No domingo de ontem, 28 de abril, centenas de manifestantes, sobretudo jovens, se reuniram na frente do prédio do parlamento pra protestar contra a aprovação, por iniciativa do governo, de uma lei que impõe um registro especial e, portanto, regras mais rígidas e várias restrições a pessoas e instituições que recebam mais de 20% de financiamento vindo do exterior. Apoiada pelo partido Sonho Georgiano, que constitui a maioria legislativa e se posiciona em quase tudo a favor da Rússia (ou melhor, de Putin), é bem vista por alguns analistas, que apontam a facilidade com que interesses externos influenciam o rumo de várias democracias. Porém, a oposição, em grande parte alinhada com o ex-presidente Mikheil Saakashvili, a considera um instrumento de cerceamento das dissidências e uma cópia da lei russa sobre os “agentes estrangeiros”, na verdade um rótulo usado a torto e a direito pelo Kremlin pra punir desafetos que não se alinham completamente com sua ideologia e ousam lhe fazer a mínima crítica.
A Geórgia é uma república parlamentarista, portanto, o primeiro-ministro tem mais poder do que o presidente, atualmente Salome Zurabishvili, ardente adepta do alinhamento e da adesão à União Europeia e do afastamento da órbita moscovita. Apesar do longo histórico de conflitos que muitas vezes chegaram ao enfrentamento bélico entre os dois países, o partido Sonho Georgiano se recusou a impor sanções à Rússia após o começo da invasão em larga escala à Ucrânia, enquanto a maioria da população não só rejeita a influência russa, mas também prefere a integração europeia (ver as muitas bandeiras da UE circulando) e apoia Kyiv. De fato, muitos georgianos já se voluntariariam pra combater ao lado dos ucranianos, e a situação territorial é muito semelhante à da Ucrânia: 20% do país estão ocupados por separatistas que, na verdade, são controlados de Moscou, mesmo que etnicamente a Abecásia (Abkhazia) e a Ossétia do Sul não sejam georgianas. Mesmo assim, a Rússia integra o punhado de nações que reconhecem sua independência, além de ter invadido a Geórgia em 2008, chegado às portas de Tbilisi e expulsado a população georgiana dessas regiões.
Portanto, vemos que os motivos de ressentimento são enormes. Antes e depois da aprovação daquela que chamam de “lei russa”, manifestantes se reúnem todo fim de semana nas ruas de Tbilisi pra mostrar também sua inclinação pela Europa e sua rejeição a Putin. Como vemos nestas imagens que “printei” ontem do canal de oposição Droeba, alguns chegaram ao ponto de pichar frases antigoverno no meio da pista, como foi o caso desta peculiar romanização do slogan ucraniano “Путін хуйло!” (Pútin khuiló), que pode ser traduzido como “Putin é um car...!” ou “Putin, vá se f...!”. Dado que, dependendo da língua, a letra xis (cuja forma é a mesma do “khá” russo, um som escarrado) pode ter pronúncias diferentes, um brasileiro comum que lesse isso diria “shúilo” ou no máximo “shuílo”, rs.
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A repórter russa de origem georgiana, Ekaterina Kotrikadze, que apresenta um programa semanal de geopolítica no canal exilado TV Rain (Dozhd), também estava lá!
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Como se pode ler pelas frases que fiz notar serem as mesmas, o lema dessas manifestações tem sido “არა რუსულ კანონს!” (Ara rusul k’anons!), “Não à lei russa!”, às vezes acrescido de “კი ევროპას!”(K’i Evrop’as!), “Sim à Europa!”, lembrando que o alfabeto georgiano não diferencia maiúsculas e minúsculas. E se você também percebeu alguma semelhança, acertou: a palavra “კანონი” (k’anoni) significa “lei” e tem a mesma origem de “cânone”, em português só usado hoje no sentido de “regra” ou “preceito” religioso, além de outras áreas restritas:
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