Meu ministro preferido do quase-rei parisiense Mané Marcão, desde que ele assumiu o cargo em 2017, é seu “fiel de primeira hora” e o equivalente a nosso ministro da Defesa de 2022 a 2025. O nome de Sébastien Lecornu pode ser traduzido literalmente como “Sebastião, o Chifrudo” ou simplesmente Tião Chifrudo. Mas outro de que também gosto muito, não ministro, mas ex-deputado, foi um dos dois únicos (sendo o outro Franck Riester, e todos os outros foram contra) membros da então UMP, atual LR, a votar a favor da lei do “casamento igualitário” sob o governo do pinguim de geladeira Francês Holanda François Hollande. Ele se chama Benoist Apparu, literalmente “Benedito Aparecido” ou, como chamamos aqui no sítio, Dito Cido. Torço pela ascensão desse homem!
Só um aparte: a UMP era o partido do marido da Carla Bruni, que conseguiu perder a reeleição presidencial em 2012 e se tornar recentemente o primeiro ex-chefe de Estado preso no período republicano, por causa do financiamento que recebeu em 2007, pra sua eleição, de Muammar Gaddafi, o manequim mais estiloso de todas as Áfricas. Outro rebento dessa legenda é Éric Ciotti, o “Doutor Abobrinha da Quinta República” de voz irritante e que se juntou ao clã Le Pen pra tomar o Castelo, isto é, desestabilizar o governo.
Voltando a nosso herói principal: ainda perto de fazer 40, é uma daquelas figuras macronoides pseudojovens da política nacional que carrega nas costas, porém, uma vasta experiência política e administrativa iniciada no plano local. Um currículo do qual carece até mesmo seu patrão, como gostam de lembrar os analistas franceses. Tendo ocupado várias pastas desde 2017, Tião Chifrudo foi finalmente escolhido premiê por “Júpiter” (apelido quase oficial do ex-banqueiro), este acusado de ignorar as sucessivas derrotas do bloco presidencial nas eleições parlamentares de 2022 e 2024 e continuar escolhendo gente de seu próprio círculo pra formar governos.
Outro aparte: a constituição semiautoritária gaullista de 1958 tem inúmeros dispositivos bizarros que, por minhas conclusões, funcionariam melhor se todos os inquilinos do Élysée seguissem regras não escritas que terminaram se sedimentando ao longo das décadas. Primeiro, o regime é considerado “semipresidencialista”, mas o presidente francês tem muito mais prerrogativas, digamos, que um presidente “presidencialista” brasileiro, como a de (ah, que sonho pros desafetos de Bolsonaro!) dissolver a Assembleia Nacional (a câmara baixa, sendo que o Senado é indissolúvel e não é eleito por sufrágio universal, o que também acho bizarro). Acredito que o nome se deva muito mais à divisão de funções entre “Júpiter” e seu protegido, muito mais favorável ao segundo em países como o Reino Unido, do que ao poder de cada um. Segundo, o artigo 49.3 permitiu que em governos recentes, leis simplesmente passassem sem a aprovação da Assembleia, na mera canetada, o que Tião Chifrudo teve de “prometer não fazer”, apesar de ser direito seu. E terceiro, embora o presidente possa escolher quem ele quiser pro Palácio de Matignon, as chamadas “coabitações” (isto é, governos liderados pela oposição) são um costume consolidado, e não uma regra escrita, e por isso os deputados não têm dado sossego aos últimos ministérios do “Manú do Lula”.
Esse é um resumo da tão falada “crise política” francesa, na verdade as lacunas e contradições da Carta Magna (um documento ad hoc empurrado goela abaixo no meio do cul de sac de uma guerra colonial) levadas ao paroxismo. A real crise é econômica e social, que só termina agravada pela birra partidária coletiva, a qual, porém, não é sua causa primeira. E em todo esse trajeto, Tião Chifrudo ganhou fama de discreto, quieto, cinzento e lacônico, o que lhe teria “mineiramente” facilitado a ascensão, apesar de sua situação ser considerada frágil. Essa imagem sofreu uma chacoalhada durante seu “discurso de política geral” em 14 de outubro, quando teve o plano de governo escrutinado pelos líderes (chamados na ocasião de “presidentes”) das diversas frações parlamentares.
Cada um deles comentava os pontos apresentados e até exprimiam o desejo ou não de apresentar uma moção de censura contra o primeiro-ministro, e no final este podia lhes responder individual ou coletivamente. Olha, se você não gosta do “piçol” (confesso, votei no Boulos, ele é um verdadeiro lutador democrata!), conheça Mathilde Panot, líder da bancada da França Insubmissa (LFI) e marionete do extremista Jean-Luc Mélenchon, primo da tiazinha da Casa do Pão de Queijo. Ela dissecou tão minuciosamente os podres do “Júpiter” que, nesse aspecto, não tenho nenhum reparo a fazer e a parabenizo pela exposição corajosa. Porém, como toda filha radicalizada de família abastada, Thithi detesta ser contrariada e geralmente afoga seus argumentos em surtos e bufadas. Premiês derrubados, Michel Barnier chegou a “elogiar” sua “verve”, mas François Bayrou preferiu dizer que ela “não precisava berrar (hurler)” bem enquanto ele lhe respondia uma pergunta.
Ao responder a mais um dos chiliques da passadora de pano do Hamas (lembrando que, dada a falta de educação, eles ocorrem mais na resposta do que nas perguntas mesmas, em geral pontuadas por sua estudada oratória), que acusou Tião Chifrudo de “colaborar pro jenossídeo de Israel em Gaza”, ele perdeu sua calma habitual, já tendo no próprio ato de acusação tido uma reação que contrastou com os momentos restantes de concentração. Após o devido enquadramento por um cara-de-bobo, a despeitada ficou tão deputada que, se não fingia grunhir alguma coisa, inchava e fazia caretas à la Greta Thunberg por não ter sido mimada.
Seguem os trechos selecionados e minhas traduções com as transcrições, que não precisei tirar de ouvido porque já se encontram na página da própria Assembleia Nacional, com as devidas interpelações de colegas mais críticos. Apenas tornei os textos mais próximos dos áudios, porque foram bastante editados:
Mathilde Panot: Senhor primeiro-ministro, o senhor personifica, sobretudo, a cumplicidade da França no genocídio perpetrado por Netanyahu contra o povo palestino. O senhor mentiu ao afirmar que a França não estava fornecendo armas a Israel. Foi o povo francês que o impeliu a agir com a mais elementar decência: reconhecer o Estado da Palestina, que está agonizando perante o abandono do mundo. É o povo que está salvando a honra da França, agitando a bandeira palestina por toda a parte. Foi o próprio povo que se lançou ao mar para romper o bloqueio ilegal de Gaza.
(Vous incarnez surtout, monsieur le premier ministre, la complicité de la France dans le génocide mené par Netanyahou contre le peuple palestinien. Vous avez menti en affirmant que la France ne livrait aucune arme à Israël. C’est le peuple de France qui vous a contraint à la plus minime des décences : reconnaître l’État de Palestine, qui agonise à l’abandon du monde. C’est le peuple qui sauve l’honneur de la France en brandissant le drapeau palestinien partout. C’est le peuple lui-même qui a pris la mer pour briser le blocus illégal de Gaza.)
Tião Chifrudo: Senhora líder Panot, sua energia é bem conhecida aqui e, como disse Michel Barnier, tenho respeito pela senhora e repito isso. A única coisa que não posso aceitar realmente, realmente, é que diga que a França participou de um genocídio em Gaza. Nem uma única arma francesa partiu destinada ao Tsahal. Não paro de repetir há três anos, e a senhora mantém essa mentira. Nunca menciona a atuação das forças armadas quando distribuíram mantimentos, gêneros alimentícios e medicamentos à população de Gaza! Nunca se refere ao que o exército francês fez em Al-‘Ariish, notadamente com o navio-hospital Dixmude! Nunca fala do envolvimento das forças armadas na FINUL [Força Interina das Nações Unidas no Líbano] na fronteira, notadamente com soldados que foram feridos! Portanto, pare de caricaturar e mentir sobre a posição da França num assunto tão sério e tão sensível! Pare de colocar as francesas e os franceses uns contra os outros! A senhora tem o direito de se opor, tem o direito de ser brutal, mas não tem o direito de mentir sobre um assunto tão sério. É uma questão de dignidade. E é pela República!
(Madame la présidente Panot, votre énergie est bien connue ici, et comme avait dit Michel Barnier, j’ai du respect pour vous, et je vous le redis. La seule chose que je ne peux pas accepter vraiment, vraiment, c’est de dire que la France a participé à un génocide à Gaza. Pas une arme française n’est allée à la destination du Tsahal. Je ne cesse de le répéter depuis trois ans, et vous maintenez ce mensonge. Jamais vous ne faites état de l’action des forces armées lorsqu’elles ont distribué des vivres, des denrées alimentaires, des médicaments aux populations à Gaza ! Jamais vous ne faites référence à ce que l’armée française a fait à Al-Arich, avec notamment ce bâteau-hôpital, le Dixmude ! Jamais vous ne parlez de l’engagement des forces armées dans la Finul [Force intérimaire des Nations unies au Liban] à la frontière, avec notamment des soldats qui ont été blessés ! Donc, arrêtez de caricaturer et de mentir sur la position de la France sur un sujet aussi grave et aussi sensible ! Arrêtez de remonter les Françaises et les Français les uns contre les autres ! Vous avez le droit de vous opposer, vous avez le droit d’être brutale, vous n’avez pas le droit de mentir sur un sujet aussi grave. C’est une question de dignité. Et c’est pour la République !)




A LFI ocupa uma posição intermediária entre o “piçol” e o “peceó”, pois enquanto ainda compartilha muitas das posições libertárias do primeiro, adota a estrutura caudilhista e a complacência com jihadistas do segundo. Eu queria lhe poupar desta visão, mas assim que acessei por acaso o Instagrão de Rui Costa Pimenta dizendo que no Catar lhe falaram em árabe (quem? Os çaçinos do Hamas? Foi ajudar nas negociações com os cyoneshtas mauvadõens?) mais de uma vez, achando que ele era árabe, não pude deixar de reproduzir este arroubo cringe. O mais legal, porém, são os comentários zoeiros, um deles dizendo que ele era “nosso aiatolá”: afinal, mesmo dentro da ex-querda bananeira ele consegue fazer inimigos.
Montagem feita e sugerida por um amigo: “Free, free PalestAAAIIIIN!”. Qual dos dois é mais charmoso?

E esta é uma eleitora média do Dick Pepper que comenta por lá (só apaguei metade do nome pra não perder totalmente a graça):

Como vimos, a Thithi Barraqueira citou “o povo rompendo o bloqueio ilegal a Gaza” (que povo? Só tinha youtuber, acadêmico e político, kkkkk). A referência era à famosa flotilha cujos organizadores sabiam muito bem que iam ser presos pelo Bibi do Hamas a qualquer momento, sem entregarem um só falafel aos gazauís, e que quem quisesse “se conscientizar”, que fosse procurar as devidas mídias e leituras.
Vou evitar discorrer muito sobre essa presepada hipócrita, que faria melhor em aportar no Irã, na Ucrânia, no Sudão ou em Mianmar. Mas o fato da lógica dos likes, do engajamento e da fama súbita terem levado até os canhotos à “mamãe-falei-zação” da militância geopolítica me preocupa muito, sobretudo ao notar perto da Greta (a “filha do He-Man”, como alguns chamaram, rs), checando o alcance da lacração, um certo Thiago que disse no Inteligência Ltda. que “a Rússia não é uma ditadura”, mas lá “é complicado”.
Sempre temo repercutir materiais que possam ter sido tirados de contexto, mas não pude deixar de trazer isto. ATENÇÃO: não procurem por “Ana Alcalde” no Google!
E pra terminar esta semana lutando por uma Nova (Des)Ordem Mundial sem gordofobia:
