão que revele minha ignorância em direito.)

Mas o assunto principal aqui é como a criatura não só consegue ser idiota, mas também fazer coisas completamente idiotas e ter uma “família” que só o sabota a todo momento, sobretudo quando sua situação é totalmente delicada. Acho que é difícil encontrar um paralelo de patetice na história nacional e universal: em ambos os âmbitos, houve assassinos, tiranos, ladrões e golpistas, mas quase nenhum que eu me lembre tinha tamanha habilidade em se dar tantos tiros no pé, ainda mais numa época em que hoje tudo cai nas redes sociais!

Não sou tão velho assim, mas já vi muita coisa ruim acontecer na política tupiniquim, vinda ou não desse ser que nos concerne hoje. Mas no último sábado, não bastasse o baita pretexto dado pela “vigília de oração” em frente a sua casa, o Bunda Suja dizendo que tentou arrebentar a tornozeleira eletrônica com um ferro de solda “só por curiosidade, pra ver o que acontecia” é muito mentalidade “quinta série” desses vídeos trash caseiros e de baixa qualidade gráfica que circulavam por e-mail na primeira metade dos anos 2000.

Se é verdade, como li no Jeum deste domingo, que ele teria feito isso, segundo seus “apoiadores”, num surto provocado por remédios (ajuda aí, Lô Borges!) ou por falta de sono (tipo de quem teme ser enjaulado numa suíte Premium), minha cabeça bugou mais ainda. Sem mais, escolha sua versão:





Talvez seja ou será raro encontrar um ex-dirigente de qualquer país, que tenha se revelado tão trapalhão e sem noção durante a vida. Nem mesmo o alcoólatra e tabagista Jânio Quadros, indeciso e histriônico que lançou o Brasil no caos institucional culminado no golpe civil-militar de 1964, protaginizou um roteiro tão rocambolesco. A filmagem da agente da PF conversando com a criatura na linguagem de uma diretora de escola básica (“Que horas o senhor começou a fazer isso, seu Jair?”) e ele respondendo como um retardado constituem a prova eterna pra história:






Falando em isqueiro e incêndios indesejados, este momento da COP 30 em Belém serve muito bem de exemplo do que o Jeno não deveria fazer, embora o objetivo, ocultado por toda a mídia hegemônica e alternativa, fosse completamente nobre: exibir uma “nova” tecnologia que buscasse evitar os combustíveis fósseis, a começar pelo “Carvão Turcão, o melhor da região”...


sábado, 22 de novembro de 2025

Russa: “Viver 50 já tá ruim, imagine 150”


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Uma curtinha pro feriado prolongado.

Há alguns meses, viralizou uma conversa (não tanto) em off entre Vladimir Putin e Xi Jinping, decifrada por leitura labial, em que o ditador moscovita lhe confidencia que a ciência estaria em medida de prolongar a vida humana até os 150 anos. Sabe-se lá de onde ele tirou esse delírio e qual é sua preocupação com isso, dado que o mundo tem muitos outros problemas urgentes pra resolver, esses sim, passíveis de encurtar a vida muito aquém do possível. O vídeo causou bastantes piadas, mas fico pensando se isso não é uma vontade própria, pessoal, pra aproveitar ao máximo toda a roubalheira que ele arrancou ao povo russo, o que não vai conseguir, por ser mortal e não ter verdadeiros amigos.

Povo russo que já está sentindo na carne as consequências da interminável invasão à Ucrânia e sofrendo com inflação, doenças mentais, liberdades tolhidas, perda de entes queridos e isolamento internacional. Discretamente, o canal opositor Sotavision (YouTube) entrevistou populares nas ruas do país pra saber o que eles pensam dessa maluquice do ditador. A maioria, obviamente, respondeu que não só seria antinatural, como também não valia a pena prolongar a vida. Mas esta resposta, que separei usando a republicação da Radio Svoboda, mostra a referida angústia, embora não se saiba qual é a idade da mulher e qual é sua situação geral:


– Vladimir Putin disse que as pessoas poderão viver até 150 anos. A senhora gostaria de viver até os 150?

– Com essa vida, prefiro é viver só até os 50.

– Mas o que há de errado?

– E o que NÃO HÁ de errado?


Na Rússia que conheceu Boris Ieltsin, até os robôs têm que cair de bêbados, rs!


quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Aidda Pustilnik: Agora a moda é o autismo


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Minha mãe compartilhou comigo este vídeo de uma psicóloga jurássica que vende oferece uma “terapia detox” coletiva consistindo em ficar dias confinados num sítio dela, sem falar nada e olhando um pra cara do outro... E ai de você se der o menor pio até com o jardineiro!

Tem gente que vai concordar com o conteúdo que selecionei abaixo, e realmente a mensagem é interessante: diagnósticos são coisa séria, remédios não devem ser prescritos a torto e a direito e traços congênitos não podem servir de desculpa pra defeitos de caráter! Outros obviamente vão achar “politicamente incorreto” e a acusar de capacitismo.

Julgue você mesmo, e lamente com ela: “Ah, os esquizoides...”, kkkkk:










sábado, 8 de novembro de 2025

João Quartim e os “amigos do povo”


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Na edição mais recente da revista Crítica Marxista (n.º 58), publicada pelo IFCH da Unicamp, foi publicado um artigo do professor João Quartim de Moraes intitulado “As posições filosóficas de Lênin” (com circunflexo mesmo). Nesse texto, ele expõe os princípios básicos da filosofia do revolucionário russo, percorrendo os principais escritos de sua vida, e já começa taxativo: “A filosofia está presente do começo ao fim da obra de Lênin.” Prolífico escritor e expositor, Quartim também é famoso por seus livros sobre os militares brasileiros e a política, especialmente aqueles setores fardados identificados com a esquerda.

Suas primeiras observações tratam do ataque de Vladimir Lenin (de fato, uma de suas primeiras polêmicas) aos narodniks, uma das correntes da esquerda russa no século 19 que não se identificava com o marxismo. A primeira nota de rodapé já contém uma observação interessante e a transcrevo na íntegra: “O título habitual dessa obra nas traduções em língua portuguesa não é O que são, mas Quem são os ‘amigos do povo’. Não conheço a língua russa, mas parece-me que as traduções para o inglês (What the ‘Friends of the People’ are) e o francês (Ce que sont les ‘amis du peuple’) oferecem um melhor sentido, a saber, O que são. Não se trata, com efeito, de identificar quem são os ‘amigos do povo’, perfeitamente conhecidos, a começar de Mikhailovski, mas de mostrar quais são suas ideias e refutar a superficialidade e a má-fé da crítica que fazem ao marxismo.”

O sublinhado é meu, e embora eu respeite o professor, com quem já tive bons intercâmbios, e considere altamente sua obra (especialmente a organização e as contribuições pra coletânea História do marxismo no Brasil), ando meio cansado desses especialistas em alguma coisa que não se põem, porém, a aprender o idioma relativo àquilo de que tratam. Não acho que esse seja o caso de Quartim, pois muito boas análises podem ser feitas a partir de traduções, as quais, aliás, servem pra isso mesmo. Contudo, não estamos falando de um mero militante, curioso ou não especialista que precisa fazer uma consulta rápida. Estamos falando de alguém que estuda profundamente um autor, um sistema de ideias e uma época, mas desconhece a língua em que foram expressados.

Imagine estudar Shakespeare, Hume ou Burke sem saber inglês, imagine pesquisar sobre Molière, Voltaire ou Comte desconhecendo o francês. Há décadas as universidades estaduais paulistas oferecem programas de ensino de russo, e hoje não é difícil encontrar online professores, aplicativos ou materiais diversos. Até Marx, perto do fim da vida, se pôs a aprender russo pra entender melhor o império tsarista, com cujos súditos socialistas trocava cartas. Mais uma vez, essa não é uma crítica direta a Quartim, muito menos à qualidade de seu artigo, ai de mim! Decidi apenas trazer hoje aqui um e-mail privado que lhe mandei apenas como comentário àquela nota de rodapé, fornecendo alguns lampejos gramaticais interessantes a respeito de sua própria dúvida sobre a melhor tradução. Além disso, achei que a mensagem podia ser de interesse público por conter outras informações estimulantes.

Ainda não recebi nenhuma resposta, se é que ela realmente vai chegar um dia. Quartim é de uma geração de “velhos guerreiros”, combatentes da ditadura civil-militar de 1964-85, portanto, não posso julgar seus conhecimentos linguísticos. Contudo, me preocupa que uma geração relativamente mais nova de pesquisadores e polemistas queira ter a última palavra (geralmente asquerosa) sobre assuntos bem mais sérios, mas igualmente se contenta com fontes indiretas traduzidas pro inglês, francês ou espanhol. E isso vale, com raríssimas exceções, pra inúmeros recém-formados “especialistas” em URSS e ideologia bolchevique.

Arlene Clemesha e Breno Altman (um jornalista, e não um historiador!), por exemplo, mentem aos quatro ventos sobre a história do sionismo e instilam insidiosamente o antissemitismo entre as “ex-querdas”, mas sequer leem árabe ou hebraico. Ele, pela natureza da formação, não tem Currículo Lattes, mas ela informa apenas que “lê razoavelmente” árabe, isto é, pode nem sequer entender pra acompanhar canais de notícias, e ambos, salvo engano, desconhecem o hebraico. Quebram aquela velha regra do método científico: se você quer falar sobre Israel, simplesmente ache um israelense e ouça sua opinião. Recentemente, também soube de uma doutoranda que pesquisa o feminismo iraniano, mas recorre quase sempre a versões francesas de uma revista porque seu persa ainda é incipiente.

Rigorismo? Despeito? Não, apenas honestidade, pois infelizmente esse problema é crônico na academia brasileira e demonstra como estamos formando apenas repetidores de terceiros, e não pesquisadores genuínos que criam conhecimento original direto das fontes. É minha concepção de mundo, e acabou. Se você não gosta de aprender idiomas, não seja historiador. Dito isso, segue a carta ao filósofo do Cemarx, por quem reitero meu profundo respeito.



Caro professor Quartim,

Folheando a última edição da revista Crítica Marxista, somente agora tive a oportunidade de me deparar com seu artigo sobre as réplicas de V. I. Lenin em 1894 aos populistas, como também são conhecidos os naródniks. Com todo respeito que guardo por seu trabalho de professor e pesquisador, gostaria de comentar as dúvidas que expressa em nota inicial sobre as diversas traduções do título da obra.

Sim, literalmente a tradução “O que são...” se justifica melhor do que “Quem são...”. Em russo, o início do título (não há problemas com o resto) é “Что такое...” (Chto takóie...), expressão que se refere, segundo o Wikcionário russo, a seres inanimados. Ou seja, neste caso, provavelmente ao grupo e às ideias, e não à identidade individual de seus adeptos.

Ressalto que a ausência do verbo “ser” no presente, característica das línguas eslavas orientais, compensa-se por meio de vários idiomatismos não traduzíveis literalmente nas línguas euro-ocidentais. Embora o uso do pronome “takóie” (aqui neutro singular) tenha essencialmente uma função enfática, ele também é muito usado para pessoas nas formas “takói” (masc. sing.), “takáia” (fem. sing.) e “takíe” (plural): “Kto takói... ” etc. Naturalmente, “kto” significa “quem" e “chto”, “o que”.

Confirmo também que o segundo volume da brochura se perdeu, isso não é uma suposição. Sendo uma das primeiras obras de Lenin, impressa e divulgada na clandestinidade, deve ter sofrido as vicissitudes a que tal situação impele. E se contarmos todo o turbilhão que se tornaria a história posterior da Rússia e da URSS, creio que o volume só poderia aparecer por um milagre. É o que informam o verbete da Wikipédia em russo sobre a brochura e o final da nota introdutória (p. 577) numa das versões em HTML da edição de 1967 das Obras completas.

É interessante que, segundo a Wikipédia, embora o segundo volume tenha se perdido, as mesmas teorias político-econômicas teriam sido expostas por Lenin no texto “Características (ou Caracterização) do romantismo econômico” (1897), também polemizando contra os populistas liberais. Na mesma versão italiana (mas não na russa, curiosamente), lemos que “O que são...” foi publicado anonimamente, o que nos leva à questão da adoção do pseudônimo “Lenin”.

Posso estar “ensinando o Pai-Nosso ao vigário”, mas “Vladimir Ilitch” aparece várias vezes em seu artigo como o nome verdadeiro do russo. De fato, sendo “Ilitch” (ou Ilich, Ilyich), i.e. “Ильич”, seu patronímico, a parte do nome formada com o prenome do pai (neste caso, uma forma irregular derivada de Iliá = Elias), é comum que ele seja mencionado, mesmo ausente, como “Vladimir Ilich” por uma questão de respeito. Essa também é a forma polida com que nos dirigimos a um desconhecido ou pessoa sem intimidade, no lugar de nosso “sr./sra. + sobrenome”.

Até hoje, chamar alguém em russo usando “gospodín” (sr.) ou “gospozhá” (sra.) antes do sobrenome é considerado rude e indicador de distanciamento, exatamente como Lenin faz no original de “O que são...” ao se referir a seus oponentes. Na própria Wikipédia russa, descontando as citações de terceiros, há alternâncias entre “Vladimir Ilich”, “Vladimir Uliánov” (que era seu sobrenome) e “V. I. Ulianov”. Calcula-se que, durante sua vida, ele tenha usado mais de cento e cinquenta pseudônimos, embora ele assinasse, já no poder, os documentos partidários e estatais como “V. I. Ulianov (Lenin)”.

É apenas uma observação à parte, mas tive receio de que, caso não conhecessem mais detalhes sobre a biografia de Lenin, os leitores viessem a pensar que “Ilitch” fosse seu sobrenome, no sentido que damos a isso. (E não por acaso, “sobrenome” em russo se diz “família/фамилия”...)


quinta-feira, 6 de novembro de 2025

EU SOU O PAI DO SUPLA


Foi a biblioteca do esquerdista Instituto de Economia da Unicamp que acabou de me enviar um e-mail dizendo que sou o político Eduardo Suplicy. Portanto, quem sou eu pra contestar? Rs...


domingo, 2 de novembro de 2025

Quando o JN tenta ser Casseta & Planeta


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No último dia 31 de outubro, bem na festa ianque do Relouim que resolveram bobamente importar pra cá, William Bonner se despediu da bancada do Jornal Nacional, outrora voz da ditadura civil-militar a partir de 1969 e agora o maior telejornal brasileiro visto por quem ainda só entende português e se senta no sofá com o cérebro desligado pra descansar da lida diária. A Grobe é um gigante com ótimos jornalistas de todas as cores, gêneros, origens, sotaques, formas e tamanhos, mas quem foram escolher pra substituir o ex da Fátima? César Tralli, com sua cara de bobo, esguias pernas arqueadas e cujos pitacos irritantes no fim das matérias deixavam o Jornal Hoje com pelo menos 1/3 a mais de duração do que o suficiente.

Você pode estar se perguntando: Ué, o Bonner vai, sair, f*da-se, não tenho nada com isso, já faz sei lá quantos anos que não assisto mais a essa m*rda. Por mais que a famiglia Marinho tenha irritado tanto lulaminions quanto bolsominions meramente por trazer fatos de cuja interpretação podemos duvidar, mas que incomodam a um montão de gente, o JN e seu mais famoso âncora se tornaram parte da cultura popular nos últimos 29 anos. Sem contar Cid Moreira, que apresentou a primeira edição e se tornou um ícone do jornalismo nacional. E em qualquer país é assim, pois seus jornalistas e telejornais noturnos mais famosos de canais abertos sempre viram alvo de piadas, bordões e memes. Até no Orkut, por exemplo, havia uma comunidade chamada “Eu dou boa noite pro Bonner”, e não sei se alguém chegou a fazer um print dela (sinta-se livre pra me enviar). Posso comprovar na prática: minha vó faz isso até hoje, rs.

Embora alguns critiquem Bonemer por seu jeito de trabalhar e atuar, ele tem qualidades que o distinguem de outros colegas, como a boa retórica improvisada (compare-o com o marido da Ticiane falando na edição daquele dia), a inteligência e, o melhor, um senso de humor que transborda até mesmo em reportagens cotidianas. Porém, esse humor aflora mais plenamente nos bastidores, entre quem já o viu imitando até mesmo Paulo Francis e Clodovil, e parece que nessa “festa da firma” ele resolveu mostrar ao país todo seu dom pro stand up. Não passaram despercebidas suas imitações de “si mesmo aos 8 ou 9 anos” cobrindo um piriri do Chapeleta pela primeira vez e de seu próprio companheiro de bancada, o locutor da Bíblia Sagrada, com quem conferenciava sobre o fato de ficar nervoso antes do programa.

Portanto, eu correria o risco de estar sendo redundante, porém, além de meus próprios comentários, só aqui você vê os trechos selecionados sem edição. E decidi aproveitar também a ocasião pra descarregar inúmeros memes vindos de diversos telejornais da Grobe, que estavam represados desde a queda do canal Pan-Eslavo Brasil ou que fui acumulando depois, além de coisas aleatórias mais recentes. Afinal, como já publiquei aqui constantemente, o JN e seus congêneres (H1, JH, JG e sei lá que outras siglas) nem sempre se tornam o Casseta & Planeta Urgente voluntariamente, mas muitas vezes “sem querer querendo”. Diverte-te:



O “beijo no Bonner” que o Genocida queria ter dado em 2022, rs.


O vídeo “principal” (em cujo fim Bonner diz estar nervoso) e outro vídeo em que ele faz uma gracinha com o sucessor (em que ele diz que “finge estar nervoso”, igual o menino fã do Raça Negra que dizia “fingir estar chorando” no Silvio Santos, rs):




Mais recentemente, o repórter Matheus Croce de uma afiliada em São Vicente, SP, quase morreu de susto quando entrou na Mansão do Medo, montada num shopping center bem antes do Dia das Bruxas (edição minha). De fato, segundo o próprio G1, depois ele teve uma queda súbita de pressão e quase passou mal:


Uma das intervenções mais fora de contexto do genro da Garota de Ipanema em 10 de setembro de 2025. Tão fora de contexto que nem me lembro mais de qual reportagem se tratava, rs:


Tirado a partir de um canal nostálgico da década de 1990. A vinheta “Serviço” era uma as que eu mais achava interessantes em minha infância, mas imagine toda reunida a “família tradicional brasileira”, com casal, vó e filhos pequenos, e de repente um locutor de voz cavernosa joga um “mucosa do pênis, vagina e ânus” na cara dura:


Reportagem de 12 de setembro de 2024 em que Renata Vasconcellos quase põe em órbita aquele catarrão logo no começo. Sem muita graça particular:


A mesma, anunciando o novo dono da Grobe:


Ainda a mesma, resumindo a essência do “sotaque paulistano”, mas provavelmente com fome, porque o jornal tava acabando e ela queria confirmar o pedido do Bonner no Aifode:


E, claro, o famoso “Alô, técnica” de 17 de novembro de 2020, que viralizou, sobretudo, no então chamado Twitter, porque parecia que “a técnica” tinha simplesmente morrido, revelando uma baita fragilidade na organização dos jornalistas. Não sei por que inseri o Jeno rindo no final (nunca o apoiei e nunca vou apoiar suas crias) quando publiquei em meu antigo YouTube, mas deve ter sido uma lembrança da entrevista eleitoral em 2018, quando “ela o sodomizou sem vaselina” depois de insinuação sobre o salário da apresentadora:


Maju Coutinho cobrindo um campeonato de arremesso de bebedouro após o jogo de futebol entre um time brasileiro e outro argentino, ou “Gente, foi isso mesmo, um jogador arremessando lá um bebedouro” (JH, 22 de julho de 2021):


Fora do mundo, Ana Maria Braga anuncia no Mais Você de 28 de junho de 2021 a captura e execução sumária do assassino em série Lázaro Barbosa de Sousa, que fez uma fuga espetacular pelo país e atemorizou os moradores por onde passava. Primeiro ela diz que “Lázaro não tinha relação com Lázaro”, e depois tenta chamar o repórter ao vivo dizendo “Oi, Lázaro, temos Lázaro?”:


Em meados de julho de 2021, no auge da segunda grande vaga da covid-19 com que o desgoverno nos tinha presenteado, Bonner afirma que “a Terra é redonda” e recomenda que todos tomem a segunda dose da vacina:


De novo Bonner, mas ainda sem a barba que o caracterizaria nos últimos anos, anuncia em 26 de dezembro de 2019 um “eclipse solar com Lula”, mal disfarçando que já sentia saudades e não via a hora do retorno do “ex-presidiário”:


Na década de 1980, Renato Machado está em Xernobiu Chornobyl tempos depois da explosão. Mas, como disse certa vez um inscrito de meu YouTube, parecia que ele estava descrevendo o Twitter, invertendo o famoso meme de Éric Jacquin usado quando alguma discussão estava ficando tóxica demais:


Além do “ônibus” (2006) e do “avião do JN” (2010), em que Bonner percorria o Brasil todo queimando a fortuna dos Marinho, entre as muitas iniciativas ridículas lançadas em época de eleições presidenciais estava a vinheta “O Brasil que eu quero” de 2018. Esta era muitíssimo mais econômica, pois em todos os telejornais apareciam vídeos breves de celular, com pedidos que os cidadãos faziam aos candidatos a diversos cargos. Um dos melhores certamente foi o da estudante paraense “Maria Bolacha”:


Após (uma das muitas) enchentes na periferia de São Paulo, em março de 2019, uma senhora identificada como “dona Florentina” elogia a ajuda que a Igreja Universal do Reino de Deus estava dando aos desabrigados ou prejudicados. A graça não está nisso, mas em que o repórter da GloboNews, por mais que tente tirar a IURD da conversa, se vê frustrado e constrangido pela insistência da idosa, rs:


No JH de 13 de fevereiro de 2020, Andréia Sadi e “o nome cotado para a vaca” involuntariamente resumiam como todos os partidos alternantes, sem exceção, sempre tentam “mamar nas tetas do Estado”:


O Fantástico entrevistava um eleitor de Joe Biden nas eleições americanas de 2020, quando uma passante patriota bolsonarista apoiadora de Trump, sem ser chamada, foi argumentar na única linguagem que sabe usar. Spoiler: a polarização mencionada só ia piorar e Biden daria tanta vergonha alheia que o Laranjão voltaria em 2024.


No JH de 2 de junho de 2020, Maju inventou um novo ministério pro milico golpista Augusto Heleno, que era o do “Gabinete de Segurância Institucional”:


Alguém consegue falar diretamente pra ele a “verdade coprológica”?

Vamos mudar de canal (e de país, e de língua). Na ditadura dinástica totalitária do Tajiquistão, mais uma daquelas Boratlândias de economia dependente da Rússia, o telejornal noturno da TV estatal conseguiu dedicar uma edição inteira somente à inauguração de inúmeros prédios frescos, incluindo escolas, numa cidade perdida chamada Danghara.

Óbvio que o dono do país, Emomali Rahmon, devia estar lá, e a lambeção de saco, que passa pela linguagem e pela reverência temerária, chega à recitação decorada de versos laudatórios (de fato, uma tradição do mundo persa) e a apresentações dignas de uma festa de formatura de pré-escola brasileira. Escolha seu ritmo preferido entre uma batida mais tradicional ou uma mixagem techno:




No fim de outubro, viralizou um vídeo em que um prefeito Mamãe Falei calvo de cidade russa destrata e demite em público um burocrata de cujo trabalho ele não gostou. Não lembro mais do que se tratava a obra, mas sinta-se livre pra usar o corte da Radio Svoboda, totalmente fora de contexto, “– O que é isto? – É uma pedra” (“– Что это такое? – Камень”):


E pra terminar de um jeito nada a ver, é curioso como entre as recomendações de canais do WhatsApp, o recurso mais mal copiado pra tentar fazer frente ao Telegram, aparecem coisas completamente aleatórias, sem relação com interesses gerais ou mesmos os seus próprios e de conteúdo absolutamente carente de nexo. Um desses “buracos” (nome mais apropriado) que me sugeriram foi um chamado “Meu FC [fã clube] Do Daily da Vavá”, o troço mais orkutizado que já vi desde a emergência das novas redes sociais. Não faço ideia de quem seja a Vavá, quem faça parte de seu fã clube e se a foto de perfil é da Vavá ou de alguma fã dela.

Embora eu tenha algum receio que isso seja um golpe ou um perfil falso, talvez até escondendo uma situação de abuso (eu denunciei à Meta), é incrível como de fato alguns adolescentes, sobretudo meninas, se expõem elas mesmas dessa maneira, apesar dos discursos mainstream sobre “adultização”. Mais cômico ainda é o pedido pra que os internautas parem de reagir com “emojis inapropriados” (o que é comum, aliás, quando canais bizarros são sugeridos do nada), solenemente desobedecidos com ainda mais berinjelas e dedos medianos. É mais uma prova de que os memes não são feitos, mas aparecem: