segunda-feira, 22 de janeiro de 2024

O inglês do novo premiê da França


Link curto pra esta publicação: fishuk.cc/attal-en


No último dia 9 de janeiro, Emmanuel Macron demitiu a primeira-ministra francesa Élisabeth Borne, considerada uma das mais impopulares da história (embora fosse apenas a segunda mulher a assumir o posto), e colocou em seu lugar Gabriel Attal, aliado do presidente desde que ele lançou seu movimento pra concorrer à presidência em 2017 e considerado parte de seu entorno mais fiel. Mais importante, é o mais jovem premiê a assumir na história republicana da França (o mais jovem da história foi Louis 4.º Henri de Bourbon-Condé, nobre que ainda durante o Antigo Regime assumiu aos 31 anos o cargo de “primeiro-ministro” ou “principal ministro”, que era essencialmente um conselheiro oficioso do rei absolutista) e o primeiro chefe de governo a se declarar abertamente homoafetivo. O cargo de “chefe de governo” na França, quando existia, já teve vários nomes, origens e atribuições ao longo da história, sendo chamado de “presidente do Conselho de Ministros” na maior parte dos séculos 19 e 20 (neste último, em grande parte sob um regime parlamentar) e recebeu o nome atual em 1958, quando Charles de Gaulle obrou pela implementação do semipresidencialismo.

Assim como Éric Zemmour (que se pode localizar, porém, à extrema-direita no espectro político), é descendente de judeus do Magrebe, região do norte da África outrora também colonizada pela França, mas também conta em sua família com ascendência grega ortodoxa de Odesa e de nobres franceses. E assim como Macron, ingressou no Partido Socialista em 2006, mas ao contrário do futuro chefe, que logo se desfiliaria em 2009 (mesmo depois integrando o governo socialista de François Hollande), aí se manteve até 2016, quando se desfiliou visando se juntar ao novo partido de Macron, então chamado “Em Marcha!”. Formado em Administração Pública, estudou Direito sem concluir o curso e atuou por muitos anos no teatro, mas desde cedo se envolveu nos bastidores da política. Sua ascensão é considerada fulminante: conselheiro municipal (mais ou menos nosso vereador) em 2014, deputado pela primeira vez em 2017, primeira secretaria de Estado em 2020, primeiro ministério em 2022 e finalmente ministro da Educação em 2023, sucedendo ao historiador Pap Ndiaye, de quem muito se esperava, mas que não deixou marca nenhuma.

Em pouco menos de seis meses no cargo, Attal teve sua imagem projetada nacionalmente numa época difícil pra lida com assuntos societários na escola, como o uso por alunos de vestimentas associadas ao islã, o combate ao bullying e ao cyberbullying juvenis e a experimentação da volta dos uniformes únicos nas escolas. Nenhuma dessas medidas trouxe avanços concretos, mas o ajudaram a se tornar um dos políticos mais populares entre os franceses e facilitaram o caminho pra que Macron o colocasse no lugar da desgastada Borne. Sua origem abastada e a formação em ciências humanas, sua iniciação como centro-esquerda, mas com marcada atuação de direita identitária, a idade com que ocupou cargos importantes e a rápida escalada de funções – bem como, de forma pejorativa, sua aparente recusa a fazer sombra ao presidente – o fizeram ser chamado de “bebê Macron”, com potencial pra uma futura eleição presidencial.

Segundo consta em seu LinkedIn, que pesquisei há alguns dias, Attal teria um domínio indefinido (não é citado nenhum nível) de inglês e italiano, embora ao procurar uma possível entrevista ou discurso em inglês (o que é muito feito com aspirantes ou estreantes na grande política francesa), não achei quase nada, exceto por este curto trecho de uma entrevista, no primeiro aniversário da invasão de Putin à Ucrânia, concedida a Symone Sanders-Townsend no canal americano MSNBC. Então encarregado das contas públicas como uma espécie de “subministro”, segundo o Facebook da Embaixada da França nos EUA, que publicou o trecho no dia 28 de fevereiro de 2023, Attal explica que a unidade vista durante a agressão russa não tinha como cessar. No Équis, ele foi muito elogiado por seu domínio do idioma; há uma versão de qualidade mais alta na conta da própria Symone.

Antes da própria tradução, apenas um desvio pra tratar de outro assunto muito caro às fofocas brasileiras: religião. Segundo um site que traz notícias de judeus ao redor do mundo, Gabriel Attal não seria “alheio à transcendência”, mas também não praticaria nenhuma religião específica, embora fosse batizado e criado na cristandade ortodoxa russa de sua mãe. Por sua vez, seu pai muito o ajudou a forjar sua identidade parcialmente no judaísmo, pois lhe dizia que mesmo não sendo dessa religião, poderia sofrer antissemitismo devido ao sobrenome, comum entre os muitos judeus tunisianos e argelinos vivendo na França. Isso explica por que Attal e Éric Zemmour são judeus, embora seus nomes possam soar árabes. O pai de Élisabeth Borne também era um judeu sobrevivente do Holocausto, que viria a se suicidar anos depois.

Vamos ao que interessa. Eu mesmo transcrevi e traduzi, mas eu acho que essa senhora fala tão truncado que não poderia ter feito a transcrição sem as closed captions que estavam disponíveis no Équis dela, mesmo que elas mesmas ainda tivessem de ser levemente corrigidas; a fala do Attal é bem mais fácil:


One year ago, Vladimir Putin was still, I think, seriously underestimating Ukraine’s response, and frankly the strenght of the European Union, the strenght of NATO. One year later, we are here, the war’s still raging, but folks seem united in support of Ukraine. Can we, though, expect that united front to continue? Because there are cracks.

Of course. This unity will continue, because what is at stake is so much more than Ukraine’s security, it’s the whole European Union’s sovereignty and the world’s stability, and also our common values of freedom and democracy. And I think a year after the invasion began, we can say that Russia went through three major failures. First, the failure on the battlefield, the initial invasion plan was defeated by the heroic Ukrainian resistance. Second failure is the failure to rally all the countries in an anti-Western union, Russia is more isolated than ever. And the third failure is the faliure to foresee the consequences of this choice. Russia is getting weaker and weaker every day, and more isolated every day. We just saw two major European countries, Sweden and Finland, eager to join NATO as soon as possible. So I believe that Vladimir Putin didn’t foresee all of that when he decided to try to invade Ukraine.


Há um ano, penso que Vladimir Putin ainda estava seriamente subestimando a reação da Ucrânia e, sinceramente, a força da União Europeia, a força da OTAN. Um ano depois, estamos aqui, a guerra continua cruelmente, mas as pessoas parecem unidas no apoio à Ucrânia. Podemos, no entanto, esperar que essa frente unida continue? Porque existem fissuras.

Claro que sim. Essa unidade vai continuar, porque o que está em jogo é bem mais do que a segurança da Ucrânia, é a soberania de toda a União Europeia e a estabilidade do mundo, bem como nossos valores comuns de liberdade e democracia. E penso que um ano após o início da invasão, podemos dizer que a Rússia sofreu três grandes fracassos. Primeiro, o fracasso no campo de batalha, o plano inicial de invasão foi derrotado pela heroica resistência ucraniana. O segundo fracasso é o fracasso em juntar todos os países numa união antiocidental, a Rússia está mais isolada do que nunca. E o terceiro fracasso é a falha em prever as consequências dessa escolha. A Rússia está ficando a cada dia mais fraca, a cada dia mais isolada. Acabamos de ver dois grandes países europeus, a Suécia e a Finlândia, ansiosos por aderir à OTAN o mais rápido possível. Portanto, acredito que Vladimir Putin não previu tudo isso quando decidiu tentar invadir a Ucrânia.


Pensou que tinha acabado? Se enganou! Este vídeo foi recentemente resgatado pela própria agência INA, que fez uma reportagem entrevistando Gabriel Attal aos 9 anos de idade, em 1998, quando ele fazia aulas de teatro na própria escola em que estudava (alguma nova semelhança do “bebê Macron” com um certo espantalho por aí? Rs) e já lidava com clássicos complexos da literatura francesa. Foi um milagre, mas consegui incorporar aqui o vídeo original usando o código de programação da página!