quarta-feira, 17 de dezembro de 2025

Prisioneiros comem impostos de Israel?


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“Certa noite em Campo Grande eu dei a maior trepada...”


David Sharp, mais conhecido como Televisor, é um analista militar israelense, de jeito bem peculiar e onipresente na mídia de oposição exilada em língua russa. A barreira do idioma o torna menos conhecido fora de mídias como TV Rain, VOT TAK, Novaya Gazeta Evropa, Nepechatnoie, Canal 9 (Israel) e outras, mas ele comenta praticamente todas as guerras mais importantes em curso no mundo, notadamente a invasão à Ucrânia e o combate de Israel aos proxies iranianos. Não seria muito difícil achar pessoas no Brasil, com ou sem especialização, partilhando de suas posições totalmente pró-Israel e contra sua divisão com os árabes (“Deus nos livre da criação de um Estado palestino!”, disse ele certa vez).

Seu russo é muito estranho, porque além de falar ora disparado, ora que nem um robô, Sharp usa expressões meio literárias e pouco usuais (pelo menos na variante que domina na Rússia) e às vezes coloca os adjetivos depois dos substantivos, totalmente o contrário da regra padrão. Além disso, sua onipresença contrasta com seu relativo low profile nas redes sociais, de forma que é bastante difícil encontrar informações biográficas suas, duas das raras exceções sendo esta página e esta entrevista a que ainda não assisti. Resumidamente, ele nasceu em 1974 na RSS da Ucrânia, transferiu-se (ou “repatriou-se”, como eles costumam dizer) pra Israel em 1991, serviu no Tsahal de 1993 a 1997 e tem formação superior em administração. Também trabalha como tradutor e editor, mas lançou seu canal no YouTube somente em novembro de 2023.

Há algumas semanas, quis postar um trecho de uma entrevista sua pra outro canal, em que ele nega a existência de um “povo palestino” separado dos outros árabes da região (sírios, libaneses e jordanianos). Mas achei os argumentos bem superficiais e a discussão inútil, de forma que joguei fora o vídeo e a transcrição. Algum tempo depois, numa das recentes edições de seu quadro de perguntas e respostas, Sharp encarou um questionamento sobre o que fazem os terroristas presos em Israel e se vivem às custas dos “pagadores de impostos” (figura bem cara ao Brasil também). Dado que o próprio modo como a pergunta foi feita lembra muito nossa contrariedade com a chamada “bolsa preso” e que, no final, a resposta é que o Estado realmente arca com todo o aparato, resolvi cortar esse trecho, traduzi-lo diretamente do russo com a ajuda da transcrição automática do YouTube e editar levemente pra publicar aqui (1/10 da fala é só “ééé”, “éee”).

Tenho minhas dúvidas sobre o argumento básico, de que os presos palestinos em Israel (“terroristas”, em sua maioria) levavam uma vida razoável. Mesmo antes do 7 de Outubro, sabemos como até mesmo mulheres e crianças detidas por anos sem julgamento (algumas das quais libertadas nas negociações mais recentes) passavam por maus bocados, sem contar os casos de abusos sexuais, mesmo de mulheres soldados contra homens detidos. Dá pra saber “que pito toca” David Sharp, mas sempre gosto de trazer opiniões fora do mainstream intelectual (você acha mesmo que André Lampadajst é tão influente assim?) pra causar um pouco de fuzuê. Tanto mais que a barreira linguística priva o bananeiro mérdio de muita coisa interessante, e que esse analista é realmente muito informado:


1) Do que se ocupam os terroristas presos nas cadeias israelenses? Trabalham, produzem alguma coisa ou vivem às expensas do Estado e, portanto, de nós, pagadores de impostos? 2) Por que, entre os presos, não se conduz um trabalho educativo sobre Israel e nossa história pra contrapor ao que eles aprendem em casa?

Bem, vou começar diretamente pela segunda pergunta. Em minha opinião, semelhante tipo de trabalho educativo é uma absoluta insensatez. Não faz nenhum sentido tentar reeducar os inimigos que se encontram na cadeia e são criados no seio da mãe pra odiar Israel com bases ideológicas, religiosas, nacionais etc. ou lhes dar qualquer tipo de palestra. Não há qualquer razão pra empreender semelhantes esforços, pois é algo absolutamente inútil e irracional. Naturalmente, quaisquer recursos nossos merecem ser gastos de qualquer outra forma totalmente diferente.

Mas quanto ao mais importante, isto é, do que eles se ocupam? Eles não fazem nada, não trabalham. Aliás, os presos já condenados têm até mesmo às vezes a possibilidade, especialmente aqueles que já desfrutam da progressão de regime, de sair pra trabalhar e voltar pra penitenciária, por exemplo, em alguma etapa avançada de sua pena. Claro que tudo depende do artigo, do comportamento etc. Até onde sei, os terroristas nunca trabalham.

Do que se ocupam? Ficam o tempo todo sentados, se comunicam, elevam seu nível de preparação ideológica, se ligam com quem está em liberdade do jeito que podem (por meio de advogados ou quaisquer equipamentos infiltrados que os carcereiros conseguem confiscar com algum sucesso), decidem questões políticas e de outra natureza e até mesmo, me desculpem pelo termo, fazem sexo, algo muito difundido entre eles.

Por um tempo bastante longo, sobretudo antes do ataque de 7 de outubro [de 2023], viveram em condições relativamente confortáveis. Claro que temos a tendência a pensar que era exatamente um verdadeiro resort, mas não é nada disso. Resort é algo do tipo das cadeias norueguesas ou de algumas holandesas. Mashallah as coisas em Israel foram decididas um pouco melhor. Mesmo assim, eles tinham muita coisa boa na cadeia, inclusive o acesso a muito dinheiro recebido da Autoridade Palestina na qualidade de bolsas e salários. Além disso, quanto mais grave o crime, quanto mais crimes e tempo de prisão, mais dinheiro correspondente eles recebem.

Eles tinham a possibilidade comprar na cantina da prisão produtos de altíssima qualidade que eles mesmos fabricavam. Em resumo, os terroristas nas cadeias israelenses se alimentavam, digamos, com muitíssima decência. E no geral eles tinham condições enormemente razoáveis, embora aqui e ali houvesse restrições etc. Mas desde o 7 de Outubro, com a abordagem do atual ministro da Segurança Nacional, [Itamar] Ben-Gvir, e o entendimento geral da sociedade israelense, a vida deles piorou fortemente e foi suprimida a possibilidade de adquirir essa comida.

Assim como há muito tempo já havia sido suprimida, é verdade, a possibilidade de estudar a distância em diversas universidades israelenses. A propósito, eles não estudavam às custas de Israel, mas pagavam com o próprio salário, um dinheiro pra estudos, mas mashallah eles também foram privados dessa possibilidade de estudar. Aqui é importante falar logo: quando falamos dos fracassos que precederam o 7 de Outubro e, no geral, da fracassada estratégia israelense, a relação com os terroristas presos é um dos componentes da fracassada estratégia israelense.

Dado que na sociedade árabe-palestina a questão dos presos desperta sensibilidades, sempre se considerou em Israel, em particular no Shin Bet e na Aman, que se os presos começassem a reclamar, isso aumentaria ainda mais a pressão internacional exercida sobre Israel e levaria a diversos tipos de desordem, sobretudo em Gaza e na Cisjordânia. E pra que isso não gerasse desordens, seria preciso lhes proporcionar condições altamente confortáveis. Assim, o princípio de que se ao menos não houvesse a guerra ou a escalada, voltaríamos até a tais condições de encarceramento ao invés de uma prisão rígida, é uma total blasfêmia.

Essa abordagem predomina há décadas. Nenhuma luta social conduzida por uns e outros ativistas ajudou. Pro Shin Bet era importante que eles não reclamassem. Espero que também depois dessa guerra e com o correr dos anos, essa abordagem que pressupõe um receio diante do que os terroristas palestinos realizam na cadeia e que isso levaria a uma nova intifada seja categoricamente abolida. A punição deve ser substancial, e como considero pessoalmente, o encarceramento deve ter o máximo de rigidez, ter o mínimo do mínimo das condições mencionadas por certas regulações internacionais de detenção. Naturalmente elas devem ser obedecidas, mas nem um grama a mais.

Mas quanto a como e quem é detido e a intromissão do sistema judiciário nessa questão, já é outra história. Ocorreram determinadas mudanças substanciais pra melhor, basicamente quando já tinham começado as operações militares após o ataque do Hamas. Melhor assim, pelo menos.



Sabá Bodó “ensinando a história de Israel” a Nhô Barghothi...

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