Volta e meia estes vídeos são regurgitados do esgoto autocrático que Belarus foi se tornando desde 1994, quando Aliaksandr Lukashenka (eu escrevo o nome em belarusso, e não no russo “Aleksandr Lukashenko”) venceu as únicas eleições livres pra presidente do país recém-independente. A antiga RSS da Bielorrússia elegeu o populista e ex-gestor de fazenda estatal soviética (sovkhoz) que prometia acabar com a corrupção, mas logo de cara já mandou prender, perseguir, exilar, torturar e matar opositores políticos. Isso, em meio a opiniões “intelectuais” no Ocidente o pintando como um antifascista respeitoso da antiga “glória” da “pátria do proletariado internacional”.
Esse “antifascista” deu uma entrevista em 1995 ao jornal alemão Handelsblatt, na qual em certo momento elogiou o “poder férreo” com que o Adolfo levou a Alemanha a seu “ponto culminante” em séculos e, como que antevendo como seria seu mando, disse que esse poder equivalia a sua “compreensão” do presidencialismo. Dizer coisas positivas sobre o adolfismo dá tão ruim entre os próprios alemães que o periódico sequer publicou esse trecho escrito, temendo enroscos judiciais. Contudo, na rádio estatal belarussa a íntegra foi ao ar, provavelmente causando náuseas entre famílias cujos antepassados estiveram entre os primeiros a sofrer o ataque do Reich ao enorme território soviético em 1941.
Tempos depois, tentando se explicar, “a emenda saiu pior que o soneto”, como dizemos aqui, e o tirano só conseguiu tecer ainda mais loas ao pintor austríaco frustrado. A rádio e TV “Nastoiascheie vremia” (também conhecida como “Current Time”) fez uma boa edição do áudio há alguns anos, e foi a partir de suas legendas que consegui traduzir e colocar cada trecho em um parágrafo:
A história da Alemanha, em algum grau, é uma réplica da história de Belarus em determinadas fases. A seu tempo, a Alemanha foi reerguida das ruínas graças a um poder muito férreo. E nem tudo foi apenas ruim na Alemanha com relação ao famoso Adolf Hitler. Pois a ordem alemã levou séculos pra ser formar. Sob Hitler essa formação atingiu seu ponto culminante. É isso que corresponde a nossa compreensão da república presidencialista e, nela, do papel do presidente.
Lukashenka teria elogiado Hitler um dia. Mas eu já falei sobre isso, é uma insensatez absoluta. Se eu tivesse feito isso em Belarus, talvez eu já nem fosse mais presidente há muito tempo. É uma falsificação corriqueira, a mais autêntica falsidade forjada na Polônia com a colaboração de nossos opositores e colaboradores da CIA.
O que eu não declarei? Eu falei sobre Hitler. Bem, havia um fascista no poder. Bem, havia no poder o mais autêntico idiota que aniquilou muita gente, mas unificou a nação. Unificou por meio de um poder férreo nessa fase. Deu resultado? Por isso não se deve me maldizer porque queremos ter na República de Belarus um sério poder férreo.

Mas, como não há mal que dure pra sempre, recebemos neste sábado uma excelente notícia! Num quadro de negociações com os EUA, a quem Lukashenka está recorrendo pra aliviar as sanções, a ditadura belarussa libertou 123 presos políticos, entre os quais alguns famosos, como os políticos Andrei Babaryka e Marya Kalesnikava (na foto) e o Prêmio Nobel da Paz de 2022, Ales Bialiatski. Desses 123, 114 foram pra Ucrânia, recebidos pela organização estatal “Eu Quero Viver”, que ajuda desertores russos fugindo das hordas invasoras ou dos territórios ucranianos ocupados.
Analistas políticos consideram que esse pode ser um passo pra uma tímida liberalização, mas reiteram que, antes de constituírem solturas, esses indultos são antes um exílio forçado, pois os belarussos não são deixados na terra natal, mas mandados contra a própria vontade pra países vizinhos.
Aproveito pra fazer dois adendos em 19/12/2025. O primeiro é esta notícia do portal dissidente Khartya ’97, que traz o vídeo completo da conversa via videoconferência entre o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e os presos políticos belarussos que tinham acabado de ser libertados no domingo. A maioria dos libertos fala em russo, mas o segundo deles fala em belarusso, e Zelensky declara que entende a língua muito bem e sequer pensava que era capaz disso. Claro que sim: o belarusso compartilha muito mais traços com o ucraniano do que com o russo, sobretudo no vocabulário. E é interessante que o presidente lhes fala em ucraniano (que também é mutuamente compreensível), ao invés de falar em russo, sua língua materna, hoje manchada pela agressão genocida de Putler.
Segundo adendo, pelo qual agradeço à amiga Volha Franco: se você estiver em Belarus, cuide de sua segurança! Existe um portal (em inglês, italiano, belarusso, russo e polonês) da associação que protege os direitos humanos, ajuda os presos políticos no país e informa os interessados no assunto. Divulgue entre seus contatos, sobretudo aqueles defensores alienados de Lukashenka e Putin que ainda os consideram “líderes fortes anti-imperialistas”!
Acesse ou guarde também o endereço reserva, o canal do Telegram, o bot do Telegram e o perfil administrador, pra perguntas em geral. Divulgue e leve a sério mesmo, pois serviços desse tipo podem savar vidas quando um país é transformado num campo de concentração a céu aberto. E lembre-se, nenhum estrangeiro está a salvo, pois a qualquer momento, por qualquer pretexto, pode ser preso por um crime inventado e ser usado como moeda de troca com seu país de origem!
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