terça-feira, 31 de janeiro de 2023

Flávio Dino no “Roda Viva” em 2019


Link curto pra esta postagem: fishuk.cc/flaviodino


O jurista Flávio Dino, eleito governador do Maranhão por duas vezes logo no primeiro turno (em 2014 e 2018), pertencia então ao Partido Comunista do Brasil (PC do B) e quebrou décadas de hegemonia da família Sarney no estado, por vezes apoiada até mesmo pelo PT. No dia 26 de setembro de 2019, já em seu segundo mandato, ele foi sabatinado no programa Roda Viva da TV Cultura pela jornalista Daniela Lima e por outros convidados. Em 2022, agora filiado ao Partido Socialista Brasileiro (PSB), que integra a base de apoio à terceira presidência de Lula, Dino foi eleito senador por seu estado e escolhido como ministro da Justiça e Segurança Pública. Nesse cargo, está tendo papel destacado no combate e desmonte à rede de desinformação e financiamento pró-Bolsonaro que levou à quebradeira na Praça dos Três Poderes no último 8 de janeiro.

Na época, eu vi o programa inteiro porque já admirava sua capacidade comunicativa, o bom conteúdo de seus discursos e o fato dele ser um progressista consequente, e fui informado de que a maioria dos maranhenses realmente o aprovava (de fato, ele também elegeu o governador sucessor no primeiro turno). Por isso, independente de partido, esperava que Dino fosse candidato à presidência da República em 2018 (quando eu poderia votar nele no lugar de Haddad) ou 2022, mas ele terminou optando pelo Senado e, enfim, por um ministério de Lula. Além disso, quando eu tinha o canal Pan-Eslavo Brasil no YouTube, que reunia inscritos dos mais diversos pontos do espectro político, publiquei os trechos como vídeos individuais. Dada a importância da figura pro Brasil atual, creio ser oportuna a recuperação das imagens e descrições que fiz na plataforma, acrescidas de algumas notas pessoais sobre o que vimos nos anos seguintes.


Reforma tributária é uma urgência – Flávio Dino critica o atual modelo de impostos, que é injusto, segundo ele, porque está focado apenas no consumo, e não na renda ou nas fortunas, o que indiretamente onera os mais pobres, mas alivia os mais ricos. Segundo ele, o Brasil é um dos poucos países capitalistas grandes que adota o chamado “modelo regressivo”, não existente na Europa rica, e isso precisaria mudar pra arranjar uma arrecadação mais sólida pro Estado. Flávio Dino vê na reforma tributária um instrumento de justiça social, mas diz que é preciso vontade política pra implementá-la a fundo, algo fora da agenda do atual governo Bolsonaro [e que de fato não se concretizou em seu tenebroso mandato].


Soluções pra economia ressurgir – Flávio Dino recusa as noções de desmonte e cortes promovidos no Estado pelo governo Jair Bolsonaro, dizendo que o investimento estatal é que pode revigorar uma economia falida como a brasileira. Ele acusa interesses privatistas pelo fechamento de várias iniciativas governamentais e afirma que o Brasil tem bastante dinheiro (reservas internacionais) que, se usado com inteligência, cobriria vários buracos. Flávio Dino não acredita que a “fé no mercado” pura e simples tenha poder pra mudar as coisas e defende várias políticas adotadas nos governos do PT, mas que deviam apenas ser retificadas, e não pura e simplesmente travadas. [Sabemos como esse desmonte foi fatal durante a pandemia da covid-19 e, agora, com a crise dos ianomâmis.]


Sobre segurança pública – Flávio Dino explica sua opinião sobre as atuais políticas de segurança pública e combate à criminalidade do presidente Jair Bolsonaro e do governador Wilson Witzel (RJ) [deposto em 2021 e substituído pelo vice Cláudio Castro, que acabou se elegendo em 2022], enquanto responde às perguntas dos participantes. Ele é contra a ideia de que ataques indiscriminados e execuções sumárias possam resolver o problema a fundo, e aposta em ressocialização, educação e melhores condições de vida pra população pobre. Na sequência da fatalidade ocorrida com a menina carioca Ágatha, Flávio Dino diz preferir uma abordagem humanizada e “empática”, pois pra ele a “violência indiscriminada” só serve de instrumento pra promoções eleitoreiras e populistas. [Mais do que isso, a liberação indiscriminada do armamento de fogo no mandato de Bolsonaro aumentou ainda mais os homicídios, sobretudo por motivos banais e direcionados contra setores historicamente discriminados.]

Eu cortei na minha seleção, mas logo a seguir o governador é questionado sobre uma recente ação de reintegração de posse executada no Maranhão, em que teria havido violência policial desproporcional.


Sobre sua religião pessoal e Estado laico – Flávio Dino responde à pergunta sobre qual é sua religião pessoal e sobre sua opinião ante o aumento da influência religiosa na política. Ele se afirma “católico apostólico romano, admirador do papa Francisco e devoto de são Francisco de Assis”, mas defende que a crença permaneça no domínio privado, sem impor os próprios interesses aos outros cidadãos por meio do Estado. [Durante as eleições de 2022, vimos o inimaginável de bolsonaristas ofendendo padres católicos, em plenas missas e até mesmo na Basílica de Aparecida durante o feriado de 12 de Outubro. Tudo porque a CNBB, mesmo não se referindo nominalmente a Bolsonaro, criticou muitas de suas políticas sociais e de direitos humanos.]


“O bolsonarismo não é um lava-jatismo” – Flávio Dino alerta que a Operação Lava-Jato tinha abusos sim, por parte de juízes, delegados e procuradores, ao contrário daqueles que a defendiam cegamente, e se felicita por estar havendo essa dissociação entre postura crítica e defesa da corrupção. Ele afirma que o “bolsonarismo” nunca foi um “lava-jatismo”, porque Jair Bolsonaro nunca teria sido um entusiasta da Lava-Jato, mas o “lava-jatismo”, sobretudo na forma da adoração do então juiz Sergio Moro, levou ao “bolsonarismo” como idolatria do salvador. O comunista pensa que está havendo um “casamento entre bolsonarismo e lava-jatismo”, mas por causa dos atritos da família Bolsonaro com os investigadores, esse casamento está se fragilizando. Flávio Dino defende uma lei contra o abuso de autoridade, mas igualmente o combate intransigente à corrupção, cuja autocrítica, porém, não devia ser feita só pelas esquerdas, e sim por todos os grupos políticos envolvidos.

[Desde o caso da vazada reunião ministerial de 22 de abril de 2020, vimos as coisas mais patéticas. Primeiro, Bolsonaro disse que “acabei com a Lava-Jato porque não tem mais corrupção no meu governo”: de fato, o que houve foi um desmonte dos órgãos fiscalizadores e sucessivas tentativas de interferir na Polícia Federal. O escândalo da “vaza-jato”, revelando áudios que provam o conluio de Moro com o procurador Deltan Dallagnol pra inculpar o PT e absolver outros, só comprovou como o processo estava todo viciado. Segundo, oportunamente, no auge do negacionismo na pandemia, Moro se afastou de Bolsonaro, renunciou ao ministério da Justiça e tentou lançar seu próprio movimento político visando, talvez, à candidatura à presidente. Falhou tremendamente, e vimos então inusitadas brigas de rua entre tiozões do Zap que ainda se mantinham “bolsominions” ou que estavam virando “morominions”. E terceiro, apesar das ilegalidades, de Dallagnol ter feito vídeos desesperados com a corda no pescoço e de Moro ter se apinhado no saco do ex-patrão na última hora e dado uma facada nas costas de Álvaro Dias pra lhe roubar a chance de ser senador, eles foram eleitos pro Congresso Nacional pelo Paraná. Assim, provaram que o crime compensa e que o discurso anticorrupção cínico, messiânico e moralista, isolado de todo contexto social maior, ainda rende votos nesta Terra de Santa Cruz...]


“Governabilidade” e alianças com vários partidos – Flávio Dino diz não ter ilusões quanto àqueles que querem governar de forma “pura”, sem chapas nem alianças, dizendo rechaçar o “toma lá, dá cá” e a negociação de cargos no governo. Ele reprova Bolsonaro por ter sido eleito se apoiando falsamente nesse discurso, o que estaria levando às constantes travadas em votações e obtenções de maioria, mas ainda assim afirma ser prioritário o combate à corrupção e rebate as acusações de “fisiologismo” na administração do governo do Maranhão. Pra Flávio Dino, as combinações entre partidos ainda são o modo mais viável de aprovar reformas, e enquanto o “presidencialismo de coalizão” não for superado, não pode também ser largado de vez, “não se deixando nada no lugar”. [Vimos que Bolsonaro não só se agarrou descaradamente ao “toma lá, dá cá” como tábua de salvação pra sua incompetência e falta de projeto, como também elevou sua nocividade a novos patamares com o “orçamento secreto” e nomeações abertamente partidárias. Além, claro, das suas trocas de partido quando lhe convém...]