quarta-feira, 22 de junho de 2016

Seminário “90 anos do PCB” (Unicamp)


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Este é um fichamento pessoal das falas dos três palestrantes (Marly Vianna, Marcos Del Roio e Ivan Pinheiro) no seminário “90 anos do Partido Comunista Brasileiro e o comunismo no Brasil”, ocorrido na quarta-feira, 26 de setembro de 2012, no Salão Nobre da Faculdade de Educação da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), e organizado pelo PCB de Campinas - SP. A ordem original das ideias foi por vezes adaptada para o modelo de composição escrita, e possíveis lacunas, falhas ou equívocos no texto são de responsabilidade apenas minha, sendo seu apontamento muito bem-vindo.

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Marly Vianna (Universo) – O comunismo no Brasil

Vianna começa sua fala com uma homenagem a Carlos Nelson Coutinho, pesquisador marxista brasileiro falecido no último dia 20. Logo após, afirma julgar bastante amplo o tema que lhe fora atribuído, “o comunismo no Brasil”, e que tentará resumi-lo, esquematizando a fala em duas partes: 1) o que ela mesma pensa do percurso do Partido; 2) levantamento de algumas questões.

Cita brevemente Marx e sua ideia, já nos anos 1840, do “fantasma do comunismo”, e a frase da historiadora francesa Dominique Desanti (1919-2011), segundo a qual o comunismo é a “epopeia do século XX”. Vianna afirma geralmente ser crítica quanto à história do PCB, mas que nessa ocasião iria apenas louvar tudo o que na trajetória julgava digno de merecimento.

1) A sociedade brasileira é violenta, antidemocrática e antirrevolucionária, e nossas classes dominantes chegaram ao cúmulo de ter longamente sustentado o antirrepublicanismo e a instituição da escravatura. Tudo o que houve de ideias mais avançadas no Brasil fez e faz parte da história do PCB, ainda que se deva reconhecer a importância do anarquismo anterior (tanto que dos nove membros fundadores, sete eram dirigentes egressos do movimento anarquista) e das posteriores dissidências comunistas. Porém, a diferença entre comunismo e anarquismo está apenas no método de ação, pois a sociedade sem classes é seu fim comum. Marx nunca disse como seria a sociedade comunista, mas deu algumas indicações de como chegar a ela.

O PCB, portador das ideias mais avançadas da sociedade brasileira, sempre foi brutalmente reprimido, especialmente nas greves das primeiras décadas do século XX. Naquele período, especialmente na Primeira República, a legislação trabalhista era escassa, mas até a ela as classes dominantes já opunham feroz resistência. O PCB organizou quase toda a movimentação social posterior e se manteve firme até hoje, mas não deixou de cometer erros e de enfrentar muitas lutas internas que prejudicaram a união da classe operária. A primeira cisão importante e muito dolorosa foi nos anos 1930, por parte dos trotskistas, que eram muito fortes em São Paulo, talvez mais do que era o grupo de Lauro Reginaldo da Rocha (Bangu) no Rio. O grupo de Bangu também foi responsável pela linha de “união nacional” dos anos 1930 e 1940, influente na “conferência da Mantiqueira” de 1943 e considerada posteriormente um desvio de direita.

A luta contra o nazifascismo foi um dos momentos mais importantes do PCB, mas não tão fácil quanto pode parecer hoje. Quem vê do presente conhece perfeitamente a derrota nazista, mas o mundo em geral, na época, via os nazifascistas com simpatia, e os integralistas no Brasil não arregimentavam poucas pessoas, mas multidões, protagonizando ferozes lutas corporais de rua com membros da ANL nos anos 1930. Outras bandeiras importantes foram a luta pela paz dos anos 1940 e 1950, a defesa permanente do anti-imperialismo, especialmente na América Latina, do internacionalismo e a defesa intransigente da Revolução Cubana e do regime de Fidel Castro, mesmo após as críticas do dirigente ao PCB no início dos anos 1960. Houve ainda a luta pela autodeterminação dos povos, pelo petróleo, pelas reformas de base dos anos 1960, a qual hoje tem muitas vezes sua importância mitigada por alguns, e pela democracia, especialmente a democracia econômica, nos anos 1970. O Partido, em todo esse tempo, não deixou de trabalhar com a intelectualidade, os estudantes, a juventude e as mulheres.

As classes dominantes sempre exploraram exaustivamente os erros do PCB, a começar pelo discurso de Luiz Carlos Prestes de 5 de julho de 1935, em que pedia “todo poder à ANL”. Tais palavras de ordem acelerariam a repressão de Vargas, mas não foram o único motivo do fechamento da Aliança, cuja existência já corria sérios riscos. Outro momento delicado foi a entrevista de Prestes ao programa de televisão “Pinga-Fogo”, a 3 de janeiro de 1964, em que afirmava ter o controle da situação, embora isso não tivesse qualquer influência no golpe. Nos anos 1960, aliás, um acerto do PCB foi não ter optado pela luta armada contra os militares no poder, uma atitude impossível após tão grande derrota política, enquanto o erro foi não ter preparado qualquer oposição ao golpe, nem mesmo tê-lo previsto, ou previsto sua iminência.

2) Há de se perguntar qual é o papel dos comunistas numa sociedade como a nossa, em que a revolução não está na ordem do dia e em que está ocorrendo um “refluxo” dos movimentos sociais. Deve-se lembrar que quem faz a revolução não é o Partido, mas a classe operária por sua própria ação, a qual o Partido coordena, no máximo. Porém, o PCB nunca teve total respaldo da classe operária, o que prejudicou muito sua atuação revolucionária. Ainda hoje, o capitalismo é o mesmo de antes, tendo sido criadas apenas novas formas de dominação, por meio de uma sociedade de consumo dificílima de reverter, pois o “socialismo real” foi praticamente derrotado em 1991 e os EUA hoje fazem no mundo o que bem entendem.

A reversão da sociedade de consumo é justamente o maior desafio dos comunistas, pois a sociedade está muito individualizada, com cada um em sua casa acessando a internet (a qual, porém, pode ser uma grande ferramenta de mobilização), e ninguém mais conversando na rua. É paradoxal que eventos como a Parada Gay, um culto da Igreja Universal do Reino de Deus ou um jogo da Copa do Mundo (ou a comemoração de sua vitória) reúnam milhões de pessoas nas ruas, mas que o mesmo não ocorra para exigir, entre outras coisas, saúde e educação de qualidade. Assim, a tarefa de mudar o Brasil e o mundo é hercúlea, inclusive porque se o PCB hoje se encontra na legalidade, é porque não está incutindo medo nas classes dominantes, o que não tira do Partido a responsabilidade de dar às pessoas uma esperança no futuro.


Marcos Del Roio (UNESP) – O PCB no Brasil

Del Roio começa elogiando o fato de haver na plateia muitos jovens interessados e afirma que vai repetir muito do que Vianna falou, mas com enfoque na questão de qual é a estratégia da revolução, na história do Brasil e hoje em dia.

A história do PCB dos anos 1920 até o início dos anos 1980 (quando houve o que Gramsci chamaria de “crise orgânica”, na qual o Partido se descolou definitivamente de sua base, da classe operária) indica que em poucos momentos ele esteve completamente ligado às lutas proletárias, e que mesmo quando o operariado esteve maduro para a revolução, o PCB padecia de problemas estruturais, o que possibilitou, ao final, o surgimento do PT, com seu êxito fenomenal, apesar das inúmeras limitações.

O período que se estende dos anos 1920 a 1980 no Brasil significou o processo de nossa revolução burguesa, ou seja, de transformação do capitalismo local. Porém, embora o país estivesse se fazendo capitalista, urbanizado e industrializado, ele nunca viveu uma verdadeira revolução democrática, com plena liberdade de expressão, acesso à cultura e às necessidades básicas pelo povo. Nos anos 1920, o PCB ainda tinha a tarefa de conduzir a revolução democrática, mas sob a realização real da classe operária, enquanto o que se chamava de “revolução democrático-burguesa”, apesar do nome, não se pregava como necessariamente liderada pela burguesia, algo que o PCB não desejava, embora tivesse quase sempre uma compreensão escassa do que fosse uma “revolução democrático-burguesa”.

A Revolução Russa foi um longo processo, embora a data de 7 de novembro de 1917 tenha se tornado emblemática e histórica, e tudo isso influenciou muito o PCB, fundado ao longo de um trabalho que durou de 1918, quando começaram a pulular os vários grupos comunistas no Brasil, até 1924, quando a Internacional Comunista aprovou o ingresso do PC brasileiro. Esse foi o período de formação do PCB. Os anos de 1924 a 1934 foram marcados por uma visão teórica “tosca”, mas bastante clara: devia-se fazer a revolução democrático-burguesa pela ação da classe operária, do campesinato e da pequena burguesia, fórmula ainda vigente nos anos 1970, quando apenas se transformou a “pequena burguesia” em “camadas médias urbanas”.

A primeira década de existência do PCB foi um período notável, mas vivenciou a expulsão do grupo dos primeiros dirigentes em 1930. A partir de 1934, ocorreram mudanças com o ingresso de Luiz Carlos Prestes e, depois, com a formação da ANL, notavelmente a afluência de militares de esquerda junto com o “Cavaleiro da Esperança” e a consequente transformação da cultura e da visão de política do Partido. Passava-se agora a não cindir tanto com o Estado, como antes, e a ter uma perspectiva de política de Estado, especialmente com a bandeira da “união nacional”, traduzida na Europa pela luta antifascista, mas aqui, por ação do grupo de Bangu (1938), pela visão da burguesia industrial como progressista, e não mais como contrarrevolucionária, como se considerava a Revolução de 30. Essa linha se aproveitou de uma brecha da IC que permitia o apoio a frações da burguesia que pudessem ter contradições com o imperialismo, mas que não foi imposta como regra geral. A “união nacional” predominou até 1947 e teve como frutos a derrota do fascismo e a legalização do PCB, mas não resistiu à recomposição das classes dominantes sob o comando de Eurico Dutra e ao início da “guerra fria”, que influenciou a nova cassação do registro do PCB.

Progressivamente, aos atores tradicionais da futura revolução se somaram os setores da burguesia que poderiam ter uma capacidade “revolucionária” e, assim, integrar o vindouro “regime nacional-popular”. Essa concepção se afirmou em 1958, com a “declaração de março”, a qual, porém, permaneceu anti-imperialista e sem monopolizar a direção da revolução à burguesia, enquanto a revolução democrática deveria ser uma aproximação à revolução socialista, cuja hora ainda não havia chegado (a não ser para os trotskistas). Se a prática política era equivocada num ou noutro momento, já é uma questão diferente da que está sendo abordada.

Nos anos de 1934-35 e 1961-64, o povo esteve mais amadurecido para uma revolução, mas foi derrotado em ambas as ocasiões, e o PCB sempre se perguntou o porquê, e por que ele mesmo falhou em suas pretensões. Porém, o Partido nunca abandonou a via democrática de luta: de 1964 a 1979, continuou a elaborar uma estratégia democrática, quando se considerava que o Brasil já havia se tornado plenamente capitalista (anos 1970), mas necessitava lutar contra a ditadura “fascista”. Em 1974-75, uma grande catástrofe foi a grande repressão que se abateu sobre o PCB, incluindo a morte de dirigentes, quando os setores da liderança que não estavam no exterior também se exilaram.

Cinicamente, quando o capitalismo já estava plenamente implantado no Brasil, os industriais decidiram que não precisavam mais da ditadura, mas o Partido se encontrava numa crise, buscando formas de sair dela e com a direção muito dividida. De fato, em 1978, os documentos oficiais da direção em nada correspondiam ao pensamento da maioria dos quadros, e no início dos anos 1980, ocorreram uma forte sangria de quadros, a influência do “eurocomunismo”, especialmente da linha do PC italiano, e a paralisação dos trabalhos, até o colapso final nos primeiros anos 1990, com o fim do “socialismo real” na Europa. Mesmo assim, ainda não chegava ao fim a ideologia comunista, e se impunha a necessidade de aprender com a história do PCB, e não jogá-la toda fora, mesmo no particular e complexo contexto de hoje.


Ivan Pinheiro (Secretário-Geral do PCB) – A reorganização do PCB

Várias questões se colocam quando se pretende descrever a reconstrução revolucionária do PCB levada a cabo nos últimos 20 anos. A começar, é preciso ter em mente que o Partido, como dogma, acredita que a chegada ao socialismo só se dará por meio da ruptura completa com o capitalismo, e não com sua reforma. Do mesmo modo, hoje o PCB não pretende mais escrever para si uma história autoproclamatória, mas que louve merecidamente os acertos e condene duramente os erros, especialmente as falhas demonstradas em 1935 (crença nas “rebeliões de quartel” ou “quartelismo”), 1964 (despreparo diante da iminência do golpe civil-militar) e 1979 (pouco aproveitamento da situação criada pela anistia).

O período que vai até 1964 está envolvido pela crença ilusória na democracia burguesa, criada com a “declaração de março” de 1958, pois não se pensava que a burguesia seria capaz de esmagar os direitos democráticos com o golpe civil-militar. No período ditatorial, especialmente de 1964 a 1979, o PCB fez um acerto ao seguir a linha democrática contra aquele regime, muito bem caracterizado como “fascista”, e ao não ter embarcado na luta armada, o que não significa descartar hoje o levante armado, caso as multidões escolham essa via. O Partido considera a luta armada dos anos 1960-70 como voluntarista e foquista, mas de ebulição compreensível, dado o contexto criado pelo encanto da Revolução Cubana e pelo fervilhar da luta estudantil.

A formação da “frente democrática” foi uma escolha justa nos anos de 1979-80, mas não deveria ter continuado na segunda metade do governo Sarney, enquanto a saída de Prestes (1982) prejudicou muito o PCB, junto com o auge do reformismo, em 1986, quando estava claro que a “frente democrática” deveria se transformar numa “frente de esquerda”. Boa parte da militância começou, então, a se opor à maioria predominante no Comitê Central (CC) do Partido, a qual havia recaído na conciliação de classes, e num ativo sindical em Santos, em 1987, os participantes viraram a mesa e aprovaram a entrada dos comunistas na CUT. Em 1989, na UERJ, tentou-se liquidar o PCB no IX Congresso, mas não houve sucesso, e então um grupo criou o lema “Fomos, somos e seremos comunistas”. Em 1991, com a queda da URSS, em meio a um movimento de resistência dentro do Partido, a direção marcou um Congresso Extraordinário para o início de 1992, quando ocorreram, de fato, dois congressos, um que fundou o PPS e outro que deu continuidade ao velho “Partidão”.

Nos anos 1990, as esquerdas tornaram-se pouco visíveis com o fim do “bloco socialista”, e o PCB, um dos principais alvos dessa obscuridade, empreendeu a tarefa hercúlea de recuperar o registro do Partido Comunista Brasileiro, o que conseguiu em 1995. Posteriormente, um grupo que incluía Ivan Pinheiro recusou-se a priorizar a via eleitoral e percebeu, enfim, que na história do Partido houve poucos “comunistas” e muitos “pecebistas”, que na verdade eram apenas simpatizantes da agremiação e de suas lutas. Em 1998, em meio a graves lutas e crise, o PCB tentou reconciliar-se com o PC do B, mas, logo após, a perspectiva da vitória de Lula como Presidente da República apenas aumentou as diferenças entre os dois partidos. Com efeito, nessa década, a esquerda era mais unida diante de FHC como inimigo comum, mas ao mesmo tempo Lula se desprendia gradativamente de suas ideias originais a cada eleição. Em 2002, o PCB apoiou Lula, mas logo depois se afastou do novo governo, cujas contrariedades já eram visíveis desde o lançamento da Carta aos Brasileiros, na verdade, uma “carta aos banqueiros”, que prenunciava o favorecimento futuro aos EUA e aos bancos.

Entre 2002 e 2005, com a divisão reinante dentro do CC, o PCB não portou uma feição bem definida, até que em 2005, com o XIII Congresso, fez-se uma mudança radical com o início da “reconstrução revolucionária”. Desde então, a linha política, que comportou grande autocrítica e não apareceu de repente, analisa profundamente a estrutura de classes e do capitalismo no Brasil e julga que nosso capitalismo é completo, tem todas as instituições burguesas esperadas num país capitalista, o que não inspira a ilusão de alianças com quaisquer setores da burguesia. Recusa-se a linha do PC do B, segundo a qual a contradição principal é aquela entre nação e imperialismo estrangeiro, o que mitiga a necessidade de se lutar também contra os capitalistas brasileiros. A “democracia burguesa” é vista, de fato, como uma ditadura da burguesia sob uma roupagem democrática, o que obriga a especificar o regime instaurado em 1964 como “ditadura da burguesia de caráter militar”. Não será pelas instituições burguesas que se chegará ao socialismo, portanto, a estratégia e o caráter da revolução brasileira são socialistas, mas sem que se exija a instauração imediata do socialismo, pois não existem condições subjetivas para tanto. O instrumento central de luta deve ser uma frente de esquerda permanente, anticapitalista e anti-imperialista a se formar, que não atue apenas em períodos eleitorais. Evita-se o conceito de “filiação partidária”, preferindo-se o de “recrutamento”, para a formação de um partido de quadros com militantes fortes.

O PCB não morreu, mas vive e começa a chamar a atenção de outros setores da esquerda, da direita e da burguesia, pois não se trata mais da agremiação totalmente enfraquecida de 1992, embora ainda se esteja vivendo um período de reconstrução. Os jovens ainda viverão uma luta de classes como jamais viram, pois a crise do capitalismo sempre gera uma fascistização da política, em meio à qual ser comunista se torna uma tarefa muito difícil.